Diamante Bruto escrita por Natsumin


Capítulo 60
Capítulo Dezessete - Rubro é o novo Preto


Notas iniciais do capítulo

Maratona!♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/550248/chapter/60

— O que está acontecendo com Natsumin?
Kentin olhou para baixo discretamente. Não podia parecer covarde, não podia parecer covarde. Castiel o assustava, não podia parecer covarde. Abaixo da franja castanha, a testa suava. Seus pés não tocavam o chão. Mas não podia parecer covarde. Droga, droga, isso era ruim, muito ruim, se seu pai descobrisse que isso aconteceu provavelmente o colocaria para fazer pelo menos umas cinquenta flexões.
— E-eu não sei. — fechou os olhos e se concentrou para não olhar muito nos olhos dele, saber que suas sobrancelhas estavam muito para baixo e os dentes dele trincados, já eram suficientes para fazê-lo tremer um pouco. O que? Não, tremer, não, Kentin que o iria fazer tremer, Castiel não colocava medo nele.
— Como não? Você foi amigo dela na infância, não foi? — o ruivo pressionava as costas do outro na parede e Kentin contava mentalmente. Um, dois, três... Isso precisa acabar logo, Castiel assusta, quatro, cinco, seis...
— S-se v-você m-me c-colocasse n-no chão...
Castiel soltou a gola da camisa dele e Kentin sentiu os pés tocarem o chão, mas não muito bem da forma que queria...Doeu um pouco.
— Agora está livre para dizer. — o ruivo agachou-se de frente para Kentin, que estava agora sentado no chão e ainda recuperando o fôlego. Além de quase sufoca-lo, segurando-o contra a parede do corredor mais vazio de Sweet Amoris, uma infelicidade da parte dele aparecer por ali justo no dia sentenciado em que Castiel o procurava.
— Eu não sei o que aconteceu com ela... — Kentin pausou, reparando o olhar intimidador e nada contente de Castiel com aquela resposta. Coçou a nuca e reparou também no punho fechado do ruivo, logo acima da munhequeira preta que ele usava. O pior seria se Castiel tivesse um soco inglês no bolso, ai Kentin iria se mandar na mesma hora! Não, quer dizer, não! Ele não iria, ia partir pra briga! — M-mas ela mudou muito. — Kentin abaixou os olhos, um pouco triste pelo fato de hoje em dia raramente falar com Natsumin e antes eles eram tão amigos... Lembrou-se do antigo colégio e do quarteto que formava com Tsubaki, Ayuminn e Natsumin. Lembrou-se de ter ido procurar sua ficha na sala de representantes e encontrar duas novas fichas. Conhecidas, a propósito. Elas estavam inscritas, por coincidência ou não. Mas Kentin ainda não vira nenhuma das duas nos corredores ou nas salas. Ultimamente não estava reparando muito em Sweet Amoris.
— Isso foi de grande ajuda, garoto. — Kentin ia acreditar naquele sarcasmo, se não fosse a expressão totalmente assassina na face de Castiel.
— Ela costumava tocar piano e guitarra e é claro, flauta porque toda criança tocava flauta e nós dois éramos os melhores nas aulas de flauta e...
— Vá direto ao ponto!
Kentin levou um susto com aquele grito de Castiel e reparou que o ruivo inclusive levantara o punho. Jesus, ele quase morreu nesse momento. Não que ele fosse covarde, mas quem não levaria um susto com um grito desses? Além disso, ele não gostava de estar perto quando Castiel estava de mau humor, mas hoje não teve escolha, foi o ruivo quem o procurou, o cercou naquele maldito corredor vazio e saiu segurando a gola de sua camisa e quase matando-o enforcado!
— E-ela abandonou tudo e não t-toca mais nenhum instrumento.... E também não compõe mais, pelo menos eu não vejo e....
— E? — Castiel indagou entredentes, estava perdendo a paciência que não tinha com esse moleque.
— Alguma coisa aconteceu pra ela ficar assim, m-mas eu não sei o que é, ninguém sabe!
— Você tem certeza? — Castiel já o segurava pela gola da camisa novamente e Kentin comprimia os olhos para não olhar para ele.
— B-bem, e-eu conheci duas amigas de Natsumin no antigo colégio e-e... Eu vi a inscrição delas aqui, mas ainda não vi nenhuma delas então não sei se já entraram aqui no... — Castiel apertou a gola de sua camisa. Kentin percebeu que não estava indo direto ao ponto que ruivo queria. O moleque estava enrolando novamente. — Elas era amigas íntimas dela, devem saber de algo.
