The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 4
Capítulo IV - Gabriel


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
Clara e Junior passam por uma perigosa falta de suprimentos. Durante uma caça nas ruas da ciade, a dupla se depara com outros três sobreviventes.



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A construção se erguia acima das outras com classe e elegância. Três prédios de pedra bem cuidados ligados por pontes, duas quadras inteiras, um jardim extenso na porção norte e uma barricada complexa cercando toda a propriedade. O ar ali cheirava a calma e tranquilidade. Pequenas colunas de fumaça se erguiam da construção e se dissipavam no céu pálido da manhã. Flâmulas e bandeiras se agitavam conforme o vento assobiava pelos telhados. Era possível ouvir o som de risadas e conversas animadas. O tipo de coisa incomum no fim do mundo.

O improvável refúgio protegido com muralhas se localizava a poucos metros da rua onde Gabriel e seu grupo estavam sendo caçados por uma vintena de mordedores.

A última bala restante de Hugo eclodiu de sua .17, derrubando mais um dos perseguidores. Estavam cercados, encurralados contra a fachada de uma livraria em ruínas. Bernardo segurava a faca de Gabriel nas mãos, sangrando profusamente na testa devido a um tombo durante a fuga. Hugo estava mais afastado, lutando contra os mordedores e ao mesmo tempo em que segurava Gabriel pelos ombros. Os dois descreviam arcos e cravavam as armas nos crânios apodrecidos, mas sempre apareciam mais para tomar o lugar. Estavam perdendo espaço. Faltava meros três metros entre os combatentes – que respiravam – e a parede esfolada da livraria.

Gabriel entrou em pânico. Seus pés – agindo com dificuldade por causa do ferimento – se atrapalharam com o meio-fio. Ele tombou de costas na calçada com toda a força que lhe restava. O ar saiu de seus pulmões. Sua cabeça atingiu o concreto de tal forma que estrelas pipocaram na sua frente. Ia morrer. Sabia disso agora.

Hugo gritou alguma coisa que Gabriel não conseguiu compreender. Estava acabado. Hugo era teimoso demais para ver. No mesmo instante, uma onda de amizade encheu o coração Gabriel. Seu melhor amigo estava ali, protegendo-o com todas as forças da morte iminente. Seu corpo reagiu ao grito de Hugo. Gabriel começou a engatinhar para trás, colocando-se quase colado com a parede da loja.

– Anda logo! – gritou Hugo, derrubando mais um mordedor com o pé de cabra – Pula a vitrine! Anda lerdeza!

Gabriel se pôs de pé com dificuldade. Sua cabeça sangrava e suas costas ardiam com a queda, mas nada era comparado ao ferimento aberto em sua perna. A dor que subia pelos membros inferiores era quase como uma praga. Ia se instalando aqui e lá, se espalhando por seus órgãos de forma traiçoeira e cruel. Seus pulmões já chiavam e seu coração batia mais fraco. Até seu cérebro estava mais lento devido ao tiro de raspão que sofrera. Ele sabia que devia fazer alguma coisa. Pular, se esconder, correr gritando por ajuda. Mas nada respondia a seus comandos. E, por alguns milésimos de segundos, Gabriel ficou ali parado, lutando contra sua dor.

E então, do meio daquele caos, surgiu a mão de Bernardo. O irmão mais novo agarrou a camisa de Gabriel e o puxou com toda a força para dentro da loja. Os dois rolaram pelo chão de cacos quebrado e se afastaram o máximo possível da janela. Hugo seguiu-os logo depois, aterrissando com um baque suave no piso imundo de poeira.

Houve apenas alguns segundos de calmaria. As portas da loja se abriram com um forte baque e um grupo de mordedores jorrou loja adentro. O mesmo ocorreu na vitrine. Hugo e Bernardo reiniciaram a matança, driblando os mortos-vivos e cravando suas facas em seus cérebros apodrecidos. Os dois trabalhavam muito bem juntos. Dividiam-se e se juntavam de forma simétrica, sem nem trocar olhares. Hugo chutava um mordedor no mesmo instante em que Bernardo espetava a lâmina da faca em sua testa. Gabriel ficou parado durante um longo tempo, admirando a força desconhecida do irmão e reconhecendo a coragem do amigo. Nunca saberia dizer o tempo em que ficou ali sentado. Provavelmente alguns segundos apenas. O suficiente para Gabriel se encher de adrenalina e partir para o massacre.

Utilizando a força que lhe restava, Gabriel se lançou contra a estante mais próxima, provocando uma avalanche de livros e madeira sobre os mordedores mais próximos. Hugo e Bernardo, estupefatos com a esperteza, derrubaram uma outra estante, esmagando quatro mordedores com o peso de enciclopédias e bíblias.

Restavam apenas seis mordedores. Gabriel arrancou um pedaço de madeira afiado da estante mais próxima, deu um grito primitivo, e se lançou ao inimigo.

