The Walking Dead - Rio de Janeiro/ Temporada II escrita por HershelGreene


Capítulo 16
Capítulo XVI - Hugo


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior:
Com os portões escancarados e uma horda nos bosques e depressões, o grupo de Hugo avalia se vale a pena mesmo continuar no parque. Mesmo desesperançados, eles enfrentam dezenas de mordedores raivosos atrás de um novo dia no que chamam de lar.



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Na manhã de uma sexta-feira – precisamente às 8h45m pelo horário de Brasília – uma frente fria chega à cidade do Rio de Janeiro, como o abre-alas para o outono que agora se espalha. O clima permanece estável durante boa parte dos dias, alternando entre os 18°c e os 23°c, quase sem chuvas. Ventos fortes e rápidos varrem as ruas abandonadas levantando jornais velhos e provocando redemoinhos de folhas mortas e lixo pelas calçadas. A Quinta da Boa Vista também se altera com a mudança da estação. A paleta de tons de verde desaparece, substituída pela tranquilidade do amarelo, marrom e dourado. Os acontecimentos da semana retrasada – ligados a um posto de gasolina em chamas e dezenas de explosões – parecem finalmente esquecidos. Os errantes atraídos pelos barulhos diminuíram, a cada dia menos são vistos pelas ruas do bairro de São Christovão e o coro infernal de gemidos e rugidos agora não passa de um ruído distante, carregado para longe pelo vento outonal.

– Deram a sorte grande desta vez, hein! – comenta Marta, ajudando Amadeu a abrir as portas do compartimento de carga do caminhão de mudanças, estacionando junto às portas frontais do museu – Tem quase tudo aqui dentro.

– O lugar estava intacto. Zero mordedor – conta Júlia, saindo da cabine pelo carona, com o arco e a aljava presos no corpo. André também salta para fora do caminhão, mas pelo lado do motorista.

A missão de coleta da dupla havia sido um sucesso incomparável. O shopping na zona sul estava prestes a ser inaugurado quando a praga destruiu a civilização. Com as portas trancadas e as mercadorias intocadas no interior das lojas escuras, o lugar era como uma mina de ouro. Só com os objetos entulhados mais próximos da porta, já é possível notar uma infinidade de casacos acolchoados, moletons, toalhas e lençóis, uma pilha de meias e roupas íntimas, alguns pares de sapatos, botas e calças jeans. Mais atrás, há uma pilha mal organizada de latas em conserva, caixas de suco e barras de proteína, sacos de café instantâneo, chá, carne seca e engradados de refrigerantes, caixas de mingau e molho para massas, leite em pó e macarrão, além de galões de água, botijões de gás e pneus de diversos tamanhos. Era o suficiente para sobreviverem durante semanas, quiçá um mês ou dois.

– Conseguiram alguma arma ou munição? – pergunta Hugo, maravilhado com o motim no compartimento de cargas – Sabe, estamos começando a esgotar nossos estoques de balas.

– Achamos uma viatura com caixas de balas, algumas pistolas e um rifle, mas é tudo – responde Júlia – Porém, demos muita sorte em todos os outros quesitos. Lá para o fundo do caminhão, tem dezenas de camas de armar, acho que o suficiente para todos deixarem de lado estes sacos de dormir medonhos. Achamos também alguns pufes, mesas e cadeiras de plástico, um baú cheio de travesseiros, almofadas, uma caixa de sabonetes, papel higiênico para o resto das nossas vidas e algumas garrafas de desinfetante e água sanitária. Tinha uma loja de construção imensa lá, com coisas o suficiente para montar uns três museus desse. Como o espaço estava ficando meio apertando, pegamos só algumas pilhas de madeiras, telhas, algumas ferramentas, pás, um kit para carros e um monte de quadros na parte de decoração para dar uma animada neste lugar. Conseguimos também muitos livros e vários jogos de tabuleiros, além de brinquedos para o Yan e um DVD portátil que com certeza vai para meu quarto.

– Graças a vocês, vamos finalmente dormir em quartos separados esta noite – diz Hugo, rindo, enquanto o resto do grupo começa a descarregar o caminhão, levando as mercadorias em sincronia em direção ao interior do museu.

– Isso é o de menos – André entra na conversa, ajudando Clara a retirar os galões de água do compartimento de carga – Temos dois itens especiais que podem mudar o rumo da Quinta. Primeiro, achamos uma infinidade de chapas de aço em uma área ainda em construção do shopping. Se juntarmos com as máquinas de solda elétrica que vimos por lá, podemos reforçar as cercas de ferro e construir algumas plataformas de vigia pelo perímetro.

– Não é uma má ideia – comenta Hugo, pegando uma pilha de livros de capa dura com as mãos e passando para Denise – Podemos enviar mais algumas expedições atrás destas chapas e começar o reforço logo. Quero terminar aquela barreira de carros na calçada também, mas parece quase impossível.

Júlia entra na escuridão do compartimento de cargas e retorna com um vaso de plantas rachado nas mãos, carregando com cuidado nas mãos.

– A outra coisa que queríamos mostrar a você era isto aqui – diz ela, apontando para um tomatinho murcho em um galho seco no vaso – Encontramos também uma saca de sementes de cenoura e alface, além de todo o material que você pode imaginar para jardinagem. Sabe o que isso significa?

– Não precisaremos mais sair em busca de comida. Com uma horta pequena, porém capaz de nos alimentar, podemos reduzir nossas buscas por comida para um décimo do atual. Isto seria maravilhoso, é claro! Porém, admito que nunca fiz nada parecido com plantar em toda a minha vida. Graças a deus temos você em nosso grupo, Bento!

O agricultor levanta a cabeça ao ouvir seu nome. Depois, sem dar nenhum indicio de interesse, ele lança um olhar para a esposa e some no interior escuro do museu.

– Bem, isto não foi lá muito agradável – comenta André para Júlia e Hugo.

– Tem alguma coisa errada.

...

Após um rápido almoço de sopa enlatada com refrigerante e suco para empurrar a gororoba para dentro, Hugo reúne o grupo para decidir o que fazer. Os quatorze integrantes do grupo – excluindo Junior e Gabriel, postos em patrulhas pelas cercas - gastam meia hora rabiscando em uma cartolina amarelada as tarefas de cada um para aquela tarde. Quando finalmente terminam, o Sol de outono já passou pelo meio-dia e começa sua lenta descida para o oeste, nos fundos do museu.

A partir deste ponto, ninguém conversa muito. Atarefados na difícil missão de transformar um museu empoeirado e fedendo a mofo em um lar, os sobreviventes se espalham pelas salas e cômodos do edifício com apenas alguns “obrigados” distintos. Clara ajuda Elizabeth e Amadeu a varrerem o piso enquanto Alice e Júlia carregam toda a comida restante para uma sala nos fundos, agora servindo de armazém. O doutor Jonas recolhe os caixotes de remédios e medicamentos e se isola em um dos cômodos do segundo andar para ali formar uma espécie de enfermaria improvisada ou seu consultório particular. Enquanto André auxilia Marta em arrastar todos os móveis do caminhão para o saguão interno, Denise caminha de uma parede para a outra pregando quadros coloridos ou enfeitando um canto com jarros de plantas de plástico.