Castiel soltou a gola da camisa do garoto, apoiou um dos joelhos no chão e se abaixou.
— Nomes. — a voz era mais baixa e ele tateava os bolsos, procurando o maço de cigarros. Quando encontrou, retirou um, tateou o outro bolso e procurou o isqueiro. Respirou fundo, estava tentando parar, embora os acontecimentos fizessem com que aquilo fosse impossível.
— Tsubaki e Ayuminn. — Kentin respondeu rapidamente, o corpo de ombros caídos e costas contra a parede, as pernas no chão, largadas. Estava bem menos tenso agora. Castiel se afastou como um vulto.
Kentin só pensava consigo mesmo em como o pai estava certo quando caracterizava pessoas assim como delinquentes.
***
— Pois bem, Ayuminn. — Rosa segurou a menina pelo braço assim que entraram pelo portão de Sweet Amoris. O engraçado era que, lado a lado daquela maneira, Ayuminn e Rosa pareciam irmãs. Não apenas pela semelhança na cor do cabelo, já que eram ligeiramente diferentes, além do cabelo de Rosa ser mais comprido, o de Ayuminn tinha um brilho lilás, bonito, que o diferenciava bastante, mas também pela forma como Rosa tratava Ayuminn. Era um fato que Rosa havia gostado da garota de primeira, talvez fosse a maneira como Ayuminn fora educada ou a maneira como ela mexia com o cunhado — como se de certa forma já tivessem se conhecido anteriormente — bem, era um pouco dos dois. E Ayuminn era uma garota legal. Simples, não era também de muitas palavras. Ah, e é claro, não dava em cima de Leigh. Rosa estava cansada de contratar governantas, diaristas, ou mais popularmente “empregadas”, para aquele tipo de coisa que sequer tinham respeito por ela. A casa era realmente grande, precisava de serviços como aquele, mas ela preferia não ter ninguém trabalhando do que mulheres com roupas extremamente lindas — já que eram confeccionadas por ela e Leigh — praticamente arrancando-as na frente do namorado. Ai de todas elas!
— Não se preocupe, eu tenho um plano. — ela soltou o braço de Ayuminn para ficar de frente para a menina. Havia um sorriso doce naquele rosto e isto transmitiu à Ayuminn confiança. — Mas, calma. Você disse que havia mais uma menina não é? Uma que era amiga de vocês duas?
— Bem, sim, mas não sei se ela está aqui em...
Rosa notou aqueles olhos bicolores arregalados.
***
Oh, maldito Boris. Ela gostava dele, mas agora queria mata-lo! Mal conseguira dormir direito esta noite, só conseguia se lembrar dos olhos de Nathaniel, do seu beijo doce, daquele peito forte e nu... Que se dane o golpe na cara que levou! Ele havia cuidado dela, enxugado seu maldito nariz que sangrava... Parte daquela hemorragia se devia também ao fato de ele ser tão lindo e estar tão perto, mas... Enfim. Ela tinha que admitir que acabou se dando bem. Um beijo daquele... No representante de turma... Tudo bem que mal conseguiu beija-lo direito, mas só o roçar daqueles lábios doces nos dela... Quem diria que beijaria o representantezinho mequetrefe que a atendeu de calcinha...
Sorriu sozinha. Às vezes ela mesma reconhecia que ela era impossível.
Mas bem... Aconteceu, não aconteceu? Ela não conseguiu resistir ele estava tão perto, ela teve de agarra-lo. Tsubaki era sempre muito intuitiva, quando sentia vontade de fazer algo, fazia e só pensava nas consequências bem depois. Bom... Quanto à essa parte, ela só descobriria hoje. Sequer conseguiu dizer adeus ontem pra ele. Nathaniel podia estar imaginando-a como uma verdadeira oferecida, ela não tirava esse direito dele, ou...
Ou nada, droga, ele realmente pode estar pensando isso. Droga, droga, droga!
