Contos de Halloween escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 1
Dentro do armário


Notas iniciais do capítulo

Alguma coisa te olha no meio da noite e espera apenas que você baixe a guarda e fique indefeso. O que fazer? Fechar os olhos? Rezar? Gritar? Basicamente, é só o que a pequena Magali, com apenas sete anos, pode fazer.



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Magali virava de um lado para outro na cama, tentando conciliar o sono. Apesar de sua cabeça estar cansada, seu corpo recusava a dormir. Seus olhos não permaneciam fechados e quanto mais ela os forçava, mais eles doíam. A cama também parecia desconfortável e dura, como se tivessem colocado pedras dentro do colchão.

O que estava causando aquela crise de insônia? Teria comido demais no jantar? Ou seria culpa do cochilo que tirou de tarde depois do almoço? Podia ser isso, ou então a constante explosão de trovões e relâmpagos do lado de fora, que clareavam seu quarto de tempos em tempos seguidos de um estrondo desagradável. Ela, como toda criança, detestava relâmpagos e trovões. Primeiro porque era muito assustador. Segundo porque o medo sempre despertava o apetite. Se bem que tudo despertava seu apetite, exceto coisas nojentas e asquerosas.

– Ai, que droga! – ela resmungou afastando as cobertas e decidiu ir até a cozinha fazer seu segundo lanche noturno.

A casa estava escura e silenciosa. Ela ouvia apenas um ruído aqui e ali, vindos de lugar nenhum e ocasionalmente o som dos trovões. Para um adulto aquilo não era nada, mas para uma criança de sete anos era como estar dentro de um filme assustador. Ela andava com muito cuidado, como se seus passos pudessem acordar algum fantasma.

A geladeira estava repleta de coisas gostosas. Seus pais eram espertos e sabiam que uma geladeira vazia podia tirar o sono deles pelo resto da noite, pois ela não deixava ninguém dormir quando estava com fome. Havia bolo de abacaxi, frutas, um resto de lasanha, queijo, presunto, potes de iogurte e o resto do jantar daquela noite. Os legumes na parte inferior não a interessavam e ela não queria ter o trabalho de esquentar comida, então escolheu o bolo que lhe pareceu a opção mais apetitosa e fácil.

Em poucos minutos, sobrava apenas um prato vazio dentro da pia, que ela tinha lambido várias vezes até não sobrar o menor vestígio de bolo. Satisfeita e sentindo-se melhor, ela voltou para o quarto e enrolou-se nas cobertas esperando conseguir dormir tranquilamente. O som de um rangido fez com que seus olhos abrissem novamente e ela apurou os ouvidos. Seu coração batia descompassado e seus olhos, arregalados, percorriam o quarto com muito medo procurando algo diferente.

A única coisa que ela viu foi que a porta do seu armário estava aberta. Será que ela tinha esquecido de fechar? A porta abriu mais um pouco, rangendo de forma lenta e dolorosa. Seu corpo tremeu fortemente e ela puxou as cobertas até o nariz, mas manteve os olhos bem abertos e atentos a qualquer coisa que pudesse vir do armário. Magali não queria correr o risco de cobrir a cabeça e ser pega desprevenida.

A porta tinha aberto totalmente, mas ela não conseguia ver o interior do armário por causa da escuridão e os relâmpagos não ajudavam muito porque a porta do armário não deixava que iluminassem seu interior. Aos poucos, ela foi se acostumando e pode identificar a silhueta de algumas roupas penduradas nos cabides, um monte de cobertas dobradas e outras coisas que não dava para ver por causa da escuridão.

Algo então brilhou fracamente, fazendo com que ela gemesse baixinho sentindo a garganta seca e gotas de suor escorrendo pelo rosto. Era um brilho bem fraco e no início ela pensou ser somente sua imaginação. Não era. Algo brilhava dentro do armário, como os olhos de uma criatura. Não... não eram olhos, pois o brilho era um só e não dois. Ela via apenas esse pequeno brilho. Com o que se parecia? Talvez com os olhos do Mingau quando brilhavam no escuro, porém um pouco menos nítido.

O brilho estava lá, ameaçador, assustador, como se quisesse saltar do armário para lhe atacar. Quando mais ela olhava, mais nítido ficava. Um relâmpago iluminou o quarto, seguido de um trovão. Isso, mais aquele brilho estranho dentro do armário, fez com que seu medo chegasse ao limite.

