Motsatt escrita por Monique Góes


Capítulo 6
Capítulo 5 - Conflitos Internos


Notas iniciais do capítulo

Gente, que sono -_- Desculpem, usei tudo o que podia usar pra terminar esse cap hoje...
No final está um desenho do Jake e do Nero. Desculpem, mas as folhas que uso tem relevo, então a pintura do cabelo do Klodike ficou meio blé...



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Capítulo 5 – Conflitos internos

Jake simplesmente não conseguiu pregar os olhos pelo resto da noite. Sua mente parecia ter entrado em alfa e tudo o que conseguia fazer era ficar olhando para o teto enquanto o que ocorrera durante o dia passava por sua mente. E por algum motivo, tanto Nero quanto o pesadelo acabaram, após algum tempo, passando despercebidos, passando para a alucinação que tivera.

Ou acreditava ser uma alucinação.

Fechou os olhos, esfregando-os com força. Primeiro os ataques tornavam-se mais constantes, depois descobrir que possuía um irmão gêmeo, depois começar a ficar louco. Obviamente, sua vida estava total e completamente dentro dos eixos.

Totalmente.

Estava com um pressentimento ruim. Um pressentimento de que uma tragédia poderia ocorrer a qualquer segundo.

Não sabia porque pensava deste modo, mas era apenas o que sua consciência parecia lhe dizer. Algo em seu íntimo lhe dizia que de fato poderia confiar em Nero, mas algo de ruim poderia ocorrer pelo fato de terem se encontrado.

O sentido parecia ter parado de fazer parte de sua vida enquanto pensava nisto.

Abriu os olhos, olhando para Rarac. O cachorro mais uma vez subira em sua cama, e agora se encontrava praticamente dormindo sobre si, mas mesmo assim, se sentia bem. Sua presença o acalmava, além de já haver se tornado extremamente familiar.

Suspirou e olhou para o teto, continuando assim até amanhecer.

Levantou-se quando percebeu que era hora de acordar, acidentalmente dando um jeito de jogar Rarac da cama. Gemeu. Sentia-se um trapo. Tinha certeza que sua cara estava horrível, além de seu corpo estar dolorido desde o momento.

Se arrastou até o banheiro para tomar um banho, e no momento em que retirou a camisa de seu pijama, olhou de relance para o espelho, e o que viu o fez parar tudo o que fazia.

Lembrava-se de em seu pesadelo tinha seu peito congelado ou algo do tipo...

E agora ele encontrava-se roxo, como se houvesse passado tempo demais em contato com gelo ou algo parecido. As memórias do sonho doloroso voltaram-lhe à mente, e parecia que até mesmo o formato das marcas eram as mesmas. Estremeceu e se encolheu quando a cutucou. Realmente ardia como uma queimadura.

– Jaaake, anda logo, eu preciso tomar banho! – A voz de Celinne do lado de fora o fez dar um salto. Mordeu a própria língua para não tentar soltar um mínimo ruído que indicasse sua dor, pois sua mãe poderia ser inclusive capaz de arrombar a porta daquele banheiro só para ver o que ocorrera.

Quando terminou o banho, a sua língua sangrava.

Não pode conter o silvo baixo ao vestir a camiseta, e se sentiu alarmado ao ver até onde as marcas iam. Quase chegavam-lhe ao pescoço. Entortou os lábios, olhando em seguida para a camisa de botões pousada sobre o vaso. Todo o seu guarda-roupa era resumido em camisas de botões, calças, alguns cardigãs, suéteres e casacos. Não se vestia exatamente como um mauricinho, entretanto, percebeu que se quisesse esconder aquela marca bizarra que aparecera do nada, teria de literalmente abotoar todos os botões de sua camisa até o colarinho como um.

Assim que terminou, e acabou se olhando no espelho, sentiu como se não estivesse olhando para si mesmo. Não sabia dizer o porquê, e não era simplesmente o fato de estar com uma camisa abotoada até o colarinho, o que o deixava sufocado. Talvez fosse a iluminação, que fazia seu cabelo parecer mais vermelho que de costume.

Saiu do banheiro sem perceber que o cabelo impecavelmente liso se encontrava ligeiramente ondulado, apesar de seco, e os olhos azuis encontravam-se dourados. Apesar de tudo, sua pele normalmente pálida parecia ter adquirido um tom mais brilhante e saudável.