Virou-se na cama três, quatro, cinco vezes. O rosto redondo marcava expressões confusas enquanto apertava os lábios, mas ao mesmo tempo balançava os ombros , negando-se a se importar. Pelo visto havia aprendido isso com Natsumin. A mesmo Natsumin que não há muito tempo foi uma de suas melhores amigas e agora virava os ombros como se nem mesmo a conhecesse. Se aquela noite de chuva e choro não tivesse acontecido, se ela não tivesse percebido aquele olhar de Natsumin, aquele mesmo olhar que ela nunca esqueceu, um olhar de desprezo, talvez mesmo depois de tanto tempo e depois de vê-la nessa nova escola, nesse mundo que deveria ser novo, assim como toda passagem de ano, que parece que vai te dar a oportunidade de reiniciar, mas na verdade você só faz replay a vida inteira... Talvez.... Onde ela estava mesmo? Talvez... Por que ela estava chorando?
Talvez Tsubaki não sentiria a vontade de falar com ela como estava sentindo agora.
Mas ai então ela lembrou-se daquele olhar novamente. Levantou-se. Droga, era um olhar de desprezo.
***
Olhar de desprezo.
Tentou mais uma vez no espelho, ainda era uma ilustre marionete, embora enferrujada. De certa forma aquilo a lembrou da noite em que viu Tsubaki e Ayuminn pela última vez, a noite em que lançou-lhes um olhar melhor do que este que treinava no espelho, a noite em que disse que o problema na própria vida era elas e não a maldita culpa que insistia em dizer-lhe que seus pais estavam mortos por sua causa. A mesma culpa que a forçou a mandar Castiel ir embora porque ela era assim, ela afastava as pessoas a partir do momento em que elas começavam a importar para ela. Fez isso com Tsubaki e Ayuminn. Fez isso com Armin. Ela só nunca esperou que fazer isso com Castiel fosse magoá-la tanto.
Os segundos, os minutos foram tão rápidos que tudo o que se indagava naquele reflexo medíocre no espelho, perdeu-se no espaço tempo porque quando menos percebeu já estava no pátio de Sweet Amoris, os olhos vazios, o corpo tinha as curvas acentuadas por um vestido um pouco acima dos joelhos, com rosas vermelhas estampadas e o fundo bege. A metáfora estava na própria antítese entre a vivacidade daquele vestido e a morbidez de seu rosto. Era como se sentia por dentro, mas não mostrava por fora. Era um puro contraste. Uma marionete arquitetada, com lábios corados de vermelho, estranho como mais uma vez passava maquiagem enquanto o vazio aumentava por dentro.
Quando percebeu que a rebelde estava ganhando virou aos quarenta e cinco do segundo tempo e agora a marionete ofuscava a vida da rebelde com suas cordas imaginárias e seu sorriso eterno. Pintado. Ainda lembrava-se do contra-ataque. Ainda sentia aquele beijo nos lábios. Involuntariamente um dos dedos que seguravam os livros contra o peito firme naquele vestido de alças finas subiu e tocou os próprios lábios pintados de rubro. Tão rubros quanto os cabelos dele.
O pátio estava cheio como sempre, mas diferente das outras vezes, aquelas conversas altas a estavam incomodando. Tentou parecer indiferente e diante da frustração do insucesso direcionou-se ao ginásio, o único local aparentemente vazio da escola. Fechou o portão pintado recentemente de cor branca às suas costas e apreciou o silêncio imediato, apesar de murmúrios continuarem do lado de fora. O piso cor de tijolo estava tão bem polido que Natsumin pôde reparar em seu próprio reflexo. Mais uma vez sentia repulsa e desviava o olhar para cima, prendendo as lágrimas que a sufocavam.
— Eu sei de você, Tsubaki e Ayuminn.
Ela ouviu aquela voz, o rosto de olhos arregalados e assustados se levantou, mas ela não olhou para ele.
***
— O que foi?
O olhar mel de Rosa passeava pelo pátio de Sweet Amoris, procurando um motivo por Ayuminn estar com as expressões daquela maneira. Rosa buscava a descrição de cabelos castanhos e olhos amarelos. O olhar bicolor de Ayuminn ainda estava arregalado e Rosa demorou um pouco para perceber.
— Oh, você a encontrou?! — Discrição e Rosalya não se encaixavam muito bem e Ayuminn rapidamente trincou os dentes e engoliu em seco, virando-se de costas para que Tsubaki não a reparasse. Talvez, por estar ao lado de Rosa, ela pudesse pensar que eram irmãs ou algo do tipo. O cabelo parecia um pouco, de fato. E a intimidade das duas foi criada rapidamente e de forma tão natural que parecia que se conheciam há muito tempo. — Ainda não vi!
