Minha Vida Existe Para Viver com Você escrita por Anita


Capítulo 7
Um Vazio Crescente




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Enquanto dava passos largos para se afastar o máximo possível daquele templo, Usagi começou a mancar um pouco. Tá, seu joelho arranhado não doía àquele ponto, mas não gostava da falta de compaixão por parte de seu marido. Olhou de rabo de olho para o homem logo atrás, mas ele continuava apenas seguindo em frente.

– Sinceramente, não é assim que uma cliente deve ser tratada – resmungou. Quem sabe não conseguia ao menos que ele concordasse?

– Não creio que um templo deva ter uma relação de clientela. Ademais, você mesma disse coisas meio estranhas pra aquela moça. Como foi que se conheceram, afinal?

Usagi fechou o punho com força, mas conteve o impulso de aplicar um soco para calá-lo. A pergunta que lhe fora dirigida lhe havia feito se lembrar de algo importante. Inclinando o queixo para cima, virou a cabeça para outro lado.

– Não estou falando com o senhor. Sei que também riu quando eu caí. Sinceramente, esperava um pouco mais do meu próprio marido.

Enquanto prosseguia com o sermão, sua mente estava naquele fato importante. De fato, Usagi já havia encontrado Rei Hino antes. Melhor, esta a havia procurado com um aviso sobre seu superior. Apesar de somente impressão inicial de que se tratava de uma louca haver lhe vindo à cabeça durante o reencontro, Rei também a chamara de Serenity na ocasião. O nome que aparecia em seus sonhos.

Droga, por que não se lembrara disso antes de caí em uma longa discussão com a moça do templo? Seria bastante difícil conversarem depois de ter lhe sugerido uma camisa de força na frente de tantas pessoas. Contudo, Mamoru estava bem do seu lado, Usagi era quem acabaria no hospício se começasse a repetir aquela história.

Aqueles sonhos não paravam. Pelo contrário, vinham piorando a cada vez, arrastando com eles uma solidão, uma dor no peito. Mesmo agora que Mamoru, o príncipe de suas visões, tratava-a com tanto carinho, era como se um vazio permanecesse dentro dela. Como podia estar com saudades de quem estava bem ali, seguindo-a como que para irritá-la?

– Usagi?

E bem quando pensava nele, percebeu que Mamoru a estava chamando.

– Que foi afinal? – Voltou a fingir a zanga. Bem, não era falsa; realmente havia ficado chateada com ele na hora.

– Acabei de dizer. – Ele agora a havia alcançado e passava o braço pelo dela, andando bem junto a seu corpo. – Vou te compensar por hoje.

– Compensar, é? Não creio que seja fácil. Sabe, foi uma decepção. – Não, não tinha sido. Foi apenas seu Mamoru agindo como sempre. Ela também riria, e muito mais alto que o marido fizera.

– Que tal irmos para casa e pormos uma bela roupa? Soube de um restaurante muito bom em Ginza.

– Comida, é? Não sou tão fácil assim.

Ao mesmo tempo em que o falava, sentiu a respiração de Mamoru soprar seus cabelos perto da orelha. Deixando-a ruborizada, ele sussurrou com a voz rouca:

– Eles são famosos pelos parfaits. – Como se percebesse o esforço que Usagi fazia para não reagir, acrescentou ainda: – Com direito a calda de chocolate belga.

– Está bem... Já que você insiste. Vou te fazer companhia. Você sozinho não daria ao parfait todo o apreço que ele merece. – Ela sorriu enfim. Era tão bom ser mimada de vez em quando...

Quando olhou para o marido, porém, percebeu que ele franzia a testa.

– Não vá dar pra trás agora, Mamoru.

Em resposta, ele balançou a cabeça. Mas continuava um pouco aéreo.

– Eu só tive uma sensação estranha. – Assim dizendo, olhou para trás.

– Que foi? Não que diga que alguém tá nos seguindo. Ai, será o pervertido daquela vez...?

– Que pervert- Ah, o gato? – Então passou a mão pelos cabelos. – Deixa pra lá. Foi só sensação mesmo.

