A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 21
Caminhos no Escuro


Notas iniciais do capítulo

"Bruxa, Demônio, Cria do Carniceiro, Devoradora de Homens, ela conhecia todos esses e dezenas de outros apelidos carinhosos que existiam para pessoas como ela. E afinal, alguns não estavam muito errados." Anne, a Ruiva.



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E viu caída no chão uma Rosa

Tão triste e desmilinguida

Presa numa maldição tenebrosa

Pobre, pobre, rosa querida

Já ouviram esse poema antes? É bem longo, à medida que passa, eu vou contando-o por completo. Eu lembro sim dele, moleque falador. Bem, onde estávamos na história? Lembrei.

Bruxa, Demônio, Cria do Carniceiro, Devoradora de Homens, ela conhecia todos esses e dezenas de outros apelidos carinhosos que existiam para pessoas como ela. E afinal, alguns não estavam muito errados. Muitas bruxas fizeram seu nome ligado a magia sombria, escondida muito fundo nos Vales Soturnos. Para essas bruxas, o povo de Sarkon deu um nome: Iräch’nas. É escrito numa língua muito antiga de Sarkon, esquecida até pelo tempo. Mas seu significado ainda permanece, Irmã da Noite. Mas a pobre Anne não era uma Irmã da Noite! Nem tinha relação com qualquer magia das sombras! Ela era apenas... desafortunada. Ora, ela nem mesmo queria ter esse poder no final das contas. Mas ninguém parecia entender a Ruiva, ninguém parecia querer entende-la. Por isso ela vivia fugindo, correndo, eternamente taxada de monstro.

Anne, a Monstra, pensou a ruiva, encostada dentro de uma tenda que o nobre Frey havia erguido. Era singela, montada às pressas, mas servia para o propósito dela. O marceneiro aliás, estava logo ali, do lado de fora da tenda, com um martelo de ferreiro que havia encontrado em algum momento. E o elfo Mark não estava muito longe não, via-se ele ali perto da floresta, sentado numa pedra, afiando a espada élfica. Para os demônios com esses aldeões malucos, não posso deixar me abater. A ruiva levantou-se e foi na direção da saída da tenda, Frey olhou por cima do ombro para ela.

— Melhor? — o carpinteiro deu um sorriso.

— Muito — disse, mesmo não se sentindo melhor —, descobriu algo sobre o seu irmão? — o sorriso de Frey se fechou.

— Não, mas Mark disse ter uma pista. Esperávamos você acordar para irmos atrás dele.

— Ótimo, já acordei, podemos ir — ela foi barrada pelo braço de Frey. — O que foi?

— Quando disse irmos, falava de mim e Mark — ele quase se arrependeu de dizer isso pela expressão que a Ruiva fez.

— Do que está falando? — seu semblante não era nada agradável, a mulher mal tinha dado um passo para fora da tenda e já estava se incomodando.

— Vai anoitecer em umas três horas, não sabemos para quão dentro da Floresta o Pete foi. Se anoitecer conosco lá dentro, vai ficar perigoso demais para você — ele queria poder parar o tempo, para escolher melhor suas palavras.

— Porque aqui não é nada perigoso, com um monte desses pirados querendo me jogar numa fogueira, não é?— ela nem perdeu tempo em continuar a discursão, empurrou Frey para o lado e seguiu caminho até o Elfo.

Como eu disse, Mark estava ali perto, sentado numa pedra, afiando sua Espada Élfica. Arma singular esta, assim como todas as armas élficas. Não se sabe muito sobre, mas o metal élfico é diferente do normal, tem certas propriedades mágicas. A mais conhecida de todas diz que uma lâmina élfica pode cortar qualquer coisa. Se é verdade ou mentira, apenas os elfos sabiam. Mesmo que muitos boatos de espadas élficas se partindo em duas num golpe circulassem por aí.

Vejam, Anne já chegou até Mark.

— Elfo — a ruiva falou, e ele limitou-se a levantar os olhos —, encontrou alguma pista?

O elfo passou a pedra de amolar na espada mais duas vezes, antes de levantar e embainhar a espada. Olhou para Frey, que vinha a poucos metros de distância atrás de Anne. Então falou e disse.

— Isso está cheirando a Goblin, é uma das poucas criaturas que são tão baixas a ponto de sequestrar uma criança. Mas nunca achei que veria esses monstrinhos por esses lados.

— Por que diz isso? — perguntou Anne.

— Eles vivem na Terra dos Elfos, não aqui. São nossos subalternos — falou, fazendo gestos com as mãos. — Não causam realmente problemas por lá, e quando causam são rapidamente punidos.

— Vocês abrigam essas... coisas? — perguntou a Ruiva, levantando uma sobrancelha em descrença.

— Abrigamos todos as criaturas da floresta, sem exceção. Afinal, vocês humanos tomaram as terras de muitas dessas “coisas”. — O Elfo não manifestava qualquer sentimento de culpa em suas palavras. Pois é assim que os Elfos são, e assim que eles sempre vão ser. Afinal, o nome de Guardiões da Floresta pertence a eles.

— Ta, ta, isso não importa. Encontrou ou não o rastro do Pete? — o carpinteiro estava com os braços cruzados, segurando o martelo de ferreiro numa mão. Deve pesar uns dez quilos, pensou o Elfo.

— Do seu irmão nada, mas achei rastros de Goblin. Foi logo pela... — foi interrompido pelo Frey.

— Onde? — Mark apontou a direção e o grandalhão seguiu, sem falar nada.

O espadachim e a ruiva ficaram lado a lado, observando enquanto ele ia se afastando apressado dos dois. Não apressado demais, pensou ele.

