Contos de Halloween escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 3
Um sonho dentro de um sonho - parte 1


Notas iniciais do capítulo

O que é sonho e o que é realidade? Podemos diferenciar uma coisa da outra? Por que nunca percebemos que estamos sonhando? Talvez porque no fim das contas, sonho e realidade sejam uma coisa só.

História dividida em duas partes.



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Sua leitura foi interrompida quando alguém bateu na porta do seu quarto. Ele levantou os olhos e ficou muito surpreso ao ver quem era.

– Oi, Toni. Sua mãe falou que eu podia subir. Você tem um tempinho? – Mônica falou com um sorriso meigo e tímido. Não havia como dizer não.

– Claro, gata! Pra você eu tenho todo tempo. Entra aí.

Sem nenhuma cerimônia, Mônica sentou–se na cama e Toni logo percebeu que ela usava uma mini–saia bem justa. Com certeza ela não devia estar ali para falar sobre a aula de química daquele dia.

– Sabe, Toni... eu andei pensando... será que o DC é o rapaz certo pra mim? Eu tenho andado com tantas dúvidas ultimamente...

Ao ver sua grande chance, ele resolveu aproveitar.

– O DC é gente boa, é o meu único amigo na rua de cima e tal mas... sei lá, ele é complicado demais e parece ter a cabeça virada!

– Você também acha isso?

– Pode crer! Você precisa de um cara mais direto, que diz sim quando quer dizer sim e não quando quer dizer não. (tipo eu, saca?)

Ela abaixou a cabeça por um tempo, pensou e voltou–se para ele com um sorriso.

– Hum... eu acho que você tem razão. Está na hora de mudar outra vez.

Ele mal acreditou na sua sorte. A Mônica se jogando assim tão fácil? Bom demais para ser verdade! Uma oportunidade tão única não podia ser desperdiçada. Claro que isso significava passar seu amigo para trás. Bem... o DC não era exatamente seu melhor amigo. Eles nem eram tão chegados assim.

– É isso aí, linda! esquece esse mané que ele não tá com nada. Vem cá, eu te ajudo a esquecer dele.

Toni a puxou para junto de si e beijou seus lábios avidamente, coisa que ele sempre quis fazer. Então um cheiro de coisa podre invadiu suas narinas e ele sentiu os lábios dela se desfazendo sob os seus. Ele abriu os olhos e gritou de pavor quando viu que estava beijando um cadáver em decomposição. A pele estava soltando dos ossos, havia larvas por todas as partes e ela exalava o cheiro mais tenebroso que ele tinha sentido em sua vida. O rapaz afastou–se rapidamente, mas uma mão podre segurava seu pulso com força.

– Você vai namorar comigo, Toni. – Uma voz rouca falou lentamente. – Vamos namorar até o dia das nossas mortes e além!

– Ahhhh, me solta! – ele puxou com tanta força que a mão dela se soltou do braço, permanecendo presa ao seu pulso. Ele correu para fora do seu quarto gritando por socorro e viu que estava em um lugar escuro e sombrio, repleto de corredores. Como tinha ido parar ali?

O rapaz corria desorientado, suando frio e respirando com dificuldade. Seus pulmões queimavam e seus músculos doíam.

– Socorro! Alguém me ajude, por favor! Me tirem daqui! – ele gritava saindo de um corredor para logo entra em outro. Aquilo parecia um labirinto sem fim. – Alguém me ajude! Socorro! Socorro!

Um clarão apareceu de repente, fazendo–o fechar os olhos. Toni acordou num sobressalto, sentando–se na cama rapidamente com o corpo tremendo, suando e seu coração parecia prestes a atravessar o peito. Seu quarto estava como sempre foi. Roupas espalhadas pelo chão, montes de gibis sobre sua mesa de estudos, pôsteres de banda nas paredes e um estoque secreto da revista “garotas de biquíni” escondido debaixo da cama onde sua mãe não podia ver.

