Obsessão escrita por J Reck


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Como prometido, aqui está o capítulo novo no horário programado. Espero que gostem. Boa leitura!



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Era bom ter Abigail por perto, e não era só Dora e Maurice que achavam aquilo. Para os empregados, a vizinhança e as pessoas que moravam na vila ali perto, a melhora de Doralice era visível e o mais incrível era que Abigail estava em Arles fazia apenas quatro dias e, em cada um desses dias, Doralice insistiu para sair de casa e passear.

Para Maurice, a casa tinha muita tristeza e Abigail mostrou que lá fora tudo era diferente a cada dia. A irmã mais nova concordava e por isso, nunca recusava a sair com Dora.

Então eles achavam que Dora procurava alguma felicidade, uma alegria fora de casa. Quase isso. Era verdade que Dora procurava por algo e que esse algo era alegria, mas não do jeito que eles pensavam. Ela procurava por Laura e sua filha. Sua filha.

A melhora de Dora, mesmo que repentina, não incomodou a ninguém. Clamaram muito para que ela ficasse melhor. Estava desconfiadamente bem, mas ninguém se importou com isso.

– Deixe-me adivinhar. Você quer sair hoje. - Abigail apontou para a irmã com um garfo quando a viu chegar na copa para tomar seu café.

– Hm... Sim, mas não agora. - sentou-se, de frente para a irmã. - Temos ido muito cedo. Que tal as uma? Assim pegamos o sol mais quente nesse outono.

– Por mim, tudo bem.

– Isso é incrível. Quem diria que um passeio faria tanta diferença. - foi a vez de Maurice falar, olhava para a esposa e a cunhada com orgulho.

– Abigail estava aqui no dia certo. Foi bom visitar aquela feirinha, eu só precisava ver a coisa certa.

– O que viu? - perguntou o homem.

Em sua mente, Doralice a visualizou perfeita e nitidamente. Aqueles olhos tão bonitos e barriga tão formosa. Podia ouvir sua voz com clareza. “Eu sempre gostei do nome Madeleine. É lindo”.

– Uma nova esperança. - respondeu por fim – Ainda sinto muita falta de minha filha, mas é temporário.

Ela não disse como se a vontade de ter a filha fosse passar, era como se sentisse saudades de um primo que foi viajar e logo voltaria. Ela mesma sentiu isso em seu tom e ficou preocupada. Não queria que ninguém adivinhasse seus pensamentos.

– Claro que é temporário, querida. Mas é um grande primeiro passo. - disse Maurice, tomando o último gole de seu café.

– C-claro... - ela sorriu e então, voltou a servir-se para o café da manhã.

Encerrando a conversa, trataram de encerrar a refeição em silêncio. Depois de algumas horas almoçariam, mas Maurice já estava em cima da hora.

Deixou as senhoras na sala e foi para o quarto terminar de se aprontar. Ele entrou no quarto indo direto para o armário pegar o paletó, mas logo notou que estava sem as abotoaduras. Deu meia volta e foi para a escrivaninha. Havia quatro gavetas, duas de cada lado, o lado esquerdo pertencia a ele e o direito, a Dora.

Nada encontrou em suas gavetas. Talvez tivesse se confundido na noite passada e guardou na gaveta da esposa. Ele a abriu e realmente as encontrou lá, e algo mais.

O misterioso caderninho de couro preto de Doralice. Estava quase aberto, como se tivesse sido jogado lá. Então lembrou-se que, na noite passada, entrou no quarto e Dora estava escrevendo, mas assim que o viu, guardou o caderno com muita pressa ali, talvez tenha se esquecido de pôr no esconderijo real.

Era errado ler as coisas de sua esposa e sabia disso, mas Maurice ainda tinha medo de que Dora estivesse escondendo algo como escondeu a boneca. Ele pegou o caderninho e o abriu, começando a ler a data, a descrição de seu dia, até chegar em uma parte que dizia algo sobre Madeleine. Infelizmente, ou felizmente, não pôde ler.

– O que está fazendo com isso?

Virou o rosto já imaginando a expressão raivosa de Dora, mas era Abigail, não que aquilo fosse menos pior.

