O domador de almas escrita por Kaique Andrades


Capítulo 3
O anjo caído




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Aquela noite foi péssima. Py e Jean ainda estavam em meu quarto, deitados no chão. Não bastava um arcanjo invadir meu quarto, meus sonhos estavam todos conturbados. Eram sonhos que pareciam visões, mas ao mesmo tempo não faziam sentido. Dinheiro, jóias, destruição, morte. Tudo isso era conteúdo dos sonhos. Tentei dormir três vezes, mas em todas eu fui acordado pelas tais visões. Eu nunca li a bíblia, mas pelo pouco que ouvi minha mãe comentando, consegui entender o motivo desses sonhos.

– Natanael deve estar infiltrado em minha cabeça. - Falei.

– Acho difícil, arcanjos não tem tal poder. - Me corrigiu Py.

– Como você sabe disso? Achei que você não tinha ido para o céu ainda.

– Eu era religiosa quando viva...

– Que nada, ela roubava o dinheiro do dízimo. - Interrompeu Jean.

Py virou o rosto, se levantou e saiu do quarto.

– Se eu fosse você, não dormiria mais. Seja quem for que está nos seus sonhos, vai continuar lá. - Aconselhou Jean.

Ele se levantou, foi até a janela, olhou para baixo e saltou. Por mais que eu soubesse que ambos já não eram mais vivos, ainda não havia me acostumado com as saídas suicidas de Jean.

Não consegui dormir aquela noite, as palavras de Natanael ecoavam em minha mente. Mas eu não entendia porque eu deveria ser um informante. Qual a utilidade de um informante em uma guerra? Ou melhor. Qual a utilidade de um informante humano em uma guerra entre anjos e demônios? Eu poderia ser o herói que salva todos, acho que esse cargo combinaria mais com meu perfil. Não, claro que não combinaria.

A noite passou rapidamente entre meus pensamentos e devaneios e os raios de sol entravam pela janela deixada aberta por Jean. Eu realmente não conseguia parar de pensar nas palavras do arcanjo. Por que eu? Por que essas coisas estranhas sempre tem de acontecer comigo? Minha concentração era mínima. Minhas aulas nunca foram tão inúteis quanto naquele dia, as palavras dos meus professores pareciam sussurros ao longe, tentando chamar minha atenção. Tempo perdido.

Após um dia de aula assim, eu só queria voltar para casa. No caminho de casa, minha mente estava realmente perdida, nem ao menos o caminho certo eu conseguia seguir com perfeição. Eu passava pela mesma rua pela segunda vez quando um homem em um beco me chamou. Ele vestia trapos bem acabados, parecia um mendigo, cartola, colete e calça bem surrados. Em um dia normal, jamais pararia para atender tal chamado, mas só Deus sabe o porque fui até o homem. Ao ficar frente a frente com ele, senti um puxão em meu braço. Fui ao chão. O homem era bem forte. Ele continuou me puxando e levou-me até o fim do beco. Havia um outro homem, muito bem vestido, estilo mafioso italiano de Hollywood. Terno preto com finas listras brancas na vertical, gravata preta, calça bem passada, sapatos brilhando e cabelo ensebado.Fumava um charuto bem fedorento e segurava uma taça enorme de vinho. Ele deixou a taça cair e se estilhaçar, se aproximou de mim e ofereceu ajuda. Empurrei sua mão e levantei sozinho.

– Rapaz valente. - Falou o homem de terno. - Presumo que você não saiba quem sou.

– Lúcifer? Sério? Não podia ser só mais um pouquinho clichê?

Eu limpava minha roupa, ela estava cheia de poeira e minha alergia estava me matando. Não conseguia nem olhar no rosto do homem de terno.

– Valente e bem humorado. - Falou enquanto gargalhava.

Pela primeira vez alguém havia achado uma de minhas piadas engraçadas, aquilo me deixou irritado. Ninguém deveria me achar engraçado.

– Se você está tentando me levar pro seu lado, começou mal. - Repreendi.

– Entendo. Diga, qual o seu maior desejo?

– Desiste lulu, não vou cair nessa. Já tenho problemas demais com o Criador por não ter fé, não vou enfiar meu pé de uma vez no inferno.

– Pelo que vejo, você já conheceu Natanael, até se refere a Deus da mesma forma que ele. Diga-me, o que Deus lhe ofereceu? Eu pago o triplo.

– Bom, você deve saber que ele não ofereceu nada, por isso faz uma proposta dessa.

–Nada? Que Deus generoso, você não acha? - O tom de ironia na voz de Lúcifer era nojento - Então pense bem no seus maiores desejos, eu posso realizar todos. Mulheres, riquezas, poder.

– Você sempre oferece essas mesmas coisas? Que tal digimons? Você pode criar digimons?

– O que são digimons?

– Você não é tão esperto quanto parece.

– E você mais estúpido do que eu pensava. Você sabe que eu poderia matá-lo agora mesmo?

Quando Lúcifer terminou essa frase meu corpo gelou, meus pés estavam presos ao chão e minhas pernas tremiam. Nenhum movimento era executado. Tentei correr, mas foi em vão. Lúcifer, então, se aproximou mais de mim. Segurou meu queixo e olhou em meus olhos. Seu rosto era estranhamente perfeito. Tão simétrico que causava mal estar em quem olhava.

– Mas você também sabe que Deus não permitiria tal tragédia. Certo? - Continuou - Você sabe que mesmo sendo uma criatura ingrata e asquerosa, Ele continua querendo você vivo, humano nojento.

– Não sei porque Deus iria querer me salvar. - Respondi.

– Porque assim como Lúcifer, você também é criação dele e assim como ele foi piedoso com Lúcifer, ele seria com você. - Falou uma voz conhecida.

– Natanael! - Lúcifer e eu exclamamos em coro.

O arcanjo aparecera de repente, sem ninguém perceber. Nem ao menos a luz da ultima aparição foi vista. Tudo foi muito rápido. Ele simplesmente saira das sombras.

– Deixe o garoto ir, ele já deixou claro que não se unirá a você! - Ordenou Natanael.

– Então você veio garantir que ele não cairia em minhas tentações?

Nesse momento, o arcanjo passou por mim, tocou em meu ombro. Senti como se ele estivesse armando alguma coisa. Minhas pernas pararam de tremer, meu corpo respondia meus comandos novamente.

– Não, vim apenas lhe trazer uma mensagem do Criador. - Disse o arcanjo.

– Ótimo. - Respondeu o homem de terno.

Enquanto os dois conversavam, corri o máximo que pude, não tinha o mínimo de vontade de ver o final da conversa. Cheguei em casa e fui para meu quarto. Py estava lá, Jean não. Parei atrás da porta e recuperei o fôlego. Comecei a me perguntar se Natanael estaria bem. Py, então, se levantou, estava sentada no chão com um urso de pelúcia, veio até mim e sussurrou em meu ouvido:

– Você não pode fugir, ele está aqui.

– Deus? - Questionei.

Py apenas continuou caminhando.

– Eu sei que você vai procurar Natanael, Py, por favor, diga a ele que precisamos conversar.

Ela apenas acenou positivamente com a cabeça e desceu as escadas. Alguns minutos depois, Jean entrou pela janela. Ele sentou em frente a televisão e ficou fingindo que assistia. Eu não entendia mais nada do que estava acontecendo, tudo era muito confuso e os fatos se desenrolavam rápido demais. A única coisa que eu podia entender é que, pela primeira vez, meu coração havia tomado uma decisão e, pela primeira vez, eu começava a ter fé.


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Notas finais do capítulo

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