Na hora em que eu abri a porta, uma brisa fria da manhã invadiu o meu rosto, congelando meus olhos verdes como a floresta. Quando Elise e eu nos afastamos, minha mãe gritou da janela:

– QUE DEUS OS PROTEJA!

Acenamos de volta para ela e seguimos rumo à escola. A gélida brisa da manhã de outono me deu a ideia de liberdade e sem perseguições. Poxa, queria que isso fosse assim, tanto para nós, quanto para os arianos e outros inferiores. E eu ia sentir isso na pele, sendo ou não selecionado entre os outros dois selecionados para o reality. O Dia da Seleção funciona assim: como o reality ocorre uma vez por ano, três judeus selecionados de cada seis cidades alemãs - apenas dois judeus da capital, Berlim - irão para a capital, onde lá são apresentados para o Fürer (o chefe, o chanceler), nesse caso Hitler II, e daí, rapazes e moças são separados para treinar. No dia seguinte, cada judeu é submetido a um teste de sobrevivência, que é um tipo de simulação em que você vive em uma área de guerra e logo começa a reagir contra os inimigos -imaginários - e assim, os jurados tomam nota. Quanto maior for a nota, maior vai ser a chance de você sair do reality vivo, apesar de ferimentos ou mutilações, mas vivinho da Silva.

Ai, ai, pensei, como eu queria faltar esse dia. Mas não posso, pois se isso acontecer, a minha família estaria em perigo de ser presa pelos nazistas e levada para o Campo de Concentração. E isso já aconteceu com um colega meu. Mas não vou levar em conta isso, pois à medida que vou me lembrando desse dia, fico cada vez mais deprimido. Continuando, depois do teste, os judeus irão desfilar pelas ruas de Berlim em carros luxuosos e deslumbrantes, o que significa é que amanhã você vai morrer, ou sobreviver em condições precárias até o fim.

Meus pensamentos foram abruptamente interrompidos, quando uma tropa de homens de uniforme pardo e em cada braço esquerdo, uma suástica do Nazismo - os nazistas, deduzi. - marchava em frente, atropelando ou metendo cacete em cada um que passava por ali, sem piedade alguma.

– Os nazistas - sussurrei. - Elise, cuidado!

Puxei a minha irmã para o outro lado da rua, por um tris de sermos atropelados. Muitos judeus corriam de um lado para o outro e vice-versa. Enfim, acabamos escorados em uma fachada de concreto, onde estava colado um cartaz do Hitler II segurando uma bandeira do Partido Nazista com a mão direita, enquanto a outra estava em punho. Lá no fundão estavam os seus seguidores - os soldados, supus. No alto, uma águia voava em plena luz do sol. Embaixo, estava escrito: TUDO PELA ALEMANHA. Mais um culto ao líder. Que esdrúxulo!

Enquanto assegurei de que eles se distanciavam, eu conclui e retomei o rumo. Mas acabei me dando conta de que Elise estava fixa no mesmo lugar, com os olhos verdes como o meu, esbugalhados e paralisada.

– Elise, o que aconteceu? - perguntei.

– Heinrich, - desabafou a minha irmã, quase chorando. - eu não quero que você vá. Eu tenho muito medo. Se você for, quem vai cuidar de mim?

Eu me agachei para ficar do tamanho dela, o que ocorreu o contrário: fiquei abaixo dela.

– Mas você tem os nossos pais. Se eu for, sentirei no meu coração que vocês estarão ao meu lado, e eu tenho certeza. E eu prometo, que se eu não voltar, visitarei vocês sempre.

– Mas eu não posso te ver. - Elise realmente começou a chorar. - Não importa se você ganhar ou não. O que importa é que você volte.

Abracei a minha irmã, acabei derramando uma lágrima do rosto.

– Pode acreditar, Elise. - encorajei-a. - Pode acreditar que um dia estaremos juntos de novo!