You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 18
One more time with feeling


Notas iniciais do capítulo

A música do título é da Regina Spektor.



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Existem alguns momentos na vida em que o tempo parece ter sido suspenso no ar, ondas elétricas percorrendo as partículas paralisadas e deixando aqueles que participam daquele momento com a sensação perturbadora e aterrorizante de que ele nunca irá passar, e que mesmo que isso ocorra nunca se escapará completamente dele; o coração acelerado dizendo que seu dono devia se preparar, mas o cérebro incerto sobre para quê.

Shey sentiu-se dessa forma quando notou Santini caminhando em sua direção no corredor da escola, acompanhado de Sarosh, o sorriso costumeiro bem vivo no rosto até que os olhos azuis batessem em sua imagem e se arregalassem, sua linguagem corporal assumindo uma postura incerta que parecia errada nele.

A bem da verdade, a culpa provavelmente fora bem dele: andando por aí olhando para trás mais que para frente, não prestando atenção o suficiente em todas as direções, e não notando o outro até que já estivessem ambos praticamente na metade do corredor. Ele tentou pensar no que fazer, com o corpo congelado como no dia do baile, os olhos um pouco arregalados enquanto fitava o garoto.

Santini espelhou sua reação nos primeiros segundos, enquanto Sarosh começava a tentar puxar seu casaco para que voltassem pelo caminho pelo qual haviam vindo. Então ele agarrou o pulso do amigo, encarando Shey com mais firmeza e arqueando uma sobrancelha para ele por um segundo antes de voltar ao ruivo e continuar andando, quase o arrastando na direção que pretendiam seguir antes.

— Bom dia, Shey. — ele cumprimentou formalmente ao passar, embora mal mantendo os olhos em sua figura, e Shey sentiu a respiração se perder por um instante, ofegando quando Santini saiu de seu campo de visão.

O loiro tentou seguir para a sala de Artes, respirando profundamente e fazendo seu melhor para manter o controle, pois havia sido apenas um breve encontro, uma coisa insignificante, literalmente nada demais. Ele se sentou ao fundo da sala, sentindo o cheiro de tinta impregnando o ar, o cheiro que normalmente o acalmaria, mas a última vez que ele estivera naquela sala enquanto contia uma crise ficara em um hospital psiquiátrico por dois meses, por agredir um colega.

Tentou obrigar-se a permanecer em sala, entretanto as mãos tremiam tanto, em um ponto, que não conseguia mais continuar seu desenho, e toda vez que a respiração acelerava antes que pudesse perceber e controlá-la novamente, a menina sentada ao seu lado começava a encará-lo de forma tensa. Então levantou a mão, pedindo permissão à professora para ir à enfermaria, pois não se sentia bem, e isso fez, passando no armário para pegar seu remédio antes, é claro, engolindo-o puro e antes mesmo de fechar o armário.

Ele disse à enfermeira que estava com enjôo e dor de cabeça, mas que já tomara um remédio que sempre trazia de casa, e ela lhe disse para deitar e esperar melhora, avisando com um sorriso gentil que poderia chamá-la a qualquer momento caso sentisse algo. Ele fitou o teto sem realmente vê-lo, pensando na forma como Santini o encarara antes de passar por ele, perguntando-se se agora era odiado pelo garoto, se ele sentia como se nunca mais quisesse conversar com Shey na vida, como se estivesse arrependido de tê-lo ajudado.

Ele ficou assustado com o quão desoladora a ideia soava.

~o~

— A psicóloga perguntou o que aconteceu com as aulas de desenho e o judô. — comentou baixinho, em um tom incerto.

Ele estava assistindo sua mãe e Leon jogarem videogame, com o pensamento distante, quando sua mente decidiu que era o momento certo para entrar no assunto, embora ainda não estivesse muito certo se queria mesmo falar disso, pois não achava que tinha ânimo o suficiente pra voltar a fazer atividades extras. Aloá pausou o jogo, virando para ele com uma sobrancelha arqueada.

— E o que você disse? — questionou, interessada.

