You make me feel wrong escrita por Lyssia


Capítulo 12
Nothing Left To Say


Notas iniciais do capítulo

LEIAM ISSO, POR FAVOR! AVISOS IMPORTANTES!
... Oi xD
Bem, eu achei adorável como os leitores que não me conhecem a longo prazo (=D) estavam confiantes que tudo ia ficar lindo nesse capítulo e, normalmente, ficaria na minha e deixaria ir, mas acabei causando umas reações um pouco tensas pra quem mostrei antes, e achei que era melhor vir aqui fazer um aviso. Esse capítulo tem gatilhos para quem tem ansiedade ou depressão, ou está passando por um momento isolado particularmente ruim. Se for o caso, espere um pouco, ou leia devagar, ou tenha à mão algo para te acalmar. A fanfic vai continuar aqui, então não há necessidade de pressa. Se começar a se sentir mal, pare no meio do capítulo, leia um pouco por dia, por semana, espere um mês. Isso não faz diferença, honestamente.
Talvez eu esteja exagerando, não sei, mas pode ser que não, e pelo risco prefiro que estejam avisados da possibilidade.

A música do título é da Imagine Dragons.
Sem mais, boa leitura.



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Havia algo de enlouquecedor sobre a escola. Algo na forma como Santini não conseguia entender uma palavra que saía dos lábios dos professores, durante as aulas, por mais que tentasse e quisesse, e em como ele tinha que chegar adiantado, com Sarosh, para checar se era possível executar uma fuga rápida e eficiente. E é claro que adorava dormir, mas era impossível ficar tranquilo enquanto sem ter a sensação de que teria uma chance, mesmo que mínima de sair dali caso algum louco entrasse na escola para matar todo mundo com uma metralhadora, ou uma doze, ou queimando todo mundo, ou, sei lá, qualquer coisa covarde do tipo.

Era algo incomodo, mesmo assim, e até tentara parar, certa vez, mas tivera que sair no meio da aula para vomitar, então decidiu deixar pra lá. Não havia esperança, e ele só teria que lidar com isso até sair da faculdade. Ponto final. Mas havia pessoas legais lá. Ele fazia questão de se lembrar disso toda vez que começava a pensar demais no quão patética a situação era. Muitas pessoas legais. Ele era bom em lidar com pessoas. É. Isso mesmo.

— Tudo certo na lá de trás. — Sarosh informou, retirando a mochila de um dos ombros para pegar a lata de café (que, por algum motivo, ele enrolara em um monte de plástico filme. Vá entender). O moreno se perguntou se estava apenas imaginando o tédio em sua voz.

— Desculpe. — o ruivo arqueou lentamente uma sobrancelha em sua direção, jogando a mochila na cadeira imediatamente após a janela, e então suavizou a expressão e assumiu um sorriso bem-humorado.

— Não, não posso te desculpar. Foi um sacrifício muito intenso ir até o final da sala. — resmungou com um tom exagerado e claramente forçado de cansaço e Santini riu um pouco, passando um braço pela frente do corpo e se abaixando em uma reverência extravagante.

— Mil perdões, Vossa Alteza, por cansar vossos pés reais. — brincou, fazendo o ruivo rir de leve e se sentar na cadeira, tomando o primeiro gole de seu café gelado.

— Faz quase duas semanas desde que você descobriu que gosta do Shey, por assim dizer. — Santini engoliu em seco o mais discretamente que pôde e se jogou pesadamente na cadeira, então abrindo um largo e empolgado sorriso que não era nem 10% verdadeiro.

— Ah, ah, você já vai conseguir falar sobre isso comigo? Socou travesseiros o suficiente? — brincou, em um tom animado e forçadamente ingênuo, fazendo o ruivo olhá-lo com raiva por um segundo. — Eita, parece que não. — acrescentou, no mesmo tom, e prendeu uma risada, quase fazendo Sarosh relaxar. Apenas quase.

— Seu falso.

— O que eu fiz?

— Daniel me contou que você se pôs um prazo pra falar com o Shey.

