Motsatt escrita por Monique Góes


Capítulo 20
Capítulo 19 - A Vida e a Mente


Notas iniciais do capítulo

Oi povinho lindo que sumiu, tudo de boas? ;^; Esse capítulo foi difícil, mas consegui escrevê-lo, mas e aí, como vocês acham que Motsatt está? Tipo, tem alguma coisa incomodando, ou tá tudo de boas? Porque estamos chegando num ponto delicado (acho que tem um capítulo com esse nome, haha), e eu gostaria de saber.
Bom, ao capítulo!



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Capítulo 19 – A Vida e a Mente

Não sabia há quanto tempo estava com os olhos abertos.

Na realidade, nem sabia quando os abrira.

Sentia que se encontrava numa maca, e sobre ela havia um toldo de tecido amarelo cobrindo-a como se fosse uma tenda extremamente baixa, e por ele a luz do sol atravessava. O ar era abafado, o calor escaldante, e a maca dava trancos ocasionais, mesmo estando suspensa. Sabia que ela estava sendo carregada, tinha a certeza de que ouvia ocasionais som de cascos e vozes que não prestava atenção.

Havia um latejar odioso e constante, tanto em sua cabeça quanto em seu corpo.

Assim, fechou os olhos.

Havia algo flutuando na escuridão, portanto permitiu-se afundar nela. Nunca imaginara que o profundo negror pudesse ser tão acolhedor quanto demonstrava-se naquele momento, mas era. O ruflar de asas chamou sua atenção, atraindo-o ao brilho do fogo. Flutuou no nada até encontrá-la.

Uma fênix.

A escuridão contorceu-se, dando lugar a um nevoeiro. Tocava a grama, sentado sobre ela, mas de certa forma a mudança de cenário não o surpreendeu. O que o surpreendeu foi outra coisa.

Um homem estava à sua frente, ou melhor dizendo... Acima de si. Era como se todo o esplendor da vida estivesse reunido nele.

Seus cabelos eram curtos e ondulados, num tom híbrido entre o dourado e o branco, seus olhos de um incrível tom de verde. Sua pele era de um tom incrivelmente saudável, brilhante e viçosa, e trajava roupas extremamente simples, mas ao mesmo tempo passavam a sensação de serem extremamente caras.

Mas o que realmente chamou sua atenção foram suas asas. Asas flamejantes, aquelas eram asas de fênix.

Jake sabia que estava boquiaberto quando ele planou até pousar suavemente à sua frente, os pés descalços tocando a grama, e tinha a sensação de um estranho conhecido: Aquela pessoa que jamais vira na vida, mas que ao mesmo tempo sempre parecera conhecer.

Um riso fraco, talvez descrente, saiu de seus lábios. Deveria estar ficando louco, não era mesmo? Havia fechado os olhos, havia afundado em si mesmo. Aquele ser era apenas...

– Eu não sou um ser imaginário, filho.

Piscou surpreso. Ele podia ler sua mente? Um sorriso paternal tomou conta dos lábios daquele homem, entendendo sua confusão. Sua pele emanava um brilho sobrenatural, mas não era como se fosse um talbordai ou um bergal. Quer dizer... Ele emanava um brilho de fogo tal qual os ditos talbordais, mas parecia simplesmente algo superior, algo que ninguém poderia imitar ou ter semelhante. Aquele simples brilho possuía um poder e uma força inimagináveis...

– Você é um deus? – questionou sem pensar.

O sorriso dele adquiriu algo que não pôde decifrar.

– Sou.

– M-mas... Como, eu...? – estava confuso. Tecnicamente nunca ligara muito para religião. Possuía suas crenças, mas nunca... Quem não garantia que fosse apenas loucura?

Ele apontou para Jake. Mais precisamente, para o amuleto em seu pescoço. Sentiu-o esquentando e quase gritou quando sentiu o contato de penas e dele surgiu uma fênix. A mesma fênix que vira antes. Ela voou, cantando de forma magnífica, antes de pousar e se acomodar confortavelmente no ombro do deus.

– Não há motivos para duvidar de minha existência, filho. Eu sou Dekhi, deus da vida, o segundo dos Nauri Talbor.

A mão do ruivo foi instintivamente para o local onde sempre usava seu amuleto, não o encontrando. Repreendeu-se mentalmente, já que tecnicamente... Seu amuleto se tornara aquele pássaro. Usava o amuleto de Dekhi... Um dos quatro deuses...

