Estações escrita por Emma


Capítulo 28
Sensações Improváveis


Notas iniciais do capítulo

Olha eu aqui de novo :) Menos de um mês o/



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Uma batida na porta. Alexandre estranha o fato de ninguém ter sido anunciado.

— Entre.

— Espero não estar incomodando filho. Sua secretária disse que eu podia entrar.

— Tio Phil! – o médico rapidamente se levantou e foi ao encontro do tio – Não sabia que o senhor ainda estava na cidade – eles se abraçaram e Alexandre o convidou a se sentar.

— Já estou de partida, entretanto não poderia ir sem antes conversar com você, esses dias tem sido cheios, quatro crianças numa casa junto com Helena e Heitor como pais não é fácil, some tudo isso a um avô italiano nato e extremamente feliz com seu antigo amor. Aquela casa nunca foi tão divertida – os dois homens sorriram juntos.

— Eu imagino – sorriu nostálgico e desviando o olhar.

— Meu filho o que aconteceu por aqui? Heitor achou melhor eu conversar pessoalmente contigo sobre o assunto, apesar de ter me adiantado sobre a situação... Não se fala em outro assunto em New York.

— Sim tio, Sonia foi embora e hoje, eu recebi uma ligação dela me comunicando que estava se mudando para Paris... Parece que quanto mais distância ela tomar de mim melhor... se ela soubesse o tamanho da dor que sinto por não tê-los por perto, por ter meus filhos arrancados de mim assim, ela não faria isso... Aliás, acho que essa é a forma que ela encontrou de me fazer pagar, com certeza Sonia sabe o quanto isso me machuca – ele suspirou e passou a mão pelo rosto, frustrado.

— Alê como isso foi acontecer?

— Eu devia ter colocado alguém atrás das grades quando tive a chance, agora ele acha que a forma misericordiosa com que tratei sua situação, na intenção de evitar um escândalo em sua casa não foi gentil, quer tomar meu hospital, por sorte isso não é possível, pois fizemos um contrato quase a prova de golpes, todavia, ele sempre soube que isso não era nada para mim comparado a minha família... E o bastardo estava certo, poderia levar todo meu dinheiro, não doeria nem metade do que está doendo agora tio – Alexandre chorou e o abraçou.

— Meu filho – Philip o manteve nos braços, apertando-o mais forte contra o peito – você é uma das pessoas mais integras que conheço, conquistou tudo com seu esforço e inteligência, sempre foi zeloso com sua família, não acredito que Sonia não tenha ponderado isso...

— Tio Phil – Alexandre se afastou novamente – Sonia não acreditar em mim de longe foi o que mais me afetou, eu nunca lhe dei motivos para que duvidasse da minha palavra, desde que a conheci eu só tive olhos para ela... Mas também não posso culpá-la, a induziram a pensar assim, armaram todo um teatro, não sei como conseguiram fotos minha e de minha ex-pupila nus, acho que me doparam na nossa última viagem... Ela tentou, depois do choque, Sonia me deu um voto de confiança, foi quando pedi que conversássemos com Melissa e eu dei o passo mais errado que poderia ter dado... Ela era cúmplice desse homem, inventaram mentiras atrás de mentiras, e então eu vi naquele dia que a tinha perdido. Agora ambos transitam pelo meu hospital e eu não posso fazer nada, tenho que conviver com isso todo santo dia! – o médico se levantou, sua respiração começou a ficar ofegante e ele andou frustrado pela sala – O que eu devo fazer tio? Meu pai me disse que eu deveria esperar, ser prudente e uma hora eu teria a possibilidade de mostrar a ela que isso era mentira, só que enquanto espero minha mulher me odeia cada dia mais e tem dado espaço para outro consolá-la. O que eu deveria fazer tio Phil? – passando as mãos pelos cabelos, desmanchou o penteado perfeitamente alinhado – Me diga, por favor, ou eu juro que vou enlouquecer!

— Alexandre – ele o esperou se acalmar e pediu que se sentasse novamente – infelizmente tenho que lhe dizer o mesmo que seu pai... Tenha calma, esses dois vão se enforcar com a própria corda, como sabiamente ditam por ai: “o mal por si se destrói” – Philip colocou a mão no ombro do sobrinho e encontrou seus olhos compreensivamente – continue sendo o homem que és, o universo as vezes permite que coisas ruins aconteçam com pessoas boas por um motivo, mostrar-lhes a força que elas não sabem que possuem, você e Sonia tem um tipo de sentimento especial, isso não se perde de uma hora para outra. Quando tudo se resolver, sua esposa vai amá-lo ainda mais e o relacionamento dos dois será ainda mais forte e inabalável.

— E se não se resolver? – as irises escuras abatidas do doutor fizeram contato com as azuis suaves do seu tio, a certeza que ele viu lá fez seu peito encher da esperança uma vez perdida.

— Vai se resolver, você verá! Uma vez profetizei que a borboleta encontraria o jardim na hora certa... Agora lhe digo que se o jardim se mantiver intacto, ela tornará a ele novamente, embelezando-o com sua formosura. Apenas não desista, lute por ela com todas as suas forças!

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— Eu deveria imaginar que a vovó coruja estaria aqui não?! – Inácio declarou em um sussurro quando notou que a pequena no colo de Elizabeth estava quase dormindo.

— Olha só quem fala, você é muito mais babão que eu! – se aproximando dela ele beijou sua bochecha e apreciou a netinha.

— Ela é um encanto não?! – perguntou enternecido, acariciando a bochecha de Catarina.

— Sim, perfeita... Me lembra tanto – receosa, engoliu as palavras antes de continuar.

Um silêncio curto se estabeleceu entre os dois, até Inácio quebrá-lo.

— Ela te lembra Isabel não é?! – o homem se moveu até conseguir encará-la.

— Sim, ela parece muito com Isabel – um sorriso fraco se formou nos lábios dela.

— É incrível como mesmo depois de tantos anos a lembrança da perda pode ser dolorosa não é mesmo?!

— É verdade, porém desde que tomei Catarina no colo pela primeira e identifiquei a semelhança, ao invés de lembranças ruins, agora me alegro em saber que posso perceber nossa menina através de nossa netinha. Não como uma substituta é claro, mas como uma nova chance de vê-la – notando que o bebê dormira, a avó se inclinou e beijou o topo de sua cabecinha careca, balançando-a suavemente e deitando-a no berço ao lado do de Otávio, instalados no quarto de Helena para facilitar as mamadas noturnas.

