Um Amor Definitivamente Inumano escrita por Carol Potter Greymark


Capítulo 28
Memórias de um Anjo


Notas iniciais do capítulo

Me desculpem pelo amor do Scott. É que comecei o ensino médio e meu colégio é puxado demais. Porém, este cap irá saciar vossa sede literária... E faze-las implorar por mais... Saudades de todas... Amoooo vocês demais... Mais Patch ganha... Essse cap é pov narrador e está cheio de surpresinhas... Beijinhos!



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Vee Sky e Nora Grey trocaram olhares significativos. O modo sombrio com o qual Patch Cipriano encarava a parede pálida atrás de si era um mau pressagio, e elas concluíram aquilo apenas por um simples bisbilhotar ladino. Scott Parnell, por sua vez, permaneceu tão confuso como sempre na companhia do Anjo. Aquelas orbes negras pareciam sugar sua consciência e beber suas respostas... Ele ergueu as sobrancelhas grossas e cruzou seus braços fortes sobre o peito largo e esculpido, esperando que alguém se manifestasse , solicitando mais clareza.

–O que isto quer dizer? Velhos amigos, como assim? – Srta. Sky deu vida as especulações que Scott fazia. Ele lhe lançou um breve e contido olhar de ternura, e não conseguiu deixar de pensar sobre as ultimas vinte e quatro horas. Aquela garota... Uma mulher, daqui apenas dois dias, dava-lhe mais satisfação do que qualquer outra com que já se relacionara... Os cabelos dourados e perfumados dela, sua pele macia como seda e seus gestos despreocupados... Tudo era perfeito. Apesar do semblante pétreo que ela sustentava, ele podia sentir sua tensão e seu medo. Os olhos cor de jade dela não eram difíceis de ler, e se ele pudesse apostar, ela estava segurando lagrimas frustradas bem naquele momento. Sentiu uma necessidade súbita de deitá-la em seu peito e dizer que tudo ficaria bem, que ele a manteria a salvo. Mas repreendeu-se e manteve-se encostado ao sofá, esperando que o ser nada angelical a sua frente desse mais explicações.

–Há mais coisas entre o céu e a terra que os olhos humanos já depravaram... – Vee suspirou com a resposta incerta de Patch. Estava se cansando daquele joguinho de metáforas que o Anjo fazia. Nos últimos meses passara por inúmeras provações, sua mãe desaparecera do dia para a noite e a ultima coisa que desejava era resolver enigmas. Cravou seus olhos sobre Patch e encarou os glóbulos negros e profundos com tamanha fúria que teve um resquício de lembranças obscuras que rondavam a mente dele naquele momento.

Ele piscou os olhos, surpreso, e encarou Vee com certa fúria. Não gostava que o dominassem... Nunca...

–Nunca mais entre em minha mente desta maneira, entendeu? – seu tom era calmo, frio e mortal. Vee apenas sorriu e forçou-se mais uma vez para dentro das lembranças do anjo, ignorando as batidas aceleradas do seu coração, e a expressão sobressaltada no rosto pálido de Scott.

–Você não manda em mim, Jev...

Bastou aquele segundo de exasperação nos olhos dele, para que ela o dominasse novamente, dessa vez correndo até ele e tocando as cicatrizes sob sua camiseta, marcas permanentes de sua traição ao paraíso. E de repente a escuridão a engoliu, e ela já não estava mais no sofá da sala de sua casa.

Os dois anjos negros caminhavam silenciosamente soba escuridão que assolava os vivos, deslizando como espíritos inquietos pelo solo rustico da floresta. A pouca luz, Vee só podia distingui-los pela estatura. O que estava a direita era mais esguio, porém o da esquerda era uma cabeça mais alto que aquele. Ela sentiu seu sangue congelar nas veias. Sabia quem eles eram. E o da esquerda , particularmente, reavivava memorias perturbadoras em sua mente.

Ela os seguiu com cautela pela mata densa, até que ambos pararam abruptamente, interceptados por algo que ela não conseguia ver. Segura pela nevoa torrencial, ainda que temerosa, ela aproximou-se deles e ergueu-se na ponta dos pés para ver sobre seus ombros.

Em uma clareira a céu aberto, alguns metros adiante, luzes piscantes irradiavam de certos pontos, como fogueiras de acampamento. Ela prendeu a respiração quando escutou a voz familiar e cortante sussurrar para o anjo da direita, seu proprietário incapaz de ver a expressão assombrada no rosto magro de Vee.