– Por... Por que está aqui, falando comigo? – questionou num tom de voz baixo e trêmulo. – Onde estou, estou...

– Não, não está morto. Se estivesse, estaria falando com meu irmão, Akhir, não comigo. – falou, ainda usando seu tom paternal, e aproximou-se lentamente. Parecia que a cada passo que dava, a grama tornava-se mais viva, jurando que ela ainda chegava a florescer em certos pontos. – Não reconheces este lugar? – ergueu a mão num semicírculo, como se apresentando o local. – Aqui, Klodike, é a sua mente.

Olhou envolta novamente, mas tudo o que via era aquela densa névoa.

– Estamos no limite entre onde começam suas memórias e onde está o selo entre as antigas. – informou. – Inacessíveis.

– Inacessíveis... – repetiu, olhando para a grama e então para a névoa. – Este selo... Ele é impossível de tirar?

– Não. – Ele ergueu a mão, e foi como se um forte redemoinho de vento passasse pelo local, varrendo a névoa. Jake sentiu uma terrível pressão em sua cabeça que quase o fez cair para trás, e quando percebeu, a névoa encontrava-se mais distante, embora não houvesse desaparecido. Seus olhos quase saltaram de suas órbitas ao perceber que ao lado de Dekhi... Ele mesmo estava de pé. Porém, não deveria ter mais de dez anos. Seus olhos estavam dourados e traziam uma loucura assassina, o rosto enlameado, sujo de sangue, trajando roupas negras, uma versão menor das que Arenai usava. Seus dedos traziam apertados entre eles uma adaga, e a segurava como se sua vida dependesse dela. – Porém, elas foram postas aí por um motivo Klodike. Bem maior do que você pode perceber.

Olhando mais à frente, via um homem alto trajando as mesmas roupas negras, como se guardasse a névoa. Não conseguia ver muita coisa dele, sua cabeça coberta por um capuz, o rosto era um estranho borrão, talvez daquele modo devido à magia. O que conseguia ver era os cabelos do mesmo profundo tom de ruivo caindo por seus ombros.

Sabia instintivamente que aquele era seu pai.

– Levante-se. – O tom de voz dele não mudou, entretanto Jake sentiu uma força ordenando-o a levantar. Assim que conseguiu se equilibrar em suas próprias pernas, ele continuou. – Venha comigo.

Ainda aturdido, seguiu-o. As asas de Dekhi tremularam, e surpreendendo mais uma vez, elas simplesmente entraram em suas costas, sumindo de vista, porém decidiu permanecer quieto. Seguiram pelo caminho contrário da névoa, o qual começava a apresentar uns poucos arbustos a mais. Quanto mais avançavam, mais plantas apareciam, até darem num bosque de altas e densas árvores. Entretanto, Jake se incomodava que não havia vida alguma ali, apenas... Bem, as árvores. Era tudo extremamente quieto e silencioso.

– Às vezes estamos tão acomodados – Dekhi começou. – que simplesmente nos chocamos quando o percebemos, não?

Teve de assentir, e dentre os troncos viu a si mesmo mais uma vez, desta vez com seus catorze ou quinze anos. Se vestia com suas roupas usuais, porém seu cabelo era bem mais curto, um híbrido do corte que usava quando criança e o atual. Seu eu mais jovem não o olhava, pelo contrário. Olhava para cima, para a luz, parecendo extremamente pensativo... E sabia que estava. Fora naquela idade que tentara quase que desesperadamente recordar de algo de seu passado, sem sucesso. Depois de três anos de árduas tentativas... Simplesmente desistira.

–... Por que... – tentou questionar novamente.

– Há muitas coisas Klodike. – Recebeu como resposta. – Mas principalmente, porque há coisas inimagináveis. Há pessoas e seres que querem vê-lo vivo, e pessoas e seres que querem vê-lo morto em equidade.

– Os Bergais... – começou.

– Não fale como se todos fossem iguais... Mas não, não é somente a eles que me refiro. Sabes porque estão atrás de ti?

– Porque... Sou Galrdai.

