As 11 poesias de Halicarnasso escrita por Salomão


Capítulo 1
Norte Iluminado, eu anônimo e Kurt Cobain


Notas iniciais do capítulo

Bom, primeira vez tentando uma escrita mais leve e coloquial. Vamos ver até onde vai isso. "As 11 poesias de Halicarnasso", originalmente, ia ser um drama, maaas resolvi dar uma variada. Queria experimentar uma forma de escrita nova para mim.

Ei, estou falando com você. Não fuja, você sabe que é com você mesmo. Se ainda não percebeu, aqui vai as palavras-chave: pera, kitkat, chablau. Hahahaha. Agora você já deve saber que estou falando com você. Enfim, não esqueça da minha review.

Boa leitura.



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I

Frio. Surpresa. Escuridão. Essas eram as únicas coisas que consegui distinguir quando me dei conta de que possuía um corpo, ou algo próximo disso. Antes de despertar, eu estava imerso em um universo escuro e úmido, como um profundo oceano. Tive medo, claro. Aquilo tudo parecia reconfortante demais, porém, eu estava cansado (ao extremo) e quase me rendendo ao chão submerso daquele mar sem peixes... entretanto, logo ouvi o badalar de sinos. O som aumentou gradativamente até ecoar em meus pensamentos, ignorando qualquer senso de física mecânica que aquele lugar poderia vir a ter. Não havia o que discutir, pois eu havia captado a mensagem. O código Morse musical dizia que era hora de acordar.

Primeiramente, senti muita dificuldade em abrir os olhos, pois aquilo parecia um tipo de mecanismo diferente de tudo que eu já utilizara. Articular, sentir e entender... tudo parecia tão novo. A minha respiração estava pesada e descompassada, como se eu houvesse acabado de emergir após alguns minutos segurando o fôlego debaixo da água. Estava desnorteado e fiquei decepcionado ao notar o que me cercava. Troquei o escuro pelo mal iluminado. Seis por meia-dúzia.

Eu estava deitado num chão de mármore, mas não sentia o frio provindo da superfície cálida sob minha pele. Graças ao fato de estar deitado, pude encarar um teto abobado e escuro. Tão alto! Sentia-me dentro de um túmulo gigantesco e com ótimo sistema de ventilação. Ele não era fechado. Nem a leste. Nem a oeste. Droga. Muito menos ao norte, que estava iluminado demais para o meu gosto. E, é claro, o sul também era aberto! Não havia paredes. Mas que merda! Por um minuto pensei que fosse um titã enjaulado bem no fundo do Tártaro. Bom, mesmo estando num cárcere do mal, ser um titã seria épico... cá entre nós.

Levantei-me do chão frio, espanei minhas roupas e joguei um pedaço de tecido, que estava enrolado em volta do meu pescoço, para trás num ato digno dos estilistas da Vogue. Não fazia ideia das vestimentas as quais eu usava porque, como já disse, estava escuro pra caramba. Calma. Um minuto. O que é Vogue? Que estanho. De onde tiro essas coisas? Enfim, conversa fiada e blá-blá-blá não são necessárias para entenderem o que aconteceu. Como desconhecia o universo onde estava (sim, universo, galáxia, série de TV... tanto faz), andei em direção ao lugar mais iluminado, ou seja, o norte daquele lugar-não-faço-ideia-de-onde-estou. O Norte Iluminado! Sou ótimo com nomes.

Poucos metros de distância me separavam das colunas de mármore branco que sustentavam aquele lugar. Não as notara, inicialmente, pois estava embriagado de sono e a escuridão me confundia igual a um camaleão ardiloso. Pensem num vilão camaleão. Agora pense nele rindo maleficamente porque você está perdido. Hilário, não? Lembrei-me do Rango. O protagonista de nome homônimo daquele filme... que tinha... do que eu estou falando? Preciso parar de divagar. Graças aos pensamentos ininterruptos de uma graça genial (pura bobeira) que invadiram meus pensamentos naqueles segundos, acabei não notando que estava a um passo de ultrapassar o limite da existência do que chamamos de chão. E, convenhamos, se ele não existe, não dá pra andar. Eu quase caí! Merda de chão que some repentinamente. Tenho ódio dessas criações estúpidas. Quem cria um chão no alto? Exatamente. Aquela colossal construção não situava-se debaixo do chão, mas acima dele. Mas. Que. Babaquice.