— Ah... — ele retirou a mochila nas costas, tentando conseguir algum tempo para pensar; franziu o cenho e raspou os dentes nos lábios antes de fitar Sarosh novamente. — Por que ele fez isso, caramba?

— Por que adivinha quem vai— ele se interrompeu, arregalando os olhos por um mínimo segundo e então relaxando na cadeira. Santini desviou os olhos, ciente de como ele ia terminar aquela frase. — Não faça isso.

— O que? Me declarar pra levar um fora? — questionou, em uma voz baixa e hesitante, vendo o ruivo assentir.

— É. Não faça isso.

— Eu não queria fugir.

— Cara, fuja. Não se declare se nem tem esperança. É burrice.

— Acho que ele devia saber.

— Não devia. Deixa ele continuar na ignorância.

— Eu não vou te incomodar com choro. — deixou escapar, mordendo os lábios nervosamente assim que as palavras terminaram de sair, vendo o rosto do ruivo se torcer em indignação.

— Pare de dizer essas coisas. — ele pediu, com uma voz firme. — Você sabe que sempre pode me ligar se precisar de ajuda. — tratou de dizer, largando a lata de café sobre a mesa. — Você sabe, certo?

— Sei, claro.

— Santini, isso é sério. Não vá inventar de fingir que está tudo bem.

— Ah, você me chamou pelo meu nome de verdade. — murmurou, surpreso, e o ruivinho o encarou com exasperação.

— Eu disse que isso é sério. Você pode me ligar a hora que quiser, e aparecer lá em casa, ou me chamar pra ir lá na sua casa, e se você decidir sumir de novo eu vou atrás de você. Vou te stalkear, tá ouvindo? Eu não vou— a porta se abrindo interrompeu a fala do ruivo, que virou para ver Jaime entrando, o cabelo que já fora de um vermelho artificial que Santini gostava tingido de anil (o que ele também gostava, na verdade).

O garoto lhe lançou um olhar rancoroso, que ele retribuiu com um arquear de sobrancelhas antes de mudar de ideia e sorrir, formando um breve e amigável aceno com a mão. Jaime apenas torceu a expressão e continuou andando até uma das fileiras da frente, jogando a mochila na carteira, sentando-se e puxando o celular.

Santini olhou para ele, notando o clima na sala se tornar cada vez mais tenso, perguntando-se se fora demasiadamente rude quando recusara o pedido de namoro do garoto. Lembrava-se de sorrir gentilmente, recusar e pedir desculpas, embora, de fato, quando Jaime insinuara que ele devia ao menos tentar, houvesse dito mais diretamente que não, e avisado que ele não devia falar daquele jeito com os outros, principalmente com quem não conhecia direito. Até onde ele sabia, Santini poderia ser a pior das pessoas, se escondendo atrás de um sorriso.

O garoto não tomara aquilo muito bem. O moreno ainda se lembrava de ouvi-lo começar uma discussão, e de chamá-lo de fraco quando simplesmente virara as costas para sair. Mas tudo bem. Ele sabia da fama de encrenqueiro de Jaime antes de começar a se encontrar com ele. O que mais de aviso ele poderia pedir? O garoto até estava brigando naquela noite no baile, quando foram parar nos corredores e fora empurrado contra os armários. Fora divertido, e ele ainda se lembrava do gosto da bebida que haviam lhe oferecido e... oh. É mesmo. Ele havia visto Shey pela primeira vez naquela noite.

Teve de prender a risada ao se lembrar do olhar completamente chocado e desconcertado no rosto do loiro. Na hora não havia sido engraçado, a bem da verdade: ele sentira o corpo todo congelar, pensando que o rapaz iria procurar a diretora, que ele seria repreendido duramente, então fariam um teste do barômetro e, Céus, havia apanhado poucas vezes da vida, pelas mãos do pai, mas ele pudera até visualizar a surra antes de notar que o loiro desconhecido não se mexia, completamente paralisado. Então piscara, porque o alívio fora tão grande que ele estava achando a falta de ação do outro engraçada. Por sorte, Shey decidira que aquilo não era provocação suficiente e mantivera a boca fechada sobre aquilo.