Saiu do banheiro, dando de cara com seu John, que pareceu congelar, o suor brotando-lhe da testa.

Nem sonhava que estava assustadoramente parecido com o verdadeiro pai.

– O que houve pai? – questionou, seus olhos se tornando azuis novamente.

–... Nada, você demorou, então tive de mandar Linne tomar banho no banheiro do meu quarto. – deu uma desculpa esfarrapada, tomando cuidado para não tropeçar nas palavras. Sentia o calor emanando do corpo do filho, insuportável como se houvesse ousado a entrar em um incêndio.

E como veterano de guerra, conhecia aquela sensação.

Sentia-se engasgado. Jake jamais demonstrara algo parecido nos oito anos desde que o acolhera. Por que somente agora?

As palavras de Robert pareciam badalar como um sino louco em seus ouvidos. Eles se encontraram, ele se encontraram, eles se encontraram...

– Pai? – Jake o chamou, a sobrancelha erguida, tentando entender o que se passava com o seu pai que repentinamente parecia ter viajado para um mundo só dele. E John percebeu que o calor havia dado lugar a um frio de lascar. Estava inclusive tremendo.

– Está frio, não?

– Hã? – Jake franziu o cenho, como se seu pai houvesse lhe questionado algo numa língua completamente estranha. – Não sinto nada...

– Que frio! – Celinne exclamou no momento que saiu do quarto de John, se abraçando, fazendo com que Jake a olhasse assustado. Estava realmente frio assim? Para si, parecia quase o local estava numa temperatura agradável. A garota desceu as escadas, exclamando. – Alguém deixou alguma janela aberta?!

Os olhos de John voltaram-se para Jake, ou melhor, para sua cabeça.

Havia laivos azuis descendo por seu cabelo?

Tão estranhamente quanto a mudança de temperatura, tudo desapareceu. O frio, o azul. O que restava era apenas o cabelo literalmente ondulado de Jake.

Este que suspirou pesadamente e desceu as escadas, parecendo que a noite mal dormida pesava em seus ombros, sem saber que não se encontrava tão louco quanto pensava que estava.

Um gélido silêncio imperava na mesa durante o café da manhã, este qual não passou despercebido a ninguém, nem o fato de tanto Jake quanto John encontravam-se anormalmente estranhos. Até mesmo Debrah parecia incomodada com aquilo, além de Rarac não sentar-se aos pés de Jake como normalmente.

Jake mal tocou na comida. Quando tentara tomar o primeiro gole de café, toda a região que abarcava a marca que aparecera repentinamente ardera a ponto de lhe trazer lágrimas aos olhos. As torradas também não entraram. Tudo o que conseguiu comer foi um suco e fatias de queijo, tudo gelado. Aquilo realmente não fazia sentido.

Sem querer se manter muito mais no silêncio insuportável, levantou-se, voltando para seu quarto e vestindo um cardigã, além do casaco e das luvas. Apenas pelo frio que passara no dia anterior, decidiu pegar também um cachecol.

No momento em que saiu de casa, pareceu que o frio saltou em seu rosto, berrando “MANDEI VOCÊ SE AGASALHAR MELHOR, IDIOTA!’’, enquanto o açoitava sem dó. Resignou-se, encolhendo-se em seu casaco e ajeitando seu cachecol, rumando para a mansão dos Toy como de costume.

Mas no momento em que Mihael e Far passaram pelo portão, soube que havia algo muito errado. Ambos encontravam-se pálidos e com olheiras.

E onde estava Near?

Esticou um pouco o pescoço para poder enxergar além das cercas vivas que encontravam-se próximas aos portões. Viu-o parado a porta, e conseguiu ver que este falava com o irmão de seis anos, Jeremiah, que encontrava-se na porta, com um gesso no braço esquerdo. Após algum tempo, a de doze, Carol, apareceu, falando mais alguma coisa com Near, antes de entrar, levando o mais novo junto.

No momento em que o amigo se aproximou, percebeu-o como os dois outros, mas havia algo que deu a Jake a resposta sobre o que havia ocorrido. Em seu rosto havia uma marca roxa, como se houvesse levado um golpe. E era óbvio que havia.

O pai deles.