– É, e-eu só estou...

– Invadindo a privacidade da esposa. Ora essa, Maurice. Com certeza é uma atitude que eu não esperava de você. E olha que minha irmã me contou que você a ameaçou de morte. - os braços cruzados mostravam sua seriedade.

– Aquele não foi um bom dia pra ninguém e não foi sério. - ele fechou o caderno e apontou para ela. - Não negue. O que Dora escreve aqui também te mata de curiosidade. Não quer mesmo saber?

– Querer não é poder. - tomou-lhe o caderno da mão e guardou na gaveta onde estava. Maurice a olhou desconfiado.

– Como sabia que estava ali? - ele perguntou. - Não estava até a noite passada. Acordou muito cedo hoje, Abigail? - ele tinha um sorriso sarcástico nos lábios finos, era como pegar uma criança rabiscando na parede da casa da avó.

– O que está insinuando? Que o li? - ela também sorriu da mesma forma. - Digamos que você esteja de frente para uma escrivaninha com apenas uma gaveta aberta e que tem pertences de Doralice nela. - esticou um pouco o pescoço e viu algumas coisas da irmã lá dentro. - Devia sentir-se envergonhado.

E sentia-se. Um pouco. Um dedo de desconfiança ainda lhe cutucava.

– Certo. Perdoe-me. - ele sorriu normalmente. - Prometo que não lerei o diário de minha esposa.

– Com a mão no peito!

Maurice depositou a mão direita no peito onde batia seu coração.

– Eu prometo. - arqueou as sobrancelhas.

– Ótimo, agora pode se arrumar. Não esqueça as abotoaduras. Essas de prata são bonitas.

– Não, elas que causaram toda essa confusão. Eu vou procurar outras.

– Como quiser.

Abigail sorriu e saiu do quarto, indo para o quarto de hóspedes onde ela estava dormindo. Ela pegou sua bolsa dentro do armário e tirou de dentro dela um caderninho vermelho e velho. Era seu diário. Abriu onde o marcador sujo jazia e leu algo. Respirou fundo, parecendo preocupada. Logo o guardou e foi para o banheiro, onde estava indo desde o começo.

Doralice tinha razão. Aquela hora era melhor para sair, o sol estava bom, nem quente demais nem escondido demais. Elas sempre passavam pelo mesmo caminho, as mesmas ruas. Abigail sempre enfiava o salto no mesmo paralelepípedo quebrado no beco com escada.

– Gostou mesmo da vila, não foi? - perguntou enquanto tirava o salto preso da pedra no chão.

– É bem agradável. Prometo que iremos para outro lugar, mas passemos pela rua da feirinha primeiro, tudo bem? - ela olhou para a irmã, mais ordenando do que pedindo.

Abigail não respondeu nada.

Andaram um pouco mais quando, do nada, foram paradas por um rapaz. Ele tinha pele bronzeada, cabelo loiro escuro e olhos verdes e aflitos.

– Sinto atrapalhar o passeio, senhoras... Oh! Senhora Champoudry, a primeira-dama! Sinto muito, mas preciso de ajuda. - ele falava rápido e ofegante.

– Acalme-se homem. Diga no que podemos ajudar. - disse Abigail. Dora estava impaciente, não queria perder tempo com um estranho naquele momento. Ele provavelmente pediria algum trocado para almoçar ou comprar cigarros, achava isso porque não reparou no belo terno que ele usava.

– Estou procurando por uma moça. Ela tem cabelos bem pretos, olhos azuis, está grávida. Seu nome é...

– Laura. - Doralice completou, agora prestando atenção.

– Laura! Isso! A senhora a viu?!

– Não! O que houve com ela?!

– Ah céus... - ele levou as mãos ao rosto, cansado e frustrado. Teve esperança por dois segundos. - Ela fugiu essa madrugada. Céus! Ela está de oito meses, não devia ter fugido! Não devia!

O coração de Doralice quase caiu pela boca. Quando recuperou o folego, disse:

– Temos que encontrá-la

– Temos? - a irmã a olhou com confusão. - Dora, não é problema nosso. - ela sussurrou e falou entre os dentes para que o rapaz não a ouvisse.

