You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 14
Fake Your Death


Notas iniciais do capítulo

A música do título é da My Chemical Romance.
Cacete, esse demorou e.e
O capítulo começa sendo narrado pelo Shey, aliás.



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Ele sonhou com uma confusão de sons e sensações. Havia uma respiração acelerada em seu ouvido, sua própria respiração, ele chegou a reparar algumas vezes; era uma coisa ofegante e misturada a algum tipo de rugido que não sabia por que estava emitindo. Havia o alarme, o "beep", pausa, "beep", e o zumbido. Havia as vozes, e a voz, a feminina e inumana que ria e repetia provocações. E as vozes abafadas por tampões de ouvido que ele não estava usando; pessoas falando, e movendo os pés, e uma menina gritando e gritando e gritando.

Havia os cheiros e as sensações, também. Cheirava a sangue. Primeiro cheirava a tinta, mas isso foi rápido. Cheirava a sangue. Suas mãos doíam, mas era pouco e ele continuava socando algo, alguém, e cada golpe liberava um som molhado e um gemido choramingado. As mãos grudentas e a textura macia da carne contra os nós dos dedos. E gente o puxando pelos braços.

Durou dois ou três dias, ele achava.

Havia uma respiração acelerada em seu ouvido.

Sua própria respiração, ele se lembrou.

Por isso respirou fundo quando despertou, piscando preguiçosamente para o teto; podia sentir alguns de seus músculos se contraírem sem motivo algum, pelos minutos que passou fazendo absolutamente nada. Era um efeito colateral do remédio que o dopava e fazia as vozes sumirem. A boca seca também. E ele sabia que quando se levantasse o mundo ia girar e a visão ia escurecer.

Quando os efeitos colaterais passavam as vozes costumavam voltar; talvez não tão fortes, mas ainda lá, por isso era importante, e por isso não podia só tomar dois comprimidos para insônia ou um Rivotril de 2mg, porque as vozes voltavam assim que abria os olhos, quando era um simples calmante. Sempre, sempre, sempre, sempre, sempre... quase gostava dos efeitos colaterais. Como alguém passaria a gostar do escuro enquanto preso a uma sala cheia de animais mortos. No escuro você não via. O cheiro estava lá, o medo estava lá, os animais estavam lá. Mas você não via. Era melhor assim, não? Era melhor.

Olhou para o lado e estendeu a mão para capturar o celular entre dedos trêmulos. Eram oito da manhã, o que queria dizer que um de seus remédios estava meia-hora atrasado. Pulou da cama, a visão embalançou como esperado e seu corpo cambaleou para frente; tocou o chão com uma das mãos e impulsionou-se para ficar de pé de novo. Pegou o potinho que a mãe deixara sobre o criado-mudo, porque ela sempre regulava a quantidade de remédios perto dele durante as crises, e pegou o comprimido específico do horário. Era fácil reconhecê-lo.

O seu caso pende mais para esquizofrenia que o comum, a médica havia dito. Ele ainda se lembrava de cada palavra, e do papel do exame que fizeram em sua cabeça sobre a mesa do consultório, borrões coloridos que ele não entendia indicando coisas que ele não sabia o que queriam dizer. Mas você ainda tem o cérebro de alguém com Transtorno de Personalidade Esquizotípica.

Eu tenho?, lembrava-se de querer perguntar. Nunca ouvira de alguém com aquele transtorno ter pulado em um colega de classe e o mandado para o hospital por conta de socos. Mesmo naquele momento não se lembrava mais do que ele havia dito em provocação. O que fora, mesmo? Também não se lembrava bem das imagens do... espancamento, certo? Suas lembranças do momento eram vozes, sensações e cheiros. Disseram que derrubara uma mesa e que arranhara até sangrar o braço de um garoto que tentara separar.

Eu tenho mesmo? A senhora tem certeza?

Talvez fosse tudo isso de pender mais que devia para esquizofrenia. Ou talvez o problema fosse ele. E quem sabe as duas hipóteses não fossem, na verdade, exatamente a mesma coisa. Uma hipótese só, separada em duas e tratada como se fosse diferente, enquanto não era. Mas ele não era médico. E tinha pensamento delirante, pelo que diziam. Então do que qualquer merda que pensasse valia, mesmo?

Podemos conter uma evolução, por isso é muito importante que você tome os remédios corretamente.

