A Chance escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 9
Capítulo 9




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One Hyde Park é um dos endereços mais exclusivos do mundo, além de ser um ícone da cidade de Londres com seu estilo arrojado, mostrando a personalidade britânica em seu visual. O prédio possui quatro penthouses que são apartamentos na cobertura com quatro suítes, SPA, campo de minigolfe, biblioteca privativa, sala de spinning, cinema privativo, além de uma bela vista da cidade em 360 graus.

Uma delas foi recém-adquirida por Flávio que abre a porta, mostrando sua belíssima sala em tom pastel decorada ricamente pela Candy & Candy, uma empresa especializada em design de interiores que Beatriz sempre admirou. Eles decoram os apartamentos conforme a personalidade do cliente e o living room mostra bastante isso: tapete da sala têm as bordas desenhadas com geometrias gregas, as mesas de canto são de madeiras escuras e em cima delas abajures com desenhos do antigo Egito, sofás pretos de couro ornando com almofadas amarelas e gravuras tribais. E o resto da sala é decorado com esculturas e artefatos antigos. Sua luminária de teto tinha forma de um galho de árvore estendendo suas ramificações por todo o teto. Beatriz sorri admirada com tamanha perfeição da decoração do local.

— Temos de correr – avisa fechando a porta e despertando Beatriz de seus pensamentos. Flávio então fica de frente para ela e sorri malicioso —Podemos economizar tempo se tomarmos um banho juntos, o que acha?

— Provavelmente o resultado seria o contrário, Flávio –responde Beatriz levando na esportiva. Está feliz por conseguir agir com naturalidade à investida de Flávio.

— Humm, começou a relaxar Bee. Estou gostando de ver – observa sorrindo enquanto anda em direção ao corredor — Seu quarto é o primeiro à esquerda, nos encontramos aqui na sala em meia hora, tudo bem?

— Sim – concorda passando na frente dele que toca em suas costas descendo até a lombar dela — Ei!

— Força do hábito – explica Flávio fazendo cara de inocente enquanto levanta as suas duas mãos — É difícil manter as mãos longe de mulheres bonitas.

— Aposto que sempre vêm muitas aqui – retruca Beatriz caminhando pelo corredor.

— Você é a primeira… e espero que continue assim – murmura ele, passando por ela em direção ao final do corredor.

Ela o olha entrar no quarto e suspira: Malditos ingleses e sua pontualidade.

***

O manobrista segura as chaves do Bentley de Flávio que entra apressado com Beatriz no tradicional edifício do Michelin e seus maravilhosos vitrais de 1909. Beatriz reza para que tenha acertado na escolha do vestido de renda no colo, costas nuas, saia rodada, de cor vinho e salto alto preto. Decidiu deixar os cabelos soltos para poupar tempo e mesmo assim eles chegaram cinco minutos atrasados. Pé esquerdo na jaca pensa Bia, nervosa.

Flávio se direciona para a mesa com cinco pessoas que estão conversando animadamente. O fato de elas estarem rindo anima Beatriz, que se posiciona atrás dele. Flávio vai em direção à mulher mais velha da mesa, tinha cabelos negros cortados em camadas até a altura do pescoço, em um vestido social com um decote estruturado em V moderado e a saia reta, justa na cintura, solta no quadril e justa nas pernas. Ele beija seu rosto :

— Olá, mamãe. Feliz aniversário – parabeniza enquanto tira um embrulho de dentro de seu terno cinza — Espero que goste.

— Obrigada, meu amor – agradece a bela senhora segurando o embrulho e sorrindo para Flávio. Então ela desvia encarando Beatriz com os belos olhos verdes, curiosa — E quem é a jovem que o acompanha?

Flávio estende a mão para Beatriz que vai até ele com o melhor sorriso que consegue colocar no rosto. Ela não tem certeza de que eles sabem do que houve no Rio de Janeiro.

— Essa é Beatriz Gouvêa, veio me acompanhar na viagem para o Cairo, – apresenta ele segurando com uma das mãos nas costas de Beatriz que se arrepia com o toque — Beatriz, deve lembrar de minha  mãe, Georgiana Peixoto Wilkinson, ou Duquesa de Wilkinson – termina a frase fazendo uma reverência à mãe que sorri.

— Olá, Beatriz, tenho a impressão de que já nos conhecemos – diz Georgiana, fechando os olhos, como se esforçasse para lembrar de onde conhece a Bia. Então ela os abre e sorri dizendo — Você é a filha de Eduardo Gouvêa e Miranda Gouvêa, certo?