Espere. Céus, ele havia se esquecido daquela piscadela. Ele piscara, mesmo. Meu Deus, isso era tão vergonhoso. O loiro provavelmente achara que era algum tipo de depravado. Talvez tenha visto aquilo como algum tipo de convite e por isso houvesse saído correndo. Se ao menos soubesse que eles iriam se falar depois— Espera, não era esse o ponto. E ele o chamara de voyeur, também, naquele dia no banheiro. Nem havia se apresentado ainda. Nem havia agradecido ainda. O que ele estava pensando?

Ah, Deus, ele era uma vergonha para si mesmo. Totalmente.

Torceu as mãos, soltando um resmungo esquisito, mantendo os ombros rígidos; alguns dos outros alunos por perto, que procuravam um bom lugar para se sentar, o encararam com estranheza. Então após um segundo negaram com a cabeça, sorrindo, e voltaram ao que faziam, acostumados com suas esquisitices e sabendo que, fosse como fosse, ele não daria ouvidos a nenhuma provocação ou piadinha boba.

— Tá vermelho por quê? — ele ouviu Daniel perguntar, já sem a mochila nas costas. Ele não gostava de se sentar perto da janela: dizia que o sol que batia nos alunos ali, lá pra uma da tarde, o incomodava. Santini preferiria que o amigo de infância permanecesse por perto em caso de necessidade de fuga, mas ele não mandava em Daniel, e não achava que explicar seus pensamentos fosse fazê-lo tomar qualquer atitude além de perguntar se estava ficando maluco.

— Deve ter lembrado de alguma coisa de dois mil anos atrás. — Sarosh respondeu, virando-se para a mesa com o livro de algebra, a aula que teriam a seguir, em mãos, piscando inocentemente.

— Ah, não me diga que tá pensando naquela vez que aquela menina do fundamental se declarou pra você, quando a gente tava no ginásio, e você teve que explicar pra ela que era gay e... aquilo foi tão idiota. Você podia só ter dito não.

— Eu sei disso agora! Você não disse nada pra me avisar quando tava rolando!

— Lógico! Foi hilário! — Santini o encarou com indignação, produzindo um som insatisfeito no fundo da garganta.

— Quando vocês vão parar de falar disso? — Sarosh questionou calmamente, com uma paródia de sorriso no rosto.

— Quando ele parar de fazer essa cara de esquilo chutado ao lembrar. — Daniel respondeu sem nenhum espaço para hesitação, e Santini o encarou com choque, enquanto Sarosh comprima os lábios para conter a risada. Então o mais alto repentinamente atentou o olhar para a porta, abrindo um sorriso mais suave ao se voltar para os outros. — O professor chegou. Vou lá, então. Boa aula, esquilo.

— Eu não— ele foi interrompido pela gargalhada baixa de Sarosh, que finalmente desistiu de contê-la.

— Desculpe. — o ruivo disse, ainda sem se segurar, pondo um das mãos em frete aos lábios e abaixando a cabeça para se tornar menos perceptível. — É que você continua mesmo fazendo essa cara há anos.

— Qual é. — murmurou, rindo um pouco também e negando com a cabeça. Virou-se para frente, então, para o professor de álgebra, que já cumprimentava a todos. Puxou o caderno da mochila, jogando-o descuidamente na mesa, pois por mais que não fosse entender nada, aquele professor era legal, então podia se dar ao trabalho de fingir um pouco. Estava escolhendo se começaria sua rotina de escrever letras de música no caderno com caneta azul ou vermelha quando Sarosh catucou suas costas com a ponta do lápis, fazendo-o virar com o cenho franzido. — Auch.

— Desculpe. Está tudo bem? — ele abriu a boca, pensando em responder como se não soubesse do que o amigo estava falando, prestes a soltar alguma coisa boba sobre uma ponta de lápis contra a pele não doer tanto assim, mas ele realmente não gostava de falar nas aulas daquele professor, então sorriu, assentindo, e decidiu ir direto ao ponto.

— Eu tô ótimo.

— Sei. — o ruivo murmurou com desconfiança, mas não fez objeções quando se virou novamente para frente.