–Você acha que devemos relatar ao Sombra a localização agora, ou devemos prosseguir ?

Sobre a cortina escura da noite, ela viu o sorriso de Jev brilhar, desdenhoso, para seu antigo melhor amigo.

–Suponho que já sabe a minha resposta, não é?

Rixon, em resposta, desembainhou uma pistola de calibre 22 de seu colete de couro. Patch, por sua vez, retirou de dentro da bota de cano longo cinco punhais afiados. Vee soltou um suspiro contido. Aquelas armas tinham algo diferente, um brilho que transpassava a escuridão da noite. ‘Devilcraft’, Vee pensou. Mas aquele brilho não era azul fosforescente, como as artes do mal sempre se apresentavam. Aquelas armas pareciam ter engolido a lua, de tão prateados que eram os seus raios.

–Prata Lunar... – sussurrou Patch enquanto rodava as laminas ociosamente por seus dedos. – Vale, Frater Lupus...

Rixon sorriu com as palavras irônicas e Vee ficou aturdida. Do pouco que conhecia de latim, conseguiu traduzir algo como : Adeus, irmãozinho lobo...

Lobos? Aquilo a deixou petrificada. O que lobos tinham a ver com algo, afinal? Não pode concluir seu raciocínio, porém, pois Patch e Rixon se apressaram em uma corrida ligeira e silenciosa, e teve de segui-los. Ambos pararam a cerca de dois metros da primeira fogueira, o véu cor de ônix da noite escondendo-os de tudo e todos. Mas a noite não pode camuflar o cheiro de óleo gorduroso queimando e sangue fresco que fez Vee sentir ânsia de vomito. Ela se encurvou, mas nada saiu de seu estomago. Então retornou o olhar para cima e encontrou ambos, Patch e Rixon, de queixo caído. E assim ela também ficou.

Ao lado da fogueira mais próxima haviam dois troncos grossos cravados no solo, que seguravam um espeto de ferro comprido, coberto de fuligem e sangue seco. O que jazia sobre o fogo era um pedaço de carne muito grosso, que Vee nunca tinha visto na vitrine de algum açougue. Supôs que era de algum animal da floresta, provavelmente um veado. Era melhor pensar assim do que aceitar outras teorias sombrias que assolavam seus pensamentos...

Mas foi uma figura enorme, castanha e peluda, que mais a assustou. Parecia a ela um cachorro, porém, estava sobre duas pernas, e tinha braços largos e compridos com mãos esticadas em garras pontiagudas e letais. Aquilo encarou a escuridão com olhos amarelos selvagens, bem no ponto em que Patch estava. Ele uivou como um lobo chamando a alcateia, e vários uivos foram ouvidos em resposta, juntamente com alguns gritos humanos, que fizeram o coração de Vee perder uma batida. O lobisomem se lançou para cima de Patch, e seu tamanho, o de um nefilim adulto e bem desenvolvido, fez-se mais claro. Mas antes que as garras mortais alcançassem o corpo tremulo do anjo, um tiro certeiro cortou o ar e atingiu o monstro bem no peito. Ele uivou uma ultima vez antes de desabar sobre o chão poeirento e cheio de folhas mortas da floresta.

Outros muitos se lançaram através da noite, cortando o vento gelado com suas garras brilhantes. Dois deles forma atingidos por adagas certeiras de prata, bem no coração. Quatro outros caíram atingidos por tiros de pistola. Vee não entendia nada. Ainda estava pasma com a existência de tais criaturas, lendas infantis contadas por sua mãe a ela e Nora, nos dias de lua cheia. Seus olhos aflitos e assustados se sobressaltaram quando um pequeno menino-lobo, uma criança que não aparentava ter mais de cinco anos de idade humana , caiu a seus pés, cuspindo sangue de seus lábios caninos repuxados. Ela se ajoelhou ao lado dele e tentou pegá-lo no colo, mas suas mãos atravessaram o corpo franzino inutilmente. Ela sentiu lagrimas de ódio escorrerem pelo seu rosto. Procurou os causadores da chacina e encontrou apenas Rixon, cuja arma havia caído ao chão, e agora se empenhava em um combate corpo a corpo com um dos lobos. Patch estava fora de vista. E ela sabia que isso não era algo bom.