– Não. Não é apenas isso. Eles buscam algo que pensam ser desconhecido, mas nos âmagos mais obscuros de seus seres eles sabem o que é. – As árvores se tornavam mais densas ainda, e por um breve momento pensou ter visto Celinne e Pearl de relance. Formas estranhas começaram a tomar conta do lugar, e dessa vez teve certeza que vira Near sobre o que lhe parecera ser uma gigantesca boneca quebrada. Ele estava com o ferimento sangrento de sua cabeça de quando seu pai quase o matara. – Não apenas eles... Você próprio sabe o que é.

Aquilo deixou-o ainda mais confuso do que já estava. Algo...? O que poderiam querer dele, se não fosse o fato de controlar água e fogo? Repentinamente algo voltou à sua mente.

– Eu... Meu controle é superior ao deles...?

– Esta é apenas uma parte, mas com o tempo descobrirás o resto. – recebeu como resposta. Repentinamente o chão começou a tremer, fazendo com que Jake perdesse o equilíbrio e caísse ao chão, enquanto Dekhi permanecia inabalável. Com um terrível gemido, a terra se rachou, fazendo com que Jake pensasse que lava ou algo do tipo sairia dela, mas o que saiu foi na verdade uma massa azul clara e brilhante, bastante semelhante ao magma. Sentia o frio congelante batendo contra ambos violentamente, quase que fazendo com que o próprio Jake alçasse voo. – Estamos chegando às suas memórias mais atuais. Vejo que sua vida tem se tornado muito mais turbulenta do que você próprio gostaria, não?

– S-sim... Mas então...

– Porque estou aqui? – pensou tê-lo ouvido rir, mas não teve certeza. Ele continuou a andar, então, com esforço, levantou e seguiu-o. – Tenho uma propensão a ignorar perguntas, sinto muito. Estás de volta a Aurtrai Klodike. Aqui correrás um perigo mil vezes maior, ao mesmo tempo em que estarás mil vezes seguro. Terás de recorrer a própria força.

Houve algo que o abalou mais do que pensava. O local estava repleto de sangue: na grama, nas árvores. Os céus vertiam cachoeiras de sangue, que caíam como duas colunas escarlates em direção ao solo, que não era visível devido a um penhasco. Sabia que aquelas eram memórias extremamente recentes e não possuía muito além delas. Mas o que lhe atraiu foi a imagem de Far, acorrentada e trêmula, quase como se fosse um animal. Deu um passo em sua direção, mas Dekhi segurou-lhe pelo ombro.

– Não adiantará de nada ir até lá. Estamos em sua mente, não no mundo real, ficarias apenas decepcionado ao perceber isto. – sentiu sua garganta se apertando com aquilo. – Mas diga-me filho... O que seria capaz de fazer por ela?

Olhou novamente para Far, sentindo seu coração se apertando. Sabia que era sua culpa o fato de ela estar daquele jeito, e era aquilo que mais o machucava. Tudo simplesmente virara de cabeça para baixo e acabara envolvendo-a naquela confusão.

Acima de tudo, ficava com ainda mais ódio dos Bergais que haviam feito tudo aquilo. A sua família, a visão daquelas centenas de pessoas mortas e dispostas como se fossem nada... Tudo aquilo o revoltava tão profundamente que sequer conseguia se expressar. E também havia o medo. Se não chegasse antes, provavelmente sua mãe teria o mesmo destino, então o que poderiam fazer com Far e Lucy? Aliás... Vira Far com certeza, mas e Lucy? Havia também ela... O que poderiam...

– Vejo que tens o costume de pensar demais e agir o de menos.

–... Me desculpe. – murmurou.

– Não estou lhe repreendendo. Porém, não respondeste minha pergunta.

–... Por ela, seria capaz de ir até o fim do mundo.

A fênix cantou, e Jake sentiu como se o mundo começasse a se esvaecer em branco. Dekhi olhou-o, embora não conseguisse mais ver claramente ver sua face, escutava sua voz.

– Perizad, cuide dele. – A fênix cortou aquela sombra branca, parecendo derramar lágrimas peroladas. Presa em suas garras, havia um tecido, comprido e aparentemente fino e brilhante, prateado. Não deixou de perceber que se assemelhava de forma irreal ao cachecol que Nero jamais retirava. Sentia suas costas ardendo. – Sonhos irão protege-lo, mas apenas eles não serão o bastante. As fênix unidas são extremamente poderosas, por isso, junte-as, Klodike. Elas mostrarão o caminho para o despertar do dragão negro.