— Disse que pedi para parar. — contestou, encolhendo-se um pouco na cadeira. — Ela disse que seria bom se eu voltasse e que uma atividade extra que eu gosto me faria bem.

— Bem, o que você acha? — ela quis saber, abrindo um sorriso amigável e pondo o controle de lado. Leon o encarava de forma analítica, por qualquer motivo que fosse.

— Eu não sei. — murmurou, abaixando os olhos. — Eu não quero.

— Hmmm... por quê?

— Não sei. — ele levantou um pouco o olhar, vendo o irmão ainda encará-lo e a mãe com o cenho franzido, como que pensando no que dizer. — Você acha que eu devia? — ela abriu a boca para dizer algo, então a fechou, lhe oferecendo um sorriso debochado.

— São aulas extras. Você quem sabe. — e recuperou o controle, tirando do pause e tornando a jogar.

Ele torceu um pouco os lábios, confuso e indeciso, afundando mais na poltrona e vendo sua família jogar com um pouco de tédio. Aloá soltou um som de frustração um pouco depois, largando-se no sofá com um bufar.

— Você rouba, não é? — murmurou, mau-humorada, e Leon riu, dando de ombros displicentemente.

— Nem. É só você que não joga direito, mesmo. — zombou, fazendo a mulher lhe aceitar na coxa com o joelho. Ela revirou os olhos antes de estender o controle para Shey, que o pegou com hesitação.

Ele jogava muito mal mesmo em comparação com sua mãe; contra Leon, então, era um completo desastre. O irmão não fez nenhum ataque especial, recostado no sofá totalmente relaxado, até que vencesse novamente. Shey passou o controle para a mãe, que aprumou-se no sofá, cheia de promessas sobre derrotar o filho mais velho. Dez minutos depois, ela se levantou, largando o controle, a tela exibindo o personagem de Leon como vencedor.

— Eu vou dormir. — ela decidiu, passando a mão pelos cabelos, puxando a presilha que os segurava em um coque e deixando os fios caírem até o ombro, um amontoado de cachos amassados que ela agitou com a mão. — Vão ficar acordados?

— Vou só começar Brothers e vou dormir. Amanhã tenho que começar a fazer enfeite de Páscoa lá pra classe e vou ficar sem tempo. — Aloá soltou um som de concordância, passando a mão pelos cabelos do filho mais velho.

— E você, Shey? — questionou, sorrindo para ele.

— Não estou com sono. — umedeceu os lábios, encolhendo-se. — Desculpe.

— Hn? Ah, não. Só não perde a escola. — ela se espreguiçou, começando a andar em direção à escada. — Boa noite.

— Boa noite, mãe. — Shey respondeu, em um quase resmungo.

— Dorme bem, dona Aloá. — Leon pronunciou, virando na direção da mulher em seguida, abrindo um sorriso fraco. — Vê se separa um pouco do seu preciso tempo pra sair pra beber com o seu filho no fim de semana, que tal?

— Hmmm... — ela soltou, pensativa. — Você diz comprar a bebida e voltar pra casa pra comer panqueca de batata?

— Não! — ele a encarou com indignação, revirando os olhos. — Quanto tempo você não vai num bar, mulher? Eu tô falando de beber na rua. Vou chamar a Padma, você chama um colega de trabalho, e a gente enche a cara e volta de táxi. Que acha? — Aloá riu, e Shey a ouviu voltar a andar.

— Eu vou pensar nisso.

— Vai ficar deprimido de ficar sozinho em casa? — ele perguntou a Shey assim que ouviram a porta se fechando, e o mais novo negou com a cabeça, enquanto Leon colocava o jogo para rodar. — Eu te trago strudel de maçã.

— Eu aceito. Mas não há motivo para me dar recompensas por ficar sozinho em casa. — Leon deu de ombros, selecionando seu perfil no menu do jogo.

— Você devia tentar sair com um amigo pra não ficar sozinho. — ele comentou com naturalidade. A intro do jogo começou a rodar, um cenário bonito, embora ele não gostasse muito do resto.