– Por Deus, Abigail! A menina está grávida!

– Olhe, meu nome é Bernard. Eu já procurei por todo lugar, já chamamos a polícia, a vila inteira está procurando, há gente em toda parte da cidade. Eu não quero incomodá-las, se pudessem alertar os vizinhos já seria ótimo.

– Faremos isso. Tenha uma boa tarde.

– Abigail, aquiete-se!

– Dora, não ouviu o homem? Não podemos ajudar em nada agora, já estão fazendo tudo que podem. Vamos continuar andando e se a virmos, avisamos ao Leonard.

– Bernard. - ele corrigiu. - Sim, é o bastante. Estamos procurando há horas. - ele suspirou. - Por favor, me avise se souber de qualquer coisa.

– Claro que sim. Boa tarde.

Bernard voltou a sua busca e Doralice começou a andar muito rápido, deixando a irmã para trás.

– Ei! Onde está indo?!

– Disse que continuaríamos andando.

– Não é uma maratona! - respondeu. Estava quase a alcançando quando viu a cena mais bizarra. A irmã se agachou e tirava os saltos. - Mas que diabos faz agora, Doralice Moreau?

– Não posso andar com isso. - se ergueu com os saltos em ão. - Vamos, devia tirar os seus também.

– Nunca! - indignou-se. - Dora, não é hora de pensar nos outros. Isso soa egoísta, mas você está passando por um processo difícil, tem que se importar mais consigo mesma, seu bem-estar.

– Ora, eu estou ótima! - ela voltou a andar, Abigail a seguia. - O que me fará melhor? Encontrar Laura e Madeleine.

– O que? Espere! - desta vez gritou.

Dora parou e voltou-se para a irmã.

– O que quis dizer com “Laura e Madeleine”? - ela se aproximou, olhando ainda mais confusa para a irmã.

– Laura e sua filha, ora. A menina se chamará Madeleine. A avó disse. - respondeu, com muita calma. - Vamos, por favor.

Dora voltou a andar novamente. Abigail viu que não teria como pará-la, apenas a seguiu como pôde.

Andaram mais que o normal, foram para outras vilas e outros bairros. Abigail viu que marcava três horas em seu relógio e o céu ficava escuro, enfeitado de nuvens cinzas enormes por ele todo.

– Deveríamos ir, choverá logo. Seus pés devem estar um caco.

– Onde será que aquela menina se meteu? - andavam mais devagar, tinham dado uma volta e voltaram para a vila da feirinha, mas por outro lado, elas nem perceberam.

– Por que se importa tanto? - aquela preocupação que ela compartilhou com Maurice após o primeiro passeio estava voltando, Dora não era de se importar tanto com uma estranha que viu apenas uma vez, mesmo que esta fosse especial.

– A menina pode estar em trabalho de parto! Que cuidados terá ao dar a luz, sozinha ainda por cima? Não precisamos de outra tragédia. Céus, e se pegou um trem?!

– Dora. - ela entrou na frente da irmã e lhe segurou pelos ombros – Vamos para casa. Tome um banho e descanse. Vão achar ela e bem, certo? Já fizemos o melhor que podíamos e tem mil pessoas procurando-a. Agora, por favor, vamos. Maurice chegará logo em casa. Por favor.

Não era o que queria. A ideia de perder a filha novamente lhe dava dor no peito, mas Abigail tinha razão. Duas senhoras que não conheciam direito as redondezas e nem a moça sumida querendo ajudar em uma busca? Além do mais, Dora não era do tipo de pessoa que andava descalço pelo asfalto quente. Não relutou, apenas segurou no braço da irmã e tomou seu rumo de volta pra casa.

Era onze horas da noite, todos dormiam, todos exceto Doralice. Estava na janela vendo uma tempestade horrível cair. Estava de coração apertado. Fez Maurice ligar para a polícia e pedir para lhe avisar se encontrassem Laura, desde o jantar, nenhuma ligação.

Todos se preocuparam com ela e claro, com Laura, parecia importar muito para Dora, mas não podiam fazer nada.