Hugo permanece no segundo andar durante quase toda à tarde, distribuindo as camas de armar para os respectivos quartos. Escolhe para si um cômodo pequeno, nos fundos do museu, com duas janelas altas com vista para os bosques traseiros e um pedaço do jardim zoológico abandonado, atrás do parque. Ele arrasta sua cama para um canto, enquanto espreme na parede oposta um gaveteiro e uma escrivaninha repleta de arranhões. Coloca por cima dos dois sua faca, a Glock 9mm com poucas balas, uma caneca cheia de lápis e canetas, uma bússola rachada ao meio e três enciclopédias de capa dura que arranjou da caixa de livros guardada no novo armazém. Termina de arrumar o quarto colocando uma cadeira de plástico junto à escrivaninha, um quadro do mapa-múndi preso acima da cama e um telescópio que descobriu junto à exposição astronômica do museu. Estava quase chamando Alice para uma opinião feminina sobre o assunto, quando vozes baixas e rápidas chamaram sua atenção.

Bento e Glória estão parados no corredor dos quartos, absortos em uma conversa séria de sussurros rápidos. Ambos lançam olhares por cima dos ombros atrás de pessoas que possam escutá-los. Hugo tenta ouvir um fragmento do diálogo, mas as marteladas de Denise no andar de baixo e o vento de outono assobiando o fazem desistir. Ele sai de seu quarto e cruza o corredor com o casal sem sequer trocar olhares. Não lhe interessa os problemas de relacionamento deles. Porém, a expressão de ambos que Hugo vê pelo canto do olho lhe indica que, seja o que for, é maior do que os dois.

Ele desce as escadas do pátio interno do museu e entra no saguão frontal, agora totalmente redecorado e limpo. As janelas estão transparentes de novo, refletindo a luz do Sol para as mesas de plástico com tabuleiros de xadrez, damas e banco imobiliário. Foram colocadas também estantes cheias de livros e vasos decorativos, além de pufes espalhados, alguns quadros abstratos nas paredes e um barril com todas as armas pesadas do grupo enfiadas como guarda-chuvas. Parecia para Hugo o quartel general de alguma vilã viciada em design do 007. Era deslumbrante.

Alguns integrantes do grupo estão sentados nas mesas, aproveitando o tempo livre para um descanso relaxante em jogos de tabuleiros e contos de fadas. Quando Hugo se aproxima de uma das mesas, Amadeu e Elizabeth estão em uma disputa acirrada de baralho enquanto Denise ensina Bernardo a jogar dominó e Clara folheia sem muita vontade uma edição velha de Harry Potter.

– Bom, parece que conseguimos – comenta ele, puxando uma cadeira e se sentando – Este lugar já está perto do que eu chamaria de lar.

– Nem parece que há duas semanas isto tudo estava ocupado por mordedores – diz Denise, colocando uma nova peça no jogo com Bernardo.

– Ainda faltam algumas coisas – diz Clara, atirando o livro na mesa – Não temos luz e água encanada parece um sonho distante, mas é o melhor que já tivemos desde o início. Só de pensar que não precisaremos mais dormir juntos em um só cômodo. Todas aquelas tosses e espirros, com roncos e a insônia do Yan estavam me deixando louca. Acho que nunca mais vou tirar aquele cheiro da minha cabeça na vida.

Todos na mesa soltam uma risada.

– Sabe, quando os portões se abriram e os mortos lá fora vieram para dentro, eu me lembro muito bem de você ser uma das primeiras a abrir mão. O que foi que mudou em você, Clara? Imagine se tivéssemos ido embora naquela noite, como seria nossa vida agora. Estaríamos em uma barraca, ou enfiados em carros abandonados atrás de uma posição confortável. Poderíamos mesmo é estar mortos a essa altura.

– Ou poderíamos estar em uma comunidade, cercados de gente experiente como nós e com boas intenções. Você não sabe o que tem lá fora, Hugo.

Hugo sorri.

– Se você tem tanta certeza que há um lugar lá fora, feito para gente como nós, por que você não foi?

Ela não responde, apenas o encara. Olhos azuis se chocam com olhos verdes em total silêncio. Ele entende, ou apenas pensa que sim. As bochechas dos dois ganham um tom considerável de vermelho. Hugo abre a boca, prestes a dizer algo importante – ou totalmente aleatório e retardado – quando um grito de vitória no jogo entre Amadeu e Elizabeth estraga o clima.

O jantar acontece 19h45m da noite, sob uma abóbada celeste negra, mas salpicada de pequenas estrelas. O prato do dia – estrogonofe de carne seca com ervilhas – é servido em porções iguais para todos os integrantes do grupo, que se espalham pelas mesas e cadeiras do novo saguão, trocando piadas e conversas animadas. Velas esguias e bruxuleantes iluminam fracamente o espaço, brilhando as suas chamas azuladas nas taças e talheres de prata do jantar, cortesia de Júlia e André. Decidem abrir uma garrafa de vinho velho, em homenagem ao novo museu e ao novo lar. Hugo abre a noite com um discurso débil sobre a Quinta da Boa Vista, seguido por André e seu dever para com todos e os quatro brindes de Junior, este último já atingido pelo efeito da bebida alcoólica.

Durante todo o período do jantar, Hugo permanece na mesa do carteado, entre Clara e Amadeu, rindo com todos os outros das falhas tentativas do idoso roubar com sua esposa. O garoto entorna alguns goles de vinho, mesmo que não tenha idade para, mas sua cabeça continua sã o suficiente para estar ciente das coisas ao seu redor. O primeiro detalhe que passa pela sua visão é uma nova conversa de sussurros entre Bento e a esposa Glória, alguns instantes antes que Yan derrube metade de uma estante tentando alcançar a caixa do Jogo da Vida para uma partida rápida com Bernardo. O grupo explode de risos ao ver o garoto no meio de uma pilha de livros abertos, e o casal encerra a discussão misteriosa para subir com o menino para a cama. Outra coisa que não passa despercebida por Hugo é Gabriel. Sentado em um pufe no canto mais escuro do cômodo, o garoto termina seu prato e sua taça sem tirar os olhos fundos do chão. Até mesmo quando o irmão se aproxima atrás de um novo parceiro para o jogo, o garoto rosna algo em resposta sem sequer levantar a cabeça.

Em duplas e trios, o grupo vai se despedindo uns dos outros atrás de suas camas já preparadas no andar de cima. O casal de velhinhos termina uma última partida de damas e sobe para o quarto enquanto Júlia e André descem as escadas, acordados e prontos para o turno noturno de vigia. As velas mínguam e somem, mergulhando o museu na escuridão avassaladora da noite. Hugo permanece no saguão durante mais alguns minutos, ajudando Alice a arrumar o cômodo para o dia seguinte. Juntos e em silêncio, eles recolhem as taças e pratos das mesas e reúnem tudo de volta na sala do armazém, nos fundos. Ele sente o sono piscar seus olhos e a cama lhe chamar sensualmente, no segundo andar. Hugo está quase cedendo à tentação de subir as escadas e se afundar nos lençóis, quando Alice o chama.