O vento noturno bagunçava os meus cabelos e ajudava a deixar aquele ambiente cada vez mais frio. Lá embaixo, um grande jardim delineava caminhos, permeados de cascalhos, por meio de paredes de arbustos. Parecia um daqueles círculos alienígenas que são encontrados em fazendas norte-americanas. Novamente, faço ideia do que estou falando. Grandes esferas iluminadas espalhavam-se no gramado que cercava uma fonte suntuosa que jorrava água a uns bons metros de altura.

A luz brincava junto com as gotas de água que pareciam cair em câmera lenta, quando você concentrava em seguir suas trajetórias de queda. Olhei para o céu estrelado e lá estava a minha constelação favorita: Cassiopéia. Brilhando e exalando beleza. Não lembrava o nome de qualquer outro grupo de estrelas. Talvez porque elas não importassem no MEU céu.

Pensei em ir até a fonte, mas minha mente se recusava a pular, podendo assim, chegar ao solo lá embaixo. Vocês vão achar bizarro, e só sei o que sei e não mais que isso, mas... eu tenho medo de altura. Mesmo. Que. Seja. Apenas. Quatro. Metros. Recusava-me a pular, isso. Não era obrigado.

Enquanto balançava o rosto em negativa, avistei uma escada, também de mármore, centralizada entre dois pilares. Estava longe. Muito distante. BEM longe (mentira. Ela estava a menos de um metro de mim), logo, estreitei a LONGA distância que nos separava e desci.

O Norte Iluminado possuía um clima agradável, familiar e aprazível. Sentia-me bem ali. Virei meu tronco e fiquei encarando o monumento branco e enorme. Desmesurado. Para um túmulo... aquilo era realmente gi-gan-tes-co. Próximo à escada, num paredão que servia de suporte para toda a estrutura, havia uma placa de bronze com letras grafadas. “Mausoléu de Halicarnasso”. Então realmente era um túmulo. Interessante. Halicarnasso... a palavra brincava nos meus lábios.

Caminhei em direção à fonte. Admirei os jatos de água que voavam em todas as direções. Ora refratando a luminosidade das esferas brancas, ora brincando com as cores quentes do clima urbano ao fundo. O amarelo dos faróis dos automóveis, o vermelho do semáforo e o laranja dos postes de luz. Todas essas cores mesclando-se num bonito flash de uma câmera Nikon.

Olhei para o fundo da fonte e vi meu reflexo. E só naquele momento, caiu a ficha de que eu não recordava a aparência da minha própria face. E também... o meu nome. O reflexo do adolescente de cabelos negros, pele branca, jaqueta de couro e cachecol que apresentava-se na superfície da água parecia de um indivíduo alheio, alguém novo para mim. “Quem é você?”, perguntei para o reflexo estranho.

Um farfalhar de folhas por entre os arbustos retirou-me dos devaneios. Olhei ao redor e nada e ninguém encontrava-se na região. Novamente aquele som! Um pouco distante de mim, algo movia-se rapidamente. Tão veloz a ponto de passar despercebido no meu campo de visão. Comecei a dar passos para trás, de forma que a parede ficasse bem de encontro contra as minhas costas. Três possíveis direções inimigas são melhores do que quatro.

De relance, consegui avistar um indivíduo de pequeno porte correndo em zigue-zague e escondendo-se nos arbustos. Após instantes, consegui identificar seus olhos brilhantes que misturavam-se com as luzes dos edifícios, das estrelas e das esferas brancas. Orbes animalescos que, a cada segundo, estreitavam a direção entre nós.