— Eu não... tenho mais amigos...? — murmurou, encarando o irmão com confusão, e este apenas franziu o cenho, sem virar a cabeça para olhá-lo.

— Você não acha que tá ficando tempo demais trancado em casa sem falar com ninguém?

— Eu vou pra escola...?

— Tá, e você lá tá interagindo com alguém na escola? — ele não respondeu, comprimindo os lábios, e Leon suspirou pesado. Quando voltou a falar, seu tom de voz era muito mais afável. — Talvez você devesse tentar voltar a falar com o seu grupinho, sabe?

— Não.

— Shey, qual é. Vai dizer que não sente saudades deles?

E como. Provavelmente muito mais do que devia de fato.

— Isso não importa.

— Não foi isso que eu perguntei. — Shey desviou os olhos, sem saber o que responder, ouvindo o irmão bufar baixinho. — Você devia tentar conversar com ele.

Não. — Leon pôs o controle de lado, olhando-o com uma expressão estranha, mordiscando o lábio, cheio de hesitação.

— Shey... sobre isso de você gostar de um garoto—

— Eu não gosto de um garoto! — exclamou, pondo as mãos nos lábios ao notar que talvez houvesse sido alto demais.

— Eu acho que tá na hora de te contar algo a ver com is—

— Eu não quero mais falar sobre esse assunto nojento. — interrompeu, se levantando para sair da sala, indo a passos rápidos, mas sem correr, até a escada, com a respiração descompassado.

Quando olhou para trás, já nos primeiros degraus, Leon estava encarando a parede com um olhar vazio que ele nunca antes vira no rosto do irmão. Por um segundo, pensou que devia voltar e pedir desculpas. Então virou as costas e foi para o quarto.

~o~

A sala de espera do consultório do psiquiatra era um ambiente estranho: pessoas desconhecidas com linguagens corporais perturbadas, um quadro no qual tons claros de verde e azul reinavam, com paredes e piso claro, a bancada meia-lua da secretária e uma porta de vidro que dava para um corredor que ele tinha quase certeza que dava para mais duas portas. E o pai ao seu lado, mexendo no celular distraidamente. E sua perna balançando sem parar, e a ponta dos dedos de suas mãos formigando. E cada partículas de seu corpo gritando "fuja!" incessantemente.

Santini quisera ir embora quando chegara lá. No momento em que faltavam cinco minutos para seu horário não era mais "quero ir embora". Seu coração acelerara ao pondo de parecer que ia escalar a garganta, a boca se tornara seca e o corpo trêmulo. Ele se levantou, indo a passos rígidos até o bebedouro, e engoliu o calmante que o médico da emergência lhe dera. Era o antepenúltimo. E o pensamento assustava um pouco. Ele nem quisera tomar aquelas porcarias, no começo, e agora era o antepenúltimo.

Forçou-se a respirar fundo, tentando manter a calma e pensar na situação de forma racional, lembrar a si mesmo que o propósito da consulta era ajudar a si mesmo, mas parecia simplesmente impossível. Ele tomou o último gole de água do copo descartável, jogando-o na lixeira ao lado e voltando pelo caminho que fizera antes, forçando um passo relaxado até voltar ao lado do pai e a perna tornar a balançar.

Ao menos não era o único, dessa vez. Havia pelo menos mais duas pessoas ali da mesma forma: a mulher no cantinho da sala, de cabeça baixa, e o garoto apenas um pouco mais velho que ele, pela aparência, quase à sua frente. Santini puxou o celular, vendo que o relógio automático já marcava 15:31, o que queria dizer que já era hora de sua consulta, e encolheu-se mais em si mesmo, inevitavelmente apavorado.

Quando o último paciente que entrara pela porta de vidro saiu, a secretária sorriu para ele, acenando distraidamente, e escaneou o ambiente com os olhos, parando em sua figura e abrindo outro sorriso. Ela disse seu nome de forma alta e clara, e ele levantou rigidamente, com o pai guardando o celular e erguendo-se junto, dando uma batidinha amigável em seu ombro antes que chegassem perto da bancada de meia-lua.

