–Você não vai a lugar algum! –falou Gus quando eu disse que iria á cidade com Nouah. Já era quase noite e nós havíamos se encontrado por acaso no corredor que levava á sala de costura. OKAY, eu fui até lá para conversar com ele, não foi nada por acaso.

–Claro que vou Gus! Quero saber o que está acontecendo, e nada mais justo do que ir até lá, não acha?

–Mas e se as pessoas quiserem te machucar?

–Elas não vão encostar um dedo em mim.

Ele pensou um pouco e falou:

–Só aceito este seu plano maluco se eu for junto. –após ele ter falado isso, arregalei os olhos. –Não adianta me olhar com essa cara. Quero ir com você e te proteger.

–Nada vai te fazer desistir de ir, não é? –perguntei.

–Nada. –falou e sorriu. –Como você pretende sair do castelo? Já reparou quantos guardas existem aqui?

–Já pensei em tudo, senhor Gustavo. –falei sorrindo também. –Hilla e Charllote me ajudarão, tenho toda a certeza.

–E como você vai sair?

–Simples: No dia que Nouah estiver no castelo, me prepararei. Quando ele estiver prestes a ir embora, sairei pelo jardim e entrarei em sua charrete perto do estábulo. Nela, vai se encontrar um grande baú, o qual Nouah leva a comida para sua família todos os dias. Ninguém vai perguntar o que há ali dentro.

–E onde eu entro nisso tudo?

–Você pode ficar no arsenal com seu irmão enquanto nos preparamos. Quando você estiver pronto, só seguir o caminho até os estábulos e entrar na charrete.

–Mas todos me virão! –exclamou ele.

–Diga que irá comprar um tecido para um tecido meu, e que é urgente. Isso vai ser de tarde talvez, então ninguém desconfiará.

–Kiara...

–Se for pra desistir, é melhor nem vir.

–Ah, eu nunca faria isso. Serei seu guarda-costas. –falou ele me abraçando.

–Obrigada. –falei meio aliviada. Juro que tive muito medo de ir sozinha para a cidade com Nouah.

–Boa noite, princesa. –falou ele apertando minha mão.

–Boa noite. –falei apertando mais. Quando ele se soltou dela e entrou no quarto de costura, já senti um aperto no coração. Já me sentia desprotegida.

........

Estava chegando ao meu quarto quando um par de braços me agarrou pela cintura.

–Não te vi o dia todo. –falou Gabriel ao meu ouvido.

–Estive fazendo algumas coisas.

–Como por exemplo...?

–Tive aula de hipismo hoje de manhã.

–Interessante. –falou ele como se estivesse chateado.

–O que houve para você me fazer tantas perguntas?

–Nada. –falou e me soltou. –Só queria saber o que você fez o dia todo.

–Bem, então já sabe. Boa noite. –e me virei. Porém Gabriel falou algo, meio que sussurrando.

–Desculpa ter mentido para você hoje de manhã. –sussurrou.

Me virei e o encarei.

–Quando você mentiu para mim? –perguntei.

–Eu não fui para a França ontem. –falou ele sem hesitar.

–E para onde teria ido o príncipe francês?

–Para o local mais distante do palácio. Além da cidade. –ele fez uma pausa, mas já sabia para onde ele tinha ido. –Fui para os campos de tulipas.

Os campos de tulipas ficavam no limite de Esmeralda. Eram simplesmente lindos. Disseram-me uma determinada vez, que ali, por mês, cresciam mais de 100 000 tulipas, das mais diversas cores. Só fui uma vez lá, mas garanto que foi inesquecível. Porém, o que não pude parar de pensar foi o por quê de Gabriel ter ido até lá e por que ele havia mentido para mim.

–E por que não me disse simplesmente que havia ido até lá? –perguntei me aproximando dele.

–Por que eu queria ir sozinho. Quer dizer... Meus pais também foram, mas... eu queria usufruir do único pedido que meu pai me concebeu.

–E o que seria esse “pedido”?

–Queria passar o dia com Hanna. Pelo menos um dia. –falou ele bem baixo.

Não sei o que me passou pela cabeça. Por um momento, fiquei feliz, já que ele foi visitar a garota a qual ele gostava, dando índices que não me amava. Em outro momento, uma raiva fervilhou dentro de mim. Não foi porque ele havia ido encontrar uma garota. Foi a raiva de ele ter mentido para mim.

–Por que não me disse simplesmente que havia ido encontrar sua namorada? –perguntei quase gritando.