Não era segredo naquela vizinhança que o Sr. Toy era um homem de pavio curto que rapidamente poderia surtar e partir para a violência por coisas mínimas. E a sua família infelizmente conhecia aquele seu lado muito bem. Não chegava a ser incomum saber que ele partira para cima de um dos filhos, e o único ali que parecia estar tanto psicologicamente quanto fisicamente preparado para enfrenta-lo a qualquer momento era Near.

Na realidade, Charles Toy era o tipo de homem que, se uma criança chorava, ele era capaz de espanca-la até que parasse de chorar.

E isso o fazia sentir calafrios toda vez que lembrava de Jessica, a irmã de três anos de Near. Perguntava-se o que aquela criança deveria pensar quando via o pai enlouquecido partir para cima de um de seus irmãos, ou talvez para cima de si.

Era bem claro que alguém fora atacado na noite anterior. Pelo que vira, talvez o pequeno Jerry, porém ninguém disse uma única palavra durante todo o trajeto. Near parecia envolto de uma nuvem negra de raiva reprimida, Mihael se arrastava sem muita vontade, como se tudo o que quisesse era se isolar num mundo só seu, e Far encontrava-se envolta numa névoa de depressão que acabava se estendendo a Jake. Realmente, parecia que o dia não seria tão bom.

Por algum motivo, talvez porque ele ainda se encontrasse com os nervos alterados, os dois irmãos mais novos deixaram Near um tanto quanto isolado. Far, que normalmente se encolhia próxima ao irmão para se esconder do frio, encontrava-se agora próxima a Jake, que parecia escutar sua pulsação em suas ouvidos apenas pelo fato de sentir o braço dela envolto no dele.

Realmente, era muito patético.

Infelizmente, o primeiro horário era Literatura, o qual era o mesmo para ele e Near. Sentaram-se ao fundo como de costume, mas o loiro simplesmente jogou suas coisas sobre a mesa e sentou-se pesadamente, cruzando os braços, encarando o quadro de modo que Jake quase imaginou à Charles amarrado ali e balas de fuzil saindo dos olhos de Near.

Admitia que estava um tanto quanto amedrontado com a perspectiva de sentar ao lado do loiro durante um horário inteiro.

–... Tudo bem, o que aconteceu? – suspirou, distanciando um pouco sua cadeira da de Near.

A boca do loiro apenas se entortou ligeiramente com a pergunta, o que deu ao ruivo a vontade de dar um tiro na própria cabeça por ter feito aquela pergunta.

–... Não quer falar sobre isso, e talvez explodir tudo sobre o babaca do Petron quando ele vier encher o seu saco e talvez ser mandado para a diretoria, para passar uma hora escutando à senhora Raubenstine se lamuriando sobre o que está acontecendo com um aluno tão bom e tão exemplar e tão inteligente? – Jake falou tudo em um só fôlego, e percebeu a boca de Near se entortar mais ainda, mas dessa vez na tentativa de não rir.

É, havia conseguido. Deveria até anotar aquilo por ter conseguido tão rápido. Normalmente demorava um ou dois dias.

O amigo deu um longo suspiro, antes de começar em voz baixa.

– Foi a primeira vez que ele fez isso com o Jerry. Ele pediu café, e quando Jerry estava retornando, ele caiu e derrubou no James. – Quase viu o ódio surgindo nos olhos castanhos de Near. – Ele começou a bater no garoto e a pisar no braço dele, contra os cacos da xícara.

Olhou para o outro, surpreso.

– Que horas?

– De tarde. Só escutei o Jerry gritando e corri para lá. O James já virou para mim dando um soco. O resto se explica por si só. A mamãe e Lala correram para o hospital com Jerry. Além dos cortes, ele quebrou o braço.

Dava para sentir a raiva de Near de longe, e não era tão bom assim não. E questionou-se o que o Sr. Toy fazia de tarde em casa.

– Ele quebrou o braço do Jerry?!

– Pois é. E foi mais uma briga porque ele berrava que não tinha motivos para leva-lo ao hospital. – Near estremeceu... De raiva.

Jake apenas balançou a cabeça negativamente, tendo de se virar para a frente com a chegada da professora. Decidiu não contar sobre a alucinação, o pesadelo e a marca para o amigo. Ele já possuía problemas o suficiente com que lidar.