— Não acha que ele está calmo demais? — perguntou o Elfo.

— Sim, mas isso é bom — respondeu a Anne, que atraiu um olhar de dúvida de Mark. — Ou preferia um grandalhão ensandecido querendo derrubar a floresta toda atrás do irmão? — e seguiu caminhando atrás do Frey, em passos mais lentos.

O Elfo ficou observando os dois se afastarem, e então suspirou.

— Vamos lá então.

***

A Ruiva não estava nem um pouco satisfeita, nem um pouco. Mosquitos, aranhas, abelhas, insetos, insetos, insetos! Ela gritava no pensamento, enquanto tentava desviar de todas as teias de aranha. Que raio de floresta é essa? Onde estão os animais bonitinhos e cantantes?

Ela olhou para frente e viu o Obstinado Frey, e o Rastreador Mark. Era esses os apelidos que ela havia posto nos dois agora. E os invejava pela capacidade de ignorar totalmente todos os insetos daquela floresta. Olhava o Frey, e parecia que os mosquitos que sugavam seu sangue não faziam diferença alguma para ele. E o Mark, parecia até que os insetos abriam espaço para ele passar. Espere, eles estão abrindo mesmo!, pensou, quando viu uma aranha afastar sua teia para não tocar o Elfo.

Ela olhou o céu e viu que o Sol já estava querendo desabar no horizonte. A floresta que já parecia sombria com a luz, ficava cada vez mais assustadora a medida que ia escurecendo. E Anne notava que não era só ela que sentia isso, quando olhava para os lados, via os insetos desaparecendo, as aranhas se refugiando, parecia que até as árvores e plantas tentavam se esconder. Ela sabia disso, ela sentia a própria floresta conversando com ela. E esses dois imbecis não estão nem aí para isso, ela cruzou os braços, enquanto o frio começava a abraçá-la gentilmente. Será que não podem ir mais devagar?, ela tentou apressar o passo. O Elfo e o Carpinteiro já deviam estar a uns dez metros de distância.

— Ei! Esperem! — ela gritou, mas os dois pareceram não escutá-la. — Ei!

A Ruiva começou a correr, mas os dois não pareciam ficar mais próximos. Ou estavam correndo também, ou algo estava acontecendo, mas ela não sabia, já que a imagem do Elfo e do Carpinteiro parecia desfocada, distorcida. Como um espectro que não pertence a este mundo.

Ela correu, correu e correu, até cansar. Se abaixou, apoiando as mãos nos joelhos, enquanto arfava e o suor frio escorria. Que frio é esse?, ela pensou, e realmente estava frio. Tão frio que sua respiração saia em forma de vapor. Abraçou a si mesma, enquanto olhava para os lados. Quando que ficou tão escuro? Devia ter mais uma hora de Sol!, mas não havia mais Sol algum. Era um breu absoluto, nem as árvores há meio metro de distância ela via. Ela arriscou alguns passos, mas descobriu uma raiz que a derrubou. Tratou de levantar o torso e se arrastar até a árvore dona dessa raiz, onde ficou encostada, abraçando os joelhos. O que está havendo aqui? Onde é que eu estou?, ninguém responderia seus pensamentos, mas o silêncio era tanto que ela jurava que alguém poderia escutá-los. E o frio a envolveu mais.

— Alguém... Ajuda... — ela conseguiu murmurar.

Então, distante, plim, uma luz surgiu. Era uma bola de luz amarelada, do tamanho de uma noz. E mesmo assim, ela lutava com todas as forças para brilhar naquele breu absoluto. Minha luz no fim do túnel?, a Ruiva pensou, enquanto o brilho misterioso se aproximava dela. Anne ergueu a palma da mão, e o pequeno foco de luz pousou sobre. Era como uma joia preciosa, uma pequena esfera de brilho e calor. Um sussurro muito baixinho parecia vir dela, mas a Ruiva não entendia nada que estava sendo dito. O foco então alçou voo outra vez, e flutuando como se levado por uma brisa, foi guiando a moça pelo meio do escuro.

O caminho não foi nada fácil, cheio de armadilhas prontas para derrubá-la. Mas toda vez que encontrava medo em seu coração, a esfera de luz vinha lhe dar coragem. E assim foi por um longo tempo. Ou foi um curto tempo? Não se sabe, talvez não tenha demorado nem um minuto. Naquele momento, as regras do mundo não pareciam mais existir. Tempo e espaço não eram mais um só. Naquele mundo em que Anne estava, não existia mais floresta. Não havia mais Bravia, nem Adria ou Sarkon. Não existia monstros em guarda roupas, e nem mais o beijo de boa noite de seu pai. Não havia Frey, nem Damon. Apenas ela, o escuro, e o foco de luz. E ela o seguiu, até chegar naquele vilarejo.

Foi assim, do nada, que a pequena esfera brilhante explodiu numa luz que a cegou por um instante. E quando ela retomou as rédeas de sua visão, não estava mais na floresta, e não via mais os dois companheiros. E logo em sua frente, viu uma pequena comunidade ainda em formação. Um vilarejo. E olhando o céu, viu que o Sol ainda estava lá, quase se pondo, mas lá. Que raio?, ela olhou para trás, e só via a floresta. Voltou a olhar para frente.

É o que resta, e seguiu andando na direção do vilarejo.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela compreensão em relação ao nosso pequeno hiato, agradecemos com toda a sinceridade do mundo às forças maiores por terem nos dado leitores tão bons como vocês! Um brinde À Lenda dos Sete e seus maravilhosos apoiadores!



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