— Isso, eu vejo como se tudo conspirasse para que nós nos permitíssemos uma segunda chance... Elizabeth – Soriano esperou até que ela estivesse de frente para ele novamente e uniu suas mãos, cruzando-as – já que estamos falando de recomeços, eu queria lhe fazer um convite...

— Diga – ela suspirou, sentindo a alegria inundando-a por dentro, um pontada de excitação crescendo por todo seu corpo – Venha morar em Soriano comigo outra vez... – os olhos escuros brilharam com lágrimas de felicidade e Inácio se sentiu tão apaixonado quanto a 30 anos, aquele olhar sempre teve o poder de arrancar suas estruturas, ainda mais recheado de tantos sentimentos como agora.

— Claro que sim! Eu o amo tanto, odiaria que ficássemos separados por um continente de novo – se inclinando ele selou suavemente seus lábios e os dois saíram do quarto em direção à sala de jantar onde sua filha e seu marido estavam.

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Dentro da limousine que os tinha pego no aeroporto, Sonia olhava a cidade que não tinha o prazer de visitar há mais de dois anos, o lugar que seria seu lar novamente. Estava tudo tão pastel como sempre, mas perfeitamente em contraste, as árvores exibiam tons de laranja, vermelho, amarelo e marrom, o chão banhado por folhas, um equilíbrio natural tão harmonioso que era impossível não existir um ser superior com poder para ordenar um espetáculo como aquele.

Suspirando ela tocou o rosto de Charlotte que dormia com a cabeça em suas pernas. Fazia frio e faltava pouco para o sol se pôr, então esfriaria muito mais, mesmo assim sua garotinha estava bem agasalhada. Cristal estava deitada no colo de Pietro, que havia colocado uma manta sobre ela e César sentado nas pernas de Vivienne, ainda acordado.

— Filho – ele bocejou enquanto lhe encarava – você não está com frio meu amor?

— Não mommy— o menino sorriu e encostou-se ao peito da avó que começou a lhe acariciar os cabelos dourados o restante do trajeto – Veja vovó, a torre ‘Eifo’...

— É Eiffel Darling— Vivienne corrigiu sorrindo enquanto se inclinava junto com o menino para a janela apreciando a vista.

Minutos depois o motorista abaixou a divisória entre eles e avisou:

— Nós chegamos Sra. Del Rio.

— Obrigada Dominique.

Descendo do carro, Vivienne suspirou ao ver o lugar. O jardim continuava tão lindo e impecável como sempre fora, o balanço de madeira e a casinha na antiga castanheira na lateral tinham sido reformados, ambos pintados de branco, uma escada mais segura e uma passarela que terminava na janela do sótão foram adicionadas.

— Querida, adorei o que vocês fizeram com a antiga casa na árvore! – exclamou feliz.

— Cristal quem deu a ideia e Alexandre prontamente atendeu, o sótão agora é uma brinquedoteca.

— Incrível! – Pietro dizia maravilhado olhando ao redor com uma Cristal adormecida em seu colo – Esse lugar continua perfeito.

— Na verdade meu filho, eu acho que ficou ainda mais aconchegante – Vivienne dizia e César curiosamente explorava o lugar com os olhos.

— Por isso tem o nome de refúgio – Sonia lembrou sorrindo – Agora vamos entrar, preciso comer alguma coisa e ir ao banheiro o quanto antes.

Ma chéri! – Marie se adiantou e cumprimentou sua patroa – que bom ter a madame aqui outra vez. Espero que tudo esteja de acordo com seu gosto.

— Marie! Bom vê-la novamente – sorrindo ela voltou-se para sua mãe e seu irmão – esses são minha mère e meu frère, Cristal e os gêmeos, mesmo que tenham crescido um pouco, acredito que se lembre.

Oui. Continuam lindos como sempre. Sejam bem vindos, vamos entrar, pois já vai esfriar e o jantar ficará pronto em segundos.

— Eu também estou faminto e desculpa perguntar, porém, o que a senhora pediu para preparem? – Pietro indagou enquanto caminhavam para a casa.

— Quiche lorraine, Ratatouille e como sei que dona Sonia gosta de peixe mandei fazerem como prato principal um salmão poché... De sobremesa profiteroles e creme brûlée.

— Oh Dieu! Parfait!— Pietro fechou os olhos e gemeu, a boca enchendo de água – acabei de me tornar seu fã número um.

***

Alexandre estacionou o carro em uma vaga pública aleatória nas proximidades e desceu rumo ao escritório de advocacia. O prédio ficava no outro extremo do bairro onde seu hospital se localizava. O lugar era elegante e exalava eficiência e seriedade. Tudo o que ele precisava em um profissional, sentiu-se feliz por ter ouvido o conselho do chefe do departamento jurídico da rede Del Rio quando lhe pediu auxílio sobre um bom advogado civil.

— Olá, bom dia. Sou Alexandre Del Rio e procuro o Sr. Montecarllo.

— Bom dia Sr. Del Rio – uma jovem muito bem instruída o atendeu gentilmente – o Sr. Montecarllo está lhe aguardando – ela se levantou e indicou o elevador – por aqui, por favor, sétimo andar.

***

— Doutor Alexandre Del Rio – Montecarllo estendeu a mão – eu realmente estou muito feliz em conhecê-lo. Sou Gael Montecarllo – o médico apertou a mão do advogado que prontamente lhe indicou um assento – Em que posso ajudá-lo?

— Sr. Montecarllo, como sabes, meu advogado jurista me indicou seus serviços.

— Sim, eu e Garcez nos tornamos bons amigos na faculdade, ele me ligou antes informando que você me procuraria... Me sinto lisonjeado em ser escolhido para ajudá-lo, admiro muito seu trabalho doutor, você é um grande homem.

Alexandre sorriu em agradecimento.

— Bem, seu escritório é muito bem falado na cidade, com certeza o senhor também faz um excelente trabalho. Infelizmente não posso dizer que estou alegre por encontrá-lo – o advogado curvou a cabeça cismado – não me leve a mal Sr. Montecarllo, me refiro a minha atual posição de cliente... Minha esposa está pedindo o divórcio e preciso de toda sua ajuda para que ela não o consiga.

— Ok, mas porque você não quer ceder? É por alguma questão de dinheiro que sua esposa esteja solicitando nós podemos arranjar um acor – Alexandre o interrompeu.

