You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 23
Small Town Moon


Notas iniciais do capítulo

Oi. A gente fala melhor depois. A música é de Regina Spektor. Se você gosta de ouvir a música antes ou durante a leitura, dá uma conferida nesse link aqui (http://lyssiasan.tumblr.com/post/136994257848/you-make-me-feel-wrong) agora~ se prefere depois, eu vou colocar nas finais também o/



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O teatro da escola estava relativamente cheio quando Shey chegou, ainda sem ter conseguido pensar em um jeito satisfatório de camuflar sua incerteza quanto a ir até ali, olhando ao redor de forma perdida, sem saber onde deveria ficar e o que era suposto que fizesse no meio de todas aquelas pessoas, sem companhia, durante a peça, principalmente caso alguém decidisse sentar ao seu lado e fazer comentários sobre o andamento da história.

Andou pelos cantos com hesitação, tentando localizar Daniel para deixá-lo saber que estava ali antes de ir procurar um lugar para si próprio, não o encontrando em lugar algum. Suspirou pesado, lançando um olhar à porta de saída e mordiscando o lábio, considerando voltar para casa e ler a peça em questão, Assembleia das Mulheres, em casa, confortável em sua cama e sem tantas pessoas ao redor.

— Hey. — alguém chamou repentinamente, atrás dele, alto o suficiente para fazê-lo ter um sobressalto visível e se virar rapidamente, engolindo em seco ao encontrar Santini, completamente perdido sobre o que era suposto que dissesse. O outro garoto ergueu as mãos, distanciando-se dois passos com um sorriso sem graça, olhos nervosos se desviando de Shey para o que havia ao redor e dentes cravados nos lábios. — O Danny tá nos bastidores com a Helena. Uma amiga dele é atriz e meio que tá em pânico. — explicou, soltando uma risada nervosa em seguida.

— Ah. — Shey articulou, sem saber bem o que dizer, piscando com os olhos arregalados. Santini limpou a garganta, encolhendo um pouco os ombros.

— Ele pediu pra te avisar que vamos estar bem ali, perto da porta de saída. — murmurou, apontando. Sarosh já estava lá, olhando para o celular, ao lado de uma menina de cabelos coloridos que parecia muito nova para estar no Ensino Médio. — E que, hn, você pode sentar com a gente se quiser. — completou, tentando um sorriso. Shey não conseguia entender bem porque o outro simplesmente não disse a Daniel que havia o chamado e permanecido afastado; certamente não era algo que ele julgaria, e com sorte notaria caso Daniel perguntasse e não o incriminaria.

— Ok…

— É isso, então, tchau! — ele exclamou, virando-se rapidamente e voltando para junto de Sarosh com passos apressados.

Shey comprimiu os lábios, dirigindo-se à saída e andando pelo corredor até o bebedouro mais próximo, inclinando-se e apertando o botão, deixando a água bater nos lábios e sorvendo apenas uma pequena parcela. Precisava manter a calma. Deixou de pressionar o botão do bebedouro, ajeitando a coluna e respirando profundamente com os olhos fechados. Ele podia fingir que mal conhecia Santini. Daniel vinha sendo uma pessoa amigável, e soava mal-educado apenas ir embora, principalmente agora que alguém acabaria contando a ele que estivera ali. Precisava manter a calma e voltar.

Inclinou a cabeça para baixo, tomando mais um pouco da água e conferindo se o celular e o calmante de emergência estavam nos bolsos antes de retornar a passos arrastados, encontrando um casal conversando animados perto da entrada e atravessando a porta sem fitá-los diretamente, erguendo um pouco os olhos para onde Santini indicara antes.

Daniel já havia voltado, ao menos, sentado ao lado direito de Santini, que tinha à sua esquerda a menina de cabelos coloridos, a qual fitava o garoto com um sorriso nos lábios. Começou a caminhar até lá com hesitação, desviando de pessoas que também passavam por ali e vendo Daniel virar a cabeça para olhá-lo, provavelmente ao ser avisado por um dos outros que estava se aproximando.