Fitou o quadro onde o professor começava a pôr os exemplos da nova matéria que ensinaria e olhou para sua folha em branco, pondo o braço em posição e começando a escrever o refrão de Mama, da My Chemical Romance, com a expressão mais neutra que foi capaz de pôr no rosto.

~o~

— Eu estava absolutamente apaixonado pela Éponine. Só pra você saber. — ele se prontificou a dizer, vendo Shey ter um visível sobressalto, virando-se para encará-lo com surpresa. O sinal para saída batera não fazia muito tempo, e Santini cruzara a distância entre sua sala e a do loiro para ainda encontra-lo em seu lento processo o de guardar suas coisas com calma e cuidado.

— O que? — perguntou, parecendo perdido. Então Santini estendeu Os Miseráveis, forçando uma expressão que mesclava determinação e ultraje. — Você não gostou?

— Eu amava a Éponine. — repetiu, em um tom firme, e Shey franziu o cenho, tomando o livro nas mãos e virando-o cuidadosamente, como se procurando por marcas e defeitos que Santini poderia ter feito.

— Bem, eu sinto muito. — ele murmurou assim que terminou sua avaliação externa, abrindo o livro e segurando um amontoado de páginas com os dedos, deixando-as cair sob um olhar atento. — Você demorou pra ler.

— Eu leio devagar. — respondeu apenas, arqueando uma sobrancelha para o processo de analise do outro. — Aliás, foi mal, cara, mas sabe aquela página que tem a cena que estão arrancando os dentes da mulher?

O loiro levantou os olhos rapidamente, encarando-o com pavor.

— O que aconteceu?

— Deixei cair café. Desculpa. Ainda dá pra ler e tal, aí eu não preciso comprar outro. Não acho que você se importe com essas besteiras. — o loiro arregalou os olhos lentamente, parecendo perdido e apavorado. Santini deixou escapar a risada que prendia na garganta, negando com a cabeça. — Tô brincando, tô brincando.

Shey pareceu relaxar, então, mas imediatamente voltou a folhear o livro em busca daquela terminada cena, como que querendo confirmar que ele não havia destruído coisa alguma.

— Você gostou do livro? — o loiro questionou algum tempo depois, repousando o objeto na mesa e abrindo novamente a mochila, procurando por algo dentro dela.

— Gostei. Foi horrível, no bom sentido. Esfregou umas coisas bem tristes na minha cara. — o outro sorriu de leve, puxando uma sacola plástica e pondo o livro dentro dela antes de guardá-lo.

— Eu não quero correr o risco de ter alguma sobra de sanduíche que eu não tenha visto e ela manchar todo o livro. — o loiro se explicou, em uma voz principalmente neutra, mas que tinha uma pontada de nervosismo bem contido. Santini sorriu de leve, dando de ombros displicentemente e esperando o outro erguer a cabeça para responder.

— É uma boa ideia. A minha mochila é cheia de pontas de lápis e eu tive que pedir ao Sarosh pra pôr o livro na dele, mas acho que vou usar o seu método a partir de agora. Parece que vai me tornar mais independente. — comentou, em um tom zombeteiro, e o loiro apenas assentiu, pondo a mochila nas costas. — Agora eu tenho que ir. — avisou, apologético, e Shey piscou, aturdido.

— Certo. — contestou mesmo assim, parecendo prestes começar a caminhar para a porta e ir embora.

— É que eu vou ajudar o Sarosh a selecionar exercícios de matemática pro pessoal do clube. Tem competições chegando, e tal.

— Hn. Você não precisa me dar explicações da sua vida. — foi a vez de Santini piscar, então, mordendo o lábio e soltando outra risada curta.

— Ok, você teve um dia ruim? — o loiro franziu o cenho, parecendo confuso.

— Não especialmente ruim. Por quê?

— Você acabou de... — o moreno se interrompeu, torcendo um pouco os lábios. — Nada, esquece. — Shey o encarou atentamente por mais um segundo, com o cenho ainda franzido.