— Sim, está. E sou amiga da Sônia, sua sobrinha. Crescemos juntas – responde Beatriz sorrindo — É um prazer rever a senhora.

— O prazer é todo meu, querida.

— Bom, acho que devemos apressar as apresentações, pois estamos quase tomando café da manhã aqui – interrompe o senhor ao lado de Georgiana. Ele tem os mesmos traços de Flávio, mostrando como ficaria o primogênito quando ficar mais velho.

Ele tem um bigode branco e os cabelos bem cortados. Usa um belo smoking preto e gravata borboleta da mesma cor. Seus olhos são de um azul gélido e não tinha marcas no canto da boca, indicando que não sorria muito.

— Desculpe-nos pelo atraso pai, mas nos avisaram um tanto tarde dos planos de vocês – pede secamente cumprimentando seu pai — Beatriz,  meu pai, William Stewart-Wilkinson ou Duque de Wilkinson.

— Prazer em conhecê-la – responde o lorde que inclina a cabeça levemente em direção a Bia. Ele volta a olhar para o filho, agora com mais vigor — Bom, eu solicitei que Edward entrasse em contato com você avisando. Por que não o fez, Ed? – pergunta o lorde se direcionando para o rapaz à sua frente.

Edward é o irmão do meio e totalmente diferente, fisicamente, de Flávio. Seus olhos são azuis, mais baixo, seus cabelos são negros e usa óculos, além de ser mais magro. Ele usa um terno preto e está com o braço esquerdo segurando a cadeira de sua acompanhante, uma mulher morena, com os cabelos em um volumoso coque e vestido longo de cor preta, muito maquiada para a ocasião, parece ter a mesma idade que Bia.

— Olá, Bia – cumprimenta Ed sorrindo. Olha para o pai e  questiona — Que culpa eu tenho de vocês mudaram o local do jantar só porque o Flávio decidiu  trazer alguém?

— Tudo bem, isso já passou. O importante é que todos estão aqui reunidos – diz Georgiana tranquilizando os ânimos da mesa — Acho que Beatriz já conhece o Edward  e a Anna.

— Já os conheço sim – responde Beatriz sorrindo para os dois.

Beatriz o conheceu quando ainda era criança, bem como Anna, a irmã caçula de Flávio, que está ao lado de Edward, com os belos cabelos cacheados loiros soltos até as costas e veste um belo tomara que caia rosa claro que harmoniza com sua pele branca.

— Essa é a minha noiva, Mary – apresenta Edward apontando para noiva que ignora totalmente Beatriz.

— Sentem-se, por favor. - pede o pai de Flávio com tom de voz que mais parecia uma ordem.

Beatriz e Flávio sentam à mesa, Bia fica ao lado de Anna que está animada para contar que estava terminando Direito em Cambridge enquanto Flávio conversava com os pais sobre o casamento de Sônia. O jantar seguia tranquilamente, até:

— O que achou do casamento de Sônia? – pergunta Georgiana para Beatriz, a fazendo gelar.

— Não tive a oportunidade de ir – responde Beatriz com um sorriso amarelo, omitindo o motivo da ausência.

— Entendo – responde a mãe de Flávio encarando Bia — O que faz no Rio de Janeiro? Tem alguma profissão?

— No momento, estou apenas me envolvendo com projetos sociais, mas não exerço nenhuma profissão, quem trabalha é o meu marido.

— Então é casada?– pergunta Georgiana estreitando os olhos verdes. Flávio encara mãe, a repreendendo. Ela sorri e comenta— É tão estranho ver uma mulher casada não usando o nome do marido.

— Eu uso, o Flávio se esqueceu de mencionar: Meu sobrenome é Gouvêa Abraão e o meu marido é o Hugo Gouvêa Abraão, analista do Grupo da minha família – explica Beatriz, nervosa.

— Ex-marido – corrige Flávio segurando a mão de Beatriz. Então olha para sua mãe que o encara surpresa com o gesto afetuoso — Ela está passando por um processo de divórcio, então preferi não falar o sobrenome dele. Além disso, ela está considerando possibilidades profissionais.

— Então está em processo de divórcio? – pergunta William, intrigado. O jantar se torna um interrogatório sobre a vida de Beatriz — Há quanto tempo está casada? Ou estava?