Ele saiu do quarto, se apoiando nas paredes até chegar à escada e se agarrando ao corrimão com força.

Também é bastante parecido com Transtorno Esquizoafetivo, quando você atinge picos.

Era difícil descer os degraus. A visão continuava turva, e haviam os pontos pretos passando por suas pupilas. Já tinha meia-hora de atraso, mas um dia apenas não devia ser tão ruim assim, certo? Não conseguiria engolir sem água com a garganta tão seca.

Por isso eu e a sua psicóloga conversamos e achamos muito provável que quando sua depressão for curada os picos voltem a ser como é normal em pessoas com o mesmo transtorno que você.

Perguntou-se se caso caísse era muito provável que batesse a cabeça e morresse. Sua mãe e Leon nunca se perdoariam caso acontecesse.

Isso quer dizer que no máximo verá vultos ou imagens breves e ouvirá sons abafados, sabendo que não são reais, em casos de cansaço ou estresse extremo. É uma melhora que não pode ser tratada como nada.

Mas é que ele precisava tomar o remédio que pressionava na palma da mão, e estava se segurando de verdade e com força no corrimão, então tudo provavelmente ficaria bem.

Embora, é claro, livrar-se de todos os pensamentos autodestrutivos e dos sintomas da depressão por si só já valha a pena todo o tratamento. É uma doença muito séria. E preciso que você leve os remédios muito a sério, pois por mais que eu saiba que sua condição é ruim continua bem mais suave que esquizofrenia de fato.

Finalmente entrou na cozinha, enchendo um copo com água e tendo de tomar metade de seu conteúdo antes de jogar o comprimido na boca e terminar de engolir.

Não há vergonha nenhuma em precisar desse tipo de medicamento.

Pôs o copo na pia, soltando um ruído estranho com a garganta e sentando-se no chão, com as costas apoiadas no armário.

Como em doenças físicas, há uma disfunção química ocorrendo e parte dela pode ser corrigida com remédios.

A última vez que tomara aquele remédio os efeitos colaterais haviam sido assim tão intensos? Tinha quase certeza que não. Certo? Quando fora a última vez, aliás?

Mas isso também é natural. Como alguém com colesterol alto que precisa parar de comer frituras mesmo que se medique adequadamente.

Deus, por que estava se lembrando do discurso da psiquiatra que o acompanhara no hospício? Ele odiava aquela mulher, odiava psiquiatras e odiava pensar naquela época.

Era melhor que pensar em Santini, ao menos.

Arregalou os olhos, então, lembrando-se do garoto sentado ao seu lado, daquela pergunta descabida sobre o incomodar ou não ele ser gay, e a declaração. Deus, a declaração.

Mal percebeu a boca começar a aguar antes de vomitar no chão da cozinha; devia haver apenas bile ali, já que sua última refeição fora o almoço do dia anterior.

Levantou-se assim que terminou, cambaleando para o banheiro, desesperado por escapar temporariamente do cheiro e tirar aquele gosto da boca, pois estava lhe dando mais e mais enjoo e não tinha assim tantos nutrientes no corpo para desperdiçar. Cuspiu na pia e limpou a boca com água um monte de vezes antes de começar a escovar os dentes, e de alguma forma tudo parecia distante e vazio. Não sentia nada, mas os olhos estavam marejados, as mãos tremiam, a visão oscilava e pontinhos pretos dançavam em seus olhos.

Talvez fossem os efeitos colaterais. Talvez. Ele não sabia. Certo? Talvez. E ele sentia tanto. Queria pedir desculpas a todos e a ninguém; para as paredes, que fosse. Isso não soava como efeito colateral. Mas ele não era médico. Então talvez fosse. Ele preferia que fosse. Aí não seria culpa dele. Aí passaria logo.

Os olhos ardiam, porque queria chorar, e não queria, e não conseguia.

Foi atrás de um pano e de produtos de limpeza após escovar os dentes, para limpar aquela nojeira na cozinha. E soava como uma boa ideia tomar seu remédio para insônia quando terminou aquilo também, então o fez. Só um, não dois. Só um, porque provavelmente não queria morrer de overdose.

Foi difícil subir as escadas.

Tanto quanto descer.

Achou que pareceria menos perigoso, mas era o mesmo risco, apenas com o sentido trocado. Antes temia cair para frente, agora temia cair para trás.