– Mamoru, Mamoru...

Mas ele sorriu e disse antes que ela continuasse:

– Nem me venha falar das suas camisas de força, sua boba.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Escondendo-se no meio dos clientes de uma pequena loja, Jadeite amaldiçoou o alvo de sua perseguição. Ele havia percebido que o seguia? Quis conferir novamente se aquele homem ainda olhava para trás como se o procurando, mas hesitou por um momento.

O que diria se fosse confrontado? Não, ele não o faria, né? Não na frente da própria esposa. Ainda bem que, ao ouvir a confusão de Usagi com sua namorada, Jadeite não havia se exposto ao grupo. Aquele homem não tinha qualquer informação sobre sua identidade; diferente dele próprio que trabalhava com a esposa do dito-cujo.

Pensando assim, deu um passo para fora da lojinha e procurou o casal que vinha seguindo desde o templo. Os dois estavam bem mais distantes agora, ainda com os braços enlaçados. Agora, Usagi se inclinava sobre o marido e falava animada sobre alguma coisa.

A cena o fez se lembrar de quando conhecera Rei. No início, os dois também andavam assim, né? Bem, ao menos sua namorada, sim. Jadeite apenas se deixava levar, um pouco confuso com seu jeito tão direto. Todavia, algo havia mudado não apenas nele nos últimos meses. Ela própria vinha se afastando de alguma forma e sequer passava a noite em seu apartamento. Bastava escurecer para lhe inventar alguma desculpa e voltar para casa como se o namorado fosse algum lobo mau.

Heh. Quem sabe eu seja...” Olhou para as próprias mãos com alguma atenção, vendo o que apenas ele poderia. Ou Rei também já conseguia enxergar? A mancha de sangue.

Após mais algum tempo perdido em pensamentos, decidiu correr atrás do casal antes que o perdesse de vista. Precisava descobrir mais sobre aquele homem.

– Não dê mais um passo, Jadeite!

A forma agressiva com que a voz lhe dirigia já seria o bastante para assustá-lo, mas o fato de estar vindo de um gato preto era aterrorizador. Jadeite olhou para os dois felinos que pularam à sua frente. Eles avançavam em sua direção, olhando-o fixamente.

– Não vamos deixar se aproximar nem mais um centímetro deles, General. – O gato branco ergueu uma das patas para mostrar suas garras.

Jadeite não tinha medo de gatos, mas aqueles dois causaram uma emoção forte nele que fazia seu estômago revirar. O que era aquilo? Sentiu as mãos geladas e o coração bater anomalamente. Antes que decidisse o que fazer, seu corpo já havia começado a correr para longe numa velocidade que nem sabia ter. Quando deu por si, estava tão longe que nem sabia ao certo onde exatamente.

– Eles não me seguiram, né? – perguntou-se, assustado demais para manter as palavras em pensamento. Precisava ouvir a própria voz, saber que ainda fazia parte do mundo.

Em seguida, levou a mão à barriga. O nervoso continuava a fazê-la se contrair. Seus braços pareciam arrepiados e as palmas suavam. Por quê?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Mais uma cerimônia de casamento daquele domingo estava terminando. Ami se posicionou logo atrás da senhora Aino e a acompanhou nas despedidas dos noivos com o alívio que sempre sentia quando eles deixavam a agência.

Minako sempre comentava que devia ser mais divertido se casar no Japão, em vez de seguir um monte de passos burocráticos chatos em que a cerimônia sequer fazia parte. Mas o trabalho da agência já era tão grande e tudo sempre dava tão errado que era bom a cerimônia não ser a celebração oficial do matrimônio. Não conseguia imaginar o quanto mais poderia dar de errado ali caso ainda tivessem que cumprir com formalidades de lei.

Ao perceber que todos os clientes já haviam ido, a senhora Aino se voltou para Ami e pediu que fosse cuidar das festas que ainda aconteciam ali. Despedindo-se da superior, ela se apressou para continuar o serviço. Faltava somente mais uma hora de salão para um deles, por isso, era melhor se direcionar àquele. Parando à porta apenas para endireitar suas roupas e inspirar um pouco, preparava-se para entrar quando alguém saiu pela passagem restrita a funcionários.