– Hugo, teria como fazer um último favor para mim? – pergunta ela, na escuridão do corredor até o saguão.

– Se for do meu alcance, pode falar.

– Teria como levar um prato para o doutor, por favor? Ele esteve arrumando a enfermaria a tarde toda e não desceu para o jantar. Você não se importaria, não é?

Hugo faz que não com a cabeça e aceita das mãos da menina um prato já frio, com talheres e uma taça de vinho. Depois, ambos sussurram um “Boa noite!” e seguem em caminhos opostos pelo museu escuro. Ele sobe as escadas lentamente, equilibrando a porção de estrogonofe no centro do prato com cuidado até o patamar seguinte. Depois, vira para a direita e segue pelo corredor escuro até a última porta, sinalizada como a enfermaria por uma cruz vermelha feita com dois pedaços de madeira porcamente amarrados. Hugo bate algumas vezes até que a voz rouca do doutor no lado de dentro solte um “pode entrar” educado.

Ele mal acredita no que vê. Por um breve instante, Hugo se sente em um daquele programas de televisão onde especialistas decoram o interior da casa de civis e gravam a expressão dos coitados ao entrar pela sala nova. O cômodo estava quase igual a um consultório oficial. Havia armários brancos para os remédios, estantes com estetoscópios, instrumentos de cirurgias e medidores de pressão, além de suportes para soro, algumas camas de armar para servirem de maca, um baú organizado com dezenas de livros de medicina, um quadro do corpo humano em uma das paredes e uma escrivaninha gasta repleta de papéis e velas, onde Hugo deposita o prato com a taça ao entrar no recinto. O doutor Jonas está no outro lado da enfermaria, ajoelhado junto a caixotes de amoxicilina e lorazepam. Ele se levanta ao ver o prato de comida, bate a poeira das roupas e empurra os caixotes restantes para um lado da sala.

– Perdoe a minha ausência lá embaixo – diz ele, educado – Estava empolgado em arrumar este lugar aqui. Creio que fiz um bom trabalho, mas aceito sugestões.

– Você está brincando, não é? Isto é perfeito! Quero dizer, ainda não temos um estoque muito extenso de antibióticos e nossa insulina está para acabar, mas isso pode ser resolvido futuramente. Podemos verificar os hospitais e farmácias da região em busca de coisas novas, ainda mais com um bebê a caminho. Porém – ele faz uma pausa ao observar as prateleiras organizadas – já temos um bom progresso aqui.

Ele lança um olhar para o doutor, que o encara por trás dos óculos quadrados.

– Algo me faz gosta de você, Hugo – diz ele, a voz um pouco embargada por conta do estrogonofe – E eu ainda não descobri o que é. Talvez seja esse seu jeito de ser, se preocupando sempre com o futuro de tudo e de todos. Ouvi o que disse no saguão hoje mais cedo e soube de seu discurso no dia da invasão, há duas semanas. Você realmente acredita no futuro, acredita no futuro desse lugar. Sua preocupação com os estoques de remédios e suas ideias para o desenvolvimento do parque me encantam.

Hugo mal sabe o que dizer. Está parado na mesma posição, escutando sem acreditar. O doutor Jonas era um verdadeiro sobrevivente. Talvez não o mais hábil, mas um daqueles que já viu o inferno diante dos olhos e sobreviveu para contar a história. Escutar aquilo dele era, no mínimo, a maior das honras.

– Preciso ser sincero, estou tão surpreso quanto o senhor – diz – Acho que o que estamos criando aqui está me mudando. Veja bem, lá fora não existe uma vida. O ano que passou foi, sem dúvidas, o pior de minha vida. Perdi amigos com brutalidade, sendo uns devorados e outros queimados na minha frente. Perdi um pouco da humanidade, e certa parte de sanidade também. Todos eram uma ameaça para mim. Eu devia matá-los todos antes que matassem a mim e meus amigos. Isso era um banho de sangue equivocado, e eu percebi isso ao enfrentar uma ameaça maior que nós. Fui imprudente com o meu grupo. Eu era o líder, um garoto que quatorze anos com espinhas no rosto e uma explosão de hormônios da puberdade remoendo por dentro. Estava louco por vingança e levei-os a acreditar que era o caminho certo. Seis de nós saíram vivos, de vinte. Não consigo esquecer, nem me perdoar por isso. Toda a vez que eu olhar nos olhos de Clara ou de Junior, ou de qualquer outro que estava comigo naquele dia, eu sentirei uma vergonha apertar o estômago. Eu falhei com eles, e tento corrigir este maldito erro todos os dias, todas as horas, até que eu pare de respirar e me torne uma dessas coisas que lutamos lá fora. É por isso que faço essas coisas que você admira. Não é por um motivo nobre, ou pelo meu bem-estar e sobrevivência. E sim por eles – Hugo faz uma pausa para respirar. O silêncio mergulha a enfermaria. O doutor quase não pisca, vidrado como uma estátua de cera – Só que o tiro saiu pela culatra, doutor. O que fazemos aqui está me mudando também. Estamos criando uma rotina, uma vida. Hoje mesmo, passei grande parte do meu dia escolhendo como arrumar e decorar o meu quarto. Olhe que coisa mais idiota! Em um mundo onde pessoas comem pessoas, pessoas matam pessoas, estou preocupado se o meu novo telescópio cabe entre minha cama e o meu gaveteiro. E eu tenho medo, doutor. Porque isso me torna fraco. E sendo fraco, eu morro. E nunca poderei dar a estas pessoas o que elas querem em troca do apoio e da confiança que depositam em mim diariamente – ele solta uma risada anticlimática – Perdão, doutor. Acho que falei demais sobre coisas aleatórias. Deve ser o vinho fazendo efeito em um adolescente. Vou me retirar e deixar você terminar sua refeição em paz.

Hugo faz menção de sair da enfermaria, porém o doutor estica a mão em sinal de pare e vasculha as gavetas da escrivaninha atrás de algo que ele não faz a mínima ideia do que seja. Os segundos se passam. Hugo lança um olhar pela mesa atrás de alguma dica, mas seus olhos só encontram rabiscos do corpo humano, laudos médicos amarelados e o rascunho de um tutorial sobre partos normais. Porém, escondido atrás de uma enciclopédia da anatomia humana, o garoto encontra um porta-retratos contendo uma foto parcialmente queimada e amassada do doutor Jonas, uma mulher ruiva e dois gêmeos sorrindo como se o mundo fosse eternamente natal. Ele sente uma pontada de tristeza e um jorro de afeição pelo doutor o inunda por dentro.

– Está aqui! – ele entrega para Hugo uma cartolina dobrada – Não me importa se você faz o que faz pelo outros ou por si próprio. Você é bom no que faz. Você é um bom líder. E não é porque você é um adolescente na puberdade ou um exterminador nato de mordedores, mas é porque você é humano. Você é bom e ruim ao mesmo tempo. Do mal e do bem. Mas isso fica de lado para ajudar os seus amigos. E é isso que eu admiro em você, Hugo. Boa noite.

– Boa Noite, Doutor – diz ele, entendendo o recado para se retirar e batendo a porta da enfermaria com suavidade.