— Está falando com o representante, aquele menino loiro e...
— Aquela é a Melody! — Rosa virou Ayuminn para frente novamente, pelos ombros, e a garota comprimiu os olhos para ter certeza. E não teve. Não era Tsubaki. Melody — agora sabia o nome da menina — segurava um punhado de livros no peito, usava uma blusa azul e uma saia branca e curta. Pelo jeito como ela corava e parecia sem graça, Ayuminn podia apostar que ela gostava do rapaz de uma maneira diferente. — E sim, ela é apaixonada pelo Nathaniel e não, ele não liga pra ela. — Rosa balançou a cabeça para os lados. — Mas não conte pra ninguém, está bem?
Ayuminn assentiu com um sorriso pequeno e triste.
***
Ok. Um dois três, quatro cinco seis... Não é tão difícil tentar se recuperar, não é? As emoções sempre foram um fardo para ela mesmo, era uma manteiga derretida de qualquer maneira. Natsumin sempre foi mais fria, Ayuminn não era tanto, mas quando tentava se manter imparcial, pelo menos conseguia. Agora ela... Respira. Isso. Para que foi lembrar-se daquela noite logo hoje e agora? Da calçada avistava a entrada de Sweet Amoris, mas precisava recompor-se imediatamente antes de entrar.
Soltou o ar e encostou-se ao muro da escola. Estava ao lado do portão de ferro, encostado, mas destrancado e podia já ouvir a barulheira no gramado do pátio, os alunos ficavam ali até o sinal tocar. Típico.
Quando ouviu o portão se abrir sequer teve tempo de se recompor. Mas notou que a pessoa que saiu procurava fazer o mesmo que ela. Pela maneira como passou a mão no rosto, respirou fundo com os olhos fechados e sequer reparou na presença dela logo ao seu lado, Tsubaki preferiu ficar em silêncio e apenas olhá-lo.
Ele abriu os olhos, ainda sem vê-la, mas ao tentar observar a rua como um todo, deparou-se com a figura da menina, os olhos amarelos atentos, o rosto sereno. O corpo em saia jeans e uma blusa branca de alças.
— Jesus! — ele pôs a mão no peito, os olhos verdes arregalados.
— Desculpe decepcionar. — ela sorriu, levantando um pouco os ombros. — Não sou Jesus, mas serve Tsubaki? — levantou uma das mãos, como quem diz “eu venho em paz”.
Ele realmente teve uma reação bem diferente. Não que Tsubaki não tivesse gostado, na verdade ela gostou bastante de sentir aqueles braços fortes apertarem-na com ternura e a barriga lisa encostar em seu peito, mas ela não esperava isso.
— É, eu sei, a vida é inútil, mas a gente supera, amiguinho, bola pra frente. — ela começou a balançar os ombros, notando que o rapaz não a soltava. — Errr... rrr.. hum.... — limpou a garganta e logo começou. — É eu também gostei de você, na verdade eu te achei uma graça, mas meu braço está começando a doer, bem, você sabe, eu uma magrela que come como um cão mas não engorda e você provavelmente um atleta de braços fortes, e põe forte nisso, bem... — Tsubaki falava demais quando estava nervosa.
— Desculpe. — ele finalmente soltou-a e ela finalmente pôde reparar na luz do sol. Tão bonito... — Você não se lembra de mim, não é? — ele sorriu, um sorriso quase tão brilhante quanto aquele sol.
Ele disse... Lembrar? Ela o conhecia? Uma vez no sonho, talvez... “Foi você, um sonho bonito que eu sonhei”. É. Essa definitivamente não era a hora de se lembrar da música de “A Bela Adormecida” da Disney.
Ele sorriu novamente, notando a expressão engraçada que ela fazia, os olhos comprimidos, os lábios formando um bico e as sobrancelhas franzidas. Ele retirou um par de óculos da mochila e colocou-os no rosto. Tsubaki reparou naqueles óculos redondos, fundo de garrafa e não, não tinha como ela esquecer.