– Boa tarde. – Zoisite fez-lhe um cumprimento comedido e se afastou logo em seguida, carregando sua pasta de partituras.

Mais uma vez, o músico havia agido como se fossem desconhecidos. Não queria se importar; dizia-se que a frieza dos últimos dias não devia ser estranhada. Zoisite havia se declarado para ela, que o havia rejeitado. Ele ainda tentara insistir, continuavam até a se falar. Sem mencionar as flores, quase diárias por um período. O que mudara desde então?

Lembrou-se subitamente de Minako. Ela saberia a resposta? Mas Ami balançou a cabeça; não podia ficar falando disso. Não mentia quando o rejeitara. Havia algo errado em sua vida e, por isso, não poderia ficar com ninguém até entender o que seria.

Quando mais jovem, não questionava muito sobre a vida. Nem tinha tempo para isso entre a escola e o cursinho, além dos estudos por ela própria. Então, desde o final do ginasial, ela passou a contestar um pouco seu estilo de vida. Antes o tivesse feito radicalmente, mas foi apenas na faculdade, quando se amigara com Minako que tomara coragem de enfrentar a vida que sua mãe lhe planejara e sair para descobrir a dela própria.

Não, a culpa não era mesmo da companheira de quarto. Ela incentivara-a sempre, dera-lhe a coragem que lhe faltava. Ami queria muito seguir seus conselhos agora também e aceitar Zoisite, mas não estava pronta. E não podia decepcionar mais um, enquanto sua batalha interior em busca de si mesma prosseguia tão forte como quando decepcionara sua própria mãe.

Enquanto isso, sabia que o estava perdendo.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Pondo a seu lado uma pasta cheia de papéis fora da ordem, Makoto passou a observar Usagi. Sua grande amiga naquela empresa, qualquer um diria, mas havia sido criado um abismo entre as duas. Ela mesma o provocara, claro.

Nunca se abrira sobre Motoki e nem podia culpar a insistência do próprio em fazer segredo. Makoto não quisera contar; não pudera mostrar aquela parte suja de sua vida. Agora, como contar sobre Masato, sobre por que o recusara?

Todavia, Usagi também lhe escondera bastante. E, nos últimos dias, não vinham se falando mais que o necessário. Precisava fazer algo. Decidira ajeitar sua vida desde aquele dia, não era?

Levantou a mesma pasta e a deixou cair mais uma vez sobre a mesa, causando um pequeno barulho. Quando percebeu a amiga dar um pequeno pulo e olhar incomodada em direção ao objeto causador do distúrbio, Makoto voltou todo o corpo para ela.

– Favor me dizer o que há de errado – demandou. Arrependeu-se um pouco do tom que usava, mas nunca fora uma menina de indiretas. – Não gosto de como tem me ignorado.

Usagi a observou por um instante. Então, voltou-se para a tela de seu computador e disse calmamente:

– E eu não gosto de ser usada. Sei que sou uma boba, mas eu esperava mais de uma amiga.

– De que está falando?

– Das mentiras do Motoki quando ele ia te encontrar. Quantas vezes vocês disseram à Reika que ele estaria comigo?

Passou a considerar qual resposta seria a mais apropriada: um choro, um grito raivoso, algo sarcástico, ou apenas fingir não entender. Insatisfeita com qualquer dessas opções, Makoto não respondeu. No lugar, anunciou:

– Eu terminei com Motoki. – E voltou a seu trabalho.

Aquele era o momento em que as duas amigas se reconciliavam aos choros, mas ela não conseguia derramar uma lágrima pelo romance frustrado. Por isso, teria que se aguentar sem a grande cena daquela no filme de sua vida.

Por sorte, Usagi era seu completo oposto e a abraçou com o rosto encharcado de lágrimas enquanto berrava. Ela não se importava com todos os olhares que atraíra; estava chorando abertamente.

– Hã, Usa? – Makoto ainda a tentou abraçar, mas não sabia como poderia consolar alguém que a estava consolando. Ou deveria estar. – Você ouviu que fui eu que terminei, né?