— Dez anos – responde Beatriz enquanto bebe um pouco de vinho, para acalmar seu nervosismo — E ainda estamos considerando a opção de divórcio. Ainda não é definitivo.

— Nossa tanto tempo, acho que deveriam analisar bem a situação. Todos passam por crises –comenta Georgiana sorrindo, enquanto William beija sua mão. — É normal passar por isso.

— Então o que está fazendo aqui, se está considerando ainda o divórcio? – questiona o pai de Flávio — O certo seria os dois estarem juntos lidando com a situação.

— O senhor está certo, é que…  – começa Beatriz, ainda mais nervosa. Ela não sabia que a conversa tomaria aquele rumo, para qual não está preparada.

— Bom, vocês, com certeza, passarão por essa fase – incentiva Ed abraçando sua noiva. — Claro que ajudaria muito se você estivesse com ele lá no Brasil ou ele aqui.

— Vocês poderiam tentar uma terapia de casal. Os pais da minha colega de quarto fizeram e ajudou bastante – garante Ana.

— Vocês podem parar com isso! – explode Flávio olhando para todos, enfurecido — Isso está parecendo um julgamento, ela pode fazer o que quiser! Estamos em um jantar de aniversário ou em uma mesa para terapia de casal?

Todos ficam em silêncio olhando para Flávio que volta a comer. Georgiana então decide quebrar o silêncio:

— Eu preciso ir ao toalete. Beatriz, poderia me acompanhar?

— Sim – responde Beatriz soltando da mão de Flávio que a observa. Ela sorri para ele tentando tranquilizá-lo —Eu também preciso ir. Licença a todos.

As duas se levantam, sendo acompanhadas pelos homens da mesa, que sentam quando elas vão em direção ao banheiro. Beatriz sabe que aquele não é um simples convite.

***

Georgiana está sentada em uma das belíssimas poltronas vermelhas da sala íntima do toalete. Ela encara Beatriz atentamente, enquanto uma de suas mãos toca o queixo, pensativa. Beatriz senta na poltrona oposta à da duquesa.

— Desculpe-me trazê-la ao banheiro, sei que é um lugar impróprio, mas receio que o Flávio não a levará para a minha residência após o jantar e realmente preciso conversar com você.

— Entendo sua posição Lady Wilkinson e concordo que devemos conversar – concorda Beatriz.

 — Que ótimo. Beatriz, durante o jantar, eu notei que meu filho tem uma estima muito grande por sua pessoa, o que me deixou feliz a princípio. Ele nunca apresentou nenhuma moça para nós – explica a duquesa com um leve sorriso — Porém um assunto tratado à mesa, me deixou apreensiva.

— Se for sobre o meu casamento… –começa Beatriz na defensiva

— Peço por gentileza que não me interrompa Beatriz – diz Georgiana com uma das mãos erguidas, interrompendo à jovem — Mas é sobre o seu casamento. Pelo que eu entendi vocês estão ainda tentando se conciliar. Então, acho que precisa lutar pelo seu casamento e não deixar que esses dez anos tenham sido em vão. Sou casada há mais de quarenta anos e sei que é difícil manter a chama do começo, se lembrar dos motivos pelos quais nos amamos e fica pior depois dos filhos. Vocês têm filhos? – pergunta obtendo uma resposta negativa de Beatriz com a cabeça — Bom, eu não sei como viajar com o meu filho vai te beneficiar ou beneficiar seu casamento, mas o que eu vi na mesa, foi química e até mais que isso. O jeito como ele te olha, toca e defende, eu nunca o vi fazendo isso. Eu preciso que você entenda que sou mãe e sempre vou me preocupar com meu filho, mesmo ele sendo adulto o suficiente para tomar suas próprias escolhas. Agora, quais são seus sentimentos para com meu filho? E o que pretende com essa viagem?

— Entendo perfeitamente sua posição, milady. Peço que entenda a minha – diz Beatriz encostando-se à poltrona com as costas ereta — Estou casada há dez anos, ou, pelo menos, estava, até que meu marido pediu o divórcio. Meu mundo desabou embaixo dos meus pés e aconteceram outras coisas que nos distanciaram ainda mais. Então seu filho apareceu, como um cavalheiro muito bem-criado, me salvou desse drama e me convidou para viajar com ele. Como amigo e sem pretensão alguma da parte dele, aparentemente. Eu aceitei, com o intuito de  enxergar minha vida do lado de fora, e não para me aventurar em uma nova paixão. Essa viagem é para mim uma oportunidade para me descobrir e o que será da minha vida a partir de agora. Com relação aos meus sentimentos pelo Flávio… No momento o vejo como um grande amigo e espero que ele me veja assim também.