— Não se trata de dinheiro Sr. Montecarllo, veja os papéis – ele lhe entregou um envelope – se minha mulher quisesse todo meu dinheiro eu lhe daria, eu não quero abrir mão dela porque ainda a amo. Ela acha que eu tive um caso com minha ex pupila, porém isso nunca aconteceu, foi uma armação. Preciso de tempo para fazê-la ver que as coisas não são como ela acredita.

— Hum... Bom doutor – folheando e retendo algumas informações dos papéis Gael continuou – É uma situação complicada, pois você não pode obrigá-la a permanecer casada contigo. Vou entrar em contato com o advogado dela e ver como posso conduzir seu pedido.

— Sonia mudou-se para a França com nossos filhos e o advogado dela é o mais interessado em conseguir esse divórcio.

— Porque o senhor diz isso?

— Porque eu acredito que ele tenha interesse nela, são amigos há muitos anos e ele se aproximou bastante de Sonia nos últimos meses em que estive ausente.

— Bom Dr. Del Rio, o fato dela estar morando em outro país nos ajuda a ganhar um tempo. Vou usar de todos os recursos disponíveis para atender seu pedido.

— Obrigado Sr. Montecarllo, eu preciso muito protelar esse divórcio o máximo possível.

— Obrigado o senhor por nos escolher. Vou estudar melhor a situação e entro em contato com você.

— Ok, vou aguardar. Mais uma vez obrigado! – os homens despediram-se formalmente e Gael acompanhou Alexandre até a porta.

***

Laura e Orlando trabalhavam em um processo, cada um em sua mesa, paralelas uma a outra, eles tinham se aproximado desde que ela fora promovida, sempre interessado em mostrar-lhe o funcionamento do grupo sênior da empresa, ele se mostrou prestativo e espontâneo, a ruiva também estaria mentindo se não confessasse que percebeu o interesse além do profissional que ele possuía nela, os olhares roubados pelos cantos, os sorrisos persistentes sempre que o encarava e caramba! O homem era bonito! O oposto de sua antiga paixão, mas não menos atraente. Os cabelos e olhos escuros, a pele morena bronzeada, o corpo levemente tonificado estava na medida certa, dando-lhe um ar elegante e modesto. Colocando a caneta na boca ela percebeu que estava pensando muito nele nos últimos dias... “Damnit Laura! Concentre-se no seu trabalho e não no seu colega!”...

— Laura? – Orlando chamou – Laura? – intrigado ele se levantou e caminhou alguns passos até parar na frente da mesa da colega – Ei ruivinha, está me escutando?! – estalou os dedos algumas vezes fazendo-a sair do seu torpor.

— Oi?! – ela balançou a cabeça o encarando.

— Você está bem?

— Sim, desculpe, eu só me distrai pensando nesse processo...

— A secretária do Sr. Montecarllo telefonou solicitando sua presença na sala dele, como seu ramal ainda não está cadastrado, ela chamou pelo meu.

— Ok, obrigada, já estou indo – ela sorriu enquanto levantava-se parando na frente dele, esperando que ele lhe desse passagem.

— Laura... – eles se olharam por alguns segundos.

— Oi...

Puxando a respiração, ele prosseguiu:

— O pessoal vai a um barzinho após o expediente hoje, será que você não gostaria de ir conosco?!

— Olha Orlando – a jovem sorriu simpática – eu agradeço o convite, mas eu tenho uma criança me esperando em casa a noite.

— Oh – exclamou surpreso – Não sabia que você era casada, me desculpe.

— Eu não sou – dessa vez ela sorriu abertamente, pois percebeu o embaraço do homem – apenas uma mãe solteira – Laura deu de ombros.

— Então, essa mãe solteira não tem uma babá? – Orlando levantou uma sobrancelha e ela se amaldiçoou por lembrar que Victor tinha a mesma mania.

— Vou conversar com Karen ‘a babá’ quando ela chegar essa tarde para ficar com Louise, se ela estiver disponível eu vou.

— Ótimo, agora se apresse porque nosso chefe não é a pessoa mais paciente do mundo – piscando abriu caminhou para a jovem e retornou a sua mesa.

***

  Laura bateu na porta e aguardou a autorização para entrar. Uma vez dentro seu chefe lhe cumprimentou e apontou uma cadeira.

— Srta. Aldrin de qual processo você está cuidando?

— Do casal Salazar.

— Muito bem, passe para seu parceiro de sala Orlando, você vai me ajudar no processo do casal Del Rio.

Surpresa e entusiasmada ela sorriu.

— Eu ouvi rumores sobre a separação... Uma pena!

— Agora pouco o Dr. Del Rio saiu da minha sala, será um divórcio litigioso, a esposa de Alexandre quer o divórcio e ele não, temos que adiar o máximo que pudermos esse processo para ajudarmos o doutor.

— Entendo... o senhor pode me dar uma cópia do processo para eu começar e ver qual mediações podemos fazer?!

— Sim, claro. Vou escanear e enviar no seu email agora mesmo.

— Obrigada Sr. Montecarllo, principalmente pela confiança.

— Você apesar de ser bem nova é muito perspicaz Laura, notei isso no último caso, sem sua ajuda não teríamos ganhado, eu preciso disso nesse caso em especial e na minha equipe é claro. Me surpreenda de novo – sorrindo, apertaram as mãos e a ela saiu da sala.

***

A ruiva parou na porta da escola primária e desceu do carro, Louise a esperava sentada no banquinho, com sua mochila de rodinhas azul claro ao lado e a lancheira com formato de um panda nas costas. Ao ver a mãe ela saltou e correu pulando em seu colo, Laura a abraçou e pegou a bolsa da menina.

— Vamos para casa fofinha?

— Sim mamãe. E hoje eu estou com muita fome!

— Que bom então que eu pedi comida naquele restaurante que você adora – ela piscou para a menina que se sacudiu em seu colo enquanto passavam pelo portão, despediam-se da recepcionista e se dirigiam para o carro.

— Mamãe, liga a rádio por favor – a menina pediu sentada em seu assento de carro no banco de trás.

— Claro Lou Lou.

A melodia de Always in my head mal começou e Louise exclamou feliz.

— Na hora certa mãe! Coldplay... Yeh! – pelo retrovisor, Laura a viu fechando os olhinhos e balançar a cabeça no ritmo.

Sua filha amava a banda e nem suspeitava que seus dois pais a ouviram durante seu relacionamento todo. Quanto a isso ela precisava confessar sua culpa, sabia de cor quase todas as músicas dos mais diversos álbuns, escutou-os durante a gravidez inteira. Essa em especial afirmava exatamente a reincidência de seus sentimentos.