A contragosto, deixou a corpo do menininho de lado e partiu pelo campo de batalha, manchado de sangue lupino. Seus olhos perscrutaram cada uma das pequenas cabanas de lona, procurando o alvo principal de seu furor. Estava confusa com tudo aquilo, mas de qualquer maneira, ainda sentia raiva dos dois. O que eles queriam, afinal, matando todos aqueles lobisomens? Quem era Sombra? Ela lembrou-se brevemente de um comentário que Patch fizera, alegando que ele e Rixon já foram mercenários do rei Francês Henri II. Seria possível que este fosse o caso? Provavelmente não. As roupas que usavam eram mais modernas, mas não completamente. E além disso, as armas de calibre 22 só foram inventadas no fim do século XIX. Onde estava, entao, senão na França? Certamente que não em Coldwater, talvez nem mesmo nos EUA, pois a floresta em que estava se assemelhava as tropicais da américa latina, tanto no clima quanto na ausência de pinheiros. Mas isso logo seria resolvido. Ela só precisava encontrar Patch e então...

Foi puxada para outra memoria. Desta vez não haviam gritos, nem sangue, nem mesmo escuridão. A sua frente sentava-se Patch, o boné de beisebol azul pendendo em seus cabelos negros. Estava em uma sala parecida com a de um psicólogo, com carpete vermelho sob seus pés e quadros abstratos emoldurando as paredes claras. Um aromatizador de ambiente exalando o frescor de pinheiros dava um toque de sofisticação ao local, e de uma ampla janela provia a única iluminação da salinha. Havia também algumas poltronas de couro branco e um divã combinando. E em uma cadeira de carvalho em frente a Patch, talhada com precisão para que as braçadeiras tivessem formato de asas, sentava-se Dabria, o sorriso profissional e os cabelos loiros impecáveis contrastando com os olhos azuis árticos e sem emoção.

–Muito bom... – ela sussurrou e deslizou os dedos longos pela mesa em direção a Patch sedutoramente. Vee revirou os olhos. ‘’Nora não iria gostar nem um pouco desta cena...’’ - O Sr. Kaleghov ficará orgulhoso de seus... serviços.

Patch entrelaçou os dedos sob o queixo angular e encarou Dabria com convicção, fugindo de seu toque repleto de segundas intenções.

–Pouco me importa o que Sombra pensa a respeito de meu desempenho... O que quero saber é onde a pedra está. E algo me diz... – sua voz fria cai um decimo, e Dabria se arrepia. – Que você poderia me ajudar, Dab...

Dabria fecha os olhos e suas mãos tremem. ‘’Uau, Patch causa um efeito pujante nela...’’, Vee pensou. Então Dabria abriu os olhos, e eles pareceram um pouco receosos dessa vez, como se o gelo estivesse a ponto de rachar.

–Como você sabe sobre a pedra? – ela pergunta, sua voz não mais tão confiante.

–Tenho minhas fontes... – ele pisca um olho, e ela morde o lábio inferior, contraindo os dedos longos involuntariamente,

–Você sabe o que acontecerá caso descubram seu conhecimento?

–Não tenho medo do paraíso, Dabria. Eles já tiraram de mim tudo o que podiam...

Com estas palavras ela suspira, e fecha os olhos novamente antes de prosseguir.

–‘’Ao Norte, sobre a rocha, onde se esconde todo o mal, encontrarás o segredo que torna o homem imortal... ‘’– ela engole em seco depois de pronunciar essas palavras. O gelo finalmente quebrou e os ombros dela se encolheram. – Vá. Antes que seja tarde...

Patch enlaçou os dedos nos dela por breves segundos antes de sair pela porta, apesar de o gesto parecer mais mecânico do que caloroso. A ultima coisa que Vee viu antes de ser engolida pela escuridão novamente, foi o pequeno sorriso sobre os lábios vermelhos e cheios de Dabria.

–Vee! – Nora grita quando o corpo de sua melhor amiga sai do estado de torpor absoluto, caindo no chão ao lado de Patch. O anjo a acode prontamente, levantando-a e a colocando sobre o sofá com facilidade. Scott empurra as mãos dele sem gentileza e pega sua namorada pelos ombros, sacudindo-a levemente.

–Vee... – ele sussurra, o desespero mal camuflado em sua voz. – Vee!

Os olhos esverdeados se abrem brevemente e encaram a preocupação castanha que está a sua frente.

–Estou bem. – ela diz. Então se solta e caminha até Patch, que está amuado em um canto da sala, com uma insistente Nora pedindo-lhe explicações.

–Lobos... Foram eles, não foram? Foram eles que pegaram minha mãe. – sua voz não está tremendo como imaginara, e ela fica grata por seu autocontrole. Patch se vira lentamente para encará-la, com uma expressão insondável em seu rosto quase italiano.