— Eu posso entrar junto? — seu pai perguntou, em um tom casual, e a jovem checou algo no computador, assentindo em seguida, com outro sorriso.

— Pode, sim. Os pais podem entrar na primeira consulta. — garantiu, sem parecer realmente dar importância. — A porta da direita, por favor. — avisou, e Santini abriu a porta de vidro, seguindo a indicação assim que o pai chegou ao seu lado.

Havia um homem do outro lado, de cabelos loiro-médio com pouquissimos fios brancos penteados para trás, atrás de uma mesa, o jaleco sobre as roupas e um sorriso simpático no rosto meio-coberto por uma barba rala. Os lábios se moveram em um cumprimento quando Santini adentrou a sala, e ele respondeu mecanicamente, indo se sentar em uma das duas poltronas em frente à mesa, ouvindo o médico e seu pai trocarem cumprimentos também e abaixando a cabeça para as próprias pernas, sentindo uma delas sacudir apressadamente novamente e pondo a mão sobre ela, não conseguindo parar mesmo assim.

Ele apenas entreouviu as perguntas inicias do médico sendo respondidas pelo pai: se era sua primeira consulta com alguém da área, se os dados passados para ele estavam corretor, se tomava alguma medicação. Então, quando questionado o que os trazia ali, o pai começou a contar todo o episódio da cozinha, surpreendentemente sem cortes, e Santini obrigou-se a desligar quase completamente a atenção, deixando os olhos passearem pelos objetos na mesa.

Pelo tempo que o remédio fez efeito, deixando-o mais relaxado na poltrona, com a perna parando de balançar, os dedos das mãos de formigar e a cabeça ficando um pouco mais clara, o pai já estava contando sobre o hospital, e ele levantou minimamente a cabeça para o médico, que fazia anotações aqui e ali, ouvindo o relato com uma expressão principalmente imparcial. Quando finalmente terminou, o psiquiatra sorriu calmamente, olhando para seu pai.

— O senhor se incomodaria de sair um pouco para que eu conversasse com o seu filho? — questionou educadamente, lançando um olhar tranquilo a Santini em seguida. — É um procedimento padrão, é claro.

— Sem problemas. — Lionel concordou, levantando-se de sua poltrona e dando outra batidinha amigável no ombro do filho antes de sair.

Santini encarou o médico com hesitação assim que a porta foi fechada, sem saber o que fazer ou o que dizer, e o homem passou os olhos novamente pelo que havia escrito antes de olhá-lo com certa casualidade.

— Você me confirma tudo o que ele disse?

— Acho que sim?

— E por que você pensou primeiro em cortar a si mesmo que a ele? — Santini encolheu os ombros, passando os dedos pela ponta do braço da poltrona em que estava sentado, distraidamente. — Hmm… você costuma deixar ele falar por você assim, quando vocês estão juntos?

— Eu não sei.

O homem ainda o encarou por um segundo antes de sorrir e se recostar confortavelmente em sua cadeira, pondo as mãos nos braços dela e assumindo uma postura um tanto quanto menos profissional.

— Você tem um nome diferente.

— Hn?

— Santini di Quercia. Não é comum por aqui. É mais italiano, quero dizer. Você é de lá?

— Ah… não. Meus avós que são.

— Só os paternos?

— Não, não. De parte de pai os meus bisavós que eram de lá e vieram pra Alemanha por… motivos de guerra, eu acho? Nunca me explicaram muito bem. Mas o meu avô nasceu aqui. O meu avô materno veio pra Itália depois do Ensino Médio e conheceu minha avó aqui mesmo. Aí a minha avó virou professora de italiano e o meu pai fazia aula, e conheceu a minha mãe porque foi falar com a professora um dia, na rua, e ela tava com a filha e tal. — ele ficou em silêncio depois disso e o psiquiatra esperou que ele continuasse por um momento.

— Foram seus pais que te contaram essa história?