Ele abriu um de seus grandes sorrisos imediatamente, acenando para Shey e esperando-o chegar e se sentar ao seu lado antes de soltar uma risada pequena.

— Foi mal, eu ia ficar na porta te esperando, já que você disse que vinha. — começou, dando de ombros e fitando o loiro com divertimento. — Mas a minha amiga ficou nervosa e começou a sentir enjoou, então eu fui lá conversar com ela pra ver se ela se sentia melhor.

— Não tem problema…

— Ela tá melhor? — Santini perguntou, lançando um olhar rápido ao rosto de Shey antes de voltar-se a Daniel, não parecendo exatamente relaxado e ignorando completamente o olhar concentrado da menina em seu rosto.

— Tá, tá sim, só tava meio nervosa mesmo. Acho que acontece, né? — Santini assentiu, abrindo um sorriso. Daniel voltou-se a Shey, então, indicando a garota de cabelo colorido. — Essa é a irmã mais nova da Helena, a Tristha. Tristha, esse é o meu amigo Shey. — apresentou, em um tom contente.

— Prazer, Shey. — ela cumprimentou, sorrindo a ele por um breve momento e estendendo a mão para que esta fosse apertada, o que Shey imediatamente fez, soltando um murmúrio em resposta.

O clima entre eles caiu em algo um pouco menos ameno, então, e mesmo Tristha parecia notar, os olhares que mandava a Santini gradativamente tornando-se menos admirados e mais intrigados, provavelmente graças ao garoto estar dando respostas curtas todas as vezes que alguém se dirigia a ele. Daniel estava tão alheio quanto esperado, entretanto, comentando sobre o último jogo que havia zerado, falando do final surpreendente e de seus inimigos favoritos, perfeitamente feliz e leve, de uma forma quase invejável.

Não demorou muito à luz na plateia cair quase completamente, com a do palco se acendendo e os atores da primeira cena entrarem, iniciando o espetáculo. Era interessante ver que todos os envolvidos pareciam estar levando aquilo bastante a sério: o figurino estava de acordo com a época, assim como os cabelos, as falas modificadas para uma linguagem mais simples ainda mantinham um tom considerado mais formal, as maquiagens eram leves e os atores pareciam se esforçar para transmitir bem seus personagens. Ele sinceramente achara, ao ser convidado, que estariam fazendo aquilo sem real esforço.

Teve de se levantar mais ou menos vinte minutos depois, entretanto, avisando que já voltaria, para pegar água para o remédio que precisava tomar naquele horário, contornando a plateia para atrapalhar a visão do menor número de pessoas possível. Fez um caminho reto ao bebedouro ao sair, pondo a capsula na boca, inclinando-se e apertando o lado do bebedouro para sorver um pouco de água.

Então ergueu a cabeça, achando ouvir o som de alguém rindo, seguido do barulho do choque de um corpo contra algo de metal. Seus olhos se arregalaram e ele se viu ali, paralisado, com as mãos ainda dos lados do bebedouro, sem saber bem o que devia fazer. Ele permaneceu completamente imóvel, catártico e apavorado com a lembrança ou o barulho real, já que não poderia distinguir, no momento, até ouvir alguém abrir a porta para o teatro de forma brusca, virando para olhar, um pouco assustado, encontra Santini o encarando com olhos arregalados e o rosto pálido.

Ele se aproximou com passos duros e rápidos, parando à frente de Shey e soltando um suspiro trêmulo.

— Parece que não aconteceu nada. — falou, abrindo um sorriso fraco e encolhendo um pouco os ombros, como se ainda não vibrasse de tensão de uma forma incômoda e impossível de ignorar.

— Eu… só me distraí. — murmurou, sem saber ao certo o que era suposto que respondesse, lançando um olhar rápido ao rosto de Santini, notando um estremecer estranho na região do olho, mas não parando para olhar por muito tempo antes de voltar a fitar o chão.