Ele atravessa o corredor do museu adormecido em passos muito lentos, em parte para não acordar ninguém, em parte porque não tem pressa para chegar à cama. Um conflito interno jorra em seu cérebro quando Hugo finalmente encontra-se sozinho na escuridão. Uma parte dele se sente aliviado. Aquilo estava lhe consumindo por dentro, como um incêndio descontrolado que ele não sabia apagar. Toda a culpa pelo shopping Iguatemi e a vida que se seguiu esteve sobrecarregando-o durante meses, até agora. Hugo sentia o cérebro livre, as costas relaxadas e o coração um pouco mais aliviado. Porém, era imprudente. Despejou todo o seu íntimo de uma única vez para um mero conhecido, alguém que o pouco convívio não conquistara intimidade suficiente para tal coisa. Nem um imbecil qualquer revelaria todos os seus sentimentos mais profundos de uma forma tão inesperada assim. O doutor parecia ser alguém de bem, digno de confiança, e ele não havia feito oposições ao monólogo. Escutou todas as palavras em silêncio e não julgou Hugo logo em seguida. Mesmo assim, era arriscado.

Pelas 3h20m da manhã, Hugo percebe que não consegue dormir. Farto de encarar as mesmas rachaduras no teto de seu quarto, ele decide se levantar, descer as escadas e voltar com uma caneca de café solúvel. Já sentado na escrivaninha com uma vela acesa para iluminar a escuridão, Hugo abre a cartolina que foi lhe dada pelo doutor e prende suas extremidades na parede com fita isolante. O papel manchado de café revela um mapa bem feito e extremamente detalhado de todo o perímetro da Quinta da Boa Vista, incluindo todos os bosques e ruas internas, os estacionamentos e até mesmo um restaurante que Hugo nunca havia visto antes.

Ele não consegue conter um sorriso.

Era o presente perfeito. A total simbologia de toda a conversa e todo o arco que estavam construindo nas semanas que sucederam a retomada do parque. Hugo quase conseguia ver o doutor sorrindo enigmaticamente ao rabiscar aquele mapa, colocando seus ideais na ponta da caneta. Futuro. Era isso que aquele pedaço de papel representava. Com o mapa, o doutor havia dado à Hugo todo o parque. Um jeito de controlar as coisas. Um lembrete de que tudo no interior daquelas cercas desenhadas era dele.

E é por isso que, durante quase duas horas naquela noite, Hugo fica ajoelhado na cadeira de plástico, rabiscando com uma caneta preta tudo o que ele pretendia, gostaria ou faria naquele mapa. Ele desenha uma linha mais forte nas cercas para indicar as chapas de ferro, a muralha externa de carros abandonados e algumas torres de vigia feitas com caminhões estacionados do lado de dentro em pontos de visão estratégicos. Depois, rasura uma horta nos fundos do museu, tendo o cuidado de indicar por setas o que cada uma das hortas plantaria. Escreve apenas cenoura, tomate e alface, mas sua mente desejava imensas plantações de trigo e aveia, com um moinho no topo de uma colina para terminar. Era um feito impossível, por isso se manteve no real. Bola depois um esquema de saneamento básico e rasura alguns painéis solares conectados ao museu e aos postes ao longo das vias e ruas internas. Com as chapas de ferro bloqueando a visão dos mordedores, o grupo poderia usufruir dos geradores sem chamar muita atenção. Hugo também anota turnos de vigia no rodapé da cartolina e instala um programa de busca e coleta semanal, com duas equipes e veículos preparados. Liga o nome de todos os integrantes do grupo à suas futuras lições, tendo o cuidado de manter Junior e André sempre presentes no museu, para nenhuma outra surpresa desagradável. Depois de uma hora ou mais, ele acaba suas modificações no mapa original e para alguns minutos para admirar seu projeto de futuro, o sonho provável.

Exausto – porém satisfeito – ele desaba na cama, com a caneta em mãos e ainda vestido. Adormece quase imediatamente, e mergulha em um descanso sem sonhos. O tempo parece se teletransportar para o futuro, porque batidas na porta vêm logo em seguida. Hugo se levanta, sonolento e sobressaltado.

– Já estou indo, Meu Deus! – resmunga ele, ajeitando a blusa amarrotada.

– Hugo, preciso que você desça agora – diz Clara, quando ele finalmente abre a porta – Bento e Glória reuniram todos os outros no saguão para um comunicado.

Hugo boceja. Depois, volta para dentro do quarto atrás da pistola e da faca.

– Não faço a mínima ideia do que querem, mas não deve ser algo muito comprometedor. Talvez uma ideia nova ou algum lugar para vasculharmos que só lembraram agora – Hugo estala os dedos e ajeita os cabelos despenteados – Porém, estavam muito estranhos ontem. Seja o que for, vamos ouvir.

Os dois cruzam o corredor e começam a descer a escadaria do pátio interno até o saguão.

– Detesto surpresa. Estarei prestando atenção em você, caso a coisa dê errado. Faça um sinal e estará feito. Junior e Alice estão cientes disso também e armados.

– É uma ideia meio precipitada, mas ok – diz ele, entrando no saguão – Nunca se sabe.

Todo o resto do grupo já está reunido quando Hugo e Clara finalmente surgem pelas portas oposta à entrada principal. Alguns estão sentados nas mesas de jogo, mas a maioria está de pé, recostada nas paredes e com copos de café nas mãos, focados no casal parado exatamente no meio do cômodo, com o pequeno Yan entre eles. Hugo entra em silêncio e aceita um caneca meio fria de Alice, enquanto ocupa seu lugar em um pufe macio. Clara marcha até um canto da sala e se posiciona estrategicamente para qualquer ameaça. Junior está no lado oposto à irmã, também pronto.

– Bom, nem sei como começar o que quero dizer – diz Bento, gesticulando com as mãos. Visualmente desconfortável – Primeiramente, gostaria de agradecer a todos por tudo o que fizeram pela minha esposa e pelo meu filho. Vocês nos salvaram do Reino, mesmo sem nenhuma utilidade aparente. Vocês não precisavam de nós, mas nos ajudaram mesmo assim. E eu sou infinitamente agradecido a todos por isso. Alimentaram-nos, nos vestiram e nos protegeram quando nós mesmos não conseguimos. Porém, os acontecimentos recentes me deixam preocupado com o futuro. Sabem, além da minha, possuo outras duas vidas para me preocupar à noite. E, vendo o rumo que as coisas estão indo, tenho que admitir que essas outras duas vidas que me preocupo nunca estarão seguras. Pelo menos não aqui.

Hugo sente a pancada em seu estômago como se fosse real. Seus dedos quase quebram a caneca de cerâmica.

– Estamos indo embora, e é isso. Agradecemos a tudo e a todos. Porém, nós vamos – termina ele, gerando um silêncio avassalador.