– Mas é tãaao triste! – proclamou, fungando sonoramente. – Desculpa não ter podido te ajudar! Que amiga sou... Ainda briguei contigo. – E fungou uma vez mais.

Sem se conter, Makoto passou a gargalhar por cima do choro derramado pela outra, ia-se embora toda a frustração sentida desde que tudo começara.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Os dois gatos estavam de volta a seu novo lugar de sempre, em frente ao apartamento dividido por Minako e Ami. Hoje não havia visita de nenhum general, estas não vinham mais ocorrendo. Mesmo assim, eles não estavam mais aliviados. Haverem encontrado aquele general perseguindo Usagi e Mamoru os preocupava imensamente.

– Luna... – Arthemis tentou, não pela primeira vez.

– Não. Já disse que não. Não posso...

– Mas precisamos do Cristal, Luna!

– Sabe que ele não existe mais. Quando todas ressuscitaram, aquele foi o último dos poderes do Cristal. Não consigo mais senti-lo.

– É a nossa esperança. Ele poderia nos revelar mais sobre esses generais.

– Pois não vou devolver à Usagi todas aquelas lembranças. Ela sempre desejou ser uma garota normal.

– Que pode acabar morta com esse bando de general atrás dela. – Arthemis avançou até bem perto, com o cenho peludo franzido como um gato podia.

A gata suspirou, mas ainda balançou a pequena cabeça.

– Não podemos... Ademais, nenhum deles parece se lembrar de nós.

– Podem estar fingindo. Todos apareceram do nada na mesma época.

– Quando as meninas foram trazidas de volta. Talvez, o Cristal tenha querido trazer os guardiões do príncipe Endymion junto com ele.

– Ou esse é mais um plano do Dark Kingdom. Os verdadeiros generais estão adormecidos e voltarão assim que estiverem fortes novamente.

– Não podemos, Arthemis...

– Não podem o quê?

Assim perguntando, Rei se aproximou de ambos os gatos e se curvou para vê-los de perto. Dois gatos com o sinal de lua crescente na testa. Os mesmos de suas visões, sem dúvidas. E falantes! Quem diria que entregar documentos na casa da tal Mizuno fosse lhe render aquela descoberta? Pensando bem, Ami Mizuno era a Sailor Mercury; deveria ter esperado achar mais por ali.

Os felinos a olhavam de volta tão inertes que pareciam ser de pelúcia. Para constatar que não o eram, Rei estendeu sua mão até o de pelo escuro. Era macio, familiar. Uma fêmea, tinha certeza mesmo sem entender nada de animais.

– Luna... – sussurrou enquanto o nome lhe vinha aos lábios.

Devia ser algum nome da vida passada daquele animal, como Serenity era para Usagi. A diferença era aquele se tratar de um gato que falava.

– Não quer falar comigo?

O branco se aproximou mais, como se cobrasse também uma reação da fêmea.

– E você é Arthemis, né? – Rei levou a mão livre também à cabeça deste.

– Ah. – A porta do apartamento se abriu para revelar a moça da agência de matrimônios. Ami acenou-lhe com a cabeça. – Então, já chegou. Por favor, entre.

Com um olhar de pesar para os gatos – eles iriam fugir, não era? – Rei cumpriu com o comando. Por que estava tão longe de encontrar a peça que faltava naquele quebra-cabeça? Sempre que começava a pensar que as visões não passavam de uma vida passada, fatos estranhos aconteciam. Ou teria apenas imaginado os gatos falantes e o olhar de gelo de seu namorado?

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Fechando seu celular, Mamoru considerou desligar o aparelho logo, antes que a próxima mensagem o fizesse trair a confiança de Usagi mais uma vez.

Claro, adultério não estava entre suas atividades com Reika e, apesar de considerá-la atraente, ela sequer fazia seu tipo. Contudo, sua esposa fora bastante objetiva ao pedir que não mais se encontrassem – e o fizera com razão. Por isso, ele não adiara dar a notícia à mulher de Motoki e proibir a si mesmo de até trocar mensagens com a mesma. Sabia que se preocuparia, já o fazia antes mesmo de ouvir sobre a gravidez.