Abriu os olhos, e acabou dando de cara com Nero, mesmo que este não estivesse olhando para si, e sim para alguém que Jake não conseguiu ver.

– ...Hã? – ele voltou-se para o ruivo quando pareceram lhe dizer algo. – Ah, Klodike!

Piscou algumas vezes, tentando se localizar. O chão sob si era fofo, e estava deitado sobre tecido. Conseguiu ver que havia uma tenda sobre si, pela qual passava a claridade de algo do lado de fora, mas... Estava tão frio!

– Sei que é uma pergunta cretina, mas... Você está bem?

No momento em que tentou se mover, percebeu porque Nero classificara aquilo como uma pergunta cretina. Suas costas doíam como o inferno, e seus membros pareciam extremamente pesados. Passou a mão pelo rosto, sentindo seu tronco coberto por bandagens.

– Tirando a dor... Estou ótimo.

– Sua ironia doeu em mim. – escutou a voz de Winter ao seu lado.

– Hm, Vannes? – virou-se para ele, que estava deitado do mesmo modo. Havia diversas bandagens cobrindo seu tronco também. – O... O que aconteceu?

– Eu não sei. Saímos daquele túmulo e nos atacaram do nada... – hesitou, também passando a mão no rosto. – Tinha um cara estranho... Parecia que ele havia entrado na minha cabeça... – a imagem dançou na cabeça de Jake.

–... Careca, vestido de branco?

– Com metade da cara queimada? – Jake assentiu. – Esse mesmo.

–... Do que vocês estão falando? – Nero questionou, temeroso.

– Um capeta apareceu para tentar nos matar. – Jake quase riu da resposta seca de Winter. – E talvez bagunçar um pouco mais a nossa cabeça, já que não sei o que ele fez com Klodike.

– Ele bagunçou a minha cabeça. – suspirou. – Espera, você me chamou de Klodike?

– Chamei, não é o seu nome?

Nero sorriu fracamente, antes de pegar a bola de pelos brancos ao seu lado, que miou fracamente. Os olhos de Winter quase dobraram de tamanho ao vê-la.

– Snow... Quer dizer, Kapheliria! – mesmo aparentando fazer um esforço imenso, pôs-se sentado, recebendo a gata persa branca em seus braços. Franziu o cenho quando percebeu que ela também possuía bandagens em torno de seu tórax. – O que aconteceu com você? – murmurou.

O focinho tocando ligeiramente o ombro de Jake fez olhar naquela direção, vendo o rosto abatido e canino de Rarac. Também esforçou-se para se sentar, o que fez suas costas se repuxarem dolorosamente, antes do Denor se arrastar para seu colo. Ele estava numa forma muito menor que a sua usual, quase como um filhote, e também aparentava ter recebido cuidados médicos.

– Naphees, o que aconteceu? Onde estamos?

Ele suspirou, parecendo cansado.

– Estamos em algum deserto em algum lugar de Talbor. Ainda não me localizei. Bem, eu tive a infelicidade de estar na mesma rua que você quando os Bergais te pegaram, sinto muito... Eu... Fugi. Estava prestes a te alcançar quando atacaram, então dei meia volta. – disse, parecendo estar realmente encabulado.

– Fez bem, não se envergonhe.

– Verdade, você nem imagina o que eles fizeram conosco. – Winter estremeceu. A lembrança das pernas quebradas e dos braços esfolados não sairia tão cedo de sua mente. - Nem com... Todas aquelas pessoas.

Nero olhou-o em tom de dúvida, mas Jake apenas disse para que continuasse.

– Eles conseguiram ferir Rarac e separá-lo de você. – ele maneou para o Denor, parecendo então procurar algo em seus bolsos. – Encontrei-o jogado no meio da rua uma meia hora depois, e não havia nenhum sinal seu por ali... Tirando isso.

Foi a vez dos olhos de Jake dobrarem de tamanho quando Nero lhe mostrou o colar de Far, o que também fez com que seu peito desse uma pontada dolorosa. Estendeu a mão, mesmo que ligeiramente trêmula, e Nero o depositou ali. A concha estava ligeiramente suja de sangue.

– Demorou um pouco para conseguirmos fazer Rarac mudar de forma. – Aegis disse sobre a cabeça de Nero, em sua forma de camundongo. Nem havia a percebido ali. – Pouco depois Arenai apareceu junto com um rapazinho do Esben, como é o nome dele mesmo...?