Hugo tenta esclarecer em seu subconsciente o que aquela noticia significava. Ele ia fazer o que achava certo para a mulher e o filho, ótimo. Eram três seres humanos, e mesmo que a sociedade tenha ido pelo ralo, ainda possuíam livre-arbítrio. Porém, era um ponto final no futuro daquele parque. Todas as peças que Hugo havia organizado minuciosamente na madrugada funcionavam apenas juntas. Sem a experiência de Bento em plantações ou a capacidade de Glória em cozinhar, toda a Quinta da Boa Vista estava destinada ao fracasso. Era como arrancar o coração de Hugo e esmagá-lo até se tornar pó.

– Por favor, fiquem – pede Alice – Vocês precisam nos ajudar a construir este lugar.

– Eu lhe peço perdão, garota. Mas temos que ir.

– E como vão sobreviver lá fora, sem comida ou água? – pergunta Elizabeth, com um leve toque azedo característico.

– Vamos passar em alguns lugares antes de seguir viagem para o interior. Agradeço sua preocupação – responde Glória – Bento quer voltar em casa e arrumar algumas malas, já que saímos às pressas de lá nos primeiros dias. Tudo o que pedimos é alguns suprimentos, uma arma que possam nos doar e um veículo.

O ódio explode em Hugo.

– Não! – diz ele, com uma calma frieza.

– Como não? – perguntam Glória e Bento, surpresos.

– Como você mesmo disse, nós o ajudamos com comida, roupas e proteção. Agora que já usufruiu de tudo o que tínhamos, diz que vai partir e tem a cara de pau de ainda pedir munição e a porra de um veículo?! NÃO! Sairão daqui de mãos vazias!

O casal se entreolha, visualmente surpreso e confuso. Nenhuma outra pessoa sequer mexe um músculo. Parece que todos abaixaram a cabeça.

– Olha, garoto – diz Bento – Isso é quase que nos sentenciar à morte.

Hugo estreita os olhos.

– Se sair, está nos sentenciando à morte. Porém, ainda somos humanos, não? Alice, separe o suficiente para um dia de água e comida para eles. Por Yan.

– Muito Obrigado, garoto – diz ele, abraçando a esposa – Mas sem um carro, estaremos mortos de qualquer jeito. As hordas estão ficando maiores a cada dia.

Hugo pensa um pouco antes de responder alguma coisa. O clima no saguão fica instável, na expectativa. O silêncio dos outros é permanente, como se o museu ainda fosse habitado por estátuas de cera.

– Vamos fazer o seguinte: Eu levo vocês até um supermercado que não vasculhamos a poucos quarteirões daqui. Metade dos suprimentos fica com vocês e metade eu trago de volta para o museu. Se conseguirmos algum carro no caminho, vocês seguem o rumo de vocês com as coisas. Senão, seguem a pé.

– Eu topo – responde Bento – Vou encaixotar o que temos no quarto lá em cima e encontro você em alguns minutos. Muito obrigado, garoto.

O casal e o filho pequeno sobem a escadaria e desaparecem no corredor. O saguão térreo explode de murmúrios e sussurros, como se as estátuas de cera de antes ganhassem vida automaticamente. Hugo escuta alguns magoados pela falta que o casal fará, outros reclamando que a família era meio desleixada e arrogante, mas a maioria concordava que era errado sair assim do grupo, após semanas se alimentando da comida deles e dormindo no teto deles. Ele decide ignorar os comentários alheios e decide perguntar à pessoa certa, sentada na mesa do xadrez com uma caneca de café quente nos lábios.

– Doutor, o que você acha?

Jonas quase se engasga com o café pelando.

– Eu? Bom... Aquilo são vidas, independente se aproveitaram dos outros ou não. E acho que isso é que você deveria levar em conta, Hugo.

– Mas e o futuro que conversamos ontem? Eles são essenciais para que tudo dê certo.

– Sim, eles são. Então você tem pouco mais de algumas horas para convencê-los a ficar.

Hugo assente. O casal volta do quarto, trazendo consigo uma mala de roupas e um caixote com toalhas, lençóis e um pouco do papel higiênico.

– Vocês se importariam caso o Yan ficasse aqui no museu só um pouquinho mais? Não queremos levá-lo ainda. Voltamos para buscá-lo assim que estiver feito.

– Ele pode ficar sim. Vocês já estão prontos?

O casal se entreolha novamente.

– Estamos sim, garoto. Pode deixar que não vamos mais causar problemas. E você?

– Só vou comer alguma coisa e estamos partindo. Preciso de outras pessoas para me ajudar a carregar o que encontrarmos no supermercado. Júlia e André ainda estão de repouso do turno noturno, e Clara e Junior vão assumir o próximo – ele coça o queixo e avalia as pessoas ao seu redor – Marta, o que acha dessa?

A garota se surpreende ao ouvir seu nome, mas abre um sorriso satisfatório.

– Estou pronta, capitão.

– Ei! Eu também quero ir! – diz Denise – Não vou deixar minha melhor amiga por aí sozinha!

– Você está grávida, Denise – ressalta Hugo.

– E daí?! Estou viva, não estou?!

Hugo solta um suspiro longo e levanta as mãos, rendido.

– Ok, vocês duas. Dez minutos e partimos.

O grupo leva meia hora para deixar o parque. Hugo os guia pelo portão norte, para uma avenida lateral ao parque repleta de prédios residenciais escurecidos e caminhões estacionados em um engarrafamento eterno. Marcas de explosões recentes ainda são visíveis na calçada e no asfalto, geradas na noite da retomada, quando Júlia e André detonaram metade de uma horda com granadas e explosivos. Alguns mordedores carbonizados estão espalhados pela via sem pedaços ou membros inteiros. Hugo tenta passar por todos eles como se não existissem, focado no endereço rabiscado que possui nas mãos. O casal segue logo atrás, em total silêncio e de cabeça baixa, enquanto Marta e Denise fecham o quinteto em uma cantoria sussurrante de “Bottom of the river”.

A caminho do supermercado, o grupo atravessa algumas ruas residenciais com casas sem metade do telhado totalmente entregues às traças, com a ferrugem dominando as cercas e os portões. Depois, as casas arruinadas abrem espaço para a Rua São Luiz Gonzaga, uma das mais famosas áreas comerciais do bairro. Antes, aquela avenida era repleta de prédios baixos, com lojas das mais diversas categorias no térreo. Além de eletrodomésticos e roupas, o lugar também continha bares, restaurantes fast-food, bancos e papelarias para atender a populosa área residencial que se expandiu pelos limites do bairro. Agora – depois de um ano de praga – o lugar antes movimentado jaz demolido e silencioso como uma tumba. Os postes de luz caíram pelas calçadas e o trânsito parece ter sido espalhado por um bebê gigante raivoso. A maioria das janelas está fechada com tábuas e quase todas as vitrines estão estilhaçadas, com seus mostruários há muito saqueados.

– Parece que estamos em um daqueles livros sobre a 2° Guerra Mundial – comenta Denise, melancólica, enquanto o grupo passa por entre as lojas chutando pedras e cacos de vidro.