–Não, Vee... – as palavras dele a acertam como um golpe e ela volta a ficar tão confusa quanto no sonho. – Não foram os lobisomens.

–Mas... – ela começa, sentindo-se estupefata. Patch corta sua pergunta antes que ela a faça.

– Foi um terrível erro o que eu, o que nós dois, fizemos aquele dia... Havia um homem de poder conhecido por Sombra, um mero humano, conhecedor das artes das trevas e do lado oculto da natureza. Ele queria que Rixon e eu pegássemos uma joia que lhe pertencia, e que há muito, um lobisomem chamado Juarez Martinez havia retirado dele. Juarez tinha formado uma alcateia ao centro do México, em uma reserva indígena que ali havia. Não sabíamos o que era a joia ao certo, somente que era valiosa e que receberíamos uma alta recompensa se entregássemos a ele. Estávamos sem dinheiro e aceitamos o trabalho prontamente. Nunca tinha lidado com lobos antes, mas Rixon já. Ele tinha armas que conseguiu na clandestinidade, com Pepper Fridberg, o próprio. Então invadimos a propriedade ao anoitecer de sexta feira, vinte e nove de outubro do ano de 1956, uma data que nunca esquecerei. Matamos muitos inocentes, até mesmo crianças licantropes. E no fim, o que encontramos foi um mero colar de ouro com um pingente largo e sem nenhuma joia. Mas Sombra não se importou com isso, muito menos enraiveceu-se. Acho que no fim, o que ele queria realmente era uma chacina lupina, sem que ele tivesse de sujar suas mãos para isso. Mas a questão da joia me inquietava. O que seria assim tão valioso a ponta de tornar-se objeto de desejo de um licantrope? Dabria deveria saber. Ela prestava serviços a Sombra. Alguns deles até mesmo particulares. – Nora , que assim como Scott escutam a conversa impassíveis, dá os primeiros sinais de impaciência ao ouvir o nome da antiga rival. Patch pigarreia, mas prossegue sua historia. – Enfim, ela , depois de certos... estímulos, acabou me contando do que se tratava o objeto em questão, e além disso, havia até mesmo um verso a respeito de sua localização... Eu... Acho que é melhor que vocês vejam por si mesmos... Scott, Nora... Façam as honras.

Então uma Nora raivosa, um Scott cauteloso, e uma Vee assustada tocaram as cicatrizes das costas nuas de Patch, e juntos embarcaram em suas memorias.

Eles aterrissaram em um escritório de luxo, no qual as paredes platinadas eram perscrutadas por quadros de valor, e um lustre de cristais pendia do teto cavernoso. O cheiro era familiar a Vee, mas pela primeira vez, o aroma de canela não lhe soou aconchegante. A frente deles estavam Rixon e Patch, este ultimo com manchas significativas de sangue espalhadas pelo couro de suas roupas. Rixon trazia um colar de ouro em suas mãos, ao que identificaram como o descrito por Patch em sua breve confissão na sala de estar. Uma mesa de vidro cristalino, repleta de curiosas figuras que representavam lobos, sereias, duendes e exemplares humanos com dentes afiados, asas e chapéus pontiagudos esculpidas habilidosamente em pedra cinzenta. Mas nenhuma delas se equiparava ao homem careca e de mui baixa estatura, que se assentava em uma cadeira negra e rotatória a frente deles. De seus dedos curtos e gorduchos, porém com unhas bem cuidadas, jaziam vários anéis de ouro e pedras preciosas, e de seu pulso grosso, pendia um caríssimo relógio de bronze. O homem trajava um terno de modelo antigo, propriamente da década de 50, na cor roxo berrante com detalhes em um verde musgo, que combinava com o carpete do teto e se assemelhava a pequenas aglomerações de musgo lodoso sobre suas mangas. Vee sentiu vontade de rir, mas toda a graça que achara de tão espalhafatosa figura se foi quando a voz grossa e profunda do homem ecoou pelo cômodo.

–Espero que tenham eliminado o suficiente daquela raça insuportável... – e sorriu, um sorriso brilhante, mas nem um pouco caloroso. O estomago de Vee se apertou, e ela soube que Scott tivera a mesma conclusão que ela quando ele apertou seus ombros, tentando protege-la de um homem que felizmente não podia vê-los. O homem, Sombra, ou como quer que se chamasse, era um lunático assassino de crianças, e o inferno seria seu destino adequado.

–Sim, senhor. – disse Rixon, mas havia tensão em sua voz. – Porem, sinto informar-lhe de que o colar está sem a pedra...