— Eu não vou te atacar ou fazer alguma insinuação, se você ficar lá e assistir à peça. — ele murmurou, em um tom sério que devia combinar mais com sua voz rouca que o habitual contente e relaxado que tinha, mas estranhamente parecia completamente fora de lugar, pois Santini era tão mais leve que aquilo.

— Eu sei. — Shey respondeu em um sussurro baixo demais, assentindo com a cabeça para o caso dele não ter ouvido, porque era Santini e, por tudo que Shey sabia dele, ele não era esse tipo de pessoa.

— Também não me importo que você e o Daniel estejam amigos.

— Ok.

Eles ficaram em silêncio por um tempo, Santini ainda parado ali sem se pronunciar ou virar-se para voltar à plateia, até que ele soltou um suspiro trêmulo e remexeu no bolso. Shey ouviu o estalar de um comprimido deixando uma cartela e ergueu brevemente o olhar para ver Santini pôr algo na boca, dando alguns passos para longe do bebedouro, para que o outro pudesse ir até ali e engolir o comprimido. Ele fez um gesto, como que indicando que não precisava, recuando um pouco e respirando fundo, pondo uma das mãos sobre um dos olhos. Ah...

— Existem... existem jeitos melhores de lidar com isso. — murmurou baixinho, mordiscando o lábio e se afastando mais um passo, esperando não estar esticando demais o pouco de proximidade que restava.

— O que você quer dizer? — Santini questionou, em uma voz aérea, como se a mente estivesse em outro lugar, mas levemente trêmulo pelo que devia ser nervosismo.

— Sublinguais... tarja pretas em geral, digo, mas principalmente sublinguais... são para emergências. — esclareceu, recuando uma vez mais quando Santini o encarou diretamente, estreitando o olho que não tampava em sua direção. — Só... dizendo que... a sua psicóloga devia ensinar, você sabe, exercícios de respiração...?

— Ah, você vai se meter na minha vida agora? — ele perguntou, em uma voz fria e desdenhosa, e Shey piscou rapidamente algumas vezes, surpreso e um pouco desorientado, e Santini afastou a mão do olho lentamente, deixando-a cair. Shey não teve coragem de fitá-lo diretamente para ver se o estranho tremelique havia parado.

— Isso é viciante. — conseguiu dizer, cheio de hesitação, mantendo os olhos no chão. Porque nisso ele tinha anos de prática. — Se você não estiver usando direito... isso... isso é para casos de emergência...

— Você nem sabe para que serve. — Santini respondeu após algum tempo, em uma voz tremida um pouco irritada. — Nem porque eu tenho isso, nem qual é o meu problema, ou qualquer outra porra sobre mim. E você parecia bastante feliz em ficar afastado, então não vem se meter nisso agora.

Ele arregalou um pouco os olhos, encarando o chão e encolhendo um pouco os ombros, a mente em branco sem lhe dar nenhuma ideia do que poderia acrescentar para tentar explicar ao outro que aquilo era importante.

Então Santini voltou ao teatro e Shey respirou fundo, tentando se concentrar em voltar ao normal, indo novamente até o bebedouro e umedecendo a boca seca antes de retornar à plateia, sentando-se no mesmo lugar de antes, como se houvesse ido apenas tomar seu remédio e voltado sem contratempos, forçando-se a não mandar ocasionais olhares na direção de Santini pelo tempo que a peça durou. Mesmo assim, não conseguiu se concentrar em muita coisa e apenas disse a Daniel que havia se divertido e que os figurinos estavam, sim, bem feitos, tratando de recusar companhia antes de tratar de ir embora dali e voltar para casa.

Era impossível não pensar que aquilo poderia resultar em problemas, mesmo assim. Embora no geral os efeitos de um calmante de efeito rápido causassem um alívio inegável e imediato e fosse tentador render-se a isso toda vez que em uma situação de estresse, simplesmente não era o que devia ser feito. Esse era um comportamento que poderia resultar em vício, e cobraria seu preço quando a pessoa tivesse de se desprender do medicamente. Disso ele entendia o suficiente para se preocupar antes mesmo de procurar confirmação com alguém.