Hugo encara a devastação da rua com uma mistura de naturalidade e surpresa. Não era mais do que comum um cenário como aquele. Quando os mortos ganharam vida e a cidade foi posta em quarentena, a sociedade encontrou seu colapso em uma guerra civil da anarquia. Pessoas faziam protestos violentos, vândalos pichavam muros e saqueavam lojas, loucos incendiavam carros e casas atrás de uma resposta para tudo aquilo. Ele se lembrava de ficar acordado até a madrugada, encarando o Rio de Janeiro arder em chamas do telhado do prédio de Silas – seu ex-diretor – onde morou durante os primeiros meses da praga. Porém, uma comparação quase cômica e irônica se passava por sua mente também. Seus últimos dias haviam sido repletos de planos e mensagens para o futuro que teriam na Quinta da Boa Vista. Era quase irreconhecível o mundo externo depois de tanto tempo focado em cercas fortificadas e plantações de tomate, cenoura e alface.

O grupo segue o caminho por alguns minutos, em um labirinto quase eterno de carros virados e queimados até a carcaça. Um vento rápido levanta sacolas plásticas da calçada e espalha as folhas de um jornal com manchetes inéditas sobre o aumento do número de mortes e a descoberta da cura do câncer. Hugo sente uma pontada amarga no estômago ao recordar daquela reportagem. Está quase perguntando quantos quarteirões ainda faltam quando as lojas demolidas da esquerda abrem espaço para gigante retângulo vermelho do supermercado, escondido atrás de suas cercas de proteção e um estacionamento com alguns carros abandonados. Uma grande placa – com os dizeres “Extra supermercados” – reflete o sol da manhã. As letras brancas estão rachadas e desbotadas, e algumas até pendem para o lado ameaçadoramente.

O grupo salta a entrada do estacionamento com agilidade e silêncio, tomando extremo cuidado para não derrubar alguma mochila e causar mais barulho do que provavelmente já estão fazendo. Ágil e silenciosamente, o quinteto atravessa as vagas vazias com a competência fria de uma equipa da SWAT. Alguns carrinhos de supermercado tombados estão espalhados por todo o perímetro do estacionamento – com as compras apodrecidas ainda ao redor -, como se um ataque surpresa de errantes tivesse ocorrido no meio das compras do mês. Marta levanta um dos carrinhos e segue na retaguarda do grupo empurrando-o, cantarolando distraída. Bento é um dos primeiros a chegar às portas do supermercado e logo começa a trabalhar nos cadeados que mantém o lugar trancado, utilizando clipes de papel que mantinha nos bolsos. Os outros se aglomeram atrás dele, olhando por cima do ombro para um pequeno aglomerado de mortos desgarrados que escutaram a comoção e começaram a se aproximar das grades frouxas do estacionamento.

Depois de alguns minutos no silêncio avassalador do meio-dia, o cadeado finalmente estala e Bento ajuda Denise a abrir as portas enferrujadas.

Eles mergulham na escuridão fétida e insuportável que domina as prateleiras empoeiradas e cheias de teias. Cada um dos integrantes do grupo – incluindo Hugo – leva alguns segundos de choque até que a retina se acostume com a falta drástica de luz, revelando as silhuetas de corredores longos e estreitos, vários mostruários descoloridos e a fila de guichês de pagamento até onde a visão reduzida pode alcançar. O quinteto prende o ar, maravilhado, diante das pilhas e mais pilhas de enlatados e vidros em conserva, praticamente intocados desde o inicio da praga. Era como uma miragem de água fresca em pleno deserto caótico fedendo a morte do lado de fora.

– Bem, agora que já estamos aqui, façamos o seguinte: Denise e Marta, vocês duas ficam responsáveis pela água – Hugo aponta para ambas e o carrinho – quantos galões puderem trazer, melhor. Bento e Glória, sei que vocês não estão mais conosco, mas se puderem começar pela sessão da farmácia, eu agradeceria muito. – o casal faz um aceno em concordância – Vou levar um carrinho até o corredor de comida enlatada e vejo o que posso pegar. Podemos nos encontrar aqui, vejamos, daqui a um vinte minut...

Ruídos surgem nas profundezas do supermercado, extinguindo o final da frase. O grupo reage à surpresa sacando as facas e pistolas, prontos para o ataque iminente. Mesmo na escuridão, eles compreendem os sinais de Hugo e se separam pelas caixas de pagamento. Passos arrastados ecoam na escuridão, junto com um rosnado crescente que parece crescer à medida que o grupo se prepara e toma fôlego. Uma lata de ervilhas cai no chão e rola pelo piso empoeirado, ecoando pelas paredes escuras como um prelúdio.

As primeiras silhuetas emergem dos corredores escuros, saindo da escuridão como escravos enviados pelo próprio demônio. Hugo segura o cabo da sua faca com as duas mãos e corta o rosto do primeiro mordedor horizontalmente, arrancando pele, cabelo e pedaços de olho. Depois, ele levanta a lâmina e enterra no topo do crânio até que seus dedos se ensopem de sangue e fluidos cerebrais escuros. O resto do grupo também entra em ação, derrubando pelo menos meia dúzia de outros errantes com poças de sangue arterial rubro. Hugo larga o corpo de sua primeira vítima com um baque molhado no chão enquanto passa por cima do mesmo para enfrentar seu segundo morto-vivo, uma fêmea de cabelos ralos vestindo o uniforme do supermercado e um macacão azul com seu nome bordado. Ela ergue os braços na direção do garoto e estala as mandíbulas ameaçadoramente, babando uma gosma preta que pinga aos poucos em suas vestes manchadas. O garoto segura o mordedor pelo pescoço e afunda a faca até o cabo na têmpora direita do cadáver. O errante se debate em espasmos – com uma cascata de sangue escorrendo pelo crânio – até que seus olhos leitosos se apaguem como holofotes e o corpo desabe no chão com um ruído satisfatório.

– Bem... – diz Hugo para os outros, depois que o último mordedor foi derrubado com uma facada de Glória no céu da boca – Vamos continuar com o plano agora. Levem as lanternas e tenham sempre a faca em mãos para o caso de mais surpresas como essa. Tentem não usar armas de fogo, porque não temos muito disponível por enquanto, mas em situações de risco é melhor descarregar o pente que arriscar a vida – o casal e as duas garotas concordam com gestos silenciosos e se separam pela escuridão do supermercado, visíveis apenas pelos pálidos fachos de luz das lanternas.

Hugo segue pela área dos guichês e mostruários até encontrar um corredor sinalizado pelas placas no teto como o de cereais e enlatados. Lá, ele vira o carrinho em direção às prateleiras empoeiradas e empurra-o tranquilamente, iluminando os rótulos descoloridos em busca de algo útil para o grupo. Enche o carrinho com latas de pêssego, milho e ervilha, além de carne, feijão, sardinha e atum. Depois, ele joga por cima da comida enlatada uma pilha de caixas de macarrão, flocos de aveia e arroz. Termina o corredor e vira o carrinho já pesado para a próxima sessão, iluminando uma centena de garrafas com a lanterna. Abre espaço para algumas garrafas de 3 litros de refrigerante, caixas de suco, um engradado de coca-cola e até mesmo alguns vinhos importados e whiskys que os mais velhos do parque iam poder desfrutar. Está prestes a virar o corredor para mais algumas garrafas quando um mordedor silencioso se lança em sua direção.