– Fala sério, que sonho maluco! Argh, ainda sito aquele cheiro horrível! – ele afastou as cobertas e decidiu tomar um banho para ver se aquele cheiro desaparecia da sua memória.

Aos poucos as lembranças ruins foram dissipando. Afinal, foi só um sonho bobo, talvez conseqüência de ver tantos filmes de terror antes de dormir. Ele despejou um pouco de colônia nas mãos, esfregou e depois passou no rosto. Isso fez com que quaisquer resquícios de lembranças desaparecessem totalmente. Ele estava pronto para começar o dia.

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No corredor da escola, ele caminhava como se fosse o dono do mundo. Claro que ver a Mônica desfilando com o DC lhe deixou irritado, mas parte dessa irritação dissipou ao ver a cara de cachorro abandonado do Cebola ao olhar para ela. Ainda assim, aquela cena seria muito melhor se fosse ELE desfilando com ela.

– E aí, Toni?

– Fala, galera! – ele cumprimentou seus amigos alegremente e eles ficaram conversando no corredor até o início da aula. Talvez um pouco depois, já que ele não importava em chegar na hora. O sinal tocou, todos entraram nas salas e só o grupo permaneceu conversando. Regras eram para otários, não para ele.

– Então eu agarrei o panaca pela gola da camisa e falei “passa logo a grana senão eu quebro seus dentes!” Aí ele se borrou todinho, vocês tinham que ter visto! – um dos rapazes falou, arrancando risos dos outros.

Mas alguém apareceu para interromper a conversa.

– O que os moleques estão fazendo aqui? – Licurgo falou muito zangado. – Vou suspender todo mundo! Para diretoria agora mesmo!

– Qualé, diretor, a gente só atrasou um pouquinho e... ai! – um tapa foi desferido na parte de trás da sua cabeça.

– Se continuar respondendo, vai ganhar mais! Agora vamos!

Com toda má vontade do mundo, Toni seguiu o diretor irritado por estar sendo suspenso por algo tão bobo.

– Pô, gente, sacanagem... galera? – ele olhou para trás e viu que seus amigos não o seguiam. – Aê, só eu vou ser suspenso, é? – Ele virou–se para o Licurgo e pulou de susto ao ver o diretor segurando um grande machado coberto de sangue e olhando–o de um jeito muito estranho. Que brincadeira de mau gosto era aquela?

– Qualé, diretor, você tá pegando pesado! – o homem andava na sua direção com um sorriso estranho no rosto e seus olhos arregalados brilhavam com pura insanidade. Toni permaneceu no mesmo lugar, pois sabia que aquele sujeito podia ser louco, mas era inofensivo. Não era?

O machado foi erguido no ar e desceu rapidamente em sua direção. Por pouco ele não conseguiu desviar.

– Ô, tá doido? Quase me pegou! – sem responder nada, Licurgo tentou golpeá–lo novamente e dessa vez a lamina do machado rasgou sua camisa e fez um pequeno corte no seu abdome. Ao ver que aquilo era muito sério, Toni saiu correndo o mais rápido que suas pernas permitiam.

Só que dessa vez elas não permitiam muita velocidade. Era como se seus tênis fossem feitos de chumbo. Ele fazia um esforço monumental e mal conseguia sair do lugar. O louco, por outro lado, corria a alta velocidade e era só questão de tempo até alcançá–lo.

– Socorro, alguém me ajuda! O diretor ficou doido! – Licurgo apenas ria histericamente enquanto sacudia o machado tentando alcançar sua cabeça.

– Hahahaha! Será que se eu cortar seu corpo e depois passar cola, ele conserta? Estou louco para experimentar!

Ouvir isso fez com que seu medo aumentasse mais ainda e Toni tentou reunir todas as suas forças para correr e fugir dali. Ao longe, ele viu uma porta no fim do corredor. Poderia ser sua salvação se ele não estivesse correndo tão devagar. E ao invés de aproximar, a porta parecia se afastar a medida que ele corria. Licurgo o estava quase alcançando e ele já podia sentir a lamina fria do machado cortando sua cabeça.