Não conseguiu parar de pensar nisso durante o banho, ou durante o jantar, e quando deitou-se na cama, fitando o teto com insistência, sua mente imediatamente entrou em um círculo frustrante, mas impossível de parar, perguntando-se o que poderia fazer para ilustrar isto a Santini, considerando explicar a Daniel e fazê-lo passar à frente, ou se podia convencer algum professor que era extremamente necessário passar algum filme relacionado para todas as turmas, qualquer coisa que pudesse ajudar...

Não foi surpresa, então, quando acabou deixando a mente passear na aula de desenho, e quando entrou na sala da psicóloga, pondo a mochila sobre uma cadeira perto da porta e indo se jogar no tapete que gostava, não pode evitar voltar-se a Gramlich com o cenho franzido.

— Eu não acho que ele saiba direito o que está fazendo. — começou a falar, sem parar para explicações, apenas concentrando-se em dizer o que lhe vinha à cabeça. — Não deve saber, mesmo, do jeito que ele tomou aquela pílula como se fosse nada. — pôs a cabeça entre as mãos, mantendo os olhos fixos em um ponto no braço do sofá. — E eu não consigo parar de pensar nisso, não consigo, porque ele não sabe o que está fazendo e calmantes tarja preta podem viciar tão rápido, não é? Tanto química quanto psicologicamente, não é? Eu me lembro disso. Disseram para nunca exagerar, disseram para mim, mas eu não acho que tenham dito para ele.

— Por que não? — Gramlich questionou, em um tom tranquilo demais para a situação desesperadora, e Shey soltou um barulho frustrado, começando a fazer círculos em sua coxa coberta pela calça jeans.

— Ele tomou as pílulas como se fosse nada. — insistiu, ofegando baixinho, e Gramlich soltou um barulho de entendimento.

— E como você sabe que o que é nada para você é nada para ele? — ela questionou suavemente, e Shey piscou, ligeiramente confuso por um momento.

— Eu... só estava lá... — murmurou, erguendo uma mão para bagunçar os cabelos. — Só estava lá parado de frente.

— E vocês não se falaram?

— Bem... — se interrompeu, repassando o pequeno diálogo antes que Santini puxasse o remédio. — Bem... eu... sim, mas realmente não foi nada... grande.

— Talvez tenha sido algo grande para ele. — ela rebateu, ainda tranquila e controlada como sempre.

— Ele sempre pareceu mais forte que isso. — continuou, resfolegando. — Ele sempre, sempre pareceu. Mas ele não é, eu acho. Ele tinha o remédio, e ele sabia como usar, e pôs debaixo da língua e era triste. Era triste, tão triste, alguém fazendo algo assim sem saber exatamente o que está acontecendo, e ele é... ele parecia tão firme e melhor que isso. Mas ele morde os lábios, eu podia ver isso, eu podia ver, mas eu não sabia se isso era aceitável, mas não é, é? Morder os lábios.

— Isso depende muito de como é feito. — ela começou, parecendo quase hesitar desta vez. — Pode ser um sinal de nervosismo ou empolgação muito comum, nas pessoas. — ela sorriu quando o viu coçar a cabeça um pouco mais forte. — Algo a dizer?

— Sangue. — murmurou apenas, e ela soltou um som de entendimento.

— Certo, então é sinal de algo mais grave, sim.

— Eu nunca notei. Eu nunca noto. — ofegou, arrastando as mãos pelos cabelos novamente. — Por que eu—

— Calma. — ela pediu, em um dos raros momentos que o interrompia. — Respire. Vamos tentar a respiração quadrada?

— Ele é gay, mas sempre esteve lá tentando me ajudar e eu nunca notei nada do que estava acontecendo, mesmo quando ele me— Shey se interrompeu, começando o exercício de respiração recomendado por sua psicóloga com alguma dificuldade, vendo Gramlich hesitar por um momento, parecendo prestes a se erguer, então decidindo que não precisava e permanecendo no lugar. — Eu não queria ser assim.

— De qual aspecto seu estamos falando?