“Eu penso em você

Eu não tenho dormido

Eu acho que consigo

Mas não esqueço

 

Meu corpo se move

Vai onde eu for

Mas mesmo que eu tente

O meu coração continua imóvel

 

Nunca se move

Simplesmente não se moverá

Então a minha boca saliva para ser satisfeita

E você está sempre em minha mente

 

Você está sempre em minha mente...”

 

Mas eu vou arrancar você de lá Victor! Eu juro!

Suspirando Laura tentou não fechar os olhos, afinal ela estava no trânsito e também precisava esquecê-lo de uma vez por todas. Droga! Ela ia seguir em frente, merecia uma segunda chance. Estava decidido, sairia com o pessoal do trabalho após o expediente e se Orlando estivesse mesmo interessado nela, também estaria disposta a se abrir para ele.

— Filha, você se importa se eu chegar mais tarde em casa hoje? Queria sair com o pessoal após o trabalho.

— Não mamãe... Você ainda vai me dar meu beijinho de boa noite não?!

— Sim é claro que vou meu amor – Laura sorriu pelo retrovisor.

— Então tudo bem...

***

— Karen, você pode ficar algumas horas a mais hoje?

— Sim Srta Aldrin. Até que horas? Preciso avisar meus pais.

— Diga a eles que eu te levo em casa.

— Ok, obrigada!

— Sou que quem agradece...

***

A turma estava sentada ao redor de uma mesa de madeira redonda, num assento tabaco de couro acolchoado, o pub era agradável, ela identificou os grupos de universitários enchendo a cara com shots de tequila como se não houvesse amanhã, sorriu lembrando de si própria e Alice, certamente os mais ávidos eram calouros, ela revirou os olhos. Pensou que não se encaixaria mais no ambiente, mas ela precisava parar de se ver como uma velha, afinal ainda nem tinha completado 25 anos. Da turma ela era mais nova, óbvio, todavia eles sabiam como aproveitar uma noite muito mais que ela.

Nos últimos 5 anos suas noites se resumiam a maratonas de filmes infantis, assar cookies, karaokês de Coldplay, Twister e outros jogos que Louise pudesse acompanhá-la. Isso quando ela não precisava curar um febre, uma virose ou qualquer outro incomodo que sua filha tivesse... Porém ela não trocaria sua menina por nada, não trocaria o sorriso sincero cheio de dentes de leite e o olhar cristalino de tanto amor e pureza.

— O que foi ruiva, não está curtindo? – Uma das mulheres sentadas à mesa perguntou.

— Laura vive em um mundo de pensamentos aleatório Elisa – Orlando explicou.

— Não é isso, mas já faz tanto tempo que não saio para beber com amigos que acabei me distraindo com algumas lembranças – ela sorriu para a outra mulher e levantou o copo.

— Pois você precisa se divertir mais, ainda é tão jovem e tem uma vida pela frente – Juan, um dos outros advogado afirmou.

— Eu sei, prometo me esforçar mais.

— Então proponho um brinde – Orlando sugeriu – pela presença de Laura mais vezes nas saídas de sexta – todos ergueram os copos e os viraram na boca.

Alguns dos amigos se levantaram rumo ao bar para pegar mais bebidas, deixando a moça sozinha com Elisa. Laura olhou o celular e a ausência de mensagens de Karen a deixou aliviada. Porém, não resistindo, ela própria digitou uma:

"Como está meu bebê Karen?"

Não demorou muito e uma foto de Louise em seu pijama azul estampado de girafas, comendo cereais e com um bigodinho de leite apareceu na tela. Ela sorriu, digitou vários emojis com um coração nos olhos e bloqueou o aparelho outra vez.

— Você está preocupada com sua criança não é? – Orlando sussurrou por trás dela. Não preparada para a surpresa ela sentiu um arrepio correr por toda sua coluna, virando-se para ele ela sorriu e respondeu:

— Sim e não, é a primeira que a deixo sozinha assim, mas sei que ela está em boas mãos.

— Como é mesmo o nome dela?

— Louise – ela desbloqueou o celular em suas mãos e mostrou a imagem que recebera há poucos segundos.

— Laura – o homem olhava enternecido – ela é a menina mais linda que já vi – sentindo o peito encher de orgulho ela o encarou – tal qual sua mãe – ele segurou o olhar dela e uma sensação que ela não sentia há anos tomou conta dela, o coração bateu mais rápido no peito e o frio crescendo na barriga.

Percebendo o climão entre os amigos, Elisa sorriu e levantou-se sutilmente parando os homens que vinham do bar e levando-os para a pista de dança.

— Vamos deixar os pombinhos, Orlando está interessado nessa moça desde quando ela colocou os pés na empresa.

— Ela é incrivelmente linda – Juan os observou de longe – se eu próprio não tivesse minha mulher teria tentado.

— Cadê ela por falar nisso?

— Deve chegar a qualquer momento, o trabalho a prendeu um pouco mais hoje.

***

— Obrigada – Laura disse poucos decibéis acima do considerado um sussurro, o olhar desviando-se para os lábios, ela ia mesmo fazer aquilo?! Orlando se inclinou um pouco mais, parando milímetros de sua boca ele olhou em seus olhos uma última vez, ambos sorriram em acordo e pousando a mão na curva de seu pescoço uniu suas bocas.

A sensação era IN-CRÍ-VEL! Laura não sabia dizer se eram os cinco anos de seca ou o homem que beijava muitíssimo bem, contudo, o beijo foi sensacional, e agora, quando a língua dele deslizou por seus lábios e pediu passagem parecia ainda melhor. A vozinha no fundo de sua mente quis trazer Victor a tona, porém Orlando a calou quando pressionou mão em sua nuca mais forte e os movimentos pediram por mais intensidade, e ela não se importou em ceder.

Obrigados a parar, Laura se afastou com um suspiro e ele desceu os lábios e beijou de leve seu pescoço, soltando a respiração. O contato fez a ruiva estremecer de uma forma boa, eles se olharam e sorriram, buscaram por seus amigos ao redor e os notaram na pista de dança com sorrisos dissimulados nos rostos.

— Quer se juntar a eles para um pouco de zoação? – levantando-se ele lhe estendeu a mão.

— Só se você me prometer uma dança para compensar – tomando sua mão ele a puxou para cima.

— Quantas você quiser – de mãos dadas eles foram ao encontro dos amigos.