E assim se seguiu os horários, até o intervalo. Ia até atrás da arquibancada para fumar um pouco – e com privacidade. –, mas já encontrou Near já ali, sentado no chão, parecendo ter se isolado em seu próprio mundo. Normalmente não haveria tantos problemas em fumar com ele, mas crendo que o loiro precisava relaxar um pouco, decidiu deixa-lo sozinho.

Seguiu para uma árvore próxima ao depósito, onde se guardavam os materiais de Educação Física. Era um local tanto quanto elevado, cercado pelo muro da escola. Aquilo lhe daria uma boa visão de quem se aproximava, entretanto, não conseguiam vê-lo. Era um ótimo local também.

Chegando lá, encontrou com Haydée. Ela se encontrava sentada, escrevendo em um caderno.

– Olá. – cumprimentou no momento em que se se aproximou dela o suficiente. – Veio fumar ou algo parecido?

– Sim. – sentou-se pesadamente ao seu lado, já buscando o maço de cigarros em seu bolso. – E você?

– Vim escrever em algum lugar onde não tenha um bando de falsas tentando bisbilhotar nas minhas coisas.

Ergueu uma sobrancelha e acabou rindo, recordando-se de que aquele era um dos motivos que gostava de Haydée.

– Mas e o que você está escrevendo? – questionou depois de um tragada.

– Não é da sua conta.

– Ai!

– Era para doer mesmo. – disse em tom de brincadeira, enquanto punha o cabelo atrás da orelha. Uma das coisas que mais a diferenciava das outras garotas, era que enquanto elas almejavam cabelos curtos e tentavam enrolá-los com bobes e laquê, os cabelos eram simplesmente longos e lisos até seus quadris, negros como as asas de um corvo. E admitia que a achava realmente bela com o cabelo daquele modo. – Vira esse bafo para lá!

– Fala como se também não fumasse.

– É que me desconcentra sabe? Na verdade, você está me desconcentrado.

– Nossa, desculpa, deveria ter dito isso no momento em que sentei aqui! ... Ou quer que eu pegue a frase no duplo sentido?

– Sem duplo sentido dessa vez. – retrucou, apagando uma linha. – Falando nisso, você está bem?

Jake franziu o cenho.

– O que tem haver duplo sentido com o fato de eu estar me sentindo bem?

– Talvez pelo fato de que da última vez que utilizamos duplo sentido, terminamos fazendo sexo na minha casa, e saindo de lá você passou mal, passou dois dias desmaiado e só voltou a escola ontem?

– Hm... Talvez. – realmente, era uma boa dedução. – Espera, como você sabe que passei dois dias desmaiado?

– Talvez pelo fato de eu também ser amiga dos Toy? Mas retornando, você está bem? – apontou para o seu pescoço. – É a primeira vez na vida que te vejo com uma camisa abotoada até o colarinho!

Teria rido se fosse outra situação, mas acabou se enrijecendo. Haydée acertara na mosca. Após o horário de Física, fora até o banheiro, e após verificar se este se encontrava vazio, abrira sua camisa para verificar se aquelas marcas ainda estavam lá.

E estavam.

– Estou bem sim.

– Você é um péssimo mentiroso. – Haydée o acusou, fazendo-o morder a própria língua já cortada, o cigarro esquecido entre seus dedos.

– É, eu sei... – murmurou, desviando seu olhar do dela, fitando para o que ocorria logo abaixo deles. Um grupo de garota corria com seus respectivos almoços, tentando fugir do frio que provavelmente estava fazendo naquele refeitório com um sistema de aquecimento horroroso. No meio do grupo, acabou localizando Far.

Lembrava-se da aura de depressão que a rodeava quando vinham para escola, mas agora, a loira encontrava-se sendo arrastada pelas amigos, uma de vez em quando soltava gritinhos quando escorregava no chão liso, arrancando risos das outras.

Percebeu que ela também sorria, e vê-la melhor o deixava muito mais aliviado do que esperava.

Quando se notou, viu que sorria discretamente.

Mas o olhar e o sorrisinhos de peste de Haydée rapidamente arrancara-o de seu rosto.

– A Far? Sério?!