Mas a cama era confortável, e foi bom afundar entre as cobertas. Ele pôs o celular para despertar no horário do próximo remédio.

E os sonhos tiveram cheiro de sangue de novo. Era tinta, no começo, mas não durou muito tempo.

~o~

Sarosh gostava de ser capaz de controlar a velocidade de seus passos enquanto ia em direção à casa de Santini, após a escola. Ele carregava uma sacola de mercado no braço, com um pote de sorvete e um pacote de bisnaguinhas, pois obrigara-se a passar para comprar algo, um agrado pequeno, uma tentativa de conseguir que o melhor amigo relaxasse um pouco.

Ele estaria menos nervoso caso Santini estivesse conectado no Whatapp e o celular não estivesse dando fora de área, porque, conhecendo o garoto, as coisas tinham de estar particularmente catastroficas para que ele decidisse se isolar. Ele simplesmente não era do tipo que podia lidar com esse tipo de situação sozinho, embora por algum motivo sempre decidisse tentar.

O ruivo parou em frente ao portão da casa de Santini, arrumando a mochila nas costas, a sacola no braço e tirando um pouco do cabelo da testa antes de pressionar o botão do interfone, por um tempo mediano e de forma constante, tendo de esperar quase um minuto inteiro antes que uma voz calma respondesse.

Sim? – ele ouviu a mãe de Santini falar do outro lado, e engoliu o nó de raiva na garganta para responder em um tom agradável.

— Boa tarde. É o Sarosh, melhor amigo do Santini. Eu posso entrar para vê-lo?

Ocorreu um silêncio relativamente longo, então, e ele chegou a dizer a si mesmo que ela iria ignorar, antes que ouvisse um breve suspiro e o som dela desligando o interfone, poucos segundos antes do portão automático da garagem começar a se abrir. Sarosh ajeitou a mochila nas costas e puxou a sacola para mais perto do cotovelo antes de cruzar a entrada e atravessar a garagem vazia, indo em direção à porta.

Não pôde deixar de hesitar quando sentiu o metal frio da maçaneta contra sua mão. O portão já devia estar se fechando àquela altura, e ele sabia que não tinha reais motivos para fugir, então girou a maçaneta, pôs seu melhor sorriso inocente e afastou a porta, adentrando a casa. Anette não estava esperando próxima à porta, como ele supôs, mas lhe encarava do sofá, onde estava trabalhando com seu laptop. A semelhança com Santini sempre o desconcertava, pois eles usavam no rosto expressões diferentes demais, mas não pôde deixar de olhá-la nos olhos.

Eram olhos em formato de amêndoa um pouco arredondados e de um azul vibrante, porém não eram muito expressivos e isso o fazia sentir como se algo estivesse errado.

Ele manteve o sorriso.

— Obrigado por me deixar entrar. – agradeceu, em um tom amigável, e ela assentiu após um segundo. – O quarto do Santini é...?

— Segunda porta do corredor. – ela respondeu, deixando de olhá-lo e voltando ao trabalho.

— Obrigado. – forçou-se a dizer, mantendo a expressão até virar as costas e enfim a permitindo desvanecer em prol de uma careta.

Foi até a porta indicada com passos rápidos, dando apenas uma breve batidinha antes de girar a maçaneta e entrar. Santini se virou para a porta imediatamente, com os olhos arregalados, um pouco inchados e avermelhados, diminuindo de tamanho quando viu quem era; estava posto em sua camiseta de Cough Syrup, sentado sobre a cama de lado para a porta e encostado à parede, com as pernas cobertas e o laptop cheio de adesivos sobre elas, os cabelos feito um caos, os lábios cheios de mordidas e uma atadura cobrindo metade do antebraço, com curativos nos dedos da mão do outro braço.

O ruivo jogou a mochila no chão e a sacola sobre a mochila, pulando de joelhos na cama, mantendo os pés calçados fora do colchão e agarrando o braço enfaixado, olhando mais de perto e então encarando Santini com o cenho franzido.

— Achei que você só ia vir amanhã, caramba. – o moreno comentou, tentando soar descontraído, mas com leves sinais de nervosismo e puxando o braço de volta de forma suave. Sarosh permitiu, sabendo o que significava para o outro garoto a sensação de estar sendo retido, continuando a encará-lo, esperando por explicações. – Achei que você ia pensar que eu tava só dormindo e deixar pra lá, sabe?