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  - Sophie! Que bom receber sua ligação... – Alexandre exclamou feliz enquanto se levantava de sua cadeira e caminhava até a parede de vidro. Sentia tanta falta da irmã, com toda sua espontaneidade e doçura – Como estão as coisas por ai?

— Shalom Alê... Por aqui está tudo bem, eu me sinto tão feliz com meu Elijah, confesso que ainda me perco um pouco com os costumes deles, mas meus sogros e meus cunhados são tão gentis que é como se eu sempre tivesse pertencido a esse lugar.

— Eu me alegro por ouvir isso, a mudança cultural foi muito grande e caso você não tivesse se adaptado poderia ter atrapalhado o romance de vocês.

— É verdade, o que me deixa mais apaixonada pelo meu marido irmão, é que mesmo eu tendo decidido aderir a cultura dele, ainda sim ele me respeita e deixa que eu tenha meu espaço.

— Eu soube que Elijah era o cara certo para você no momento em que ele veio aqui pedir sua mão ao nosso pai. – Alexandre sorriu lembrando-se do rapaz sereno e educado, com um sorriso cativante e um olhar atencioso, se deram bem assim que se conheceram e não demorou para toda sua família cair de encantos pelo judeuzinho.

— Ele é o meu melhor amigo, meu companheiro em tudo e agora será também o pai do meu filho... – Sophie mordeu o lábio inferior ansiosa pela reação do irmão.

— Oh meu Deus Soph! – o doutor abriu um sorriso gigantesco – Você está grávida?! Que maravilha!

— Eu sei, não estava programado na verdade, mas acabou acontecendo e não poderíamos estar mais felizes – Alexandre continuou sorrindo e os dois irmãos se encararam alegres pela tela do celular.

— Como o tempo passa rápido, meu Deus... Esses dias você era só uma garotinha que mamãe e tia Vicky enchiam de laços no cabelo bonito e agora já vai me dar um sobrinho...

— Alê eu me sinto até mal de estar tão inundada de felicidade enquanto você passa por esse momento devastador – ela abaixou a cabeça e o irmão a repreendeu.

— Ei Soph, nada disso! Essa notícia alegrou meu dia, na verdade, minha semana... Você não precisa se culpar por estar feliz, pelo contrário, quero me alegrar contigo para que essa felicidade que estamos sentindo se multiplique.

— Eu não entendo como Sonia pode não acreditar em você irmão, caramba Alê! Você é o cara mais legal que eu conheço, você supera até o Elijah! Não entendo como ela não consiga ver que isso não tem cabimento... Eu estou tão chateada com ela na verdade – o bico que se formou na boca de sua irmã o fez se lembrar de quando ela era criança e fazia birra por algo.

— Perdoe-a honey, ela está sendo induzida a pensar assim, por mais que isso também tenha me magoado profundamente, eu me ponho no lugar dela e vejo a situação pela ótica de Sonia e logo a raiva vai embora. Minha mulher pensa que sou uma farsa, está decepcionada, preciso fazê-la ver que não é verdade, que sou o Alexandre que ela sempre pensou que fui.

— Ainda sim Alê, no momento não posso perdoá-la, ela feriu o coração do meu irmão e quando alguém magoa você, é como se estivesse me magoando também.

— Já disse babe, releve... Eu quero lhe fazer uma visita o mais rápido possível, vou à França mês que vem ver as crianças, o que você acha de passarmos o final de semana ai contigo? – ele desviou do assunto que estava roubando a alegria da recente descoberta e foi para um tema mais suave.

— Não me prometa algo que você não vai cumprir Alexandre Del Rio! – Sophie disse descrente.

— E quando foi que eu não cumpri uma promessa? – o médico sorriu maroto – Estou falando sério Sophie! Se Sonia concordar, pegarei as crianças e iremos passar o final de semana inteiro contigo.

— Diga para Sonia que se ela não concordar eu irei a Paris fazê-la mudar de ideia! Já tem quase um ano que não vejo meus sobrinhos e agora que você encheu meu coração de esperanças precisa saciá-las.

— Vou ligar e combinar isso com ela, espero vê-los em breve, um beijo sweetheart, preciso voltar para o trabalho. Beijos.

— Tudo bem Alê, vou esperá-los aqui no próximo mês, um beijo, amo você big bro, estou orando para que Sonia deixe cair as escamas dos olhos dela. Fique com Yahveh.

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Heitor tinha recebido uma ligação logo nas primeiras horas da manhã, era o engenheiro que ele deixara encarregado da obra no Egito lhe avisando sobre a visita do representante do governo. Precisava voltar e resolver sua situação, não queria e nem devia deixar Helena agora, apenas oito dias depois de tudo o que tinham passado, após quase perdê-la, mas não havia outra saída, seu tempo de licença acabara e eles iriam multá-lo por abandono de serviço, tudo o que menos precisava era um processo e uma punição milionária.

Suspirando, pôs o celular no bolso e saiu do escritório subindo as escadas. Chegando a seu quarto a porta permanecia meio aberta como deixara há 20 minutos, notou também que a janela da sacada tinha sido aberta e a luminosidade passava pelo tecido branco fino, que esvoaçava-se pela brisa fresca da manhã. Heitor sorriu, só havia uma pessoa que ele conhecia que amava o frescor matinal, típico de alguém que cresceu em uma fazenda, correndo pelos pastos em cima de um cavalo.

Sondando o ambiente, a linda mulher dos cabelos de ébano apareceu em seu campo de visão e ele parou ali, encantando. Encostando a cabeça no caixilho branco ele a admirou. Milhares de pensamentos e sensações inundavam sua mente cada vez que a via ou qualquer outro dos seus sentidos era desperto por ela. Às vezes o cheiro do perfume, sensual e calmo, uma mistura atípica, assim como ela. Outras tantas, a voz, tinha que confessar, sempre foi apaixonado pelo sotaque italiano que ela tinha, pela mistura dos idiomas, pelos palavrões que ele nunca entendia, por seu nome sussurrado depois de uma mordidela no lóbulo, as alterações de tom na hora certa o enlouqueciam, adorava ouvi-la estressada repreendendo Gabriela ou ele mesmo, simplesmente adorava.