– Shobha. – Nero respondeu.

– Sim, esse mesmo. Parece que ele finalmente poderia trazer vocês a Aurtrai, mas... Bem. Do mesmo modo, ele nos trouxe para um acampamento no deserto Shu'la, e estamos com eles há uns cinco dias... Há três, ao passarmos por um oásis, simplesmente encontramos vocês dois, Kapheliria e a senhora Nasi lá.

–... Nasi? – Jake começou, ainda sem entender, até que lhe pareceu que houvesse dado um tapa em sua cara. – Espera, mãe?! Onde ela está?!

– Lá fora. – Nero passou as mãos nos cabelos, quase derrubando Aegis, que lhe soltou um guincho indignado. – Desculpe. Eu vim ficar aqui para que ela pudesse comer um pouco, já que não saía do lado de vocês.

O suspiro aliviado dos dois foi audível.

– Se nós estávamos no oásis, então aquele homem, Kogen, não é...?

– Deve ter sido ele.

– Aegis, você disse que estamos num acampamento.

– Sim, estamos seguindo para Naif Na’il, uma cidade ao sul, para se juntar ao resto do exército. – ela disse sem deixa-lo terminar.

– Consigo escutá-la dizendo nas entrelinhas “Parabéns, vocês vão entrar no exército!”. – Winter murmurou.

–... Eu também. – Jake concordou, enquanto coçava distraidamente as orelhas de Rarac.

Olhou novamente para o colar em suas mãos, pesaroso, o que invocou a imagem de Far em sua mente. Estavam usando-a para chantageá-lo, mas simplesmente... Como conseguiria encontrá-la?

–... Esse colar é seu? – Winter questionou.

– Não, é... Da minha namorada.

O mais velho pareceu assumir uma expressão totalmente diferente, quase empática, e até mesmo cabisbaixa. A Denor moveu-se desconfortavelmente em seus braços. Nero já parecia estar surpreso.

– Eles fizeram algo com ela?

–... A sequestraram. E estão a mantendo presa.

–... Far? Mas como... – Nero começou.

– Eu não sei, Naphees... Mas é o que aconteceu. – suspirou. – Eu nem sei o que fazer.

Winter continuou mexendo em Kapheliria, sem erguer o olhar. Passava-se em sua mente o que havia acontecido meses antes. Nunca havia superado realmente, e provavelmente nem iria.

–... Bem, ela está viva, não é? – disse, atraindo a atenção dos dois. Seu tom de voz era um tom de voz quase fúnebre. Jake assentiu, mesmo que quase temeroso. – Eu não tive a mesma sorte.

– Estou com medo de perguntar, mas... Como assim? – Nero questionou.

Neste momento, a aba da tenda em que se encontravam foi aberta com o som de papel rasgando e uma mulher entrou ali. Não sua mãe, mas uma bela Talbordai com os cabelos violetas presos atrás de sua cabeça em diversas tranças. Ela possuía olhos amarelos, e seus lábios estavam pintados de vermelho, assim como possuía pinturas faciais pintadas com a mesma tinta em seu rosto.

– Vejo que despertaram. – comentou num tom de voz simpático, ainda que ao mesmo tempo surpreso.

– Ah... Vannes, Klodike, esta é a Sra. Agaumine. Ela que esteve cuidando de vocês esses dias em que ficaram inconscientes.

– Bem – Agaumine se sentou ao lado de Nero. – fiquei surpresa de já haverem recuperado a consciência tão rapidamente, considerando a gravidade de seus ferimentos. – Voltou-se a Jake. – Consegue se virar?

Com um pouco de esforço, acatou o pedido. Sentou-se de frente para Winter, e automaticamente de costas para Nero e a mulher. Sentiu as bandagens começarem a afrouxar, indicando que ela estava as retirando.

–... Creio que não é o melhor momento para se perguntar, mas tanto em vocês quanto em sua mãe vi sinais claros de tortura... Embora os ferimentos mais graves em vocês havia a intenção de mata-los. Tem alguma ideia de onde estavam?

– Só sei que era uma construção Bergal. – Jake respondeu.

– Sim... Creio que aquele lugar funcionava como um presídio. – Winter adiantou-se. – Também parecia funcionar como local de execução.

– Local... O que é isso?! – Agaumine exclamou e Jake também ouviu Nero soltar um som surpreso.