O primeiro no seu caminho – um macho gordo sem metade das roupas – foi derrubado com tanta rapidez que até Gabriel se surpreendeu. Os outros dois caíram sob a junção de artes marciais e lascas de madeira. Os três que sobraram foram rapidamente liquidados, pois naquele instante, Hugo e Bernardo já haviam se recuperado do choque que era ver Gabriel lutando com pedaços de madeira.

O silêncio se abateu sob aquela livraria ferrada. Hugo olhava para Gabriel de forma estranha, algo como admiração e pena. Bernardo parecia indeciso, olhava ao mesmo tempo para a perna do irmão e a madeira em suas mãos.

– Cara, isso foi incrível! – disse Hugo, soltando uma risadinha – Mas, por favor, controle a adrenalina. Não temos recursos para outro curativo.

Gabriel olhou para o remendo feito em sua perna. A fita isolante estava frouxa e o pano ensopado de sangue. Já era possível ver as débeis tentativas de Hugo em costurar o ferimento com linha de costura preta.

– Ok, vou me controlar – disse ele, arfando ainda – E agora, aonde vamos?

A resposta de Hugo se perdeu para sempre no vazio. No mesmo instante, a fachada da lojinha explodiu com dezenas e mais dezenas de corpos reanimados invadindo o espaço apertado. Hugo gritou alguma coisa inaudível e apontou para as duas ultimas estantes em pé. Juntos, os três lançaram as estantes contra a massa de seres reanimados que forçava entrada pela vitrine.

– O que vamos fazer?! – gritou Bernardo, sua voz beirando à pânico – Não vamos durar muito tempo!

O par de olhos verdes de Hugo girava por todos os cantos, procurando uma saída alternativa.

– A porta dos fundos! – gritou ele, apontando para uma porta tão imunda que quase fazia parte da parede.

Gabriel contou até três em silêncio, e se lançou em uma corrida mortal até os fundos da loja. As estantes tombaram pelo chão, lançando diversos livros em todas as direções. Dezenas de mortos-vivos invadiram os destroços da livraria, esticando os braços e estalando as mandíbulas. Gabriel foi o primeiro a chegar, arrobando a porta com um chute que o explodiu de dor. Bernardo se lançou pelo corredor escuro, seguido de perto pelo irmão mais velho, Hugo e dezenas de mortos-vivos guiados pelo cheiro de tecido vivo.

A penumbra do corredor desembocou num pequeno estacionamento nos fundos da loja. Gabriel, Hugo e Bernardo seguiram em disparada, atravessando a extensão do estacionamento em cinco passos. A procissão de mortos continuava a seguir o trio, se espalhando por todos os cantos. Com um único movimento, Hugo endireitou a mochila nas costas, empurrou Gabriel para frente e carregou Bernardo nos ombros. O pequeno protestou, mas vendo que era o mais lerdo dos três, sua reclamação ficou no vazio.

Gabriel e Hugo – ainda com Bernardo nas costas – seguiram correndo por uma das ruas do centro, desviando das carcaças de carros espalhadas pelo asfalto. Conseguiram uma boa dianteira em relação aos mortos, mas ainda era possível ouvir o coro de gemidos e sentir o cheiro de podridão.

Bernardo foi o primeiro a notar.

A criança deu um grito tão alto que até Hugo não compreendeu as palavras. Bernardo apontou para um dos prédios no fim da rua, sorrindo como no natal. Hugo e Gabriel acompanharam com os olhos o dedo esticado do menino e deslumbraram a enorme construção que se erguia.

Os três prédios de pedra estavam parados a poucos metros de distância, ligados por pontes do mesmo estilo arquitetônico. A muralha que protegia o local era feita principalmente de caminhões tombados, pedaços de madeira, pneus e ferros pontiagudos. Acima dela, já era possível observar a marquise de uma das quadras e a copa das árvores do jardim. Gabriel mal podia acreditar naquilo. Por um momento, esqueceu-se de tudo, até da massa de morte iminente que os perseguia. Seus olhos estavam destruídos demais repando no incrível refúgio que tinha se tornado sua antiga escola. Hugo estava tão estupefato quanto ele. Os três lembravam perfeitamente da última vez em que viram aqueles três prédios de pedra. Da ultima vez em que estiveram na escola, as grades tinham caído e metade dos alunos estava sendo devorada.

O coro de gemidos esfomeados trouxe Gabriel de volta à realidade. Apenas cinco metros separavam o trio da morte. Com um único solavanco, Gabriel voltou a correr, desta vez em direção à antiga escola. Hugo seguia logo atrás, repirando com dificuldade por conta do peso da mochila e de Bernardo.