— O que você fez? – perguntou, indicando o braço do amigo, que suspirou, virando o rosto.

— Eu explico, ok? Prometo. Mas você tem comida? Não queria ver minha mãe então nem saí desde que ela foi pra sala. Tô morto de fome. – o ruivo hesitou, lançando-lhe um olhar desconfiado antes de suspirar e sair da cama, catando as coisas que deixara no chão e jogando a sacola para Santini. – Isso é sorvete?! Ah, ah! Sash! Eu te amo! – exclamou, feliz, jogando a sacola para o lado e fechando e afastando e laptop. Enquanto colocava a mochila no canto do quarto, ele ouviu Santini destampar o pote de sorvete e soltar uma exclamação contente.

— Mas eu não trouxe colher. – murmurou, sentando-se na ponta da cama e inclinando-se para retirar os sapatos enquanto o ouvia abrir o pacote de bisnaguinhas, o cheiro de pão infestando o quarto.

— Não tem problema. – ele cantarolou e, após arrastar-se sobre a cama para também se recostar na parede e cruzar as pernas, virou-se para ver Santini arrastar um pedaço de pão no sorvete um pouco amolecido pelo tempo fora de um refrigerador que passara antes de Sarosh o entregar ao amigo. O ruivo torceu um pouco a expressão ao ver o outro pôr a comida na boca.

— Não vá derrubar isso na sua cama. – murmurou, ignorando a expressão de prazer do outro e revirando os olhos quando ele gemeu. – E pare de ter um orgasmo no minha frente, por favor. – Santini riu, arqueando uma sobrancelha para ele.

— Quer um pouco? – ofereceu, e Sarosh sentiu um arrepio subir a espinha, torcendo o nariz em uma expressão de asco e inclinando-se para o lado contrário.

— Não, claro que não. – respondeu, e Santini riu antes de enfiar mais pão com sorvete na boca. Ele esperou até o garoto terminar três bisnagas antes de se pronunciar novamente. – Então, o que aconteceu? – observou o moreno abocanhar mais um pedaço e mastigar algumas vezes antes de engolir e lamber os dedos. – Santie?

— Não surta, ok? – ele pediu, em uma voz fraca, olhando para baixo como se não quisesse fitá-lo. Sarosh piscou algumas vezes, fitando o perfil de Santini.

— Eu não vou. – retrucou, e disse a si mesmo que se conteria de todas as formas possíveis, pois talvez o outro estivesse agindo quase como era normal, mas ele podia ver nos olhos ainda um pouco avermelhados que não estava bem.

— É que... – ele fechou o pote de sorvete, afastando-o um pouco e passando a mão que não lambuzava debaixo do nariz. O ruivo não podia ter certeza, pois o cabelo de Santini o atrapalhava a ver com certeza, mas lhe pareceu que ele começaria a chorar logo. – Ele tava com... com nojo, mesmo, sabe? – Sarosh piscou novamente, franzindo o cenho.

Como assim?, pensou em perguntar, porque tinha quase certeza, pelos discretos olhares demorados e pela maior atenção que o loiro dava a Santini, que Shey retribuiria aos sentimentos do amigo. Talvez fizesse um discurso sobre não poderem ficar juntos ou mentisse, já que lhe parecia que o garoto tinha tendência a se afastar de qualquer relação, mas nojo? Como assim nojo? Simplesmente não fazia sentido.

Ele não queria que Santini se declarasse porque parecia que não importa o resultado isso terminaria mal para ele, mas daí a Shey dizer que tinha nojo... ele realmente não entendia.

— Disse que eu queria arrastar ele para o inferno. – oh. – E mais um monte de coisas. – ele fungou baixinho, e Sarosh quis se estapear, porque sentia como se estivesse chocado demais para reagir direito. – E acho que ele me odeia agora, e ele ficou... ficou mal, sabe? Falou algo sobre maldições e... coisas assim...

— Vem cá, Santie. — chamou, e abriu os braços para um abraço, sentindo o amigo imediatamente se jogar ele e repousar a cabeça em seu ombro. Era necessário, porque ele precisava chorar e pôr aquilo pra fora, mas não o faria até poder esconder o rosto. Havia raiva começando a tentar escalar pela garganta do ruivo, e ele queria sair dali e ir até a casa de Shey gritar algumas verdades, mas apenas engoliu em seco, pois não era o momento, realmente não era, e esfregou as costas de Santini, fingindo que não via o ocasional tremelique suave de seus ombros e mais que um pouco decidido a permanecer ali, porque, no fim das contas, com quem mais Santini poderia contar? – E você se cortou quando chegou em casa? – obrigou-se a perguntar, porque era necessário, e era importante.

