18 Meses Depois

– Não deveríamos estar pintando a casa nova no dia do seu aniversário. É contra as leis! - Disse Katniss ainda emburrada, deixando a lata de tinta no chão.
– Contra as leis? - ri de seu exagero.
– Sim, contra as leis katnissianas! - Dessa vez eu gargalhei.
– Vamos combinar assim: meu presente de aniversário é ficar o dia todo com você, tudo bem? - sugeri suavemente, olhando em seus olhos.
– No meio de pincéis e cheiro de tinta? Isso não me parece muito romântico ou divertido - insistiu projetando aquele beiço mimado.
– Nós podemos fazer disso romântico e divertido - sorri, me agachando para abrir a lata e pegar os pincéis novos.
– Você é teimoso demais, Mellark! - bufou, desistindo.
Katniss estava chateada por não estarmos saindo no sábado do meu aniversário. Eu acabei a convencendo de não fazer nada, e viemos para a nova casa. O processo de mudança estava demorando um pouco, por minha namorada querer mudar a mobília e deixar mais nossa cara, como dizia.
A verdade era que a essa hora ela estaria me chutando para fora de casa com Finnick para planejar uma festa surpresa com nossos amigos. Isso se nossa vida no momento não estivesse uma bagunça.
Estávamos tentando adiantar tudo na medida do possível, por questão das hipotecas e por querermos ficar finalmente à vontade de novo.
A nova residência era como que as outras duas juntas e mais um pouco, isso quer dizer que bem grande. Três quartos, três banheiros, uma bela cozinha, a sala em que Katniss não me deixava saber o que estava planejando, um quintal espaçoso e o elemento surpresa que o corretor apresentara: uma piscina. Além da sacada do quarto principal que nos deixava com uma visão maravilhosa de Denver.
– Não fica assim. Meu aniversário fica perfeito só com você do meu lado - sussurro em seu ouvido, a abraçando por trás e encostando meu queixo em seu ombro.
– Você não joga limpo - praguejou menos emburrada e me fazendo voltar a rir.
Outra coisa que mudou ao longo do tempo foi Finnick e Annie. Depois que Sam crescera um pouco - sim, era um menino -, eles viviam tendo brigas bobas e sem importância, que acabavam com pedidos de desculpas melosos e beijos intermináveis. Era um ciclo de cada dia. Provocar, discutir, pedir perdão e se agarrar.
Eles estavam nos ajudando bastante com tudo, e agora esperavam o irmão ou irmã de Sam, faltando três meses para completar a gestação, já mudados do apartamento antigo para uma casa bem maior.
Gale e Madge continuavam na bolha sem fim deles, dessa vez mais forte, já que minha sobrinha estava a caminho e viria ao mundo em duas semanas previstas pela obstetra.
Comecei a passar o pincel pela parede, que adquiriu um tom verde claro e suave.
– Os papéis de parede já chegaram? - Perguntou Katniss distraída.
– Sim, estão todos na caixa do canto - apontei.
– Eu gostei dessa cor - comentou.
– Eu também gostei.
– Sabe que você tinha razão? Dá pra deixar isso aqui romântico e divertido. Bem, divertido pelo menos. - Começou. Aquele tom de voz nunca era exatamente bom.
– E como podemos fazer isso? - mal deu tempo de eu me virar e Katniss já levantara o pincel em minha direção, pintando meu rosto.
Fechei os olhos e respirei.
– Você gosta de provocar, não é, Everdeen? - questionei calmamente, me aproximando. Niss começou a rir.
Antes que ela corresse para fora do quarto, a barrei contornando sua cintura com um dos meus braços e, com a outra mão, pintei metade de seu rosto.
– Isso não é justo! Você é bem mais forte - reclamou.
– Não é justo você tentar fugir - retruco divertido.
– Ok, ok - concordou relaxando. A soltei, pensando que era uma garantia de que poderíamos voltar a pintar.
Como eu estava errado.
Outra chance e ela respingara tinta do outro lado do meu rosto.