A tela externa do celular iluminou-se de cima da mesinha do quarto, ela devia ter mandado mais uma mensagem demandando que se encontrassem. Talvez devesse responder desta vez; sequer poderia vê-la, pois estava de partida para Quioto naquela noite. Não, respondeu-se com firmeza. Pediu que não se falassem ao menos por um tempo. Reika não possuía amigos mais próximos que Mamoru, mas também não era isolada do mundo. Ele não era insubstituível. Ademais, também era a decisão certa com relação a Motoki, se o amigo suspeitava da relação de ambos a ponto de contar para Usagi.

Irritado com o próprio aparelho, ele o desligou de vez. Usagi ainda não devia ter anotado o número fixo do apartamento, mas não devia precisar. Chegaria em cerca de meia hora; não o fazendo, bastava o próprio Mamoru ligar para a esposa. Do telefone convencional. Tentando se convencer de que estava mais tranquilo, voltou a arrumar a mala para a pequena viagem.

Estava ansioso por chegar logo e, desta vez, poder ter uma verdadeira lua de mel antecipada. Mesmo sem precisar, saíra às cinco em ponto de seu trabalho simplesmente porque não se concentrava mais nas tarefas. Precisava fazer tudo certo.

Visitariam seus pais no dia seguinte e almoçariam por lá – Mamoru sequer os avisara que iria na sexta-feira de forma a poder passar aquela noite a sós com a esposa. Após se despedir da casa dos pais, passeariam pela antiga capital e falariam do tempo que ela morara na região oeste. Sua faculdade também não devia ser muito longe, poderia até conhecer o campus onde ela estudara. Tendo os pais naquela região, já conhecia bem todos os pontos turísticos e não conseguia pensar em nada muito atraente por ali, mas não se importaria de rever a ilha de Awaji, ou o zoológico de Tennouji. Pegou-se sorrindo com todos aqueles planos de adolescente, era como se estivesse esboçando um encontro. Bem, não o deixaria de ser. O que não poderia permitir era perder o sorriso de Usagi novamente.

Ouviu um som vindo de fora do quarto do casal e percebeu-se sorrir novamente. Sem pensar muito, correu para dar as boas-vindas a Usagi – algo bastante raro; ela raramente chegava depois dele. Foi quando se deu conta de que o barulho não se tratava de uma porta abrindo, mas deslizando. Então, voltou-se para a sacada. Havia se certificado de fechá-la antes, mas agora se encontrava escancarada, deixando o vento do por do sol entrar no apartamento.

De cima de seu sofá, dois gatos o encaravam fixamente.

– O gato do outro dia? – murmurou confuso. Havia se convencido de que apenas o imaginara então, mas lá estava e agora acompanhado. Por que um gato se daria ao trabalho de chegar tão alto com tantos outros lugares para ir?

– Mamoru, p-preciso que nos escute... – O gato preto andou até o braço do sofá mais próximo dele e ali se sentou mais uma vez. – Precisamos de sua ajuda para... – Ele pareceu tomar fôlego e prosseguiu: - Para recuperar o Cristal de Prata.

Melhor dizendo, tratava-se de uma gata a se tirar pela voz. Mamoru não entendia de animais para assim confirmar; ademais, tinha medo de estar levando aquela alucinação a sério demais para sequer tentar fazê-lo. Ao se perceber assim, deu as costas para os visitantes e caminhou para s cozinha. Precisava de um copo de água.

– Espere! – A voz masculina saía do gato branco desta vez, quem tinha uma das patas levantada e apontada para Mamoru. – É muito importante que nos ouça.

– É pelo bem da Usagi, – a gata falava mais confiante agora. - Você entende, não é? Mesmo sem se lembrar de nada, vocês conseguiram se reencontrar. Sei há algum vestígio de lembrança, ou não creio que isso seria possível.

– Lembrança?

Mamoru se sentou na poltrona e ficou com o olhar fixo na mesinha à sua frente. Tendo sofrido amnésia quando criança, aquela era uma palavra sensível para ele.