Manteve-se em silêncio. Entretanto, seu rosto se tornando avermelhado falava mais que mil palavras. Amaldiçoou-se. Seriamente, porque era tão patético?! Sempre se esforçara para que ninguém reparasse, entretanto, apenas um deslize fora o suficiente para Haydée.

– Vamos lá, você sabe que não vou contar a ninguém, senão muito podre seu estaria na boca de todo mundo dessa escola.

Revirou os olhos, dando um suspiro de desistência.

– É. É sério.

Sinceramente, esperava de tudo. Que ela risse de sua cara, que talvez ficasse falando ironicamente com ele devido a isso, mas para a sua surpresa, Haydée simplesmente pôs a mão no queixo, pensativa.

– Se importa em me dizer desde quando?

Sentiu vontade de espernear igual a uma criança com aquela pergunta. Resmungou e se remexeu desconfortavelmente antes de responder:

– Desde sempre.

Foi a vez de Haydée ficar surpresa, o que fez Jake revirar os olhos enquanto seu rosto se esquentava ainda mais. Sentia-se totalmente fora de sua zona de conforto. Seriamente, odiava aquela situação, ser tão pateticamente apaixonado pela irmã gêmea de seu melhor amigo. Sinceramente, considerando o longo histórico de garotas com quem já saíra, se Near descobrisse, era bem capaz de acabar levando um soco muito bem dado.

E se Near era capaz de ir contra Charles James Toy, o “Hitler loiro” – como Jake havia apelidado aos catorze anos. -, não duvidava que acabaria apanhando para ele.

Na realidade, ainda lembrava daquele dia. Havia sido levado há exatamente dois meses para a casa dos Silverman, uma propriedade rural que ainda possuíam, e se mudaram para a cidade. Sua mãe e alguns parentes haviam viajado várias vezes para deixar tudo pronto para quando chegassem. No dia seguinte à mudança, quando todos já se encontravam acomodados, a senhora Toy batera à porta para dar as boas-vindas aos novos vizinhos, arrastando os gêmeos à tiracolo.

Era humanamente possível uma criança se apaixonar tão rápido? Fora só encarar Far por dois segundos que seu coração já estava batendo insanamente rápido e um desejo profundo de estar sempre próximo a ela parecera chutar todas as prioridades que um garoto de dez anos cuja vida se iniciara há dois meses e se instalar ali.

E este mesmo desejo ainda se encontrava presente.

Entretanto, as coisas não eram exatamente fáceis. E isso se mostrara claro a partir do momento em que passara a se tornar cada vez mais amigo dos Toy. Já havia inclusive participado de viagens familiares com os Toy, férias, feriados e todo o tipo de coisa. Era praticamente um membro da família.

Mas não conseguia. Não precisava ser nenhum grande observador para perceber que ela o via da mesma maneira que Near. Um irmão. Se não fosse por aquele maldito sentimento, poderia até possuir alguma estima por aquela posição, mas não enquanto desejava tê-la em seus braços, tocá-la e beijá-la.

Isso era doentio.

Em parte, fora isso que o impelira a sair com outras garotas. Várias garotas. Muitas garotas. Mas não tinha jeito. Já havia acontecido antes: Chegava a gostar da garota, era simpática, interessante, e não incomum demonstrava ter sentimentos por ele. Tudo o que qualquer um poderia sonhar num relacionamento. Mas essas doces garotas só possuíam um problema:

Elas não eram Far.

Só despertou quando bateu com a cabeça no tronco da árvore. Se sobressaltou e percebeu Haydée segurando-o pelo cabelo.

– Ótimo, o senhor apaixonado retornou ao nosso mundo.

Bufou.

– Ok, você não me disse nada, mas pelo que entendi... – continuou, ignorando-o completamente, e à sua expressão emburrada. – Você é apaixonado há muito tempo por alguém.

– É. – respondeu secamente.

– E depois de um tempo, você percebeu que não deve ser nada mais do que um bom amigo, ou um irmão para ela.

– É.

– E no desespero para tentar suprir a necessidade que sente por essa pessoa, você acabou ganhando a fama de lady killer ao sair com várias outras pessoas apenas para ver se conseguia esquecê-la.

–... É.

– E nenhuma merda dá certo.

– Exatamente.

– Parabéns! – ela ergueu a mão, como se pedindo para que a apertasse. – Estamos na mesma situação!