— Oh, Ken! — agora ela o abraçou, mas por mais que seu abraço fosse bem apertado, aquilo não o atingia da forma como ele a atingiu, mas também, os braços dele eram fortes demais. — Oh Ken” — ela repetiu, colocando propositalmente a mão na barriga dele para indicar que reparou aquela mudança. Kentin já a conhecia e, por mais que devesse manter uma postura séria para acompanhar a nova personalidade, naquele momento ele acabou se esquecendo. Esqueceu-se, inclusive, da maneira como estava abalado por não ter conseguido enfrentar Castiel, ou o que seu pai diria se o tivesse visto naquele momento. Decepção, só decepção.
— Kentin. — ele retirou as mãos dela da barriga dele e a abraçou novamente, dessa vez um abraço breve.
— Kentin nada, você sempre será Ken, menino, para de graça. — ela balançou os ombros, ignorando o pedido dele.
— Então, Ken, como você está?
Kentin passou a mão pelo rosto. Tsubaki não mudou nada.
***
— É impossível. — passou a mão pelo rosto, quase se esquecendo da maquiagem que o enfeitava. Sentia-se como uma marionete falsa, preferia ficar somente na madeira oca do que disfarçar-se em sorrisos rubros.
— Impossível foi o que aconteceu ontem. — ela ouviu os passos dele, naquele momento seu peito se apertou e ela começou a sentir as mãos frias. A aproximação dele sempre foi um perigo para ela. Ainda mais agora que acreditava que... Acreditava que...
Ela não podia sequer pensar que estava apaixonada.
— Tão impossível que não aconteceu. — ele deu mais um passo, ela permaneceu imóvel e em silêncio. —Obrigada por clarear minha mente, Natsumin, agora eu tenho certeza de quem você é e vejo que não se passa de uma mentirosa. — Aquilo doeu tanto, mas ela permaneceu com a postura firme e agora levantou a cabeça.
— Está tentando me atingir para me fazer falar a verdade. — ela virou o rosto para ele, mas depois que o olhar cruzou com o dele, desviou rapidamente. — Isso não vai funcionar, Castiel.
— Uma coisa que eu sei de você agora. — ele deu mais um passo, ela não recuou. — Pelo menos conhece um pouco de mim.
— Castiel eu não vou entrar no seu jogo, eu...
— Segunda coisa que eu sei sobre você. — ele aproximou os lábios da orelha dela. — Você está enganada.
Ela não esboçou reação, sabia que o conhecia sim, mas Castiel era orgulhoso demais para admitir que alguém poderia conhece-lo.
— Castiel, você não sabe nada sobre mim. — ela olhou-o diretamente, o mesmo olhar de desprezo que treinara no espelho pela manhã, o olhar de uma marionete diferente, treinada para magoar e não meramente sorrir e dançar movimentada pelas cordas em seus membros. O ruivo notou aquele olhar, mas em seu rosto alvo, em seus olhos negros, a expressão era ainda pior, ainda mais macabra.
— E quem é você, afinal, Natsumin? — ele pegou-a pelo pulso, aproximando-se bruscamente com aquele olhar macabro, Castiel tinha o tom de voz alto e ironicamente aquelas palavras eram ecoadas pelo pátio vazio, preenchendo os ouvidos de Natsumin com mais intensidade, descendo e chegando ao seu coração. A chave que ligara por alguns segundos enquanto se desconectava do cérebro. — Quem é a garota que conviveu comigo na minha casa por um mês? Está achando que sou alguma espécie de idiota?
Ela não podia chorar, ela não podia chorar! Por que estava apaixonada? Por que estava apaixonada por ele?!
— Estou sim. — ela não puxou o braço como de costume, deixou-o ruivo segurando seu pulso e Castiel foi soltando o braço dela aos poucos, a expressão macabra foi se desfazendo e restou apenas a de Natsumin. — Sempre te achei um idiota, Castiel. —ela notou pela primeira vez os olhos dele mais diferentes, mais arregalados.
— Não estou brincando, Natsumin. — Ele se aproximou, dessa vez ela recuou, se recusava a feri-lo mais, isto é, se havia conseguido. Castiel era um Diamante Bruto, sua carcaça preta ainda o cobria e Natsumin, agora mais do que nunca, sentia que não podia decifra-lo.
— Tudo bem. Você ganhou. — a expressão de desprezo dela desapareceu, dando lugar a olhos cansados e um sorriso amarelo. — Eu estava brincando, apesar de ainda te achar idiota. — bateu com o ombro no dele propositalmente enquanto tentava passar por ele. Não precisava magoá-lo. Não precisava fazer isso, Castiel iria embora de qualquer maneira, iria deixa-la, deixar a cidade, seus amigos, iria para sempre! E assim ela não magoaria mais ninguém, não seria a garota digna de pena e desprezo ao mesmo tempo em que também desprezava. Tentava ferir os outros, mas sempre feria muito mais a si mesma.