– Vocês não se lembram, eu sei. – Abaixando a cabeça, a gata suspirou contrita. – Mas é exatamente para proteger a Usagi que pedimos sua ajuda.

– Proteger de quê? – perguntou ele, ignorando as pontadas na cabeça.

– Do passado. De tudo o que aconteceu.

– O que aconteceu... – Levou a mão até a nuca baixou o olhar para seus pés.

Aquilo era sobre seus sonhos? Sobre a princesa que gritava por ele, e que Mamoru não conseguia alcançar em meio ao nevoeiro que os separava? Fazia anos que via aquela cena e, nos últimos meses, vinha lhe aparecendo com cada vez mais frequência e clareza. A cena em que ele, Endymion, corria desesperado até a princesa Serenity.

Junto com essa nitidez maior, outras visões passaram a lhe aparecer. Uma mulher de longas unhas gargalhando, um choro cortante, lágrimas. Também a sensação de estar preso, de fazê-la chorar. Não Serenity, mas Usagi. Vinha culpando a situação por que o casal passara; contudo, essas visões tristes se associavam cada vez mais com os sonhos do príncipe desesperado e de sua princesa.

– Vão embora – disse ele decidido, levantando-se novamente. Desta vez, era melhor tomar algo com álcool e fingir que estivera bêbado antes mesmo do primeiro gole.

– Não podemos, Endymion. – O gato branco pulou até sua frente. – Isto é importante. Seus generais estão se reunindo em torno da princesa Serenity. Precisamos que nos ajude a obter o Cristal de Prata, que está com sua esposa. – Devendo notar que Mamoru não reagiria, o gato acrescentou – Nem que para isso precisemos acordá-la.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

A jovem se desculpava com um cliente curvando-se vários ângulos a mais do que se recomendaria em uma aula de etiqueta. Seu jeito franco e sua dedicação provavelmente já haviam compensado qualquer desconforto que seu pequeno erro causara. E era bem pequeno: uma xícara havia caído do lado da mesa desse cliente, ele nada mais que se assustara. Minako realmente não precisava se desculpar tanto.

Sem esconder o sorriso, Shin continuou a observá-la fazer a limpeza. Vinha sendo ignorado fazia já algum tempo. Devia ser por isso que não sentia mais qualquer pudor em simplesmente continuar seguindo seus movimentos dentro do restaurante. Muito vinha acontecendo, e rápido demais. Mesmo desejando poder conhecê-la melhor, não havia como.

– Desculpa o atraso – disse Jadeite, tomando o lugar à sua frente. – Estas semanas vêm sido um inferno. Desde aquilo de sábado, não consigo pensar direito. Não imagina a confusão que fiz hoje, e aí tive que refazer tudo e só terminei agora. Isto não está bom, nada bom.

– Já disse que se acalmasse. Encontraremos uma resposta para essa questão.

– Aquele homem, acha que era um de nós? Como o que você viu noutro dia?

– O marido de Usagi, né...? Ele não parece ser como nós.

– Então, por que senti aquilo? Você também! Agora eu entendo quando me falou sobre ele, sobre ele ser diferente.

– Bem, também acho que a Minako é diferente, mas não como nós dois.

– Minako? – Jadeite pareceu confuso por um momento, então seus olhos pousaram na garçonete. – Não vejo nada de estranho nessa menina. – E virou os olhos.

– Você também me disse que era loucura sobre o marido de Usagi e aquele homem.

– Bem, estamos em dois a um; eu retiro o que disse quanto ao tal de Mamoru. Tem algo errado com ele! Você pegou o cartão dele, não foi?

– Fiz questão.

– Marquemos algo!

– Também pensei nisso quando você me ligou no sábado.

– Por que esperou até sexta à noite, então?

– Eu queria conversar com alguém antes.

– A garçonete?

Shin balançou a cabeça lentamente.

– Bem, eu consegui que ela me ajudasse a localizá-lo. Ele deve estar chegando a qualquer momento.

– Está falando do homem do outro dia? Como assim o chamou? Era para conversarmos sobre o lance. Você sabe, sobre- bem, aquilo.