– Hã?!

– Aperta a minha mão, idiota, e não me faça parecer uma idiota também.

Sem questionar, apertou a dela também, num cumprimento.

– Somos dois perdedores!

– Minha nossa, como estou animado com isso. – ironizou. – Mas... Sério?

Oui. – a garota respondeu, guardando tanto seu lápis quanto seu caderno. – Não sou desiludida sem nenhuma razão.

– Ok, agora fiquei curioso. Posso saber quem é?

– Não.

– Vamos lá Haydée, você descobriu que eu tenho uma paixão retardada-obsessiva pela Far. Nada mais justo do que eu saber a sua.

Os olhos negros se reviraram. O pensamento repentino veio à mente de Jake: Eram tão parecidos no quesito personalidade que era quase como se Jake fosse uma versão masculina de Haydée e vice-versa. Talvez pudessem ser irmãos, se as coisas fossem diferentes...

... Realmente, o encontro com Nero no dia anterior havia o deixado paranoico.

– Tudo bem, tudo bem... – ela pareceu hesitar por um segundo, antes de dar um suspiro de resignação e por as mãos na cintura. Era raro vê-la assim. -... Near.

O ruivo encarou-a incrédulo por um mísero segundo, olhar que foi sustentado altivamente por Haydée, antes que ambos explodissem na gargalhada.

– Ok, isso é irônico, eu pelo irmão e você pela irmã!

– Shh, podem escutar!

O sinal tocou, tirando a ambos do momento em que um ria da situação constrangedoramente similar do outro, fazendo-os se apressar para chegar às suas respectivas salas antes que levassem alguma bronca.

Jake literalmente deslizou pela sala durante a aula de história para que o professor não o pegasse chegando atrasado na classe, já que este tinha o costume de lhe bater. Mesmo que fosse de brincadeira, sua cabeça ainda estava doendo pelo fato de Haydée bater com ela contra uma árvore.

Sentou-se silenciosamente em seu lugar ao lado de Far, que lhe lançou um olhar inquisidor devido ao seu atraso. Mordeu sua língua já maltratada. Mais irônico ainda era ter de encará-la depois da situação constrangedora passada com Haydée.

– Ei. – cochichou, chamando a atenção de Jake. – Depois da escola eu quero ir ao Ollivier, mas o Neah vai trabalhar e o Mihael vai ficar para um grupo de estudos. Quer ir comigo?

Novamente, o serzinho surgiu em seu interior e berrou “Ela te chamou para sair!” e começou a sapatear loucamente a música estranha sobre seu peito. E mais uma vez o pisoteou para as profundezas do seu ser. O Ollivier era nada mais que um restaurante onde boa parte dos alunos de ensino médio das redondezas se reuniam depois da aula, e Jake era claramente a última opção.

“Mas tem um monte de gente lá e ainda assim ela te chamou!” o serzinho retornou e dessa vez começou a dançar um polca animada.

Suspirou, desistindo de mantê-lo quieto.

– Ok.

Quando todos os horários terminaram, Jake não se surpreendeu quando Near deu uma desculpa esfarrapada e rumou direto para o trabalho que possuía, na clínica veterinária que o tio possuía. Sabia que quando estava com raiva, era melhor ocupar sua mente com algo que gostasse do que ficar se remoendo pelos cantos. E Near adorava animais.

Assim, Jake e Far acabaram seguindo sozinhos em direção ao Ollivier.

Era um tanto quanto constrangedor para si ficar sozinho com Far, por motivos óbvios. Normalmente o assunto só vinha quando havia alguém – Near – por perto. Talvez fosse devido ao sentimento de que poderia ser impulsivo e fazer besteira.

– E então? – Far questionou de repente.

– O quê?

– Ontem... Sobre aquele bilhete que você recebeu, do tal de Nero. Você foi falar com ele?

– Ah... – o fato de ela ter puxado aquele assunto o surpreendeu. Entretanto, a expressão de Far durante a manhã voltou à sua mente e aquiesceu, lembrando que essa era a maneira da garota de fugir de situações complicadas. – Sim.

– E o que ele queria?

Era estranho falar sobre aquilo com Far, enquanto Near sequer sonhava com o assunto. Simplesmente havia esquecido de contar ao amigo sobre o bilhete e tudo mais, porém aquilo lhe dava uma sensação que poderia se permitir usufruir.