– O quê? – questionou sem entender.

Obviamente ele era incapaz de enxergar as próprias costas, mas Nero tentava entender o que havia acontecido. Os ferimentos haviam desaparecido quase que milagrosamente, e havia ali um desenho, como uma tatuagem, abarcando desde um pouco abaixo de sua nuca até seus quadris. Era o desenho de um dragão, incrivelmente detalhado, como se alguém houvesse passado horas, talvez dias, tatuando aquele desenho em seu irmão. Via-se claramente as escamas, os olhos perigosos e as presas afiadas à mostra. As asas encontravam-se abertas ameaçadoramente abertas, dando a impressão que ele iria atacar a qualquer momento.

Mas fora a silhueta e os detalhes, ele não possuía cor. Era apenas a pele branca das costas Jake.

– O que há de errado? – Questionou novamente, claramente nervoso.

– Isso... Isso não estava aí quando vi seus ferimentos hoje de manhã. – Agaumine murmurou.

– Não mesmo.

– Certo, o que tem nas costas dele? – Winter questionou.

– Um dragão. – Nero respondeu. – Ou melhor dizendo, o desenho de um.

– O quê?! – Jake questionou, e repentinamente as palavras de Dekhi surgiram em sua mente.

Elas mostrarão o caminho para o despertar do dragão negro.

“Dragão negro...? E um dragão surge em minhas costas?”.

– Seus ferimentos também... Cicatrizaram. Não há nem sinal deles... – O tom de voz da mulher era embasbacado. - Mas novamente... Estavam aí hoje de manhã... Não tem lógica de terem cicatrizado tão rapidamente em apenas algumas horas!

– Mas... As minhas costas estão doendo...

Nero estendeu a mão e tocou diretamente na asa direita do dragão, e Jake imediatamente crispou-se de dor.

– Bem, é... O dragão que está doendo, então...

Jake olhou para baixo, e seus olhos capturaram algo que estava sobre suas pernas, mas meio escondido sob a manta que o cobria. Puxou ligeiramente, vendo o tecido prateado quase idêntico ao de Nero.

“Dekhi...” o amuleto aqueceu-se ligeiramente contra seu peito. “Não... Perizad?”.

Sentiu-o aquecendo mais uma vez, como se afirmando sua presença ali. Lembrava-se vagamente do mito da fênix ser capaz de curar qualquer ferimento ou doença com suas lágrimas, e recordava-se de Perizad voando em sua direção enquanto parecia verter lágrimas.

... Aquilo não fazia sentido. Não havia ocorrido em sua mente?

– Eu... Não sei o que aconteceu. – murmurou confuso.

Agaumine não respondeu. Ao retirar as bandagens que também haviam em suas pernas, percebeu que assim como suas costas estavam completamente curadas, embora ainda sentisse dor de certa forma. Porém, com aquilo, a Talbordai simplesmente lhe passou uma espécie de túnica curta para que vestisse em adição a calça que já usava, dizendo que poderia sair para se alimentar.

Quando se pôs de pé, precisou se segurar em Nero, pois rapidamente perdeu o equilíbrio. Assim que conseguiu se estabelecer, acabou por pegar Rarac, já que este parecia incapaz até de levantar, e facilitava muito o fato de estar menor. Este ganiu fracamente, mas aceitou ser carregado, antes de irem para fora da tenda.

Sentiu como se a ficha caísse para si somente quando viu o deserto se estendendo a sua frente. O céu encontrava-se num tom irreal de azul escuro, e Jake surpreendeu-se ao ver quatro luas ao céu, cada uma aparentemente de uma cor. A que encontrava-se no ponto mais alto refletia a cor branca, mas ao mesmo tempo com um quê de verde, além de haver tantas estrelas no firmamento como nunca sequer sonhara em ver na Terra.

– É estranho não é? Quatro luas... – Nero comentou. – Me disseram que cada uma representa um continente, ou um elemento. Durante um trimestre cada uma se mantém firme no ponto mais alto.

– Esta deve ser a da terra, não?

– Sim. Parece também que estamos na época ideal para o plantio.

Seguiram para uma imensa fogueira armada no que pareceu ser o meio do acampamento, entre as tendas armadas envolta dela. Viu também alguns animais presos, como camelos, mas o que mais chamou sua atenção foram os cavalos. Parecia que assim como as pessoas ali presentes, eles compartilhavam o fato de possuírem chamas, suas crinas e pelos brilhando de maneira quase que charmosa enquanto comiam algo de sacas dispostas ao chão.