Os ombros de Patch se contraíram naquele momento, e Nora sentiu seu estomago apertar-se. Mesmo em uma lembrança, sabia que aquela reação de seu namorado significava apuros, e sentiu medo por ele. Mas tal sensação foi substituída por confusão quando o homenzinho sorriu novamente.

–Oh, não vejo o porque de que o sinta... Aquela pedra era um mero rubi... Tenho outros em minha coleção. – e abanou o mão no que parecia um gesto descontraído.- O que importa... – e elevou mais ainda sua potente voz. – É que antiga traição foi vingada...

Ele deu um peteleco teatral na pequenina estatueta de lobo, e um uivo baixo e contido ecoou pelo salão. Os pelos dos antebraços de Nora se arrepiaram, e Vee sentiu um calafrio na espinha, enquanto Scott apertava ainda mais seus ombros frágeis.

–Venham, meus rapazes... – o homem roliço soltou uma risadinha cruel e indiferente. – Vamos beber um uísque e acertar as contas...

Os três sentiram os corpos sugados para uma outra memoria, e desta vez Vee reconheceu o local em que estavam. Era a mesma sala em que Patch confrontara Dabria na outra memoria, mas dessa vez apenas Patch a ocupava. Ele remexia inquieto nas gavetas de arquivos sob a mesa, uma expressão resignada em sua testa. Por fim, parecia não ter chegado ao seu objetivo, e fechou-as com exasperação eminente. Ele pescou um aparelho de se bolso, um walkie-talkie antigo, como os detetives utilizavam antigamente, e apertou alguns botões esquisitos enquanto posicionava o objeto perto da boca.

–Ceifador, aqui quem fala é Mão Negra, cambio. – ele murmurou contra o bocal e fez-se um ruído mecânico. O coração de Nora perdeu uma batida ao ouvir o antigo nome que assombrara seu passado, e ela cerrou os punhos aos dois lados do corpo.

–Ceifador na escuta, cambio. – grunhiu uma rouca e familiar voz do outro lado da linha. Vee agradeceu aos céus pelo quanto os celulares haviam se aprimorado...

–Não localizei nada útil no local... – a voz de Path parecia levemente irritada. – Estou retornando a Caverna del Toro neste momento...

–Certo... Cambio, desligo.

Patch guarda o aparelho em um bolso interno de sua jaqueta de camurça e se dirigiu para a porta ampla ao fundo. Mas antes que seus dedos encontrassem a maçaneta, esta se abriu sozinha, surpreendendo o anjo.

–O que está fazendo aqui? – Dabria pergunta, erguendo as sobrancelhas em total surpresa, mas não desaprovação completa.

O semblante de Patch muda, e ele sorri de maneira sedutora para a loira estonteante a sua frente. Nora revira os olhos e uma sensação esmagadora começa a surgir em sua garganta.

–Eu vim te ver... – ele sussurra, e Dabria morde o lábio inferior, o gelo em seus olhos céticos derretendo brandamente. Então seus olhos azuis assumem um ar desfocado e os membros dela entram em estado de torpor. O sorriso de Patch passa de caloroso para frio e controlador, e tanto Scott quanto Nora e Vee percebem imediatamente que ele invadiu a mente dela. O aperto na garganta de Nora se afrouxa gradualmente e ela esboça um sorriso maldoso e satisfeito. Então controle de mente eram os estímulos ao qual ele se referira?

–O que seria esta pedra que despertou um desejo profundo em Juarez, Dab?

–É a pedra de Salomão. Segundo o livro de Enoque, ela tornaria qualquer humano imortal, assim como tiraria a imortalidade de qualquer ser que a possuísse.- a voz de Dabria é mecânica. Sua boca está abrindo e fechando como a de um robô.

–De qualquer outro ser? Como assim? Existem mais além dos anjos caídos e dos lobos?

–Sim. Porém a maioria das criaturas imortais permanece oculta e isolada das outras espécies. Foi a lei celestial decretada pelos serafins assim que os primeiros anjos caíram. As autoridades celestes temiam que se uma espécie descobrisse a outra, o risco de rebeliões e tentativas de dominação contra os humanos seria maior. Apenas o primeiro escalão e os anjos da morte foram segredados dessas informações.

–E porque nunca ninguém os viu?

–Ora, estão cheios de relatos em delegacias humanas a respeito disto. Mas as pessoas que alegam ter tido contato, direto ou indireto, com lobisomens, vampiros, feiticeiros, sereias e afins, acabam taxados de loucos, ou no mínimo mentirosos.