As expressões de Castiel abrandaram, mas o ruivo continuava desconfiado.
— E desde quando eu ganhar é novidade? — ele sorriu e ela se acalmou um pouco. Estranho como gostava de vê-lo sorrir. — Gosta tanto assim de jogos, Natsumin? — ele se aproximou bruscamente, ela tentou disfarçar o nervosismo e ele disfarçava sua fúria naquele sarcasmo. Pousou a testa na dela, de alguma forma ele sabia que mexia com ela. Droga, ela sentia o próprio rosto queimar!
— Não com um oponente tão irritante — ela afastou-se com aquela desculpa esfarrapada e ele pegou-a pelo pulso novamente para puxa-la para perto, quando ouviram um pigarro.
— Rrrr. Rrrr. — Kim tinha os braços cruzados e um sorrisinho malicioso no rosto e saía do vestiário com Violette e Brita. Violette corava, não era novidade, ela corava por praticamente tudo e Brita tinha um olhar um pouco assustado. Natsumin não podia cair na tentação de Castiel como ela uma vez caiu, foi recusada e humilhada.
Natsumin arregalou os olhos azuis. Castiel permaneceu da maneira que estava.
— O-o que foi? — Natsumin abaixou o braço, de forma que Castiel não pudesse puxa-lo a não ser que usasse a força. Kim abriu mais aquele sorriso.
— Nada não. — Brita não falava nem esboçava nada, Violette deu um sorriso invisível – ela estava constrangida por rir daquela situação – e Kim era a única que respondia.
— Eu sei que sou irresistível, Natsumin, Kim não vai se importar com o que você estava prestes a fazer. — ele abraçou-a por trás, ela ficou sem ação.
— Para com essa bobagem! — ela desvencilhou-se dos braços dele. — Você é bem modesto pelo que estou vendo.
— Reconhecer não é o mesmo que se convencer. — ela via depois de um tempo que pareceram anos, aquele sorriso de coiote.
Ela revirou os olhos.
Kim, Violette e Brita saíram da maneira que apareceram. Instantaneamente. Kim estava bem desconfiada e achava engraçado imaginar Natsumin e Castiel juntos. Aquilo nunc passou por sua cabeça até agora. Brito mordia o lábio superior, não podia dizer para Natsumin que Castiel era um cafajeste na frente dele, então era melhor mesmo sair. Violette ainda se sentia um pouco constrangida porque eles pareciam bem íntimos e elas interromperam algo. Mas, de certa forma se sentia um pouco feliz porque gostava de Natsumin e também gostava de Castiel. E, de alguma maneira, também gostou de vê-los juntos. Mas também gostava de vê-lo com Debrah porque também gostava da Debrah. Então se sentiu culpada e suspirou aliviada por Debrah não estar ali.
Depois que as três saíram uma imagem se formou na porta do vestiário. Natsumin notou então que Castiel ficou em silêncio. Nenhum dos dois sabia que, diferente das três que acabaram de sair, esse alguém vira tudo. Desde o início.
***
Falar sobre a vida era tão bom. Lembrar-se de bons tempos era melhor ainda. Tsubaki sorria como se o mundo fosse só dela, Kentin sorria como se não houvesse problemas com quem ele era e quem ele gostaria de ser. Aquele portão de ferro de Sweet Amoris ficaria para a história algum dia. Tsubaki contou como foi parar ali. Como os pais estavam em constantes brigas e sua mãe acreditava que o grande problema estava mesmo era naquela casa velha, mas tão velha que Da Vinci deve ter feito a arquitetura. Que eles deram um tempo e seu pai passou a morar num hotel nessa cidade e sua mãe que ainda era apaixonada por ele resolveu se mudar logo e pôr a casa à venda que, por mais incrível que pareça, foi logo vendida. Elas moravam sozinhas numa casa menor agora e Tsubaki de vez em quando aparecia no Hotel onde o pai ficava. Não era preciso mencionar que ela bem raramente o encontrava ali. Outra coisa que estava irritando sua mãe era o fato de ele não largar os papéis, viver no escritório e esquecer-se de tudo. Seu pai era um policial investigativo, trabalhava no departamento de arquivos mortos, aqueles casos que nunca tiveram solução, no entanto, naquele ano haviam dado a ele uma promoção e estava trabalhando com casos... Como ela poderia dizer? Vivos?