– Então é assim? - inquiri desafiador, antes de fazer a mesma coisa com ela.
– Está declarada a guerra de tinta, amor - disse divertida e provocativa, antes de correr dali.
Desde que estávamos juntos, Katniss despertara a minha parte boba e infantil que havia dentro de mim.
E era tão boa!
Nós acabamos rindo, totalmente sujos e coloridos e nos jogamos no novo sofá azul-turquesa, que estava coberto por uma lona transparente.
– Eu te amo - viro meu corpo, apoiando a cabeça tombada no braço em cima do encosto. Os momentos de nos declararmos repentinamente um para o outro eram cada vez mais constantes, e eu adorava.
– Sabe que eu nem notei? - Ela se jogou em meu colo, bem à minha frente, agarrando meu pescoço. - Eu também te amo - sorriu, mexeu nos meus cabelos e se inclinou para me beijar. - Vamos embora? Terminamos isso amanhã. Ainda não te entreguei o meu presente - falou com mistério.
– Mas você me deu aquela camisa quando a gente acordou... - lembrei confuso, mas ela me cortou indignada. Indignada mesmo.
– Peeta, nem quando tivermos sessenta e quatro anos eu vou te dar só uma camisa de presente - sorri com sua promessa.
– Eu já ficaria satisfeito, mas tudo bem - afastei sua franja do rosto e cheguei perto para beijá-la de novo.
– Não diga isso de novo - pediu antes de corresponder.
Mesmo as casas não sendo longe uma da outra, preferimos vir de carro. Por sorte, já que estávamos verdes dos pés à cabeça.
Minha casa já havia sido vendida, por isso haviam caixas espalhadas pela de Katniss, e estava tudo em desordem.
Nós tomamos banho um depois do outro e fizemos um lanche juntos, com Coronel pedindo e pulando em nossas pernas.
Quando eu me sentei no chão com o cão em cima de mim, Katniss subiu dizendo que logo voltaria.
Eu liguei a televisão, sabendo que provavelmente era o seu presente.
– Pan pan pan! - anunciou sua volta com uma caixa nas mãos, e eu ri.
Katniss sentou em posição de índio ao meu lado e me olhou com expectativa.
– Espero que goste - estendeu a caixa azul com uma laço branco.
– Sabe que não...
– Bleh - interrompe. - Todo mundo gosta de ganhar presentes! Abre, vai! Abre! - bateu palmas, animada.
– Ok - desfiz o laço e tirei a tampa da caixa. Havia um papel de seda vermelho cobrindo o que quer que fosse, e o tirei cuidadosamente.
Era um álbum de capa toda personalizada com retalhos de tecido preto e xadrez com branco. Tudo feito à mão.
– Vai, abre! - pediu Niss ansiosa.
A primeira foto era a que ela havia tirado de mim na primeira semana que nos conhecemos, quando me levou ao asilo. A data estava logo abaixo, num espaço próprio.
Então a segunda eu estava fantasiado pela primeira vez no hospital, e a outra com Katniss.
Depois haviam várias com Finnick e Annie, outras com Gale e Madge, e até com os pais de Katniss.
Em outra parte, só tinham fotografias onde eu era mais novo, com meus pais, todas cópias das que eu guardava comigo.
Algumas que eu nem sabia que existia, como com as crianças do hospital em volta de mim enquanto eu lia uma história na sala ou com Prim e Andy me abraçando e beijando os dois lado do meu rosto.
Fotos com o pessoal do asilo, fotos só com Sam, fotos só minhas e muitas fotos com Katniss.
No final, éramos só eu ela, retratados sorrindo, fazendo caretas, nos beijando, beijando o rosto um do outro, sonolentos e com cara de quem acabou de acordar, no parque, em casa, no hospital, no asilo, no sofá, no quintal, na cozinha depois de uma guerra de comida. Em todos os lugares e jeitos possíveis.
Eu sorri ao me lembrar de cada momento de cada fotografia.
– Tem mais - Kat deu a dica ansiosa, apontando para dentro da caixa.