Shey hesitou, piscando por um momento e então se encolhendo, girando dois dedos da mão esquerda dentro da manga comprida direita do casaco, sem conseguir encontrar uma resposta concreta para a psicóloga.

— Tudo.

— Absolutamente tudo em você?

— Sim.

— A educação que sua mãe lhe deu, então. — Shey ergueu os olhos para ela em choque, vendo-a apenas fitá-lo com seriedade.

— Não...

— Seu talento para artes.

— Isso... não é... hn, isso não é um aspecto da minha personalidade. — Gramlich arqueou uma sobrancelha, sorrindo.

— Você disse cada parte de você. — apenas permaneceu em silêncio, abaixando os olhos para o chão. — Sua aparência, então.

— Ela é comum. — respondeu, algo estranhado. — Acho que tenho controle suficiente das minhas feições para simular que sou alguém normal por algum tempo.

— E como você se sente, quando faz isso?

— É exaustivo.

— Apenas isso? — Shey vacilou por um momento, concentrando-se novamente nos movimentos que fazia com os dedos sob a manga.

— Creio que sim? — respondeu, pensando um pouco. — Já é exaustivo ter de ler as expressões e tons de voz das pessoas.

— Bem, e você não acha que se saí muito bem nisso? — ela questionou, e havia uma espécie de brilho quase orgulhoso em seus olhos, tornando praticamente impossível que simplesmente dissesse que discordava.

A consulta seguiu como geralmente era, tomando curvas inesperadas todo o tempo, chegando a lugares que quase pareciam não ter nenhuma ligação com o que diziam antes, até que o tempo se esgotasse e Shey tivesse de ir embora, a história de Santini não tomando cuidado com os remédios ainda lhe martelando a cabeça.

~o~

A escola parecia ainda mais um lugar inconsistente e que não apreciava a presença de seus próprios alunos, como se houvesse pequenos fantasmas escondidos nos cantos dos corredores, sussurrando palavras horríveis nos ouvidos de todos que estavam com um humor sombrio, transmitindo estresse e hesitação e medo. Porque era disso que a escola parecia se tratar, no fim, certo?

Shey ainda preferia a solidão de sua sala de aula vazia, apenas ele e ele mesmo, que o tumulto agitado do refeitório, com várias pessoas falando alto e coisas acontecendo ao mesmo tempo. Ao menos quando precisava passar o intervalo sozinho. Mesmo assim, algum tempo após o sinal para o almoço tocar naquele dia, quando todos os seus colegas de classe já haviam saído, levantou-se de sua carteira, indo em direção à saída e tentando não pensar em nada.

Era frustrante que, no último momento, quando já estava frente a frente com a maçaneta, houvesse congelado completamente, comprimindo os lábios nervosamente e não podendo se convencer a sair e ir até o lugar onde Santini, Daniel, Helena e Sarosh costumam se sentar, engolindo em seco e desistindo após algum tempo, escorregando pela parede e brincando com os próprios dedos, negando com a cabeça para si mesmo.

Sabia bem que precisava se apressar para falar com Santini, antes que conseguisse convencer a si próprio de que não era necessário fazê-lo, o que quase certamente aconteceria se fosse para casa sem conseguir o que queria, tendo todo o resto do dia e a noite para pensar e nada para realmente impedi-lo. Entretanto a perspectiva de dirigir a palavra ao garoto depois do que acontecera entre eles parecia simplesmente inconcebível. Principalmente sendo ele a pessoa a iniciar um diálogo, pois por que exatamente Santini pararia para ouvi-lo?

Balançou a cabeça, voltando a sua carteira e puxando o caderno de matemática, tentando se concentrar em revisar os problemas que resolvera e manter a mente afastada do que tinha de fazer, porque quanto mais pensasse mais distante estaria de conseguir efetivamente, se bem se conhecia.