Kentin ria daquele comentários e, é claro, continuava concertando-a. Tsubaki não parava de chama-lo de Ken. Se alguém ouvisse... Tsubaki continuava impossível mesmo.
Kentin suspirava mais do que falava. Falou sobre a escola militar, disfarçou comentando como o tempo estava fresquinho e como o céu ficara nublado de repente, poderia chover em alguns minutos. Nesses momentos ele acabava levando um tapa no estômago, Tsubaki detestava quando ele não ia direto ao ponto. Em alguns momentos ele ficou chateado com isso, mas depois que viu que não adiantava, ela continuava a atingir seu estômago, acabou tendo que aceitar.
— Acho melhor a gente entrar. — ele olhou o relógio enquanto acariciava a barriga do recente soco. — Já perdemos a primeira aula.
— Matemática. — ela suspirou sarcasticamente. — Como fui perde-la? — levantou as mãos para o céu, como se realmente se lastimasse.
Kentin sorriu. — Para com isso, sua boba. Não podemos perder tantas aulas, isso fica no nosso currículo escolar.
— Tá, tá tá. Vamos. — ela balançou os ombros e os dois entraram novamente em Sweet Amoris.
Até o corpo de Tsubaki esbarra no de alguém.
— Rosa? — Tsubaki arregalou os olhos amarelos quando notou que, na verdade, Rosa não tinha olhos bicolores.
***
Com exceção da menina na porta do vestiário, todas as outras notaram a expressão de Castiel, que agora mais sério cruzava os braços sobre o peito. E apenas Natsumin procurou parecer indiferente. Kim logo arregalou as esmeraldas nos olhos, ela podia jurar que não havia mais ninguém no vestiário.
Mas ela sorria. E como sorria. Um sorriso irônico, mas confiante, se não tivesse confiança, não teria chance nesse... Como os dois estavam chamando mesmo? Jogo. Castiel estava jogando com aquela lagartixinha de cabelo preto. Só podia ser isso. Ela deixara-o magoado quando foi embora. Castiel deve ter procurado consolo nas pestinhas que viviam correndo atrás dele, mesmo quando estavam namorando. A de cabelo roxo que nem uma palavra soltou era uma delas. Como era o seu nome mesmo? Ah sim. Brita. Havia ela, uma tal de Cathy, uma tal de Diana, havia tantas que ela não conseguia contar. Lagartixas usadas assim como aquela dali ao lado de Castiel. Debrah não podia dizer muito sobre ela, não a conhecia. Mas por vê-la arrastando asinha para o ruivo daquela maneira, já se sentia no direito de tirar as próprias conclusões.
— Desculpa, gente, eu interrompi alguma coisa? — as sobrancelhas finas e castanhas sobre os olhos azuis estavam curvadas e apertadas, numa expressão que lembrava um cão sem dono. Atuação barata. Natsumin reconheceria aquilo de qualquer lugar. Era ela. Lobo em pele de cordeiro. A garota da praia, a ex de Castiel. Debrah.
Natsumin notou que o ruivo chegou, inclusive a se afastar dela.
— É uma nova amiga? — Debrah aproximou-se rapidamente, parando de frente para Natsumin. Debrah era poucos centímetros mais alta e maior para os lados também, tinha mais curvas e o decote expunha os seios, que não eram muito grandes, mas pareciam por causa do decote. — Ela é muito bonita. — Debrah passou a mão pelos fios negros de Natsumin. — Que cabelo incrível. — Natsumin deu um sorriso forçado, como uma criança que tem as bochechas apertadas por uma tia irritante. — Por que não fala nada? Não gostou de mim?
E Debrah continuava a acariciar o cabelo dela, sorrindo com um ternura hipócrita. Lembrou-se daquele rosto cínico. Essa garota era a menina da praia. A menina que disse que Castiel não estava lá e a fez voltar à toa porque ele estava! Havia falado com ele aqui em Sweet Amoris. Castiel estava lá quando foi. Que idiota, e ela pensando que se enganou!