–Ela não é minha namorada. –falou ele olhando incrédulo para mim. –Foi só uma paixão...Mas eu queria muito poder vê-la uma última vez.

Encarei o chão, um pouco envergonhada. Eu estava meio que traindo Gabriel. Estava mentindo para ele. E agora estava com raiva porque ele havia mentido para mim. “Muito vergonhoso para uma princesa”, pensei.

–Desculpe-me. É que... –comecei a falar mais parei. Estava com medo de falar o que não devia.

–É que?

–Eu fiquei com um pouco de raiva. –menti. Se eu quisesse que tudo desse certo comigo e com Gus, tinha primeiro que ganhar a confiança de Gabriel. Depois ele poderia até me ajudar a fugir. Isto é, se a sorte estiver ao meu lado, coisa quase impossível de acontecer.

–Então agora está tudo bem? –perguntou olhando para mim e sorrindo.

–Claro. –falei dando um meio sorriso.

Ele apertou minha mão e me puxou para perto de si. Quando estávamos bem colados, ele sussurrou ao pé do meu ouvido:

–Espero que goste da surpresa. –soltou minha mão e saiu.

Eu poderia dizer que eu voltei ao meu quarto, me deitei e dormi, nem procurando a tal surpresa de Gabriel. Mas, para ser bem franca com vocês, minha curiosidade falou mais alto e, quando dei por mim, eu já estava no meu quarto procurando a tal “surpresa”.

Abri todas as portas do meu guarda-roupa: Nada.

Olhei na mesa de cabeceira: Nada.

Averiguei a penteadeira: Nada.

Meu desespero estava tão grande que olhei no banheiro: Nada.

Uma coisa que me deixava mais com raiva do que mentiras era procurar algo e não achar. Caminhei até a varanda e pus minhas mãos sobre as grades que me impediam de cair. Fechei bem os olhos e senti a leve brisa da noite chegando.

O dia de hoje passou como um filme em minha cabeça. Desde a hora que Hilla e Charllote me falaram dos protestos até a hora que Gabriel anunciou a surpresa. Meu dia havia sido completamente louco.

Senti um cheiro forte pelo ar. Aspirei um pouco e senti como era doce, delicado. Só podia ser uma coisa. Abri os olhos e olhei á minha direita. Lá estava ela: Um buquê de tulipas azul claro.

Fui até elas e as cheirei. Simplesmente cheirosas. Aquela certamente tinha sido a surpresa de Gabriel. Vi que debaixo delas havia um pequeno cartão. O peguei e li, bem baixo.

“Kiara,

Hoje fui em um lugar onde haviam estas maravilhosas tulipas. Passei por elas e não deixei de compará-las a você. Doces e delicadas. Eu, á primeira vista, amei elas. E espero que um dia eu possa lhe amar e ser amado, pela mesma intensidade , por você.

Gabriel”

Sim, eu estava tremendo. Gabriel estava tentando se apaixonar por mim, enquanto que eu, estava tendo um romance com outro cara. Será que eu não deveria desistir de Gus e ficar de uma vez com Gabriel? Seria tudo bem mais fácil... Nada de ter que lutar por alguém, nada de quebrar regras. Mas, e Gus? Eu amava Gus, disso eu tinha certeza. Não valia a pena machucar o coração dele para curar o de Gabriel.

Senti uma breve tontura e me sentei na cadeira mais próxima. Fiz uma leve massagem nas têmporas do rosto. Porém ainda via manchas escuras dançando na frente dos meus olhos.

Me levantei devagar e consegui ir até minha cama. Me deitei e fixei os olhos no teto, onde haviam desenhos de estrelas. Aquilo foi algo muito estúpido que eu pedi que fizessem em meu quarto. Mas quando se é criança, nada é estúpido.

Agora, faltando poucos meses para completar 16 anos, me sinto incapaz de fazer algo certo. Tenho medo de fazer as escolhas erradas e depois me arrepender, se é que já não estou arrependida das escolhas já feitas. Não que eu esteja querendo desistir de Gus; muito pelo contrário, agora que estou com coragem para seguir em frente. Mas e quanto ás outras escolhas? Por que estou dando tanta atenção para Gabriel? Quanto mais eu me tornar amiga dele, mais vai ser difícil eu sair do castelo para viver com Gus.

Pensando nisso, lembro de minha tarefa de implorar que Hilla e Charllote participem do plano para eu ir na cidade semana que vem. Por que elas ainda não chegaram?