Avistou a sua mãe comendo próxima a fogueira, conversando com um homem. Depois de um tempo, percebeu que este homem era na verdade Arenai. Não o reconhecera imediatamente pois quando o vira estava trajado em roupas de assassino, além dos cabelos estarem bem presos, porém agora usava vestes muito mais apropriadas para uma árdua viagem no deserto, os fios ruivo aloirados caindo por seus ombros e por sua testa até a altura dos olhos. Ele os avistou primeiro que Nasi, que se encontrava de costas para os dois.

Ela se virou quando Arenai pareceu apontar. Mesmo ainda extremamente magra, sua mãe parecia infinitamente melhor do que quando haviam os encontrado. Estava limpa, os cabelos prateados penteados e presos a um coque, além do fato de vestir roupas que realmente a cobriam, embora não parecessem ser exatamente do seu tamanho. Nasi levantou e foi em sua direção, sendo que Jake sequer percebera que havia parado de andar. Ela o abraçou no momento em que encontrou-se próxima o suficiente.

Jake sabia que ela estava aliviada sem dizer nada, porém ele sentia-se mais aliviado ao vê-la bem depois de toda aquela situação na prisão. Depois dela tê-lo curado e perdido a consciência, era impossível não se preocupar.

– Filho, você está bem? – ela questionou assim que se separou ligeiramente, embora ainda segurando em seus ombros. Ela era uma mulher bem alta, já que era pouco menos de dez centímetros mais baixa que ele, o que era bastante coisa, considerando seus um e oitenta e seis de altura.

– Melhor, mas e a senhora? Estava presa há não sei quanto tempo...

Ela deu um riso reprimido.

– Eu poderia estar passando fome e tudo mais, porém você já ouviu qual é a pior maneira de se mexer com uma mãe?

– Mexendo com seu filho. – Nero respondeu quando um longo tempo se passou e Jake não respondeu. Repentinamente se sentiu estúpido por não ter pensado aquilo logo.

– E tanto você quanto Vannes estavam num estado terrível. – ela estremeceu como se não quisesse lembrar. – Mas não vamos tocar em assuntos desagradáveis, pelo menos não agora! Deve estar faminto, vamos!

Foram até a fogueira, e para a surpresa de Jake, além de Arenai, havia mais dois Bergais ali, embora mais afastados do fogo, mas ainda próximos o suficiente para se manter uma conversa. Estes debatiam algo acaloradamente que foi incapaz de compreender, mas foi outro homem que chamou sua atenção.

Ele parecia ter sua idade, porém sua pele era como se recoberta de tinta negra, a qual refletia um breve brilho de fogo, em seu rosto havia diversas pinturas sob seus olhos como se fossem chamas, também em tinta vermelha. Seus cabelos eram lisos e loiros, os olhos dourados, e das laterais de sua cabeça saíam um par de chifres cor de grafite, voltados para frente e recurvados para baixo. Olhando para baixo, tentou se manter indiferente ao ver que este possuía pernas absolutamente normais, mas cujos pés se atrofiava e formavam cascos de aparência terrosa, cujos apresentavam como se rachaduras que brilhavam como magma.

Novamente recordou de Rarac comentando que outras raças possuíam aparências ligeiramente bestiais. Tomando a gata torturadora e aquele rapaz, via que era verdade.

– Ora, é bom revê-lo inteiro. – Arenai cumprimentou quando se sentou à fogueira.

– É bom estar inteiro. – concordou. -... É bom te ver...

– Devo completar isto com um “acho”?

– Eu não quis dizer isto...

– ...Acho. – Nero completou, e recebeu um olhar fulminante em resposta. O que havia dado nele?

– Bom, não temos nada muito bom aqui, mas dá pra encher a barriga. Serve? – O garoto de chifres disse, lhe estendendo um pão branco, ligeiramente chato e circular. Aceitou-o, tentando não encará-lo novamente, ainda mais pelos fato de ter percebido que em suas mãos haviam apenas quatro dedos.

– Surpreso com Shobha? – Arenai questionou, fazendo-o olha-lo desconcertado. – Se você não possui nenhuma memória, é como se nunca houvesse visto um Vulcari.