Era algo somente dele e de Far.

E a questão de Nero voltou à sua mente; quase teve vontade de rir. A garota ao seu lado possuía um irmão gêmeo, enquanto ele próprio também possuía. Decidiu que talvez fosse sim melhor contar a ela.

– Conversar. – Far abriu os lábios para dizer algo, mas a interrompeu. – Ele é meu irmão.

Sorriu ao ver a confusão nos olhos castanhos da jovem, para então a lucidez tomar conta deles quase que instantaneamente.

– Você quer dizer... Seu irmão de verdade? De antes?

– Sim. – passou a mão no cabelo. – Foi um choque na verdade.

– Mas se ele é filho do...

– Ele é adotado, que nem eu. Mas o que realmente eu não entendi foi o fato de ele estarmos próximos há tanto tempo e nunca sequer suspeitamos sobre a existência do outro. – olhou-a, a expressão desapontada. – Meu pai sabia.

– Ah, não acredito...

– Sério. Acho que o Sr. Clearwater ligou para ele, pois está muito estranho comigo. Ah... Ia esquecendo.

– O quê?

– Eu e Nero somos gêmeos.

Mais uma vez a expressão surpresa o fez rir. Desta vez, era também incrédula.

– Está brincando!

– Não. Tirando pela cor do cabelo e dos olhos, somos idênticos. Juro que temos a mesma altura.

– Eu só consigo me lembrar de uma coisa...

– O quê? A teoria de Beriz?

– “O que aconteceria se existissem dois Jakes?”.

– A escola explodiria. CABUM!

Ambos riram enquanto entravam no restaurante, e Jake quase parou para franzir o cenho. Normalmente encontrava-se abarrotado de adolescentes, mas no momento, estava apenas com uns dez. Chegava a ser estranho.

Percebeu que Far olhava ao redor, como se esperando ver os outros escondidos ou algo do tipo, mas nada. Quando percebeu, o próprio Ollivier vinha na direção deles.

– Vamos, vamos! Entrem! – chamou com um forte sotaque italiano, a voz como sempre alta para todos que desejassem ouvir. – Onde essas crianças se meteram hoje? Enfim, sentem-se!

Com todos os olhares voltados para ambos, o ruivo apenas percebeu que ali estavam alunos de outra escolas. Sentia que Far ainda segurava em seu braço – e tinha motivos. Ollivier às vezes chegava a até mesmo assustá-lo. -, então provavelmente apenas aparentavam ser um casal excepcionalmente belo provindo de outra escola.

Pareciam.

Sentaram-se nos fundos, um de frente para o outro, o que considerou um tanto quanto estranho, mas tentou relaxar. Logo Maggie, uma das garçonetes, se aproximou. Franziu o cenho ao ver que o cabelo dela se encontrava verde.

–... Maggie? – Far ousou apenas chama-la, hesitante.

– Eu tive um acidente com uma piscina e tintura de cabelo. – se explicou, fazendo com que ambos se entreolhassem. – Mas o que vão querer?

– As coisas mais doces e gordurosas daqui, que me deixem com a pele horrível e gorda que nem uma orca. – Far resmungou, com a bochecha apoiada em uma das mãos.

Jake riu com o pedido e a garçonete olhou-o curiosa. Aquele garoto frequentava o lugar há quatro anos e era a primeira vez que o via sorrir. A realidade era que os Toy em geral possuíam o que muita gente queria: Se empanturravam, mas jamais engordavam. Lembrava-se que ficara horrorizado com a quantidade de comida quando fora passar o Dia de Ação de Graças na casa deles, onde toda a família se reuniria.

Talvez fosse comida o suficiente para ser capaz de alimentar todos os mendigos do estado. Ou do país, talvez.

– Eu vou considerar isso como um pedido para o maior copo de milk-shake de morango daqui, o hambúrguer monstro, as fritas gigantes e a torta de morango, chocolate e cereja. – Virou-se para o rapaz. – E tu?

– Er... O mesmo?

– Vamos engordar e rolar juntos por aí! – Far exclamou, arrancando risos até de Maggie, que se virou e seguiu para a cozinha.

– Pressinto uma diabetes.