— Não... não foi bem assim... — ele hesitou, como se não tivesse muita certeza do que devia dizer, e então respirou fundo, o ar deixando seus lábios tremulamente. — O meu pai acabou vendo a minha boca, quando era de madrugada... e... Você sabe... Não levou isso muito bem... ficou furioso... eu queria que ele me soltasse... — então ele parou, com a voz muito embargada, e inspirou profundamente, permanecendo em silêncio por algum tempo. Sarosh fez o possível para quase não se mexer, não querendo passar qualquer impressão errada de incômodo e fazer Santini sentir como se devesse se apressar.

Era como andar por um campo minado.

Sempre fora, na verdade.

— Eu não estava pensando direito, entende? Eu não... não queria. Não foi por querer, ok? Não estava tentando, mesmo, mesmo. Eu te juro. — ele respirou profundamente mais vezes, e fez como se fosse se afastar, entretanto desistiu e se deixou desabar ainda mais contra seu ombro, quase o fazendo perder o equilíbrio.

— Tudo bem, tudo bem… — murmurou, tentando manter a calma. Ele não sabia bem se devia abraçar o garoto, embora sentisse que era o certo, porque naquele estado não havia como ter certeza do que ele consideraria como alguém tentando contê-lo. — Você tá respirando bem?

— Estou.

— Bom. — e ficou em silêncio, esperando que o outro garoto dissesse algo mais ou simplesmente permanecesse parado ali.

— O jeito que ele me olhava, sabe? Como se eu fosse um moleque mimado qualquer fazendo aquilo por atenção… e não era, porque eu nem queria que ele visse. Ele tava lá me segurando pelo rosto, eu não podia desviar o olhar, e ele tava me segurando pelo braço, e aí eu… eu queria que ele me soltasse, caralho, como ele pôde? Eu tava em pânico. Aí tinha aquele… aquele copo, porque eu tava comendo, e eu… tinha suco, sabe?

— Sim. Continue.

— Então, eu tava comendo e ele chegou e me segurou e eu peguei o copo e… — ele purou, puxando o ar profundamente pela boca. — E… — parou de novo, soltando um som frustrado. — Você sabe. Isso aconteceu.

— Sei.

— Desculpa. Deu pra entender?

— Deu, deu sim. Relaxa. Tá tudo bem?

— Aham.

— Bom. É, bom.

Eles ficaram em silêncio por um tempo, então Santini se afastou de cabeça baixa e limpou o rosto nos pulsos nus, abanando-se com as duas mãos em seguida e abrindo um meio sorriso, puxando o laptop de volta pra cima das pernas.

— Tenho que te mostrar esse negócio que eu rebloguei no Tumblr. Uma campainha de piano, cara! Eu preciso disso! Eu preciso muito! — e começou a mexer, procurando o que havia dito com um sorriso no rosto. Sarosh se remexeu, um pouco desconfortável com a mudança repentina de comportamento, mas Santini era sempre assim, mesmo, então apenas se aproximou mais para olhar. — Se um dia eu estiver andando normalmente pela rua e ver essa porra, eu paro pra tocar! E nada vai me impedir! Nem você! Esteja avisado! Vou tocar Quatro Estações de Mozart lá!

— Foi Vivaldi que fez essa. — avisou, com um sorriso de lado, ouvindo Santini rir de leve e continuar descendo por sua página cheia de estrelas azuis até chegar ao post desejado.

Eles passaram mais tempo que Sarosh planejava vagando pelo Tumblr (enquanto Santini comia aquela coisa absolutamente nojenta que era pão com sorvete), vendo Gifs de Puella Magi Madoka Magica e de gatinhos bonitinhos, com posts daquele amigo grego e albino que Santini fizera por meio de tags (Taras, ele se lembrava de ouvir Santini dizer orgulhosamente toda vez que algo particularmente engraçado surgia). Era engraçado, na verdade. Ás vezes ele pensava em criar uma conta também, em nome das risadas dadas, mas não soava como se fosse ser tão divertido sem Santini do seu lado quando fosse reblogar algo.