– Exato.

– Com aquele cara?

– Você verá, Jadeite. Aquele homem, Zoisite, é exatamente como nós dois.

– Zoisite?

– Um nome peculiar, não acha?

Após um momento silente, Jadeite assentiu. Uma parte sua queria rir da coincidência de como seus nomes soavam parecidos. Mas era aquela parte superficial que parecia ser esmagada a cada dia por outra em seu corpo.

Então, passou a olhar para a parte externa, aguardando o tal homem parecido com ele próprio.

*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*

Usagi abriu com pressa a porta do apartamento, com apenas uma parte de sua mente notando como já se acostumara com chamar aquele lugar de sua casa. A maior parte de sua concentração estava nas desculpas que teria que arranjar para Mamoru. Os dois não costumavam marcar muitas coisas juntos, já que saíam do mesmo lugar; então, ela não fazia ideia de como o marido reagia a atrasos. Principalmente um de mais de uma hora.

Tirou os sapatos, jogando-os para trás, e pisou na madeira da casa, sentindo a porta bater atrás de si. Ótimo, aquela sim era uma reclamação constante nos últimos tempos, ela precisava tomar mais cuidado com os barulhos que fazia. Usagi tomava, mas apenas depois que já os havia causado.

Lembrando-se novamente de que estava com pressa, correu para seu quarto removendo parte das roupas que usava. Tinha planos de tomar banho antes, – os poucos minutos da estação até ali foram capaz de derretê-la – mas não queria dar mais motivos para a ira de Mamoru.

– Desculpa o atraso! – gritou desde o quarto, pondo na mala tudo o que adiara pôr na noite anterior. – Acredita que errei o trem e nem sei onde fui parar? Justo hoje que consegui sair bem cedo da empresa... – Para checar um pouco a expressão do outro, pôs a cabeça para a sala e perguntou: – Quanto tempo temos até o trem? Não vamos perder, né?

Percebeu que Mamoru estava apenas sentado no sofá sem haver sequer ligado a televisão para onde parecia olhar. Seu marido voltou o rosto para ela e pareceu surpreso ao vê-la. Como não ouvira o furacão que acabara de causa? Estaria tão furioso assim?

– M-Mamoru? – cobrou ao não ouvir resposta.

– Ah. Desculpa. Bem-vinda de volta.

– Ah, é. Acabei de chegar! – exclamou em tom de melodia, só para esconder quão nervosa ele a estava deixando. Sua risada, contudo, deixou bem claro.

Alheio ao estado da esposa, ele se levantou como se estivesse pronto para a guerra. Agora que viria o sermão, né? Usagi engoliu em seco. Então, o homem sorriu; simplesmente lhe mostrou os dentes com os olhos brilhando fixos nos dela.

– O-o que... houve...? – Usagi perguntou com a voz lhe falando enquanto olhava para cima, tentando ler o rosto do marido.

Enquanto o outro se aproximava mais, ela só pode encolher o corpo. Então, sentiu-se abraçada. Mamoru a havia puxado para bem perto e a segurava com força.

– Que foi, Mamoru? – perguntou com a voz abafada pela blusa dele. – Aconteceu alguma coisa? Foi seu pai? – Mesmo sugerindo isso, sabia que era algo relacionada a ela própria; a forma como lhe tratava fazia parecer que ela sumiria a qualquer momento.

Após um tempo, ele levantou um pouco a cabeça e deixou os lábios bem perto de sua orelha.

– Vamos ficar assim um pouco mais, - pediu-lhe antes de deitar-se sobre seus ombros.

Era para ser algo agradável, simplesmente um abraço... Devia ser aquela forma estranha e intensa com que era enlaçada por seu corpo que a fazia se sentir tão triste. Não, estava se enganando dizendo isso. Sempre que Mamoru a tinha nos braços ou quando a deixava, Usagi sentia aquele aperto no coração. Estar com ele, pensar nele... Seria apenas amor? Não se enganava mais que não sentisse algo especial por ele. Mas seria apenas isso? Por isso, ele a segurava tão intensamente? Então, havia algo errado com amar.

