— Assassina! — Ambre voltou a gritar.
            Natsumin sentia a raiva consumir seu corpo. Um fiapo de ódio penetrou seu interior, percorrendo suas entranhas, trazendo consigo toda a raiva e a mágoa que havia acumulado nesses tempos. Ela sabia que a culpa havia sido dela. Sabia que perdeu tudo e todas as chances por causa disso. Sabia que havia sido egoísta, sabia que era assassina!
             Um nó se formou em sua garganta, sufocando-a, mas Natsumin não se permitiria chorar. Ela sabia que merecia ser apontada como a culpada que era. Sabia que não merecia ser mais amada por ninguém, sabia que não deveria nunca mais cantar! Ela sabia que levaria essa culpa para sempre. Sim, sabia.
            Mas, não precisava de ninguém a apontando seus erros. Sabia reconhecê-los sozinha.
           Natsumin andou calmamente na direção de Ambre, que ainda sorria. Seu eu interior parecia abrir os olhos e ver o sol pela primeira vez depois de milênios. Natsumin permitiu-se chegar mais perto, ser tomada pelos sentimentos antigos, pelas lembranças, ser tomada pelo ódio.
           A antiga Natsumin despertou, preparada pela guerra. Confusa, jogada em sentimentos inexplicáveis, Natsumin levantou a mão e deu um tapa no rosto de Ambre que, por consequência, teve o rosto forçado a virar para o lado com a força do ódio que Natsumin carregara. Viktor arregalou os olhos com a cena, impressionando-se com a reação de Natsumin.
           Como reflexo, Ambre levou a mão ao rosto, acariciando a pele que ardia depois do belo tapa que havia levado.     
           — Nunca mais procure saber da minha vida. — Natsumin murmurou com o tom de voz calmo e sereno, mostrando que tinha muito autocontrole.
          — Não vai fazer nada? — a loira olhou para Viktor, que ainda sorria, de braços cruzados.
          — E perder o espetáculo? — o garoto sentou-se no chão. — Não mesmo.
          — Então eu faço! — Ambre avançou em Natsumin, mas a garota já estava preparada. Natsumin virou o corpo para o lado, fazendo Ambre cair no chão em uma posição desconfortável. Viktor gargalhava, enquanto Natsumin tinha a expressão mortífera no rosto. Suas pupilas estavam dilatadas de raiva.
          Mas ela não era covarde.
          Natsumin esperou Ambre se levantar e ataca-la, para se defender. Ela não iria sair batendo na garota como uma louca. Iria apenas esperar os golpes para se defender.
          Ambre olhou para o pé de Viktor, em seguida para o rosto dele. Viktor captou a mensagem, esticando a perna, fazendo Natsumin tropeçar nela. A garota caiu de costas, contorcendo-se de dor na coluna. Ambre aproveitou para puxar os longos cabelos negros de Natsumin e, em um breve momento, quem estava em posição desconfortável era ela. Natsumin tinha o pescoço fino forçado para trás e tentava se soltar, cravando as unhas no pulso de Ambre.
          Natsumin jogou o corpo para frente com toda força que tinha, fazendo Ambre cair em cima dela. A loira caiu no chão e Natsumin levantou-se rapidamente, esperando-a.   
          — Vai em frente, Natsumin. — Ambre virou o rosto rubro de raiva e suado por conta da briga. — Eu sei que você quer me bater.
          Ambre parecia cansada, enquanto ofegava, deitada no chão. Viktor pareceu decepcionado, esperava ver mais sangue. Natsumin fuzilou-o com o olhar, antes de se virar para Ambre.
          — Não sou covarde como você. — ela estendeu o braço para ajudar Ambre a se levantar, mas a loira preferiu ficar no chão a ser humilhada daquela maneira. Viktor saiu da sala irritado. Não havia sido nada do que ele esperava.
          — Me espeeeeeeeeeeera! — Ambre gritava, parecendo histérica. Ela não podia imaginar que Natsumin poderia se defender daquela maneira. Com certeza era bem mais leve do que ela, mas... Havia acabado com ela.
          Natsumin esperou-a fechar a porta. Suas pernas já estavam bambas e ela não conseguia mais sustentar o peso do corpo. Era como um soldado abatido. Seus joelhos cederam, tentados àquela ferida que corroía as entranhas de Natsumin, suas lembranças doíam mais do que as palavras de Ambre. Sim, ela era a culpada!
          Sua cabeça tombou para frente e as lágrimas grossas demoraram a cair. Uma delas contornou seu pescoço vagarosamente, em seguida outras dezenas vieram, inundando-a por completo, numa terrível sensação de sofrimento e dor. A mágoa era muito pior. Ela preferia apanhar a sentir o que estava sentindo naquele momento. Era óbvio que a culpa era dela.
          A porta do porão se abriu. Natsumin tinha os olhos embaçados pelas lágrimas e não conseguia enxergar a pessoa que vinha. Pela silhueta, era um rapaz. Mas, não era Viktor, ela tinha certeza.