Quando deu por si, já havia o som do pai do garoto entrando em casa, cumprimentando a esposa e sendo respondido. Ele se remexeu, desconfortável, porque era hora de voltar para casa, ele supunha, mesmo que a mãe provavelmente ainda não estivesse lá. Olhou para o amigo, vendo-o continuar a observar o site, embora agora seus olhos parecessem sérios e o sorriso houvesse sumido.

— O médico no hospital disse que foi um ataque de pânico.

— O qu—

Alguém bateu na porta do quarto, um barulhinho baixo e fraco, como se o punho não estivesse certo de que devia atingir a madeira. Ela se abriu devagar, revelando o pai do outro rapaz do outro lado, alto e de cabelos castanhos. Sarosh teve de resistir ao impulso de se esconder atrás de Santini, mesmo que não fosse tímido, e só pôs as mãos em frente ao corpo de forma um pouco defensiva.

— Oi… — o homem murmurou, olhando de forma hesitante para o ruivo e abrindo uma espécie de sorriso em sua direção.

— Boa noite. — Sarosh sussurrou, e Santini lhe lançou um rápido olhar estranhado e então voltou a olhar para o laptop, virando um pouco o rosto, como se não gostasse muito que o pai o olhasse. Era instinto, provavelmente. Àquela altura, não adiantava mais nada.

— Você está bem?

— Estou, estou sim. — Santini respondeu, em um tom bem-humorado. — Sash veio me ver pra gente estudar e eu guiei ele pro mal caminho. Tem problema?

— Não, claro que não. — ele hesitou por um instante na porta, segurando a maçaneta e parecendo prestes a sair a qualquer momento. — Então…

— Eu nem tomei calmante hoje! Né, Sash?

— Hã… é, é, não tomou…

Então Santini se obrigou a virar para o pai, e Sarosh tinha certeza que estava lhe oferecendo um sorriso.

— Obrigado por vir perguntar. — ele disse e o homem franziu um pouco o cenho, como se estranhado.

— Então eu vou deixar vocês sozinhos. — murmurou, acenando desajeitadamente com a mão e fechando a porta novamente. O quarto mergulhou em um silêncio um pouco tenso por um segundo, algo suspenso e pesado no ar, e o som de Santini clicando pra baixo para continuar vendo posts.

— Já fez curativo hoje?

— Não, não fiz, não.

— Cadê os remédios?

— Hmmm… banheiro. Eu vou lá pegar, tenho que lavar essa mão e mijar, porque depois de uma merda de dia inteiro aqui—

— É, vai lá.

Santini riu de forma anasalada e se levantou, pondo o laptop sobre o colchão com cuidado antes de sair do quarto.

Sarosh apenas trocou as ataduras e olhou atentamente para o quão ruins estavam os ferimentos antes de ir embora para sua casa fechada e escura, mas com aquele jardim bonitinho. Santini tentou lhe fazer ficar para jantar, mas ele tinha uma aversão natural à comer na cozinha dos di Quercia e tinha um delicioso prato pra esquentar no microondas e comer olhando para o vazio.

Ah, e dever de casa.

Ele se espreguiçou antes de abrir o portão para entrar em casa, puxando o celular para Santini e lhe enviando uma mensagem para avisar que estava em segurança.

Daquela vez ele respondeu.


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Notas finais do capítulo

Oi gente.
Demorou pra caralho. Eu sei. Vocês poderiam dizer que eu foram semanas não muito boas XD
Mas é, demorou muito mais que o esperado. Tipo, mais que o dobro do tempo, porque eu tento não passar de duas semanas. Isso me incomodou muito, podem apostar, e eu tentei escrever todos os dias durante esse período.
Era pra parte que está com o Shey ser do Leon, mas, honestamente, gastei duas semanas tentando antes de desistir. Pior que tinham pontos importantes pra falar. Vou tentar um capítulo extra com ele, depois. Ou algo assim. Sei lá.
Então, é, foi mal.
O próximo é do Shey, então não deve rolar um bloqueio tenso porque é meio fácil pra mim escrever com ele mal.
O que é meio tenso, na verdade, ma foda-se (?)
Até mais =D


Ah, e o Taras que eu mencionei é um personagem que existe mesmo, da @Lirium-chan. Ele é muito divo '-'



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