O toque também era outra coisa pela qual era fascinado, a textura incrivelmente macia da pele era tão boa que podia ser considerada uma droga, viciante... E ela sabia como tocá-lo, tanto por fora como por dentro, sabia a hora de ser tão intensa quanto podia ser e também entendia o momento de ser suave, o que era quase nunca, porque se tinha algo que Heitor amava em sua Helena era que ela era tão sutil quanto uma bazuca. Não foi difícil aprender seus gostos, ele podia desenhar cada milímetro de seu corpo com os olhos fechados, sabia de cor e salteado, ainda sim, quando ela se despia diante dos seus olhos lhe arrancava o fôlego. E ele sempre se perguntava se um dia isso acabaria? Se a sensação de estar apaixonado passaria? Se enjoaria do perfume? Se a voz se tornaria comum? Ou se ele deixaria de olhar para ela como agora, como se ele fosse um fotógrafo e ela a paisagem mais sensacional de todas...

Helena, Helena... Ele se lembra do dia em que ela entrou em sua sala de reuniões em cima da hora e quase o fez esquecer de tudo que falaria, ou da manhã seguinte em que apareceu diante dele em um vestido azul que o fez ter absoluta certeza que esplendor do teto da capela sistina perto dela era absolutamente nada... Ele ainda se sentia exatamente assim, como se qualquer outra beleza perdesse o sentido perto dela. Então obteve sua resposta... Não, nunca passaria!

Sorrindo, continuou extasiado com a amazona que roubara seu coração, enquanto ela segurava os dois bebês e os acalentava, balançando-os suavemente, sentada na cama. Além de uma amante viciante, Helena ainda era uma mãe maravilhosa e isso o enternecia sobremodo. Não tinha como não amá-la, não ser devoto dos beijos, dos olhares profundos e cheios de significado, da paixão e da sutileza que pertencia apenas a ele e suas crianças. Ser amado por sua mulher era uma sensação que ele não queria perder nunca.

 Se aproximando devagar e com pesar de atrapalhar o momento, o engenheiro os envolveu por trás, beijando a cabeça dos bebês e a têmpora dela.

— Bom dia querido.

— Bom dia bonitona, eles acordaram agora? Sai há poucos minutos e eles pareciam estar em um sono tão profundo...

— Será que você nunca vai entender os bebês amore? Quando você pensa que eles estão dormindo, na verdade eles já acordaram – os dois sorriram e ela inclinou-se contra a cabeceira da cama e deu um dos bebês para ele.

Desatando o laço da blusa, ela expôs seu seio direito e o ofereceu a Otávio, que o abocanhou avidamente. Prontamente Heitor pegou uma almofada própria para amamentação e a pôs envolta da esposa, sob o filho, Helena liberou o outro seio com a ajuda de Heitor e Catarina logo estava mamando também. Heitor focou na pequena incisão ainda cicatrizando e em seguida olhou para a amazona, enquanto despercebida ela encarava os filhos.

— O que foi? – Helena o fitou – Estou horrível não é?! – sorrindo balançou a cabeça – Não tenho força alguma, perdi a conta de quantos dias estou sem lavar meus cabelos que já viraram um emaranhado, tenho bolsas pretas ao redor dos meus olhos, ainda estou flácida e inchada, fiquei tão grande nessa gravidez que ainda bem que você não me viu, não iria me achar nada sexy...

— Sua boba – ele se inclinou e selou seus lábios rapidamente – eu te acho linda de qualquer forma, porque eu te amo de dentro para fora, enquanto você for a minha Helena será sempre maravilhosa aos meus olhos, esses pequenos detalhes passam despercebidos para mim, você é a minha bonitona!

Tocada, ela continuou sorrindo para o marido que pairava sobre ela e em seguida beijou sua testa.

— Eu te amo meu bonitão – Heitor se inclinou e passou o polegar pela bochecha de Catarina que estava com os olhinhos fechados, concentrada em mamar, era tão delicada quanto uma pétala de rosa e ele estava apaixonado novamente. Otávio mamava também, mais saciado e com os olhos voltados para sua mãe, ele esticou a outra mão e o acariciou também. Era diferente receber dois bebês de uma vez, como pai uma experiência completamente nova, uma sensação especial, amar duas novas pessoas que saíram dele, o sentimento em seu peito crescia a cada meio sorriso (era apenas um reflexo ele sabia, mas gostava de acreditar que era um) de sua menininha ou a cada murmurinho do jovenzinho exigente que ele adorava com todo seu coração.

— Você está encantando também?! – ela indagou.

Sorrindo, concordou com um aceno.

— Você não fica admirada de pensar que nós dois fizemos eles? Eu me sinto alguém melhor só de pensar que tenho essa capacidade, de gerar junto com a mulher que eu amo um pacotinho, um não, dois, tão especiais assim...

— Não chame meus filhos de pacotes! – Heitor sorriu e balançou a cabeça se erguendo e a beijando outra vez.

— Você entendeu o que eu quis dizer... Lovely— ele abaixou a cabeça – vou precisar ir ao Egito amanhã – seus olhares se encontram segundos depois, Helena tentou esconder a decepção em sua face, enquanto Heitor a encarava com uma expressão pesarosa – Não me entenda mal, não vou voltar para vistoriar a obra, porém preciso ir até lá resolver minha situação, estou sendo ameaçado de um processo.

A amazona desviou o olhar novamente e focou nos bebês.

— Por favor, não fique chateada comigo meu amor, eu juro que não vai levar mais que uns dias e estarei de volta, preciso ser profissional e ir até lá.

— E se eles te disseram que não vão liberá-lo Heitor?! Que sua decisão muda tudo e eles só continuam o contrato se você estiver presente no restante da obra? – ela voltou a encará-lo, os olhos brilhavam com lágrimas furiosas.

— Eu aceito a punição, entro no jato e volto para casa, para vocês – ele sorriu e ela se amaldiçoou por ser tão apaixonada por aquele sorriso. “Infelice” pensou e a expressão em seu rosto suavizou.

— Você jura? Promete pelos nossos filhos?!

— Prometo pelo que você quiser, a única coisa que me interessa são vocês. Que me façam pagar uma multa, não me importa – suspirando ela sorriu também e balançou a cabeça, mais aliviado, Heitor beijou a testa dela mais uma vez – Me desculpe amor.

— Tudo bem, eu entendo – ela lhe ofereceu um sorriso sincero que ele não resistiu beijar fora.

— Eu não vou demorar, você nem vai sentir minha falta...

— Ah mais não vou mesmo, você não merece! – o engenheiro gargalhou e a ajudou a tirar os gêmeos do peito.

—______________________________

Victor desceu do jato particular e o motorista do sedan preto Chrysler 300c o esperava com a porta aberta.

Bonsoir monsieur Campbell.