Apesar de tudo, Debrah continuou a atuar. Fazia aquilo mal, mas Castiel era o único que não percebia. Natsumin olhou para ele por um instante. Esse ruivo imbecil! Chegou até a se afastar dela, Castiel estava caindo aos pés dessa menina de novo, Natsumin podia ver, podia sentir. Droga, sentiu uma sensação estranha no peito.
— O nome disso é ciúme. — Castiel completou os pensamentos de Natsumin. A rebelde no interior da menina chutava e socava um saco de areia, até rasga-lo por completo. Queria fazer isso com Debrah, mas Natsumin sabia mais do que ninguém como se controlar.
— Ah, para com isso, seu bobinho, por que ela vai ter ciúmes de você? — Debrah parou do lado dele, pousando uma das mãos no ombro do ruivo. Natsumin estava detestando aquilo.
***
— Tsubaki?
— Ayuminn?
Cobriram-se em um terno abraço. Durou alguns minutos, Tsubaki era uma manteiga derretida, apesar tentar não ser, e encheu rapidamente o ombro direito da amiga de lágrimas. Tanto tempo, ela não podia acreditar. Como surpresas apareciam assim, esse pensamento era estúpido, se não fossem inesperadas não seriam surpresas. Mas ela não ligava. Ayuminn tinha os olhos fechados, romantizava aquele encontro por meses, como seria se reencontrasse suas antigas amizades? Romantizava porque dava um ar melancólico, quando na verdade sentia alivio. Estava tirando um fardo do peito, abraçar Tsubaki era um passo para se sentir mais segura, coisa que ultimamente não vinha se sentindo. Neal a amedrontava, seu irmão era um carrasco sem vergonha, sempre com ameaças. Seu pai e sua mãe quase não paravam em casa, depois que se mudaram para aa casa de praia. Ayuminn não conhecia esse irmão, passou a conhecer quando se mudaram. Na frente de seu pai Neal era uma coisa, quando eles iam para a loja onde trabalhavam e o deixavam tomando conta dela, ele impunha ordens malditas. Ela precisou tantas vezes de um abraço assim. Mas nunca o teve.
— C-como v-você t-tá? — Tsubaki esfregava os olhos úmidos enquanto se afastava daquele abraço.
— Melhor agora. — Ayuminn sorria ternamente.
— Natsumin tá estudando aqui. Eu a vi. — Tsubaki comentou.
— Eu sei. — Ayuminn suspirou.
— Preciso de você para falarmos com ela. A Rosa vai nos ajudar. Rosa estufou o peito, orgulhosa. — Ayuminn pediu logo e Tsubaki não se incomodou, também queria isso.
— Desculpe, como sou mal educada. — Ayuminn olhou para Kentin. — Prazer, sou Ayuminn.
Kentin balançou a cabeça, retirou os óculos da mochila e os colocou.
— Ken! — Ayuminn também o abraçou, os olhos também estavam úmidos.
E lá vamos nós de novo, o menino suspirou.

***
Direita, esquerda, direita, esquerda. Não é difícil. Deixe de ser inútil.


A rebelde tinha conselhos muito sutis. Mas Natsumin lutava contra esse anseio, não queria deixar a impressão errada, ainda mais para Castiel, depois de deixar claro que não podia... Não queria... Não podia entregar-se a ele. Queria arrancar fora aquela mão nojenta que acariciava seu cabelo, mas tudo o que fez foi afastar-se.
— Acho que já entendi o recado. E obrigada, eu acho. — deu de ombros para sair, mas Debrah colocou a mão no ombro dela.
— Sabe uma coisa que ia ser bem legal? — Debrah cruzou os braços quando Natsumin se virou para ela. — Nós três poderíamos sair juntos. Hoje Á noite, talvez?
— Por que isso? — Castiel dessa vez se manifestou um pouco.
— Eu gostei dela. Qual o seu nome? — Natsumin ficou em silêncio.
— Natsumin. — Castiel respondeu por ela e Natsumin evitou olha-lo naquele momento.
— Seu nome também é lindo. — Pois é, graças a Deus não é Debrah, Pensou em silêncio. — Mas então? Topa?
— Por que não? — Natsumin entrou naquele jogo, notou os olhos de Castiel se arregalarem, gostou daquela reação. A rebelde, cansada por causa do saco arrebentado de areia, fez um sinal positivo com a mão, ofegante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não se esqueçam, por gentileza, favoritem, recomendem, comentem! Isso ajuda muito! ♥



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Diamante Bruto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.