Para piorar a situação, sinto uma forte dor no pé da barriga. Cólica. Como se minha vida precisasse de mais nada para piorar.

Mas, como se fosse uma luz divina, surge na porta Hilla e Charllote. Olho para elas querendo dar um sorriso, mas sai mais como uma careta de dor.

–O que houve? –pergunta Hilla.

–Um pouco de cólica. –falei tentando omitir a verdadeira angústia dentro de mim. Tudo o que eu queria agora era estar sozinha com Gus, recebendo seus abraços quentes. Pensando nisso, uma lágrima escorreu pela minha bochecha.

–Ah, mas não precisa chorar querida. –falou Charllote limpando minha lágrima. –Já sentiu dores piores, creio eu.

–É, acho que sim. –falei.

–Vamos na enfermaria? –perguntou Hilla.

–Vamos na enfermaria. –respondeu Charllote, já me puxando da cama.

A enfermaria ficava no final do corredor. Ela ficava quase de frente ao quarto onde Gabriel estava hospedado. Tomara que ele não acorde. Na situação que estou, só queria ver Gus, e mais ninguém.

Quando entramos lá, não havia ninguém. Então Hilla gritou:

–Senhor Osvald!?

Uma figura apareceu na porta lateral da enfermaria. Ali, certamente, era seu quarto. O doutor Osvald era um homem de meia idade. Eu adorava ele, já que desde que eu era bem pequena ele cuidava de mim.

–Senhorita Kiara. –falou ele e fez uma reverência. –O que aprontou desta vez?

–Não pedi para ser mulher. –falei e dei um riso. Ele fez uma cara de compreensão e pediu para que sentasse.

Depois que sentei em uma cadeira ele pegou uma injeção.

–Ei, ei. –gritei. –Não, não, não! Isso não!

Ele começou a se aproximar mas fui mais rápida. Me levantei e corri para a porta. Hilla e Charllote só me observavam de longe.

–Não! –dei um grito bem agudo. Tinha pavor a injeções. Minha mãe tinha morrido por causa de uma no parto...

Comecei a abrir a porta, mas as garotas me agarraram. Gritei novamente, pedindo para me soltarem. Lágrimas soltaram de meus olhos.

–Calma Kiara! –gritavam Hilla e Charllote tentando me levar para a cadeira, totalmente sem sucesso. Eu possuía uma força descomunal.

Então a porta se abriu abruptamente, senti as meninas me soltarem e um par de braços fortes me agarrarem pelos ombros.

–Você está agindo como uma criança. Se acalme. –falou Gus atrás de mim. Ele estava me levando até a cadeira. Comecei a sair do controle de novo, mas ele apertou com força meus ombros. –Calma. Eu estou aqui. –sussurrou em meu ouvido.

A presença de Gus ali me tranquilizou de uma forma que eu não sei descrever. Me sentei na cadeira e ali fiquei. Ainda tremia um pouco, mas não tanto quanto antes. Se Gus estava ali e dizia que estava tudo bem era por que estava. Ele não diria isso sabendo que eu corria perigo. Ele disse que sempre iria me proteger.

–Que beleza, que beleza! Vejo que se acalmou! –falou Osvald se aproximando novamente com a injeção. Antes de sentir a picada no braço esquerdo, olhei para Gus em busca de seus olhos. Quando encontrei vi que emanavam uma onda de brincadeira. Ele achava aquilo brincadeira?

Quando ele aplicou, só dei um pequeno pulo. Saí da enfermaria escoltada por Hilla , Charllote e Gus bem lá trás. Quando cheguei em meu quarto, não olhava direito para Gus. Ele achava que aquilo era brincadeira, sendo que não era. Ele, percebendo meu jeito, só deu boa noite e saiu.

–Vamos trocar de roupa? –perguntou Hilla.

–Pra mim tanto faz. –falei cabisbaixa.

–O que está passando por essa cabeça? –perguntou Charllote.

–Eu agi feito criança lá na enfermaria. –respondi.

–Você tem medo de injeção, não há problema nisso. –falou Hilla ciente de qual motivo eu ter tanto medo de injeções.

–Quer que eu faça algo em seu cabelo? –perguntou Charllote querendo mudar de assunto.

–Pode ser. –falei querendo ser simpática.

Charllote fez uma trança lateral e Hilla colocou minha camisola azul marinho. Quando elas saíram, nem precisei pedir que o sonho viesse. Ele veio de jato. E quando é assim, pode esperar que vem sonhos. Comigo não foi diferente.

Continua...