— Ah, não, foi a minha avó.

— Por isso que você só sabe até aí?

— Isso.

— E por que você nunca pediu a continuação pros seus pais? — ele vacilou, arrastando os dentes pelo canto dos lábios e imediatamente parando ao ver o olhar do médico fixar na região, limpando a garganta e desviando o olhar. — Vocês não se dão bem?

— Não.

— Por quê?

— Eu não sei.

— Hm. Então o ambiente familiar é um lugar estressante?

— Como assim?

— Um lugar com brigas constantes, gritos, etc.

— Não. — ele notou, após alguns segundos, que o médico esperava que desenvolvesse sua negativa, entretanto comprimiu os lábios, pois não conseguiria dizer nada, não realmente.

— E mesmo assim não é um lugar agradável?

— Não.

— Você chamaria a sua casa de lar?

— Não.

— Foi a primeira vez que você teve uma crise daquele tipo ou foi a primeira vez que o seu pai viu?

— Foi a primeira crise. — então, após umedecer o lábio, acrescentou. — Foi horrível.

— Eu imagino. Você quer descrever pra mim?

— Eu preferia não ter que fazer isso.

— É claro. Você não tem. Mas o médico de plantão definiu como um ataque de pânico, certo?

— Sim, eu acho.

— Eu gostaria de confirmar isso, se não se importa. Posso te dizer uma sensação e você me confirma se ela estava ou não presente? — ele se remexeu com desconforto, desviando novamente o olhar, tendo de se segurar para não levar novamente os dentes aos lábios. — Vou pular aquilo que o seu pai já deixou claro, se você preferir.

— Eu agradeço.

— Então eu posso fazer as perguntas?

— Pode. — o homem sorriu por um momento, ajeitando-se na cadeira para recuperar a caneta.

— Você se sentiu irreal, ou como se o que estava acontecendo não fosse de fato com você?

— Não.

— Seu coração acelerou?

— Sim.

— Náuseas?

— Sim.

— Vertigens ou a sensação de que ia desmaiar?

— Meio que os dois.

— Formigamentos?

— Sim. Nas pernas.

— A perna toda?

— Isso.

— E só as pernas?

— Acho que só.

— Hn. Incomodo ou dor no peito?

— Acho… acho que não?

— Certo. Medo de enlouquecer?

— Isso veio depois. — o médico lhe mostrou um sorriso tranquilo, assentindo.

— Falta de ar?

— Acho que disso o meu pai falou. — o psiquiatra sorriu mais abertamente, largando a caneta e se recostando na cadeira outra vez.

— É justo. Mas eu posso lhe perguntar se era como depois de ter corrido muito ou como um engasgo?

— Engasgo. Definitivamente.

— Obrigado.

— De nada, eu acho.

— Depois da vez que o seu pai viu houve alguma outra ocorrência?

— Não. Eu acho. — parou para pensar, franzindo o cenho. — É, acho que nada chegou a esse ponto.

— Então tiveram algumas outras crises mais fracas?

— Sim. Tipo, um monte? Eu tava tendo uma na sua sala de espera.

— Ah. Você não gosta de psiquiatras, não é? — Santini abriu um sorriso fraco.

— Não muito, é.

— Algo específico na ideia de um psiquiatra que te incomoda?

— Acho que não?

— Hm… — ele se balançou um pouco na cadeira, olhando-o com atenção. — Você se incomoda se eu fizer algumas perguntas sobre as mordidas?

— Sim.

— Então posso fazer só uma?

— Tá. Uma.

— Uma por consulta. O que você acha?

— Justo. — o homem soltou uma única risada isolada, concordando com a cabeça.

— Por que você faz isso?

— Me acalma.

— Ter de fazer isso para se acalmar é um pouco menos saudável que o ideal, não acha? — encolheu os ombros, e o médico sorriu de lado, como que entendendo. — Uma pergunta por consulta, sobre isso. É claro. — fez uma pausa pensativa, o observando. — Você tem problemas para dormir?