O queixo de Vee cai, e Scott permanece estático com a revelação. Nora, por sua vez, parece ter embarcado em uma lembrança interior. Ela vagamente recorda de um dia de verão, no qual a mãe de Vee as levou para a praia. Elas tinham cerca de oito ou nove anos, e quando a Sra. Sky se distanciou para comprar picolés, Vee a desafiou a nadar até a faixa vermelha de boias sobre o mar, que indicava uma profundidade maior que cinquenta metros. Ela aceitou a proposta e se foi, batendo as pequenas pernas com vigor, até a faixa de risco. Quando abaixou a cabeça sobre a água para expirar, ela teve um rápido vislumbre de cabelos longos e negros, adjacentes há um tronco humano e feminino ligado a uma cauda verde, longa e escamosa . Por um momento ela sobressaltou-se e chegou a pensar que havia uma mulher sendo engolida por um peixe. Mas quando retornou a areia, outra conclusão chegou a seu subconsciente, e quando ela contou a Vee, sua amiga taxou-a de mentirosa. Ambas esqueceram aquele dia... Até este momento.

–Obrigada, Dab... Agora suponho que deva organizar suas gavetas...

Obedientemente ela se volta para sua mesa, e então Patch sai da sala com um olhar intrigado em seu rosto...

Os três aguardaram pacientemente enquanto Patch contava toda a historia a Rixon, em um pequeno bar mexicano ao centro da Cidad del México. O anjo mais alto escutara tudo com um súbito interesse em seus olhos amendoados, olhos que outrora Vee costumava admirar. Um pensamento de aversão profunda fez com que ela se arrepiasse. Desviou seus olhos para Scott e apertou sua mão cálida com força. Toda a incerteza e as lembranças ruins ficaram esquecidas naquele momento, o momento em que lembrou-se que pertencia a ele, e ele era igualmente seu...

–Mas onde começaremos a procurar por isso? – Rixon cruza os braços sobre o peito, de maneira interessada.

–Algo me diz que Dabria sabe...

E novamente estão na sala com cheiro de pinheiros de Dabria. A mesma lembrança que há pouco Vee presenciara é repassada, e dessa vez a pequena profecia faz sentido.

‘’Ao norte, sobre a rocha, onde se esconde todo o mal, encontrarás o segredo que torna o homem imortal...’’

Pela ultima vez eles são transportados para outra memoria. O sangue de Scott parece congelar em suas veias quando ele reconhece o local. A nevoa de Coldwater embriaga o ar quase rarefeito da Montanha Worthington, e o mar translucido brilha ao longe, na costa da baía Cold Bay. Mas a magnificência do lugar parece não afetar as expressões resignadas e frias nos rostos dos dois anjos que ali permeiam. Os olhares deles se voltam para a imensa rocha que ali há, o ponto mais alto e longínquo ao nordeste dos EUA. Há algo talhado sobre a pedra sólida, algo em uma língua irreconhecível aos olhos humanos.

‘’Jilliham’’ , é o que anuncia.

–O que significa isto? – Rixon pergunta a Patch. – Você sabe que há muito me esqueci da língua natalícia...

–Significa ‘’Sacrifício’’ ... – Patch franze as sobrancelhas. – Mas não entendo de que tipo se refere...

Ele desliza os dedos pelo talho, e imediatamente sangue escorre pela pedra. Patch retira os dedos cautelosamente e os encara, sem dizer uma única palavra. Vee demora um pouco parra se lembrar que nesta época ele ainda não sentia, portanto não havia motivo para gritar de dor.

–Caídos... – ele murmura, uma pontada de magoa presente em seu tom. – Eles não acreditam que caídos poderiam fazer um sacrifício... É uma armadilha para os que não possuem intenções limpas...

Imediatamente o solo começa a tremer, e a pedra é engolida para dentro de uma enorme vala. Patch quase toma o mesmo caminho, mas Rixon o puxa para trás, e a depressão se fecha, o solo do local ficando tão uniforme quanto o resto da planície. Apenas algumas palavras brilham sobre o local, escritas com o sangue fresco de Patch, e Vee conseguiu distingui-las antes de ser puxada de volta.

‘’Nunca brinque com o paraíso sem esperar as consequências...’’

Então a escuridão os engoliu pela última vez.


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Notas finais do capítulo

P.S: Não tenho, infelizmente, previsão para o próximo, mas tentarei ser breve. Obrigada pelos reviews... Não me deem tijoladas!



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