O ataque – devido ao tamanho do mordedor e sua fome voraz por carne humana – atinge Hugo com a força de uma avalanche. O garoto é içado para trás enquanto seu carrinho tomba e a lanterna sai rodopiando pela escuridão. As prateleiras se quebram com o peso e Hugo é atingido por uma onda de vinho tinto e cerveja barata. As garrafas cortam suas costas em diversos pontos e ele vê estrelas de dor ao se sentar no meio da poça, ainda atordoado. O mordedor, vestindo um macacão surrado do supermercado, avança para o garoto tropeçando nas latas que rolaram para fora do carrinho virado. Hugo engatinha pelo piso molhado atrás da lanterna enquanto seu atacante derruba mais algumas prateleiras ao tentar agarrá-lo. Garrafas quebradas rolam pelo chão e algumas latas de cerveja furam e vazam seu interior como chafarizes. O errante escorrega na poça que inunda o corredor e cai espalhafatosamente no chão, debatendo-se como uma barata. Hugo aproveita o momento de distração e saca a faca do cinto, mas a mão retorcida que agarra seu pulso a faz voar para longe no escuro. O mordedor aproxima o rosto cadavérico, rosnando, enquanto Hugo se debate para se libertar. No momento em que ele está prestes a morder o antebraço desprotegido com seus dentes negros e viscosos, o garoto atira.

O disparo da Glock 9mm ecoa na escuridão silenciosa do supermercado. O errante é atirado para trás em uma nuvem de sangue escuro, o topo do crânio partindo-se e jorrando.

Hugo se encolhe para longe do corpo e arqueja atrás de fôlego, ainda trêmulo com o susto da criatura. Ele se levanta, tonto, murmurando todos os palavrões que conhece enquanto afasta os cabelos molhados de vinho da testa. Suas costas ardem com os cortes e o cheiro do álcool está impregnado nele, misturado com o odor de uva e suor. Ele chuta o amontoado de pele morta que o errante, agora já controlado e vitorioso, e se vira para a entrada do corredor onde seu carrinho tombado está largado. Hugo então busca a lanterna e começar a recolher os enlatados que se espalharam, quando um grito corta o silêncio.

Ele para o que está fazendo e começa a correr pelo labirinto escuro de prateleiras atrás da origem do barulho. O pálido facho de luz que sai de sua lanterna rodopia enquanto ele corre, iluminando ao mesmo tempo o chão e o teto. Ele não faz a menor ideia de onde sua faca caiu, então mantém a pistola em mãos para o caso de mais mordedores desgarrados. Hugo atravessa a sessão de bebidas até o final, onde provavelmente estão armazenados os estoques de água, procurando em todos os cantos por Denise, Marta ou o motivo do grito. Porém, ao entrar no ultimo corredor, ele se deparar com uma cena que provavelmente iria traumatizá-lo pelo resto de sua vida.

Marta está um pouco mais distante, quase que no escuro total, lutando contra dois mordedores – macho e fêmea – com apenas sua faca em mãos. Quando ele chega, a garota já conseguiu acertar um e se prepara para afundar a lâmina do olho do segundo. Porém, à medida que Hugo abaixa os olhos atrás da origem do grito, a cena vai ficando mais medonha. Denise está caída no chão, tentando desesperadamente se afastar de algo que agarrou seu tênis. Hugo não consegue ver o que é devido a escuridão e o borrão branco que é o All Star da garota sacudindo, porém ele lança o facho de luz da lanterna para a origem do problema é algo em seu estômago se aperta, querendo desesperadamente vomitar. Um bebê transformado se arrasta pelo piso empoeirado, rosnando para a fonte de luz com seus pequenos dentinhos. A pequena criatura se contorce no chão empoeirado, com seu rostinho deformado marcado de arranhões e seus olhos leitosos sedentos por tanta carne.

Hugo nem pensa. Ele só tem tempo de levantar a pistola e apertar o gatilho.

O tiro soa como um canhão, zumbindo nos ouvidos do garoto. O crânio do pequeno é quase que totalmente arrancado enquanto o corpo em miniatura rodopia no escuro, espirrando sangue nas prateleiras. Marta já finalizou os dois mordedores com quem lutava e agora ilumina um canto da parede, encarando os ladrilhos engordurados com uma expressão de choque no rosto suado. Hugo se aproxima, curioso, e aperta os olhos para ler a mensagem escrita com sangue: “Não conseguimos matar nosso anjinho. Que Deus tenha piedade das nossas almas!” Ele fica encarando a letras por alguns segundos, o cérebro em branco, pensando em nada. Depois, ele encara os mordedores que Marta derrubou, até que seus olhos se fixam no corpo minúsculo largado no corredor. Havia uma família hospedada no supermercado, talvez nos primeiros dias de praga, quando a confusão era certa pelas ruas. Não foram capazes de tirar a vida uns dos outros. Morreram como uma família, todos os três, juntos. Era algo bonito de se pensar, porém com um final repugnante. Hugo se afasta do drama familiar com passos lentos, enojado e com o estomago embrulhado, quando Denise solta um suspiro longo e um gemido de dor.

Eles correm para socorrê-la. Juntos, Marta e Hugo colocam a garota de pé e entrelaçam os braços ao redor de seus próprios pescoços. Os três então começam a caminhar pelo supermercado em passos trôpegos e arrastados, enquanto Denise aperta a própria barriga e solta suspiros doloridos, provavelmente do tombo que levou. Passos distintos fazem Hugo erguer a pistola mais uma vez, pronto para outro ataque de mordedores, mais a lanterna ilumina os rostos de Bento e Glória, ambos afobados e suados.

– Ouvimos gritos! – diz ele, respirando com dificuldade – Não sabíamos onde vocês estavam, então saímos correndo!

– Tivemos alguns problemas com mordedores – comenta Hugo, rápido, já caminhando com Denise em direção à saída – Tem algo errado com a Denise. Vamos levá-la ao doutor Jonas, agora!

– Mas e os suprimentos, garoto?

– Não dá tempo agora, porra!

O casal se entreolha e concorda, seguindo atrás dos três.

O grupo abandona o supermercado com pressa, atravessando o estacionamento vazio com apenas alguns passos. Denise se contorce mais algumas vezes, sem dizer nada exceto gemidos tão doloridos que o coração de Hugo se aperta ao ouvir. Algo com o bebê estava muito errado.

Na saída do estacionamento, o grupo se depara com um pequeno aglomerado de errantes concentrados ao redor de um caminhão vermelho da Coca-Cola que Hugo não havia reparado antes. Com o barulho dos passos e os suspiros doloridos, a maioria dos mordedores deixa de lado a cabine abandonada do caminhão e vira o passo espasmódico na direção dos intrusos. Hugo solta o braço de Denise de seus ombros com cuidado, certificando-se de que a garota fique confortável apoiada apenas em Marta. Depois, ele levanta sua pistola e dispara três tiros rápidos que derrubam os dois mordedores mais próximos.

– Vamos usar as armas para poupar tempo – diz ele para o casal – Porém não significa que devemos desperdiçar munição. Tiros apenas na cabeça.