– Não é exatamente isso, é que...

– Eu sou estranho? É, eu sei. – Shobha disse de maneira descontraída, dando de ombros.

– Eu não ia dizer isso, mas se quiser se descrever assim...

– Eu diria que ele é feminino! – Um soldado que encontrava-se próximo a uma tenda atrás de si exclamou, e Jake ouviu risadas de pessoas que eram invisíveis para si. Shobha bufou. Não entendeu o porquê da gracinha, já que o Vulcari lhe parecia bem masculino, ainda mais que ele possuía um corpo claramente magro e musculoso. – O que houve mocinha, quer uma bebida?

– Vá lamber a cauda de Slavir, cabeça de mula. – Shobha rebateu e pela expressão do homem, aquilo foi uma ofensa tremenda, mas ele não ousou ir para cima do outro. Jake continuava mais perdido que cego numa encruzilhada.

– Pelo tempo que passei com eles – Nero se inclinou para ele, murmurando de modo que mal o ouvia. – este é o “vá se foder” daqui, ou coisa pior.

– Eu não sei se fico surpreso com isso ou com você soltando um xingamento. – murmurou de volta.

– Podem fazer o favor de se calarem? – Arenai questionou e até mesmo as risadas pararam, ficando um silêncio quase medroso. – Ótimo, não precisamos de desentendimentos por aqui. Você – ele apontou para o soldado. – Sim, os chifres de Shobha nasceram na posição errada, mas ele é um Esben, então se quiser que sua cabeça continue ao pescoço, pare de mexer com ele. E você – apontou para Shobha. – pare de soltar maldições e impropérios aos quatro ventos, quanto mais retrucar, mais terão prazer em lhe incomodar. Se você matar um soldado, não me responsabilizarei. Está ouvindo?

–... Sim senhor. – este respondeu, mesmo que sua voz tenha soado ligeiramente emburrada.

– E você? – Voltou-se para o soldado, e Jake quase não acreditou quando ele se encolheu no que pareceu ser medo. O tom de Arenai não fora nem minimamente ameaçador, então... Por quê?

– S-sim senhor.

Jake começou a mordiscar as bordas do pão quando escutou um dos Bergais dizendo:

– Eu aposto dez peças que o Vulcari acerta um coice em um antes de chegarmos em Naif Na’il.

– ...Você quer me extorquir, certo?

– Claro.

Nero passou ao irmão um copo de barro, e este se surpreendeu ao sentir a superfície extremamente quente. Olhou para o líquido, e era algo extremamente consistente e brilhante, quase como metal fundido. O de cabelos prateados só fez um sinal indicando que bebesse e foi o que fez. Surpreendeu-se como era doce, embora fervente, entretanto lhe deu uma sensação de frescor quase como se bebesse água gelada.

– Acho que era de se esperar que o povo do fogo não bebesse água ou algo do tipo... – Nero cochichou.

– Vendo por esse lado... Realmente. – olhou para... Que quer que estivesse bebendo. – Mas acho que a ideia de beber água é mais agradável para mim.

– Bem, retornando... Creio que é melhor lhe avisar agora. Estamos a caminho de Naif Na’il, pois esta é a cidade que está servindo de base para o exército. Vamos chegar amanhã, talvez por volta do meio dia.

– Isso significa que que vamos entrar no exército.

– Isso mesmo.

– E vocês vão ser aprendizes do Arenai. Boa sorte. – Shobha disse. – Vão precisar.

Arenai lhe lançou um olhar cético, porém algo dizia a Jake que Shobha não estava exagerando.

– Vamos precisar... – Nero sussurrou, e assentiu.

Quando retornou a tenda para dormir, olhou uma vez para o céu estrelado e para as luas antes de entrar, para ter certeza de que realmente estava ali. Entrou no local, e ela era grande o suficiente para que os trigêmeos e sua mãe coubessem tranquilamente ali. Deitou-se, e suas mãos encontraram o tecido prateado, o qual puxou discretamente, encarando-o.

Sabia que mais situações difíceis viriam. E iria passar por todas elas.


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Notas finais do capítulo

Gente, eu me arrependo de criar o Dekhi, ô criaturinha difícil de lidar X.x O Akhir (a morte) é muito mais direto.
Pois bem, o que acharam? Críticas, elogios, dúvidas, tuuudo nos comentários!



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