Bonsoir. Por favor – ele lhe mostrou o celular com uma marcação no mapa – este endereço – após configurar o GPS e dar partida no carro, eles se dirigiram para o destino solicitado por ele.

***

    - Mommy— César exclamou feliz da casa da árvore, ao ver o homem saindo da limousine que estacionou na calçada – Tio Victor chegou!

Sonia que lia distraída um livro sentada no balanço, sorriu ao ver o amigo passar pelo portão. As crianças desceram rapidamente de onde estavam e se apressaram em direção a ele. César tinha sido o primeiro a chegar.

Hey rapazinho, então você superou mesmo seu medo de altura?! Ali onde estavas brincando é bem alto.

— Sim tio, não tenho mais medo de alguns lugares altos... Cacau me ajuda também...

Cristal e Charlie chegaram se chocando contra as pernas dele, sorrindo ele pôs o menino no chão e beijou as duas mocinhas.

— Onde está sua mãe?

— Bem aqui monsieur.

Victor ficou mudo alguns segundos. Fazia anos que não via uma mulher grávida, pelo menos uma que ele conhecia e Sonia estava deslumbrante. A barriga tinha crescido bastante desde a última vez que a vira, a curva era perceptível através do vestido branco solto, o cabelo um pouco mais longo e levemente dourado, quase tão claro quanto o de Charlotte, provavelmente tinha dado uma iluminada no salão... Ela era uma visão. Linda do mais ameno ao mais intenso sentido da palavra. O sol estava despedindo-se por trás dela, trazendo uma áurea de luz quase celeste. Seria fácil cair no amor por ela se seu coração não estivesse preenchido. Eis a questão... Ele teria que seguir em frente um dia, Laura tinha sumido sem se importar com seus sentimentos, ele merecia amar de novo. Porque não alguém como ela? Alguém em quem ele confiava e admirava...

“Victor! Ela ainda ama o marido...”

— Vic dear... ouviu o que eu disse?

— Me desculpe, não – sorriu voltando a si.

— Perguntei se fez uma boa viagem?! Está tudo bem? – ela o encarava um pouco intrigada.

— Não foi nada Céci, só me distrai pensando um pouco. A viagem foi ótima, como estão todos?

— Muito bem. Mamãe e Pietro foram ao centro fazer compras, adoraria ter ido, mas preciso evitar câmeras – ela olhou para baixo na direção de sua barriga.

— Entendo... A propósito, você está belíssima!

Merci beaucoup — Sonia beijou seu rosto em agradecimento – vamos entrar um pouco, acredito que tenha novidades para mim?!

— Sim, claro. Por favor.

— Marie querida, este é meu amigo Victor Campbell, prepare um chá para nós e peça para Marceline dar uma olhada nas crianças para mim s'il vous plaît.

Oui madame, logo retorno com seu chá.

A mulher mais velha saiu rumo a cozinha e os deixou a sós na antiga sala de leitura que atualmente era um escritório.

— Céci, conversei com o advogado de Alexandre e teremos que partir para o divórcio litigioso, Alexandre não quer se separar de você.

— Por quê? Se tudo o que ele queria era ficar com Melissa, porque simplesmente não assina a droga desses papéis?! – ela bufou – Você disse ao advogado que eu não fazia questão do dinheiro, talvez seja por isso...

— Enfim, estou tomando medidas para resolver isso sem fazer vocês sentarem com um juiz para resolver isso.

— De jeito nenhum, pelo menos não agora. Não tenho mais como esconder minha gravidez... Mas tudo bem, confio em você Vic.

  - Pode demorar mais que o esperado, porém eu te prometi e cumprirei, vou conseguir seu divórcio...

— Obrigada... Você disse pelo telefone que tinha algo para me contar, o que era?

— Já resolvi... Eles bloquearam minha licença por engano, ao que parece tem um Victor Campbell em algum lugar dos EUA exercendo sua profissão de forma ilícita e quem levou a culpa foi eu, eu ameacei processar a comissão se não resolvessem meu problema o quanto antes, mas enquanto isso, não posso assinar seu processo, coloquei o número da ordem de um dos meus colaboradores do escritório até lá.

— Oh minha nossa Victor, que ultraje! Espero que isso se resolva logo.

Eles conversaram por pelo menos duas horas, sorrindo de assuntos aleatórios, o chá foi tomado e as crianças estavam no andar de cima sendo aprontadas para o jantar, Vivienne e Pietro chegaram e se juntaram a eles.

***

O jantar foi regado a uma comida muito deliciosa e risadas espontâneas, o advogado adorava o clima aconchegante que aquela família lhe passava, tão diferente da sua. Serena e Michael eram tão frios um com o outro quanto lápides de mármore no inverno, ele não entendia como ainda poderiam estar juntos, sua relação tinha se deteriorado, cada um para seu lado, as conversas eram profissionais e os cumprimentos formais. O que acontecera com eles?! Como tinham chegado naquele ponto?

Os gêmeos e Cristal tinham lhe pedido por uma história e ele prontamente atendeu ao pedido, notando que os três dormiam, fechou o livro, puxou o cobertor até cobrir os ombros de Charlotte e repetiu o processo com César, tomando a menina mais velha no colo e a deitando em sua própria cama também a cobriu. Cada qual tinha seu quarto, mas hoje eles resolveram ficar no dormitório da irmã primogênita. Victor olhava para cada um enternecido, eram crianças que tinham se tornado especial e ele aprendera a amar. Sonia que assistia a cena da porta sorriu e o esperou do lado de fora.

Quando fechou a porta ele se deparou com ela.  

— Oi – sorriu surpreso.

— Oi – eles foram caminhando pelo corredor, calados, até Sonia iniciar uma pergunta – Você é bom com crianças, nunca pensou em ter um?

— Para isso é necessário encontrar a pessoa certa, você não acha?

— Sim, claro... Mas você nunca achou? – eles se olharam.

— Essa é uma longa conversa - ele coçou a nuca – vamos precisar sentar.

— Não seja por isso – ela abriu a porta do quarto e eles andaram até a sacada. Sonia sentou-se na chaise lounge e ele ficou em pé, com as mãos descansadas na barra de apoio da grade.

— Eu conheci uma garota no último ano da faculdade, ela fazia o segundo ano e era a criatura mais linda que eu já tinha visto, os cabelos eram ruivos e os olhos... santo Deus! Eram perfeitos, um tom de âmbar especial, acho que só ela o possuía. Eu fiquei encantado e não demorei muito para me apaixonar profundamente. Minha mãe queria que eu casasse com Amelie, você lembra dela?!