– Dormindo na minha aula? Bonito, hein? Acorde, mocinho! Vamos! – uma voz distante falou e ele pulou de susto ao levantar a cabeça e deparar com o prof. Rubens muito zangado.

O rapaz tremia e ofegava fortemente.

– Muito bem, agora me responda: qual é a função da mitocôndria?

– Função do quê? Pega leve, professor! Hoje eu não tô legal não! Deixa eu ir no banheiro, vai?

Normalmente ele não faria isso, mas ao ver que o rapaz parecia nervoso e agitado, ele acabou permitindo. Toni correu para o banheiro e lavou o rosto várias vezes com água fria. O que diabos tinha acontecido? Ele dormiu na sala de aula e sonhou?

– Que viagem...

– Toni? Tá tudo bem? – DC perguntou entrando no banheiro preocupado com o amigo.

– Rapaz, eu nem te conto! Tive um sonho mó doido lá na sala!

– Que inveja! Queria poder dormir na sala e sonhar!

– Afe, você é pirado mesmo! – o sinal para o intervalo tocou e Toni deu um grande sorriso. – Já é! Vou vazar daqui agora mesmo!

Sem falar mais nada, ele correu para a sala, juntou suas coisas e deu um jeito de sair do prédio da escola, saltando o muro e ganhando a rua. Aquele não era um bom dia para ficar preso na escola. O que estava acontecendo? Um pesadelo era normal. Dois no mesmo dia já era estranho. Talvez um bom passeio, ir ao shopping ou então ler algumas revistas de graça nas bancas. Ele sabia como fazer isso.

– Opa, chegou a nova edição dos Super Incríveis! Agora o meu dia tá melhorando! – aproveitando que o dono da banca estava distraído, Toni folheou a revista sem nenhuma pressa. Em um dos quadrinhos, ele viu um grande monstro aparecer diante dos heróis. Era uma criatura horrível, de cor negra, cheia de tentáculos espinhosos e dentes afiados.

De sua boca pingava um líquido viscoso e muito ácido, capaz de corroer até o metal. Ele também disparava espinhos venenosos que na verdade eram ovos que quando eclodiam, soltavam larvas que devoravam a vítima por dentro.

– Essa edição tá demais! – ele murmurava lendo quadrinho por quadrinho. – Que monstro mais doido esse! Sinistro!

– Sinistro, rapaz, sinistro. Mais tenebroso ainda são os monstros que habitam dentro de nós.

– Como é? – Ele levantou os olhos e o dono da banca o olhava de um jeito muito estranho. – Qualé, tiozinho, eu tô só olhando valeu?

– Cuidado com os monstros dentro de você, rapazinho. Um dia eles saem, emergem e nos devoram.

– Tá, tá, eu compro a revista. – ele falou nervoso procurando o dinheiro no bolso da calça.

– Eles se remexem nas suas entranhas, você os sente lhe devorando por dentro. Depois furam sua barriga para sair. Mas eles ainda não estão satisfeitos e querem terminar de te devorar.

O rapaz começou a ficar com medo daquele homem estranho.

– Os monstros sempre querem sair e sempre saem... cuidado com os monstros! – a barriga dele começou a mexer e algo parecia querer sair, empurrando a pele para fora continuamente. Toni arregalou os olhos, deixou a revista cair no chão e afastou–se, ainda observando aquela cena esquisita.

Uma mancha de sangue apareceu na blusa do homem e aquela coisa continuava empurrando até abrir um grande buraco na sua pele.

– Eles sempre saem... sempre... – ele falou com a voz rouca antes de sua barriga arrebentar de vez, fazendo com que uma grande criatura saísse de dentro dela. A mesma criatura pavorosa que ele tinha visto na revista! Céus, que loucura era aquela?


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