— Hn. Tudo bem. Até. — resmungou, voltando a andar, então Santini arregalou repentinamente os olhos e saltou para frente dele de forma apressada, fazendo os olhos negros se arregalarem e o loiro recuar alguns passos.

— Espera, espera! — exclamou atabalhoadamente, gesticulando com as mãos. Os olhos do outro se estreitaram e, por um segundo, Santini pensou em recuar e pedir desculpas, porque Shey não parecera exatamente inofensivo, mas então ele focou em seu rosto e, balançando a cabeça, voltou ao normal. — É que, tipo, eu tava, hã, você sabe, pensando por aí, aí eu tava pensando, bem, claro que eu tava pensando, se eu tava pensando por aí, mas então—

— Não entendi. — o moreno riu, passando a mão pela cabeça.

— Deixa pra lá, vai. Quer que eu vá contigo até o portão?

— Você devia investir seu tempo em toda a coisa dos exercícios de matemática.

— Nha, são só uns minutos.

— Eu não quero te atrapalhar, obrigado. — havia uma firmeza estranha em sua voz, como se fosse algum tipo se inspetor e Santini um aluno no corredor em horário de aula.

— Ok. Tchau, então. Boa sorte com o... dever de casa, eu acho. — Shey encolheu os ombros, então, e o contornou, saindo da sala em passos tranquilos. Demorou apenas dois minutos para Santini saltar para o corredor, o coração martelando em seus ouvidos. — Espera, espera! — o outro garoto virou-se para olhá-lo, parecendo intrigado. — Ha, desculpa, é que, tipo, eu tava pensando, e hn, não sei, eu queria falar contigo e... hmmm...

— Eu... estou ouvindo...? — ele murmurou, completamente confuso, e Santini sentiu-se um pouco mais nervoso, com as bochechas levemente mais quentes.

— Não, é, eu sei, mas tipo, não queria falar agora. Tava pensando se não dava, sei lá, pra, hã, eu não sei. Eu posso te levar em casa amanhã e no caminho eu falo? Não, não, isso não soa boa ideia. Posso passar na sua casa amanhã de noite? Mas tipo, aí a gente ia conversar na calçada, porque, porque, bem, porque sim.

— Ok. — foi tudo que o loiro respondeu, encarando-o com algo de preocupação. — Está tudo bem?

— Está. — respondeu, rindo de leve e desviando os olhos para baixo, mordendo o lábio e ajeitando a alça da mochila nas costas com mãos inquietas. Ele não esperava que seu nervosismo chegasse àquele nível em algo tão simples. Até onde se lembrava, sentia-se bem à vontade com flertes. Bem, aquilo não era um flerte, mas... — Só estava com medo de estar te irritando por ficar chamando de novo um monte de vezes.

— Não, tudo bem. — ele pareceu prestes a dizer algo mais, por um segundo, então desviou os olhos. — Eu vou indo, agora. Boa sorte com a sua matemática, eu acho.

— Ah, é mesmo. Aquele pessoal do clube vai sofrer. Vou achar as mais difíceis.

— Isso é um pouco cruel.

— É pro bem deles. Aposto que não querem passar vergonha na frente de outra escola. — Shey ainda parecia duvidoso, o encarando como se pensasse se devia ou não dizer algo. Então assentiu lentamente e, após um breve aceno de despedida, virou para ir embora. — Tchau, Shey! — gritou e, por força do hábito, teria acenado de forma enérgica e pouco condizente com a situação se ele estivesse olhando. Bom, não estava.

Virou antes que o outro deixasse aquele corredor e foi correndo em direção à biblioteca, pois Sarosh já estava lá esperando e, por mais que fosse um pouco sádico da sua parte e ele não fosse admitir, seria hilário ver os calouros do clube tentando resolver os problemas que ele escolheria.

~o~

— Hey, eu posso te fazer uma pergunta pessoal? — Santini finalmente tomou coragem de questionar, recebendo um breve aceno de cabeça do loiro sentado ao seu lado no banco de madeira.

— Sim?

— Te incomoda que eu sou gay?

