O Amor Contado Em Histórias escrita por Vega Sage


Capítulo 2
O Amor e a Humanidade


Notas iniciais do capítulo

Fomos criados com amor de deuses antigos... A humanidade criada para adorar o que lhes é dado!!!



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Dois deuses cozinheiros preparavam suas receitas de sentimentos e virtudes, que seriam servidas à Humanidade num opíparo jantar no Olimpo. Um deles era especialista em doces, o outro em salgados.

Já estava posta a mesa e seria farto o repasto, mas os dois deuses antagônicos não estavam satisfeitos. Faltava o prato principal. - Observa a mesa.

Parece que provaste muito da receita de tua inveja, pois tudo o que eu criei inspirou-te outra coisa contrária-protestou o doceiro.

– Ora, foste tu que exageraste no glacê que cobre a tua soberba. Estás por acaso preocupado com que, findo o repasto, só se recorde a Humanidade de minhas iguarias? - Pelo contrário: temo que o sal e o amargor de teus temperos entorpeçam o paladar da convidada, antes que ela possa se deliciar com minha arte culinária.

– O que fazes é tudo doce que, de tão açucarada enjoa. Será enganada a Humanidade, se abusar no regalo de tua falsidade, pois o sabor que alegra o paladar destempera depois o estômago e deixa o fígado de mau humor.

– Na verdade, tanto fizemos para satisfazer a convidada que saíra daqui sem qualquer impressão do banquete. Um sabor se contrapondo a outro, vai-se tudo eliminado, e a Humanidade de nenhum gosto se recordará.

– Proponho prepararmos juntos um prato principal que reúna de cada qual o que de melhor pudermos criar.

– Embora seja uma receita de boas intenções, parece-me um quitute improvável. Somos por princípio tão antagônicos que não sei o que resultará do combinado: uma sopa, ou um assado?

– Se saberá, quando feito estiver.

E, tendo assim concordado em suas discordâncias, puseram mãos à massa.

– A pimenta do desejo ponho com muito gosto, para que o prato acenda o fogo no coração de quem o prove- falou o salgadeiro.

– Vai com calma! É bom acrescentar estas folhas de hortelã de recato, para que esfrie um pouco o arroubo do esganado e mantenha-o à distância de outro bocado.

– Ora, como conhecer o sabor sem provar um generoso naco? E que seja evidente ao mundo quem do fruto tenha provado. Por isso, que exale um aroma ardente, e ponho na receita uma réstia de alho.

– Pelos deuses do borralho! Quem suportaria tanta indiscrição? Para amenizar a dose, ponho dois punhados de cravos de dissimulação-tornou o doceiro.

– Ah, que seja um sentimento duradouro, senão infinito! Por isso, que tenha a consistência de osso... ou de goma que nunca se finde.

– Que prazer se encontra em roer um infindável osso? E se no inicio tem a goma um paladar que extasia, com o tempo só restará o bagaço insosso. Que seja fugaz, é o que sugiro, e por isso será sempre desejável. Que tenha a consistência de suspiro.

– Então, que seja um sentimento de que a Humanidade jamais se farte. De forma que quanto mais dela se coma, mais se queira extrapolar a medida.

– Pões em tudo exibicionismo em excesso, e por isso o caldo será entornado. Por mim, que seja um sentimento mais cheio de pudor, que tenha o doce recheio do sim com a cobertura amara do não. Que o pouco que dele se prove seja o suficiente para uma vida inteira.

– Isso é uma grande asneira! De inanição esse prato há de matar alguém, eis o fato. Por conta de boa dose de ilusão na receita, a Humanidade sairá da mesa insatisfeita.

Resultou tudo numa iguaria indescritível, que ora tinha consistência, peso e tamanho, ora se desmanchava, esvanecia-se em vapores, quiseram os cozinheiros provar o prato e decidir se servi-lo era de algum interesse.

– Embora ache meus quitutes magistrais, admito que teu toque deu ao novo sentimento criado um indizível sabor. Diria que é incomparável esse Amor.

– O mesmo afirmo. Minhas ambrosias têm sabor insuperável, mas ganhou o Amor um excêntrico paladar de que desconfio, mas, para ter certeza, peço mais.

E, com os dedos gulosos, levaram à boca mais um bocado da iguaria.

– Não, pensando bem, não está bom. Jamais deveria ter-te convidado para meu chefe de cozinha. Teus exageros desandaram a receita.

– Que ousadia! Embora não reconheças, pois a ilusão, que colocaste em demasia, ofusca tua visão e entendimento, é tua parte do revirado que tem o gosto estragado.

– Ah, ainda há pouco elogiavas, dizias maravilhas. Estás acaso inebriado pelo rum de tuas fantasias?

– Pobre de quem provasse o angu que fizeste, se nele eu não salpicasse arroubos e ciúmes a gosto.

– Ah, mas confessa: resta na boca um gostinho picante... Não, não, é um doce suave de coisa que já se foi. Digo que há humor nessa receita.

– É verdade, tem graça a coisa, depois de já digerida. Para ser sincero, mais do que graça, há nela um quê de ridículo. Não sentes vergonha do sarapatel que fizemos?

– Não me preocupo, acrescentei duas medidas de fingimento e mentira nesse chouriço, e só desdém é o que terei pelo que resultar disso.

– Costumam ser bem indigestos, tais temperos. Ainda bem que leva o prato um toque de sinceridade e arrependimento.

Ainda discutiam os deuses sobre o resultado da obra e a conveniência de servi-la à convidada, quando esta entrou e, muito esfomeada, pelos anfitriões não esperou. De tudo comeu um bom bocado, inclusive daquele quitute inusitado chamado Amor.

Foi-se embora, deixando no Olimpo, ainda aos brados e abraços, os deuses antagônicos entre si apaixonados.


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Notas finais do capítulo

A fome e o amor são os dois eixos do mundo.
Espero que tenham gostado



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