Em meio aquela chuva, Dora viu algo se movendo na rua. Ela passou a mão no vidro para desembaçar e viu melhor. Praticamente deu um pulo de onde estava e correu, muito rápido. Se atrapalhou e quase caiu na escada.

Não se preocupou com a chuva. Saiu pela porta da frente e correu para o portão. De algum jeito, estava com a chave na mão, mas nem se lembrava de tê-la pegado.

– Ei! Ei! Menina! - tentava não gritar para não acordar ninguém, se já não tivesse acordado com sua correria. - Laura!

A moça, ensopada, olhou para Dora com os olhos semicerrados. Estava no outro lado da rua.

– S-senhora Champoudry?

– Entre aqui. Rápido! Vai sofrer um acidente com toda essa chuva. - disse enquanto atravessava a rua para alcançá-la.

– Estou indo para casa.

– Vã amanhã cedo. Não é seguro! Entre por favor, durma aqui.

Laura estava com medo da tempestade. Tinha fugido para a casa de uma amiga que negou tê-la visto naquele dia quando lhe perguntaram. A família de seu namorado, Bernard, queria que ela entregasse a filha para adoção, a obrigariam a isso, pois não queriam bancar a criança já que eles bancavam Bernard. Eram uma família rica, dona de uma rede de perfumes. Foi por isso que fugiu, mas queria ter conversado com sua família antes, poderiam defender-se. Por isso, no meio da noite, decidiu sair sem incomodar sua amiga – que morava sozinha em um apartamento pequeno – e, no meio do caminho, a tempestade veio fazer companhia.

Dora, em vez de levar a moça para dentro, a levou para uma casinha no fundo do grande quintal, atrás da casa. Era onde Dora fazia pinturas em tela, onde passava um tempo sozinha, isso antes de dar a luz à Madeleine.

Elas entraram e Dora fechou a porta.

– Aqui é melhor. Acordaríamos a casa inteira. - mesmo que tenha achado aquilo estranho, Laura não manifestou-se, Dora já estava a ajudando bastante, então apenas assentiu, estava ofegante. Sentou-se em uma poltrona ali. - Agora diga, por que fugiu de casa?

– A senhora sabe? - ela ergueu as sobrancelhas.

– A cidade inteira está atrás de você! Todos estão mortos de preocupação. - ela falava com impaciência. - Agora me explique, por favor.

– Querem tirar meu bebê de mim! A família de meu namorado. - apertou os olhos – Eu não pensei, eu só... Fugi. Querem dá-la para adoção quando nascer. Eu fiquei desesperada.

– Querida, eu entendo, é horrível a sensação de perder seu bebê, mesmo sem ela ter nascido. - ela disse, mais dócil – Mas pôs em risco sua vida e de Madeleine.

– Quem?

– Sua filha!

– Oh! - ela passou as mãos pela barriga, seu vestido estava inteiramente molhado. - Ainda não decidi o nome...

– Tem que ser esse.

A jovem ficou com medo da forma com que ela falou, como ela a olhava, o oposto do que estava há um minuto. Havia uma janela ali e dela, Laura pode ver que a chuva amenizava.

– Eu queria resolver isso logo, e isso de matar todos de preocupação me deixou mal... Eu vou para casa, Senhora Champoudry. - Laura levantou-se imediatamente, mas foi barrada por Dora, acabou perdendo o equilíbrio e sentou-se novamente.

– Fugiu e decidiu voltar para casa nessa chuva, quase matando a si mesma e Madeleine. Se for para casa, lhe prenderão até que dê a luz e então, roubaram a menina. Não tem escolha. Não posso deixar que ponha a vida do meu anjinho... - ela passou a mão pela barriga de Laura e esta se encolheu, tremia de frio e medo. - … Em risco.

Laura ainda não entendia o que estava acontecendo, mas estava muito assustada. Uma lágrima aqueceu seu rosto gélido e pálido. Seu coração estava batendo rápido demais, como nunca antes.

– Agora é por minha conta. - ela sorriu. - Eu cuido da minha filha agora.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, obrigada por ler e até sexta!