— Sinto em dizer, mas ele não sente o mesmo – revela Georgiana com a expressão contrariada. As palavras de Beatriz não pareciam ser aquelas que gostariam de ter ouvido — Ele está considerando morar no Brasil, não me disse o motivo, mas pelo que eu vi hoje sei perfeitamente. Ele acha que não me lembro de você direito, Beatriz. Mas eu me recordo perfeitamente do dia em que estávamos eu, sua mãe e minha cunhada, Margout. Vocês brincavam todos juntos. Até que em um momento ele veio até mim e disse: “Um dia eu me casarei com Beatriz” eu perguntei o motivo e ele me respondeu: “Ela tem o beijo de morango mais gostoso do mundo”. Ele só tinha nove anos! Achei engraçado na época, mas o olhar dele hoje é o mesmo. E isso me assusta um pouco, pois ele está depositando as esperanças em você que pelo visto, não corresponderá. Peço encarecidamente, se não está interessada em meu filho, demonstre isso, deixe bem claro e se afaste. Ele é um menino de ouro e não quero que se machuque por acreditar em uma ilusão. Existe um ditado que minha avó dizia: Quem muito quer nada tem. Pense bem no que está fazendo.  - levanta da poltrona e sorri — Temos de voltar, Flávio já deve ter percebido que algo está acontecendo. Por favor, não conte a ele de nossa conversa.

 — Terei a maior discrição, milady – responde Beatriz levantando também. Por mais que tente, não consegue colocar um sorriso na cara. Está surpresa por saber daquela história, com certeza foi no dia em que eles se beijaram pela primeira vez.

— Espero que entenda realmente minha posição, querida – continua Georgiana segurando nas mãos de Beatriz — Foi muito bom conversar com você. Talvez em outro momento, vocês seriam o casal perfeito.

— Obrigada – sussurra Beatriz que segura às lágrimas. Apesar de concordar com Georgiana, se sente triste. Não quer magoar Flávio, mas sente que não foi sincera sobre seus sentimentos com a Duquesa de Wilkinson.

O restante do jantar foi tranquilo, apesar de Beatriz ter se mantido calada durante todo o tempo, pensando na conversa que teve com Georgiana. Evita ao máximo contato de Flávio que não demonstra ter percebido.

***

Flávio chega ao apartamento e se joga em um dos sofás, afrouxando a gravata e abrindo alguns botões da camisa. Beatriz senta no oposto tirando os saltos. Ela se levanta e vai para em direção a seu quarto até que Flávio vai em sua direção , dizendo:

— Você está bem, Bee? Aconteceu alguma coisa?

—Sim, só estou um pouco cansada. Temos de acordar cedo amanhã – responde Beatriz sem encará-lo.

— O que foi que aconteceu no banheiro? Depois que voltou de lá, não foi mais a mesma, me evitou ao máximo e mal falou comigo durante o trajeto para o apartamento. Minha mãe te falou alguma coisa? – pergunta ele com uma expressão séria, enquanto segura os ombros de Bia, girando seu corpo — Ela fez alguma coisa?

— Não! – mente Beatriz olhando para Flávio — Ela só me disse que você está cogitando fixar residência no Rio de Janeiro, é verdade?

— Estou pensando ainda –responde Flávio, mordendo o lábio inferior.

— Por que faria isso? – pergunta Beatriz olhando para Flávio.

— Porque eu posso e acho que seria interessante. Por que a pergunta? – questiona Flávio, curioso.

— Por nada. Só para saber o que faria você ficar no Brasil. - responde Beatriz, séria.

— Bom, muitas coisas – responde enquanto toca nos cabelos de Beatriz — Algumas pessoas. Bem poucas, mas acho que não é isso que a está perturbando. O que foi?

— Por que não mencionou o sobrenome do Hugo para os seus pais? – pergunta Bia se afastando — Por que contou a eles que estou me divorciando? Por que disse que estou analisando possibilidades?

— A resposta para as duas primeiras perguntas é a mesma: Porque você está se divorciando – responde Flávio indo para o bar. Ele pega uma garrafa de uísque e serve uma dose em um copo. Ele coloca as mãos sobre o balcão e continua — Enquanto a terceira pergunta, foi por isso que veio nessa viagem, para analisar suas possibilidades. Estou errado?