Um silêncio imediato e incômodo caiu sobre os dois. Havia pouco movimento na pracinha próxima à casa do loiro, naquela noite, o que de certa forma fora um alívio até então, enquanto estavam apenas conversando sobre os personagens de Os Miseráveis e como todos eles se davam mal no decorrer do livro, mas agora fazia tudo parecer demasiadamente suspenso e frágil.

Seu coração martelando contra seus ouvidos e o latido estridente de um cachorro que não se calara na última meia hora pareciam desconcertantemente isolados, o que o deixava nervoso, e por isso tratou de morder os lábios com força o suficiente para, caso o fizesse por muito tempo, cortar de fato. Ele soube pela demora que a resposta seria sim.

— É claro.

— Oh. — murmurou, desviando os olhos da expressão vaga no rosto de Shey, que apenas olhava para o outro lado da rua com olhos em branco. — Jura? Você... você nunca pareceu incomodado, pra mim.

— Você não fala sobre isso com constância. E não é da minha conta.

— É, mas—

— Eu também não te vi beijando mais ninguém desde aquele menino ruivo no baile. — ele completou, pareceu um pouco enojado.

— Se visse incomodaria, eu suponho.

— Devia incomodar você também.

— Devia? — o loiro assentiu lentamente, e Santini cravou os dentes no lábio com mais força. A dor fina e fácil de ignorar não foi o suficiente. — Por quê? — Shey finalmente virou-se para olhá-lo, parecendo chocado, aturdido ou simplesmente indignado.

— É pecado. Você devia saber disso. Isso está completamente errado.

Ah, merda.

Ele devia parar com aquilo agora. Abortar missão.

— Por quê?

— Como assim “por quê?”? Não foi para estar com outros homens que seu corpo foi feito. Você... você tem a sua função como homem, você devia se reproduzir e se apenas a combinação de um homem e uma mulher pode fazer isso, então não há motivo para estar com um homem. — ele ouviu o loiro ofegar e viu, de relance, suas mãos tremerem. Piscou um pouco mais rápido que devia, movendo os dentes para o canto esquerdo do lábio inferior e cravando lá com os caninos, com a esperança de conseguir algo mais profundo dessa vez.

— Eu não acho que um ser humano devesse se basear só nisso, ou podíamos matar todas as pessoas que nascem estéreas. — ele ouviu o loiro soltar um som de exasperação e choque, sem coragem, entretanto, para erguer o olhar.

— É uma situação diferente. Não é culpa delas.

— Não é culpa minha, também.

— É, é sim! — ele finalmente gritou, o tom misturando mais emoções que Santini podia identificar naquele estado. — Você pode muito bem escolher entre o que é certo e errado—

— Não é errado.

— É lógico que é! É absolutamente errado. É nojento e repulsivo. É culpa sua se você está levando em frente a sua maldição errado e entregando-se a ela com empolgação. Você é uma das melhores pessoas que já conheci, mas isso não justifica. Simplesmente não. E você devia saber disso, você devia saber que não pode sair por aí se entregando a instintos bárbaros, isso é—

— Ei. — interrompeu, tentando falar com o máximo de firmeza possível mesmo com o nó incontrolável na garganta. O sangue pairando sobre a boca não estava o relaxando, ainda, então mordeu outra vez, mas forte e rápido, aprofundando a ferida. — Eu meio que acabei começando a gostar de você.

— O que...? — o loiro questionou, em um sussurro quase inaudível.

— Eu gosto de você.

Ele ouviu Shey puxar o ar de forma intensa, quase como um grito contido, e percebeu-o se encolher mais. Aproveitou o momento para conseguir mais marcas de mordidas, apertando a carne sensível dos lábios entre os dentes, ansioso por algum alívio, alguma distração. Ele queria levantar e sair correndo, mas havia um desejo masoquista de permanecer ali e ouvir até o final, deixar as palavras se afundarem nele, mesmo que aquilo fosse tóxico e não devesse parar para engolir.

Então Shey se levantou em um salto repentino, cambaleando para trás, e Santini ergueu os olhos, que só naquele momento notou estarem marejados, para fitá-lo de soslaio, percebendo-o com os olhos arregalados e apavorados, as mãos nos ouvidos, pressionando com força, e os dedos enterrados nos cachos.