Um grito agudo de menina ecoou pela casa e Magali escondeu debaixo das cobertas tremendo, chorando e suando frio. Passos no corredor, a porta do quarto abriu e a luz acendeu após um click.

– Filha, o que houve? Magali? – uma voz de mulher chamou do lado de fora do casulo de cobertas e ela colocou a cabeça para fora timidamente, fungando e soluçando.

– Você teve um pesadelo, não foi? – Carlito perguntou afagando seus cabelos paternalmente.

– Tem um monstro no meu armário, papai! Olha!

Eles olharam e viram apenas uma pequena pilha de brinquedos que tinham sido colocados ali dentro por preguiça de arrumá-los melhor. Lili abriu totalmente a porta e mostrou.

– Não há nada aqui, querida. Só alguns brinquedos que certa mocinha não guardou onde devia! – ela terminou num tom de leve reprimenda. Ao ver que ela não se acalmava, o casal gastou os próximos dez minutos lhe explicando que não existiam monstros dentro do armário e que tudo tinha sido apenas um sonho ruim.

Seus pais explicaram que durante a noite, as sombras podiam ser confundidas com criaturas assustadoras e as cores podiam mudar, confundindo sua imaginação. Tudo ia ficar bem, não havia com o que se preocupar. Apesar de se sentir insegura, Magali resolveu confiar em seus pais e concordou com eles.

Ela se aconchegou debaixo das cobertas, sua mãe afofou o travesseiro e beijou sua face, sendo imitada por seu pai. Após desejar boa noite, os dois voltaram para seu quarto ansiosos por mais umas horas de sono antes de acordarem para mais um dia duro de trabalho.

A luz foi apagada e o quarto ficou escuro novamente. Escuro e silencioso, com as sombras projetando formas sinistras que aos seus olhos pareciam criaturas horrendas prontas para atacar. Do lado de fora, a chuva tinha diminuído, com os pingos apenas tamborilando as latas de lixo.

Novamente sozinha no quarto, Magali puxou a coberta até o nariz sentindo o medo doer até em seus ossos. Por que ela não conseguia relaxar? Por que não conseguia apenas fechar os olhos e cair no sono? Era como se dormir lhe deixasse desprotegida e a mercê de qualquer coisa que pudesse sair da escuridão para lhe atacar.

Respirando com dificuldade e sentindo a garganta apertar com um choro iminente, ela começou a examinar o quarto com os olhos, examinando as paredes, os móveis e os brinquedos como que procurando por qualquer coisa fora do normal. Aos poucos seus músculos foram relaxando, o aperto na garganta desapareceu e a respiração voltou ao normal. Seus pais estavam certos, não havia nada de mais ali. Seus olhos foram fechando aos poucos e de vagar, muito cuidadosamente e tudo ficou confortavelmente escuro.

Quando estava quase caindo no sono, ela ouviu um som estridente, um som dentro do quarto. Seus olhos abriram na mesma hora, arregalados e vidrados fixamente na porta do armário, que abria lentamente, gemendo e rangendo, revelando aos poucos a escuridão que ela não queria ver.

E o brilho estava novamente ali. Sinistro, assustador, pronto para lhe atacar e fazer algo muito ruim. Sua boca abriu, mais seca do que nunca e seu corpo tinha gelado de medo, esperando que a qualquer momento aquela coisa fosse saltar do armário para lhe atacar. Era mesmo uma coisa? Lá no fundo, ela tinha a esperança de que não fosse nada. Seus pais disseram que não havia nada ali. Então por que ela sentia aquele medo selvagem e irracional?

Por que seu corpo tremia? Por que ela sentia o perigo rondando seu quarto? Por que o ar estava tão pesado, morno e com um cheiro rançoso de coisa velha e molhada?

O brilho se intensificou e diminuiu, intensificou novamente e diminuiu, como se fosse um olho piscando, observando sua presa. Seu queixo tremia, fazendo com que seus dentes batessem levemente.

Um vento forte soprou do lado de fora e junto com ele um sussurro. Não seria sua imaginação? Era só o vento e ela estava imaginando coisas!

Gelada de medo, ela continuava olhando o armário esperando que aquele monstro saísse a qualquer momento. Mas ele não saiu e os sussurros foram se tornando cada vez mais audíveis.

– Eu estou te vendo, estou te vigiando. Não importa quanto tempo passe, eu estarei bem aqui lhe vigiando!