– Então porque pediu a mesma coisa?

– Para que eu possa dizer que é culpa sua. – Riu da expressão de falso choque que ela fez. – E talvez ter como me defender caso seu irmão venha tirar satisfações comigo.

– Você não tem jeito.

– Não mesmo.

Admitiu que ficou surpreso por conseguir manter uma conversa com Far por tanto tempo sem sentir atormentado. Quando o pedido gigante de ambos chegou, comeu junto com ela mesmo sentindo que iria explodir, e no fim um acabou arrastando o outro de volta para casa.

A semana passou mais rápida do que esperava. Sem pesadelos, alucinações ou encontros com Nero. De fato, a única coisa que remanescia ali era a marca roxa em seu peito.

Na sexta feira, porém, John convidou Jake para ir à casa dos Toy. Conhecia aquela tática: Jake levava os filhos para algum lugar, enquanto seu pai tratava de negócios com o senhor Toy. Ambas as partes saíam ganhando.

Entretanto, quando passaram sem problemas pelo portão e chegaram à porta, escutaram algo.

Gritos?

– Pai, para! Pai! – para o seu desespero, percebeu que era Far. Onde estava Near?! No momento em que se passou, escutou mais um grito, que indicava que ela havia sido agredida.

John tentou abrir a porta, mas esta se encontrava trancada. Jake nem pensou duas vezes: Deu um pisão, arrombando-a, sem nem prestar atenção que aquilo deveria demandar muito mais força do que realmente demandara. Encontraram Far na porta da cozinho, caída ao chão, tapando a boca com as mãos, parecendo horrorizada. Chorava e tremia dos pés à cabeça.

John reagiu bem mais rápido que ele. Saltou para frente, e certamente usando seus conhecimentos do tempo de soldado, imobilizou à um enlouquecido James Toy, sufocando-o a ponto deste perder a consciência. Só então Jake percebeu porquê Far gritava. Não era porque estava apanhando ou algo do tipo.

Seus olhos seguiram o rastro de sangue da bancada em direção ao chão.

Em direção à Near deitado em uma poça de seu próprio sangue.

– Santa mãe do céu! – escutou Martin exclamar. Nem percebera quando ele entrara lá. O empregado correu em direção ao rapaz desacordado, e percebeu que duas empregadas que encontravam-se em estado de choque contra a parede finalmente pareceram reagir.

John apenas olhou para o filho e vociferou:

– Tire-a daqui.

Olhou para Far chorando histericamente no chão, entendendo o que tinha de fazer. Ajudou-a a levantar, e rapidamente a tirou daquela casa, para longe daquela cena, enquanto se arrastava para longe também. A imagem parecendo se repetir em sua mente loucamente.

Levou-a para a sua casa, a pôs sentada no sofá e foi atrás de um copo de água, mas percebeu que suas próprias mãos tremiam. Aquilo não daria certo. Sem saber ao certo o que faria então, retornou.

– Far. – chamou-a o mais suavemente que pôde.

– Primeiro o Jerry...

– Far. – repetiu.

– Agora ele fez isso com o Near... O Near! Ele... Ele...

– O Near vai ficar bem – mentiu. Pelo estado que o outro estava, não dava para ter certeza. -, com certeza chamaram uma ambulância...

– Nada vai ficar bem! Ele é o nosso pai e ele tentou matar o Near! – Ela agarrou Jake pela camisa, que num reflexo levou suas mãos até seus ombros. – Ele é o nosso pai, quebrou o braço do meu irmão de seis anos segunda-feira e hoje tentou matar o meu irmão mais velho! Você SABE o que é isso?!

Jake apenas a encarava sem saber como reagir. De fato, a cena era traumatizante para qualquer um, e Far estava vivenciando um inferno familiar, onde seu pai era o demônio. Agora havia a incerteza se seu irmão viveria ou não, e certamente naquele momento se lembrava de todas as agressões que vinha sofrendo, física e mentalmente. Como reagiria? Como a consolaria e a acalmaria?!

O seu corpo se moveu sozinho. Quando percebeu, seus lábios já estavam contra os dela.


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Notas finais do capítulo

É isso... Vou dormir que tenho aula, e estou na semana do Enem ;-;
O desenho dos dois, caso o Nyah não envie -_-
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