Conseguiu, de alguma forma, se manter relativamente concentrado nas aulas e nos sussurros dos alunos, e aparentemente Gretel Wernersbach e Fritz Mundelsee estavam tendo um caso, seja lá quem fossem essas pessoas, a menina na cadeira ao lado não sabia se devia ir contra a castidade e dormir com o namorado novo e o garoto próximo, do outro lado, estava tentando conquistar, seduzir, ou qualquer coisa semelhante, Evelyn Dähne do terceiro ano.

Talvez fosse culpa dele, mas soava um pouco como se todos os boatos fossem parecidos e desinteressantes na mesma proporção. Poderia traçar um padrão sobre o número de vezes que era algo que não estava relacionado com um relacionamento amoroso, ou que era de fato um problema. Mas supunha que não era tão melhor, já que... bem, ele não estava pensando nisso, por enquanto.

Levantou-se para realizar seu ritual diário de arrumar os livros com calma e cuidado assim que o sinal tocou, não se apressando no mais mínimo, já que ou Santini iria embora imediatamente, com seus passos rápidos, e não conseguiria falar com ele, de qualquer forma, ou se sentaria na frente da escola para esperar Sarosh. E é claro que se deixasse para outro dia o mais provável era que não fosse fazer, mas não estava pensando muito nisso, definitivamente.

Santini estava lá, por sorte, com headphones azul neon na cabeça e batucando os dedos nos joelhos. E não parecia Santini, pois ele geralmente fazia expressões exageradas e balançava de leve o corpo sempre que escutava música, mas talvez Shey simplesmente não soubesse nada sobre Santini. Era sempre importante considerar essa possibilidade. Ele parou no portão, tentando ser rápido ao tirar a mochila das costas e pegar os papeis pautados grampeados de pastinha na qual mantinha seus papeis avulso.

Apressou-se a caminhar até estar em frente ao outro, vendo Santini erguer o olhar para ver quem era e imediatamente empalidecer, desviando o olhar e abaixando o headphone antes de voltar-se a Shey e encará-lo. E ele tinha mesmo olhos lindos, de um azul-forte e tão expressivos, brilhando quase que em desafio, no momento. Eles se nublaram em desentendimento quando Shey estendeu o papel após um breve cumprimento sussurrado, pegando-o com hesitação e arqueando uma sobrancelha em sua direção, bom como sempre em transmitir os pensamentos com o rosto.

— Eu não sabia como ajudar. — conseguiu dizer apenas, com a boca seca, vendo Santini franzir um pouco o cenho, fitando o papel.

— Eu vou perguntar antes de abrir: isso é religioso? — ele questionou, em um tom quase brincalhão, embora levemente estremecido.

— Não. — respondeu, negando com a cabeça. — É químico. — completou, pois de fato química era grande parte do que havia colocado no conjunto de artigos científicos transcritos e simplificados que fizera com ajuda de algumas pesquisas do significado das palavras do meio médico, junto com algumas pequenas matérias e artigos sobre efeitos psicológicos do remédio e placebo.

Santini virou a página, para ver a parte escrita, mantendo os olhos ali por um momento, voltando um olhar confuso a Shey, e de volta ao papel.

Então ele gargalhou. E sua risada era muitas coisas, entre elas sincera e soluçada, ridícula e contagiante. Naquele momento, entretanto, soava como algo extremamente necessário ao seu organismo, e Shey quase pôde se sentir melhor por dentro, embora não entendesse o que a causou, inundado por alguma coisa boa que fingia não notar sentir falta.


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Notas finais do capítulo

Oi de novo. Eu não vou nem dar desculpas a vocês, embora eu vá PEDIR desculpas, porque realmente, demorou muito, muito mesmo. Sinto muito. Com sorte tanto o que fez atrasar de fato quanto o meu bloqueio não se repitam.
Eu fiz uma postagem no meu tumblr com a lista completinha toda bonitinha das músicas título de todos os capítulos. Sintam-se livre para entrar em contato comigo pelo tumblr também, aliás.
Aqui vai o link: http://lyssiasan.tumblr.com/post/136994257848/you-make-me-feel-wrong
Até mais, guys, e espero que tenham tido um fim de ano adorável o/