A voz apenas sussurrava bem baixo e ela sabia que os sussurros vinham do armário. Eram apenas sussurros e ela não conseguia ouvir a voz por detrás deles.

– Não adianta chamar seus pais, porque eles sempre vão embora e te deixam sozinha nesse quarto escuro!

Magali queria gritar, correr, se esconder, chamar a Mônica, mas permaneceu imóvel com os olhos vidrados naquele brilho estranho que parecia falar com ela.

– Uma noite, um momento, quando você menos esperar, eu estarei muito perto de você, Magali! Muito mais perto do que agora! Fique atenta!

Uma lágrima escorreu pelo rosto dela.

– Eu sempre estarei te vigiando!

Um trovão se fez ouvir novamente, distraindo sua atenção por dois ou três segundos. Ela olhou novamente para o armário e o brilho estranho tinha desaparecido. Teria sido apenas um sonho? Sua imaginação? Pela primeira vez, ela tomou coragem e se levantou para fechar a porta do armário.

Seu corpo ainda tremia, o suor escorria pela sua testa e ainda havia lágrimas nos seus olhos. Por um instante, Magali achou que nunca mais ia conseguir dormir novamente. Meia hora depois, ela dormia num sono profundo, já que crianças esqueciam rapidamente.

Dentro do armário, no meio do escuro, algo ainda espreitava seu sono, só esperando pelo momento certo de agir caso fosse necessário.

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Bolo de fubá da tia Nena, pão quentinho com manteiga, café com leite, queijo e banana amassada com mel e aveia. Magali comia tudo avidamente, totalmente esquecida da noite mal dormida que teve e do brilho estranho no armário. Decerto era um pesadelo sem nenhuma conseqüência. De qualquer forma, o café da manhã era muito mais atraente para ela do que lembranças vagas e ruins de sua imaginação lhe pregando peças.

– Como está minha princesinha essa manhã? – Carlito perguntou bem humorado ao ver que a filha comia com apetite. Bem... isso não devia ser novidade.

– Eu tô bem, pai.

– Que bom! Agora eu preciso trabalhar.

Ele despediu-se da filha com um beijo na testa, depois da esposa com um selinho nos lábios e foi trabalhar. Lili também foi começar suas tarefas daquele dia e após terminar o café da manhã, ela ouviu alguém batendo na porta da sala.

– Oi, Magali! Quer brincar de boneca? – Mônica e Denise lhe convidaram. Denise segurava uma boneca de cabelos ruivos iguais aos seus, também presos numa Maria Chiquinha. Já Mônica levava o Sansão, pois não largava dele.

– Quero! Espera que eu volto já!

Ela correu para o seu quarto afobada e alegre.

– Menina, que pressa é essa?

– As meninas me chamaram pra brincar de boneca.

– Está bem, pode ir.

Após uma busca rápida pelo quarto, Magali perguntou.

– Cadê minha boneca? Ela não tá aqui...

– Olha no armário, ué! Você tem mania de jogar seus brinquedos lá dentro e depois esquece deles! Uma hora eles vão acabar estragando!

Ignorando as reprimendas da sua mãe, Magali abriu o armário, sentindo um arrepio estranho percorrendo sua espinha. A lembrança da noite anterior voltou a sua mente, fazendo seu coração bater de forma desagradável. Mas a impressão ruim logo se desfez quando ela encontrou o que estava procurando.

A boneca estava sentada, com as costas apoiadas na pilha de brinquedos guardada displicentemente. Um pedaço de pano cobria parcialmente seu rosto, deixando apenas um olho de vidro a mostra. Ela pegou sua boneca preferida, jogou no ar duas vezes como quem brinca com um bebê e falou alegremente.

– Você quer brincar comigo? Ah, claro que sim, né? Vou fazer comidinha gostosa pra você!

Ela saiu do quarto levando a boneca nos braços, com o rosto apoiado em seu ombro. Do seu cesto, Mingau viu sua dona sair para brincar e ele logo ficou alerta ao ver os olhos da boneca vidrados nele, como uma grande ameaça a espreita. O gato arrepiou os pelos da cauda e das costas, rosnando e mostrando os dentes. A boneca o olhou de volta e embora não pudesse rosnar, seus olhos brilharam ainda mais hostis e raivosos.

Magali não percebeu a raiva contida no rosto da boneca, nem a hostilidade do gato. Ela apenas foi brincar com suas amigas com fazia todos os dias, levando a boneca de que mais gostava no mundo. Sua querida Maricota.


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