— Não. Eu durmo muito fácil e muito bem, na verdade.

— Ah. Isso é ótimo. — outra breve pausa. — E para comer?

— Não. Estão aí duas das minhas coisas favoritas, na verdade.

— Como você se sente sobre ver um psicólogo?

— Ainda muito mal, pra falar a verdade…?

— Ah. Entendo. E sobre tratamento com medicamentos?

— Eu não sei.

— Como assim? — questionou, pendendo a cabeça.

— Eu não queria, mas os calmantes que me receitaram… são bons?

— Ajudam, você quer dizer?

— Isso. É, isso.

— Então tudo bem, por você?

— Acho que sim. É.

Ele pegou um dos papeis para receita, começando a escrever, destacando-o em seguida e escrevendo também na que estava embaixo. Então se inclinou na mesa, virando a folha para Santini e indicando o remédio de cima com a caneta.

— Este aqui é para o tratamento, mesmo. Uma vez por dia. Você pode escolher o horário, mas ele funciona melhor em jejum, então eu recomendaria pela manhã, antes do café.

— Certo.

— Ele pode dar uns efeitos colaterais, mas eu preferia que você pedisse pra alguém que você convive, o seu pai mesmo, se você quiser, ler eles e te avisar caso eles venham, porque nunca é recomendável que o próprio paciente leia, tudo bem? — o adolescente hesitou, mordiscando o interior do lábio.

— São muito fortes?

— Não, não costumam ser. Caso você ache que estejam sendo, pode me ligar. — ele pegou um dos cartõezinhos do consultório de cima da mesa, escrevendo algo no verso e então o entregando. — Aqui o meu celular. Eu vou te atender qualquer dia da semana, tudo bem? Só me ligar.

— Tudo bem… e se eu sentir que não estão funcionando?

— Você me liga, eu tento agendar a sua volta para mais cedo e avaliamos isso. Parece bom?

— Sim.

— Ah. Meio comprimido na primeira semana. E depois um inteiro por dia.

— Certo. — ele assentiu, indicando o de baixo. — Esse é o meu de agora.

— Isso. Eu achei melhor manter, já que você está gostando e eu conheço, também.

— É, ele é bom, eu acho.

— Continua com as mesmas indicações, então. Mas quando você estiver tendo uma crise realmente insuportável, como a que o seu pai me contou, ou alguma que chegue perto, você toma esse aqui. — indicou o o último prescrito.

— Que tem praticamente o mesmo nome. — o médico sorriu, assentindo.

— Porque é praticamente o mesmo remédio, mas sublingual. Você põe ele debaixo da língua e deixa dissolver. Vai fazer efeito mais rápido. E sempre há o risco de você estar com a sensação de que a garganta está fechada, durante uma crise, então é mais seguro, também.

— Ah. Entendi. Mas é o mesmo.

— Isso.

— Ok.

— Alguma dúvida?

— Acho que não. — o médico assentiu, lhe entregando os dois papeis de receita.

— Você precisa de duas na farmácia. — explicou ao seu olhar confuso. — O que acha de marcar o seu retorno para daqui um mês?

— Ok.

— Então só ir lá na secretária. Prefere que eu vá junto?

— Não precisa. — respondeu, se levantando.

— Ah. Ia esquecendo, desculpa. Devo ter uma amostra grátis do seu remédio diário.

— Ah, não. O meu pai deve comprar antes da gente ir pra casa. Não precisa.

— Certeza?

— Sim. Obrigado. — o médico se levantou também, indo com ele até a porta e abrindo-a para ele. Santini hesitou, contendo-se para não morder o lábio e olhando-o um momento. — Eu posso mesmo ligar caso dê problema?

— Claro. Quando quiser.

— Ok. Valeu. — o homem sorriu como resposta, e Santini atravessou a porta, parando no corredor e voltando-se para ele. — Até a próxima.

— Até. E boa sorte. — ele sorriu, seguindo até a porta de vidro sem olhar para trás, e o médico já havia retornado para o consultório quando virou para fechar a passagem.