— Sim, lembro...

— Entretanto eu não amava Amelie, a insistência de minha mãe e a indiferença de meu pai eram uma pressão constante, porém estava certo do que eu queria, e seu nome era Laura. Eu a pedi em noivado, propus que fugíssemos e começássemos uma vida longe de todo mundo, ela vacilou, eu até a entendo, tinha seus pais, eram gente normal e só queria a felicidade dela, tinha mais da metade da faculdade pela frente... Enfim, ficamos noivos e eu podia jurar que não tinha ninguém no mundo mais sortudo que eu. Laura era incrível e minha.

— Mas ai... – Sonia sorriu compassiva.

— Sempre tem um “mas ai” não é mesmo?! – Victor brincou – Eu pisei na bola, pisei feio. Na noite da minha festa de formatura minha mãe implicou tanto com Laura que ela passou mal e foi para casa, eu bebi tanto aquela noite Sonia que não lembro nem como cheguei em casa. Só me lembro de acordar com Amelie do meu lado e da festa que minha mãe fez... Me senti a pior pessoa do mundo, quando contei para ela então e vi o olhar de decepção, queria me dar um soco na cara. Eu tinha errado, sabia que a tinha magoado, mas dei o espaço que Laura pediu... Tentei fazê-la me perdoar de todas as formas, todavia, depois do dia que contei sobre meu deslize, eu nunca mais a vi...

— Como assim Vic?! A menina não pode ter sumido assim...   

— Também me faço a mesma pergunta quase todos os dias Sonia. A história não para por ai, Amelie me disse ter ficado grávida dessa noite e de alguma forma Laura descobriu por outra pessoa que não eu, o anúncio do meu noivado estava estampado em todas as capas de revistas de New York... Acredito que ela tenha entendido tudo errado... Um dia decidi dar um basta na palhaçada que fizeram de minha vida, começando com minha mãe, me recusei a casar com Amelie, ia me responsabilizar por meu filho, mas não me casaria, em seguida fui atrás de Laura. Chegando ao dormitório que dividia com a amiga da faculdade descobri que tinha se mudado e que foi embora me odiando... Tentei encontrá-la de todas as formas, fui a casa de seus pais, procurei pelas faculdades, porém nem sinal dela, passei os dois anos seguintes ao sumiço dela tentando e nada.

My God Vic... e o que aconteceu com Amelie e o bebê?

— O bebê que prejudicou minha vida nunca existiu, armação barata, ainda bem que descobri antes de me envolver o suficiente com situação e desejar a criança que nunca aconteceu.   

— Eu sinto muito meu amigo – ele tinha caminhado e puxado uma das cadeiras da mesa e colocado ao lado dela, Sonia segurou sua mão, confortando-o – o amor machuca as vezes, senti isso na pele tanto quanto você.

— E como machuca Céci, eu sei que a magoei profundamente, mas esse sumiço repentino fez parecer que ela não se sentia da mesma maneira. Meu coração ficou aos pedaços, eu errei, me arrependi e merecia uma segunda chance.

— Victor a traição é algo muito doloroso, você guarda o que tem de especial para aquele alguém e saber que a pessoa que você ama, com quem dividia sentimentos, conversas íntimas e até mesmo seu corpo, não guardou isso só para você é frustrante.  

— Você tem toda razão – ele abaixou a cabeça. Sonia pegou seu queixo entre o indicador e o polegar sorrindo.

— Não quis dizer que foi seu caso, você errou, mas foi sem consciência e se redimiu depois, você merecia a segunda chance que nunca teve.

— Você deu uma segunda chance? – ela soltou o queixo dele e eles continuaram se encarando.

— Dei um voto de confiança, que foi cruelmente quebrado. O caso de Alexandre não está em questão aqui Victor.

— Eu sei, me desculpe, não entenda mal... Eu só... Só queria saber como esquecer alguém que você nunca pode deixar de amar? Como permitir que essa pessoa saia do seu coração se você o entregou para ela? Como deixar de amar alguém que seu corpo e mente recordam perfeitamente de cada detalhe?!

Um silêncio se formou entre os dois amigos. Sonia fechou os olhos e suspirou, Victor se levantou outra vez e voltou a posição de quando chegara na sacada, lembranças traiçoeiras cercaram a mente dos dois.

— Se você descobrir a resposta, me diga por favor, pois tenho as mesmas dúvidas... – Sonia se levantou, caminhou até ele, beijou sua bochecha e sorriu fracamente – Vou tomar um banho, se precisar de algo não deixe de me chamar, ainda se lembra o caminho para o quarto?

— Sim, não se incomode. Vá tomar seu banho.

— Fique a vontade, essa é a sacada das reflexões, demore o tempo que precisar – virou-se e quando deu o terceiro passo o ouviu.

— Eu preciso seguir em frente Sonia – ela parou e virou-se para encontrar seus olhos – preciso arrancar Laura dos meus pensamentos, preciso voltar a viver.

— Nós dois precisamos querido, só não sabemos como...

— E se aprendêssemos juntos?! – surpresa, Sonia inclinou a cabeça e novamente sorriu incrédula.

— Acho que o vinho do jantar lhe afetou, ou talvez seja o fuso horário...

— Estou falando sério...

— Como vamos fazer isso Vic? Olhe para minha vida...

— Podemos descobrir juntos – ele cruzou suas mãos, levando-as até a boca e beijando o dorso de uma das mãos dela.

— Eu não sei o que dizer, acho que essas memórias o afetaram mais do que você esperava dear, pense melhor essa noite e prometo que depois falamos sobre isso.

— Eu já pensei, nos últimos dois meses – surpresa ela olhou novamente, agora sem reação – sei que não está apaixonada por mim, nos amamos como amigos, porém nos damos tão bem, acho que podemos começar nos consertando...

— Eu não sei o que dizer.

— Pense a respeito, não quero que sejamos namorados, não é isso, quero que possamos nos abrir para que cresça um sentimento maior que a amizade entre nós, se isso acontecer, então quem sabe possamos juntar as partes quebradas e recomeçar?!

— Vamos ver, boa noite – se afastando ela andou até a porta da sacada e virou-se, sorrindo outra vez e recebendo um sorriso de volta. Quem sabe não seria uma boa ideia a proposta improvável de Victor?!


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Notas finais do capítulo

Vou adiantar o nome do próximo capítulo: Uma especial manhã de setembro em Paris.



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