Havia pessoas observando a cena do topo das muralhas. Todas as quatro vestiam uniformes azuis e carregavam metralhadoras pesadas. Hugo deu um grito de socorro, e eles abriram fogo. Os mortos foram massacrados com a chuva de tiros que caiu sobre eles. De forma quase simétrica, os portões principais da muralha se abriram para o trio. Três dos quatro guardas saíram do perímetro para darem cobertura aos estranhos. Gabriel ouviu um deles gritar um xingamento enquanto fuzilava quatro mordedores dispersos. Outro deles se aproximou do trio, escoltando-os para o interior das muralhas. Gabriel se viu em um túnel do tempo. Estava de volta no pátio frontal de sua escola. Até o chafariz de pedra estava no mesmo lugar, sem um arranhão. Só não funcionava.

– Foi mordido?! – gritou um dos homens vestidos de azul.

Gabriel sinalizou que não com a cabeça. O homem abaixou a arma e estendeu a mão em cumprimento.

– Sou o comandante Moreira, chefe da muralha sul – disse ele, com a voz animada – Bem-vindos!

Os outros três guardas que estavam do lado de fora retornaram para o interior seguro das muralhas. Um deles, o mais novo, subiu novamente até o topo da barricada. Comandante Moreira e os dois guardas restante permaneceram no pátio para cumprimentar os três sobreviventes.

– Como foi que duraram tanto tempo?! – disse um deles, espantado.

Bernardo deu um sorriso.

– Sabemos matar os mordedores – respondeu – E sabemos atirar.

O guarda assobiou baixinho.

– Na sua idade eu nem sabia jogar videogame! – comentou ele.

Comandante Moreira o interrompeu.

– Chega soldado Lima! – vociferou Moreira – Dê um pouco de ar para eles! Ande, vai avisar ao chefe que temos novos moradores.

Gabriel desconfiou daquele grupo. Ele tinha certeza de não ter falado nada sobre “moradores”. Ele tentou falar, mas a dor na perna derrubou-o no chão.

– Gabriel! – disse a voz distante de Hugo – Levanta cara!

O portão da muralha caiu com um estrondo no chão. Um grupo de mordedores maior do que aquele que perseguiu o trio ultrapassou a barricada, invadindo o pátio da escola e provocando uma explosão de acontecimentos repentinos. A guarda do portão entrou em ação, derrubando tantos mordedores possíveis com machados e facas. Hugo e Bernardo se colocaram na frente de Gabriel, protegendo-o da batalha ali travada. Uma sirene soou em algum lugar por perto, avisando os outros moradores do perigo iminente. Crianças gritaram desesperadas e adultos berravam ordens uns aos outros. Lima e Moreira estavam um pouco distantes, fazendo o possível para proteger o portão de acesso ao resto da propriedade.

– Firme homens! Sem pânico! – gritava o comandante – Não abram fogo agora! Derrubem o máximo possível com as lâminas!

Foi ai que o coração de Gabriel se encheu de alívio e alegria. Cinco pessoas adentraram pela muralha em direção à batalha. Um careca com rosto familiar, um jovem com fuzil em mãos, uma menina da mesma idade que Hugo portando um rifle Remington .308 e... Não, não podia ser verdade. Junior e Clara! Ambos pareciam mais magros que o normal, os cabelos desgrenhados e as roupas sujas de poeira. Os dois irmãos sacaram as facas ao mesmo tempo em que Bernardo gritava ao vê-los. Os mordedores foram massacrados em poucos minutos. Moreira e os outros guardas pareciam ter uma espécie de sincronia formal, matando os mortos-vivos sem muito sangue derramado. Gabriel tentava ver as cenas que se desenrolavam diante de seus olhos, mas a confusão era tanta que ele só via borrões de cores.

– Acabou! – gritou comandante Moreira, alguns minutos após a queda do portão.

Gabriel se apoiou na bacia de pedra do chafariz e ergueu o corpo com dificuldade. O ferimento na perna ainda sangrava. Gabriel temia estar infeccionado. Mas precisava olhar novamente para aquele novo grupo. Estava sonhando. Junior e Clara! Parados, ali no meio do pátio, sujos de sangue com um sorriso tímido nos rostos quase idênticos. Bernardo abraçou Clara com tanta força que a menina precisou se apoiar na muralha para não cair. Hugo abraçou Junior com a mesma intensidade.

– Ah, meu deus! – disse Gabriel, quase num sussurro – Vocês estão vivos!

Gabriel desviou os olhos antes de abraçar Clara. Moreira e dois dos guardas estavam ajoelhados junto a um corpo. Lima estava estirado no chão, descontrolado devido aos espasmos pós-morte. Sangue quente espirrava de sua garganta, provocando uma poça ao redor do falecido. Moreira abaixou a cabeça por alguns segundos, e então esticou os braços e fechou os olhos do bravo soldado. Os outros dois que o acompanhavam fizeram sinal de cruz e abaixaram a cabeça.

Gabriel desmaiou no chão frio antes mesmo de abraçar Clara. O ferimento na perna explodiu em dor e o arrastou para as sombras.


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