— Tudo bem? — seu pai perguntou, em um tom calmo levemente curioso, assim que terminou de se aproximar, e Santini assentiu, indicando as duas receitas. O homem as pegou, olhando com atenção e assentindo.

— Tenho retorno pra daqui um mês.

— Ah. É assim que isso funciona? — o adolescente sorriu um pouco, encolhendo os ombros.

— Parece que sim. — seu pai foi até a bancada meia-lua assim que a secretária chamou o próximo paciente, e Santini saiu da direção da porta, indo até mais perto da saída e puxando o celular, passando para os contatos o número anotado no verso do cartãozinho do médico antes de colocá-lo no bolso.

Digitou um “I’m okay and alive, don’t worry, sweetheart~ the doctor seems pretty nice, actually” para Taras, seu amigo virtual grego, com o qual conversara sobre ter uma consulta no dia anterior, ainda desconfortável e nervoso com a ideia, e então um “Posso passar na sua casa hoje de noite? ;3” para Sarosh, contendo uma pequena risada antes de guardar o celular novamente, no bolso da frente da calça.

— Tudo certo. — o pai avisou, lhe dando um pequeno susto, pois não o vira se aproximar, e Santini sorriu para ele, assentindo.

— Marcou pra quando?

— Sábado de novo, mesmo horário.

— Ok.

— Vamos? — ele chamou, já saindo do consultório, e eles tomaram caminho até o elevador, que não demorou muito a chegar àquele andar e se abrir. O pai pressionou o botão para o térreo e Santini respirou fundo lentamente, apoiando-se numa das paredes de metal, tentando manter a calma até que as portas se abrissem de novo, e saiu um pouco mais rápido que o aceitável quando isto aconteceu, vendo o pai arquear uma sobrancelha em sua direção, curioso.

Foram para a rua, com o adolescente tendo de puxar as mangas do suéter até o cotovelo, pois fazia um dia mais quente e agradável que o esperado. Ele encarou uma sorveteria simpática logo ao lado do prédio, pensando se devia se pronunciar sobre uma pausa. No lugar disso, apenas manteve-se em silêncio, seguindo o pai até o carro.


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Notas finais do capítulo

Algumas notas necessárias:
Brothers, o jogo que o Leon citou, é Brothers: A Tale Of Two Sons, que é um jogo muito bonito e muito simples de aventura e puzzle (aqueles joguinhos de resolver enigmas e situações) sobre dois irmãos partindo em uma jornada pra salvar a vida do pai.
E o que o Santini digitou, no final, "“I’m okay and alive, don’t worry, sweetheart~ the doctor seems pretty nice, actually”, significa algo em torno de "Eu estou bem e vivo, não se preocupe, amor/querido~ o doutor parece muito bom/legal, na verdade". Aquele momento tenso que sweetheart não tem tradução literal. Mas é um jeito carinhoso e... levemente romantico, na verdade, mas não exatamente, de chamar os outros.
Enfim.

Hey, guys =D
Primeiro de tudo, desculpe DE NOVO a demora. Eu empaquei em uma parte, que na verdade tirei daqui. Desculpa aliás pra leitora que eu dei spoilers dessa parte. O que rolou é que uma vez eu tava vendo entrevistas com escritores, tem uns anos, já, e um cara (que eu não lembro qual foi) disse que se uma cena estiver muito travada ou difícil de escrever, pode ser que o problema seja ELA, e não bloqueio ou falta de inspiração. Esse é um conselho que eu levo muito a sério. Então concluí que não era o momento certo pra cena que eu estava tentando escrever. Logo, tive que dividir o capítulo entre o Santini e o Shey -q isso pode acabar rolando mais vezes, porque vocês nem foram exatamente atualizados da situação do Santini, nesse, e porque o Shey... não tá fazendo PORRA NENHUMA da vida dele, mas eu tenho que escrever muito com ele ainda, porque bb precisa ser muito, mas MUITO desenvolvido -q
Ai meu Deus.
Bem, então é isso. Espero que tenham gostado.



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