– Vai ficar tudo bem, Usa.

Em vez de sentir o efeito daquelas palavras tranquilizadoras e de seu nome sussurrado tão carinhosamente – quando ele começara a chamá-la assim? – o que Usagi percebeu foi um gato preto os observando.

O que é isso!? – perguntou, dando um pulo para trás e caindo sentada de mal jeito sobre a poltrona da sala. – É piada, né? Você me achou esse gato na rua e trouxe aqui só pra me assustar!

Mamoru observou o gato um pouco. Em seguida, caminhou até o felino e o pegou pelo peito, entregando-o à esposa. Assim que o recebeu, ela percebeu que o marido lhe sorria divertido.

– Seu susto veio de brinde, na verdade.

– O quer dizer com isso? – Com o gato em mãos, ela começou a inspecioná-lo. Era uma fêmea tal qual imaginava.

– Achei que seria legal termos um bicho de estimação.

– Na véspera de viajarmos?

Não é que não gostasse da ideia; de fato, seu coração estava batendo mais forte com o gesto. Era apenas estranho, principalmente adicionando-se a forma como ele se comportava até pouco antes.

– Eu a encontrei na rua, andando aqui perto.

– Não podemos deixá-la sozinha.

Mamoru olhou para baixo, mas logo sorriu.

– Já pedi pra um vizinho vir vê-la. Está tudo ajustado. A menos que ache muita responsabilidade... Afinal, mal estamos nos entendendo só os dois.

Olhando mais uma vez para a gata, Usagi balançou a cabeça. Como poderia discordar? Abraçou-a junto a si com toda a força e respondeu:

– Vou chamá-la de Luna! Com esse sinal de lua na testa, parece até a gatinha que eu via perto de casa todo dia, he he.

Ao dizer isso, sentiu-a pular em seu colo.

– Ela gostou, né? – E a apertou mais uma vez, sentindo a gata se agitar alegre em seus braços.

– Acho que gostou do nome, mas não diria o mesmo desses abraços.

– São abraços. Abraços são sempre bons! – Levantou meus olhos da gata, começando a perceber que ele não concordava. – Você não acha?

Mamoru lhe exibiu um sorriso leve e assentiu.

– Claro que gosto dos seus abraços. – Então curvou o rosto até ela e a beijou suavemente. – Mas os gatos, não. – E tirou Luna de seus braços, puxando mais uma vez o corpo de Usagi para si a fim de continuar o beijo.

Não podia dizer que não gostava daquilo; seu estômago parecia até um vulcão em erupção de tão emocionada. Mas a atitude de Mamoru era suspeita. Ele saberia? Que havia algo muito errado entre eles?

Não era normal sentir uma tristeza tão maior que a da época em que não eram tão próximos. Quanto mais perto o sentia, mais precisava se aproximar. E ela não compreendia aquele sentimento, não sabia o que fazer com ele. Não querendo mais pensar em seus sonhos, Usagi apenas o beijou de volta. Tinha sorte de não ter muito poder de concentração, além de possuir um marido tão atraente para lhe roubar o ar e lhe fazer esquecer temporariamente daquilo tudo.

Mas até quando?

Continuará...


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Notas finais do capítulo

Nossa, nem sei que comentar, rs. Mas espero que vocês sim, adoro ler o que estão achando da história! E tá cada vez mais perto do final. Acreditem se quiser, mas o próximo já será o antepenúltimo capítulo. :( Tava indo tudo tão bem, né? Pena que tem que acabar. Mas até o final, pro favor continuem lendo!

Muitos agradecimentos ao pessoal que fica esperando meus atrasos com publicação. Ultimamente, nem seus comentários eu tenho conseguido responder em tempo hábil. Eu respondo, garanto que respondo. Podem voltar nos capítulos antigos e conferir que está tudo lá :D Agradecimentos especiais à Tatazinha, à Professora de Italiano e aos anônimos (que acho que são a mesma pessoa, mas não tenho como saber - ou tenho? o.O), também a todas que vêm deixando reviews no FFN e comentários na comunidade!

Até o próximo capítulo! :3



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