Não pude pensar numa provável reação, pois aquele cachorro maldito (sim, ele estava próximo à fonte, logo, vi que era um cão) partiu correndo em minha direção e só parou quando um assovio bem alto irrompeu em meio ao cantar e o zumbir de insetos.

- Laika, não! Pronto! – disse uma voz rouca. – Cadela estúpida!

A voz vinha de cima. “Valeu, Zeus. Quase fui atacado por um cachorro demoníaco. Obrigado”, pensei como forma de alívio. Olhei para os pilares e, no topo da escada de mármore, havia um homem sentado. Não o havia notado antes. Ele desceu a escada de dois em dois degraus e pulou os quatro últimos, caindo exatamente do meu lado.

O homem era no mínimo... bizarro. Suas roupas pareciam de muitas décadas atrás e estavam esfarrapadas e com manchas vermelhas desbotadas. Seu cabelo era loiro e rente ao ombro e uma barba mal feita ocupava grande parte do seu rosto. Um cigarro exalava uma fumaça quase etérea, enquanto ele falava. Calma! Ele estava falando. Não prestei atenção em nenhuma das palavras que ele disse naquele momento, pois minha concentração apenas conseguia visualizar o seu pescoço... que estava completamente vermelho. Encharcado de sangue. Rubro coagulado. Um buraco debaixo do queixo. Mas o que era aquilo...

- Ei, cara – disse o loiro. – Está ouvindo o que estou dizendo? Tá de sacanagem comigo? – perguntou num tom abrupto.

- Não... é... quem é você? – usei a primeira pergunta que pipocou em minha mente.

- Ah, desculpe-me os modos. Eu sou Kurt Cobain. E você? – ele respondeu.

- Eu me chamo... – olhei novamente para a placa de bronze. – Halicarnasso.

Sem nome. Perdido. Sem lembranças. Vazio. E agora com um louco e uma cadela chamada Laika no meu encalço. Obrigado, Zeus. Valeu mesmo. Santa ironia. Por mais que eu estivesse intrigado e nervoso com tudo que estava acontecendo, vivendo uma fantasia digna de filmes pastelão, só um único e forte saber ricocheteava contra as dobras da minha mente: não posso, de forma alguma, perder o pergaminho que está no meu bolso direito. Mas... que pergaminho?

Enfiei a mão no bolso direito do meu jeans e retirei um papel que estava dobrado, redobrado e dobrado mais algumas dezenas de vezes. Não acreditava em mágica, ou pelo menos algo em meu interior afirmava isso com base num alfabeto pessoal, mas aquele papel começou a se desdobrar sozinho no centro da minha mão, como um vídeo de origami em que a opção retroceder estava ativada, fazendo as cenas prosseguirem no caminho contrário, até virar uma folha de pergaminho lisa que eu segurava.

No topo do pergaminho, escrito com uma grafia quase artística e meticulosa, lia-se “Os 11 problemas mundiais do século XXI” e, logo abaixo, havia grafado um nome. Um belo nome, diga-se de passagem.

- Karina Beuregard – li em voz alta.

O ar parecia ficar cada vez mais pesado. Uma calamidade que nunca (NUNCA!) deveria ter iniciado... teve seu pontapé inicial. Por mais que eu tentasse mentir para mim mesmo, não havia escapatória. Eu sabia o que aquele papel significava. Recordei das três regras! E, por último, lembrei-me do indelével, inapagável e inevitável...

- Eu... estou... morto – disse para o céu escuro e estrelado, também para Kurt e Laika e as luzes dos faróis dos automóveis que incendiavam a noite solitária, porém, eu disse, principalmente, para o reflexo da água.


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Notas finais do capítulo

Então... algo a ser mudado, ou melhorado, ou recheado? Diga!



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