Tirei de dentro uma moldura amarela, com alguns enfeites colados. A foto posta ali era a última com meus pais. A mesma que Katniss dissera que ficaria bonita em cima do criado mudo, e que eu concordei, mas acabei não indo atrás.
– Então? - Questionou ansiosa. - Foi tudo eu quem fiz, foi um pouquinho difícil, tive que esconder de você na redação, mas valeu a pena, acho que ficou bem legal. Usei todas as fotos que tínhamos, havia algumas que eu nem me lembrava, acredita? Ainda bem que eu marquei as datas de cada uma no celular, senão seria um trabalho incompleto. Só não coloquei a dos seus pais, obviamente, daria corda perguntando pra você, e nem sabia se lembrava... - ela deu de ombros, ainda continuando a falar, mas então eu comecei a rir.
– Kat... - peguei sua mão. - Eu amei - sentencio, acabando com qualquer dúvida que ela ainda tivesse.
Deixei a caixa com os presentes do outro lado e a puxei para cair em meu colo, já que a essa hora ela estava de joelhos, gesticulando. A abracei forte, inspirando e sentindo seu cheiro.
– Obrigado - sussurrei, fechando os olhos ao mesmo tempo que ela me abraçava de volta.
– Feliz aniversário - disse baixo. - Tem uma coisa na mesa da cozinha, é meu terceiro presente. - Ela falou como se me mandasse ir ver o que era. Eu ri meio que dizendo que ela não tinha jeito e me levantei.
Havia outra caixa, essa de madeira pintada à mão de azul. Abri a tampa, e ofeguei.
– Como... Como isso? Kat... - peguei o carrinho de brinquedo, que, na época que eu ganhara, era a novidade.
– Eu sei, você pensou que tinha perdido. Mas, na verdade, Finnick o encontrou no meio da mudança para a casa nova dele e de Annie. Ele me ajudou a restaurar, e parece estar funcionando perfeitamente! - sorriu entusiasmada.
– Uau - murmurei com um sorriso. - Você é a melhor, sabia? - a abracei de repente, forte. - Eu te amo - beijo sua cabeça.
– Eu sei - riu. - Mas ainda não acabou - continuou misteriosa. - Fica aí e fecha os olhos. - Pediu, e rapidamente senti-me sendo vendado.
– Venda, Niss? Sério? - comecei a rir, e ela me guiou pela mão. - Não estraga o momento - podia vê-la rolando os olhos. - Pronto - disse quando parou, e foi para trás de mim desamarrar o tecido preto. - Não abre os olhos até eu disser que pode - exige.
– Ok, ok.
– Um, dois, três, pode abrir! - disse ao meu lado, e o fiz.
– Surpresa! - todos meus amigos gritaram à minha frente. Era a primeira vez que eu realmente ficava surpreso pelas organizações de Katniss no meu aniversário, já que quando fiz vinte sete ela não soube esconder bem.
Todos que estavam no quintal começaram a me cumprimentar e parabenizar, e ficamos conversando um pouco. Havia uma mesa com poucos presentes, outra com uma bolo decorado e doces, e outra com pequenos lanches e salgados.
A festa foi divertida, com muita gente conversando, uma música de fundo, Prim e Andy correndo com Sam, risadas e um clima animado. Finnick, Annie, Madge e Gale ficaram comigo e Katniss o tempo inteiro, o pessoal do asilo estava lá, e os amigos de trabalho de Katniss que eu conhecera aos poucos em encontros coletivos, também.
– Hora de cortar o bolo - Katniss parecia mais animada que eu quando me chamou, com um copo de refrigerante na mão enquanto me puxava com a outra.
Tiramos fotos atrás da mesa do bolo, juntos e sorrindo. Finnick acendeu as vinte e oito velas, e o pessoal começou a cantar o Parabéns pra Você.
– Faça um pedido - disse minha namorada com um sorriso e os olhos brilhando.
Eu olhei para todos, para a festa, para os meus amigos e para ela, finalmente. E não poderia ser mais sincero quando disse:
– Acho que já tenho tudo o que poderia pedir.