Você não pode fazer isso comigo! — ele gritou, a voz tão desequilibrada que fez os pelos da nuca do moreno se arrepiarem e ele se levantou, com as pernas trêmulas e lacrimejante, pondo os braços em frente ao corpo de maneira protetora. — Eu estava dizendo que isso é nojento! Isso é repugnante! Qual o seu problema? Qual o seu problema? — ele ofegou da mesma forma nervosa, cambaleando para trás. — Por que você me disse isso? Isso não é engraçado—

— Eu não estou brin—

Cala boca! — ele gritou, pressionando as mãos nos ouvidos um segundo depois. — Não! — pronunciou, como se falasse com alguém mais, e sacudiu a cabeça. — Por que você não manteve isso para você? — murmurou, olhando-o com aqueles mesmos olhos arregalados, cheios de medo e desgosto a algo que ele não pôde identificar antes de desviar o olhar. — Eu não queria saber, isso não é engraçado. Isso não é uma piada. Como você pôde falar isso? Uma coisa nojenta dessas, eu tinha acabado de dizer que era repugnante. Você está tentando me mandar para o Inferno? Eu disse, eu acabei de dizer—

— Eu não—

— Quem é arrogante o suficiente para depois de me ouvir dizer tudo aquilo ainda achar que eu iria querer algo? Você acha que qualquer um iria para o Inferno sem hesitar, por você? Qual o seu problema? Eu deveria ter pulado, ah, meu Deus, eu te amaldiçoei também. — ele soluçou pesado e, entre o borrão que era sua visão graças ao choro silencioso que não estava conseguindo parar, Santini achou vê-lo chorar também. O lugar que mordera em sua boca lançou uma pontada de dor que enviou um arrepio por sua espinha, e ele levou os dentes a outro canto para poder continuar, pois ainda não era suficiente, e ele precisava de mais. — Eu sinto tanto, isso é minha culpa, mas você não pode simplesmente vir até aqui dizer essas coisas. Eu sei que deveria ter pulado, mas você não podia vir aqui fazer isso comigo. Apenas não. Isso é nojento, isso é—

Chega!

— Chega você! — ele gritou de volta, e cambaleou para trás mais uma vez. — Você veio até aqui me dizer isso porque você sabe.

— Eu não sei de nada. — ele praticamente soluçou, em uma voz embargada e enrolada que achou difícil que o outro entendesse. — Não estou fazendo nada com você, também. — fungou, passando a mão pelo rosto, na esperança de limpar um pouco das lágrimas, percebendo um pouco tarde demais que esfregara o sangue de perto do queixo pela bochecha.

Shey soltou uma espécie de chiado de agonia, arrastando as mãos em garra para baixo, como se quisesse arrancar as próprias orelhas, antes de sair correndo. Santini ainda conseguiu reunir fôlego para soltar uma risada entre um soluço quando deixou de ouvir os passos do outro. Ergueu as mãos em frente aos olhos, vendo as manchas vermelhas nos dedos e cambaleando um pouco para trás, apoiando-se no banco com uma mão, só então notando-a tremer.

Por que estava nervoso, mesmo? Ele já ouvira coisas do tipo antes, certo? Não conseguia se lembrar, mas certamente já. Mordeu-se com afinco uma vez mais, buscando algo que o trouxesse de volta, nem que fosse para algum estado de nervosismo, com um nada esquisito pesando no peito e o deixando desorientado. Havia sangue em sua língua, e ele engoliu nervosamente, porque Sarosh perceberia e ficaria furioso, mas Sarosh nem estava ali.

Ele arregalou os olhos quando, um tempo indeterminado depois, mas o suficiente para sentir o queixo um pouco travado com sangue seco e grudento, ele ouviu alguém chamar seu nome, levantando os olhos para ver um de seus colegas de classe o encarando com pavor. Foi aí que notou que os barulhos que produzia com a garganta eram risadas, e não soluços.

A situação era mesmo hilária, não?


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