O grupo começa a atirar, o ar da tarde estalando com a iluminação estroboscópica. Os corpos são abatidos em poucos segundos, com jatos de sangue escuro borrifando nos carros, na calçada e no asfalto queimado. O tiroteio é curto, porém extremamente barulhento como uma torcida desorganizada aplaudindo enlouquecida. Um bando de pássaros levanta voo de uma árvore, assustados com a algazarra infernal, enquanto o ultimo dos errantes desaba com um baque surdo no chão, seguido pelo tilintar de cápsulas de bala rolando pelo chão. Hugo se aproxima do caminhão vermelho, estendendo a mão para a maçaneta, quando algo lhe vem à cabeça e ele se vira para perguntar aos outros.

Porém, a fala se perde em sua garganta quando ele vê um mordedor solitário se arrastar para fora de seu esconderijo em uma vitrine estilhaçada, cambaleando em direção ao pescoço desprotegido de Glória.

O tiro pega a mulher de surpresa, fazendo-a saltar com o barulho. O jato de sangue respinga em seu rosto e suas roupas enquanto o corpo maltrapilho é içado para trás como uma boneca de pano. O resto do grupo se assusta e vira a cabeça a tempo de ver o errante cair contra o capô amassado de um Fox branco. Bento se aproxima da esposa e a abraça durante um bom tempo.

– Não sei como de agradecer, garoto – diz ele, depois de conferir se não havia sinais de mordida em Glória.

– Você ainda não entendeu, não é?!

O casal encara-o, confuso.

– Vocês precisam da gente e nós precisamos de vocês. É uma troca. Veja bem, o que vocês planejam é arriscado demais. Sim, eu sei que pode haver algo no interior do estado, como uma base militar ou uma cidade murada e protegida, mas nós não temos certeza disso. Levar seu filho e sua esposa em viagem assim pode ser suicídio. Sei que não se sentem protegidos no museu e que as hordas na cidade estão se juntando e crescendo, mas vocês precisam ficar – ele faz uma pausa para o casal digerir a ideia – Havia um bebê no supermercado. Uma criança transformada que os pais não conseguiram tirar a vida. Pensem que aquele final triste lá dentro pode ser o de vocês, em um lugar qualquer que ninguém nunca mais irá lembrar. Nós iremos melhorar as cercas e construiremos plantações para o nosso sustento, mas para isso dependemos de vocês. Fiquem, ajudem a transformar o parque em um lugar melhor para o Yan. Se um dia aquelas cercas caírem e tivermos que voltar para a estrada, iremos atrás de um lugar melhor fora dessa cidade maldita, isso eu prometo. Todos nós. Juntos.

O casal se entreolha e permanece em silêncio durante alguns segundos constrangedores. Hugo sente que fez um bom discurso, relacionando o filho do casal com o bebê morto do supermercado. Ele observa o casal trocar olhares repletos de significados, incluindo uma mistura de indecisão, vergonha e medo. Durante alguns segundos, todo o quinteto permanece em silêncio constante até que o casal decida abrir a boca para dar a sentença final. Porém, Denise solta arquejo dolorido que varre qualquer outro assunto da cabeça de Hugo.

Eles encontram uma van em perfeito estado na esquina da rua comercial. Lá, enquanto Marta ajuda Hugo a depositar Denise nos bancos traseiros, Bento recolhe as chaves do chão e gira a ignição, dando vida ao motor adormecido. O desespero e a pressa aumentam à medida que a grávida vai soltando suspiros doloridos, apertando a barriga com força. Marta tentar perguntar se ela sabe o motivo de tanta dor, mas a garota balança a cabeça em sinal negativo, suando frio. O cano de descarga cospe um rolo de fumaça e Bento gira o volante como um piloto de corridas, pisando fundo no acelerador. A distância até o parque é curta, porém as ruas estão tão repletas de destroços e entulhos que o grupo é obrigado a dirigir em zigue-zague.

A van demora cinco minutos para frear os pneus diante do portão norte do parque. Bento buzina algumas vezes para chamar a atenção dos moradores e Junior surge de sua patrulha nas cercas, abrindo o cadeado com a máxima velocidade desordenada que um adolescente consegue reunir.

– Voltaram mais cedo do que era esperado – comenta ele ao abrir os portões, finalmente – O almoço já foi servido, mas eu acho que guardaram um pouco para vocês.

Bento abaixa o vidro escuro.

– A garota está sentindo dores com o bebê – informa ele – Sabe se o doutor está ocupado?

– Não, eu acho. Está todo mundo no salão de jogos fazendo nada – ele coça a têmpora e ajeita o fuzil nas mãos – Vocês por acaso dispararam com um rifle hoje?

– Não.

– Engraçado. Ouvimos tiros, mas não eram de pistolas. Enfim, levem ela para o museu que eu vou eliminar a companhia que vocês trouxeram.

Bento agradece e pisa no acelerador, impulsionando a van para o interior do parque e deixando Junior sozinho com o portão escancarado e alguns mordedores solitários. O grupo sobe a colina do museu em segundos, às pressas, até parar cantando pneu diante das portas decoradas com aldravas enferrujadas. Os outros moradores saem correndo do interior escuro e ajudam Marta a descarregar a amiga e a levá-la pelas escadarias até a enfermaria.

– O que aconteceu? – pergunta Alice, chocada – Ela perdeu o bebê?!

– Não sabemos. Ela caiu no chão e começou a sentir essas dores – comenta Hugo – Mas não deixa de ser preocupante. Porque se ele estiver morto...

– Pode renascer dentro dela – termina Júlia, sentada com os pés na mesa do banco imobiliário.

O grupo se silencia diante da ideia mórbida.

– Hugo! – diz Clara, encarando as costas do garoto com total perplexidade – Você está todo ensanguentado.

– Tive problemas com algumas garrafas de vinho e um mordedor agressivo, nada demais.

A garota não aceita a desculpa e corre para o interior do museu, retornando com um pano úmido e uma toalha para secá-lo.

– Você provavelmente vai cheirar a uvas durante todo o resto do ano – comenta ela, rindo, ao limpar os cortes – Quiçá o resto da vida.

Ele solta uma risada e seca os cabelos com a toalha. O casal sai da van e entra no saguão do museu atrás do filho pequeno, enquanto Yan termina uma partida animada do jogo da vida com Bernardo, mesmo sem entender nada de juros ou seguro de vida. Hugo observa os pais chamarem-no até um canto do cômodo e começaram um longo discurso em sussurros.

– E então – diz Clara, vendo que Hugo está observando a família – Você conseguiu fazê-los mudar de ideia?

– Talvez sim. Tudo o que temos que fazer agora e esperar e...

Um tiro ecoa pela tarde, levantando nuvens de pássaros dos bosques amarelados. Um pequeno comboio de caminhões militares e picapes estava estacionado diante dos portões principais, com uma milícia altamente armada espalhada ao redor e...

O general Albert Housen à frente de tudo.


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Notas finais do capítulo

Próximo Capítulo:
Na Mid-Season Finale da 2° temporada, Hugo e os outros moradores do museu ficam frente à frente com um antigo inimigo, durante um cerco aos portões da Quinta. A guerra é deflagrada em um combate sangrento pela vida e pelo futuro



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