— Está –responde Bia, nervosa, com as mãos na cintura — Eu aceitei vir para essa viagem para analisar minha vida toda de fora e depois tomar todas essas decisões.

— Você está querendo dizer que ainda cogita a hipótese de voltar para o Hugo? – pergunta , sério, sentando no sofá com o copo nas mãos. — Você só pode estar brincando né, Bee?

  — Não estou brincando – nega sentando em outro sofá. Se não está interessada em meu filho, demonstre isso, deixe bem claro e se afaste. — Ele é meu marido, Flávio. Mas também não descarto o divórcio. Estou muito confusa.

— Olha, todo mundo falava que você é meio tapada – comenta Flávio, irritado, levantando do sofá — Mas eu não sabia que era tanto! Você ainda não se tocou que ele não te quer mais? O que mais ele tem de fazer para você se tocar? ELE NÃO TE QUER MAIS! ELE NÃO TE AMA MAIS! ELE ESTÁ COM OUTRA! ELE NÃO SE IMPORTA COM VOCÊ! ACORDA, BEATRIZ, PARA A VIDA! ELE TERIA DEIXADO VOCÊ MORRER NAQUELA PRAIA!

— Não grita comigo! – explode Beatriz colocando as mãos na cabeça. Ela levanta e vai para o corredor— É melhor eu ir me deitar antes que eu desista dessa maldita viagem!

—Isso, fuja! É o que faz de melhor! Não suporta a verdade! Sempre foi assim! Medrosa! Nunca soube encarar a realidade! – grita Flávio indo atrás dela. Beatriz entra no quarto e tenta fechar a porta, sendo impedida pelo braço de Flávio que avisa— Só não pule da janela, pois eu não irei atrás de você, quem sabe o Hugo… Porém, eu duvido que  largue sua nova família para vir atrás de você.

Beatriz bate a porta com toda força e escuta Flávio tacar o copo contra a parede. Ela se joga na cama chorando, pensa seriamente naquele momento em desistir da viagem que não tinha começado bem. Então as últimas palavras de Flávio vieram em sua mente: Isso fuja! É o que faz de melhor! Não suporta a verdade! Sempre foi assim! Medrosa! Nunca soube encarar a realidade!. Ela concorda com aquelas palavras, nunca encarou de verdade o que estava acontecendo em sua vida. Sempre fugiu de tomar uma posição, era por isso que tinha aceitado viajar com Flávio, para fugir de tomar uma decisão quanto ao divórcio. Ela se deita de costas e fica pensando em tudo o que aconteceu aquela noite. Será que devo lutar por meu casamento? Como essa viagem beneficiará minha vida? Será que Georgiana estava certa? Ou será que Flávio estava? Será que magoei Flávio? O que devo fazer? Voltar para casa? Ou ir adiante com isso?

***

Aquele dia parece ter saído de uma pintura com o  sol  radiante, céu azul  , poucas nuvens brancas, a grama em um verde vivo assim como as enormes árvores. Embaixo da maior árvore, três mulheres de vestido floridas conversam, animadas, sentadas, em uma mesa redonda, enquanto observam seus filhos brincando. As crianças se divertem em um engraçado pique-esconde. O garoto de cabelos negros lisos bem curtos de oito anos, conta com a cara escondida em uma árvore distante, enquanto os outros três, um menino e duas meninas tentam se esconder.

Uma das meninas, que tem os cabelos trançados ruivos como fogo de seis anos, corre para trás de um dos carros, enquanto o menino de cabelos loiros de nove anos decide se esconder atrás da árvore, onde o menino de cabelos negros conta empolgado até 30. A menina de cabelos castanhos soltos de seis anos fica parada no mesmo lugar, não consegue se decidir aonde irá se esconder. Falta pouco para terminar a contagem, então o menino de cabelos loiros, segura sua mão e a leva para trás da árvore. Ele é mais alto que ela, então a coloca entre a árvore e seu corpo para que o menino mais velho não os visse. Logo em seguida, o menino de cabelos negros corre, procurando pelos amigos.

Eles já não sabem há quanto tempo estão atrás da árvore, mas sabem que a outra menina já tinha sido encontrada. Eles ficam se encarando, demoradamente.

— Flávio! Beatriz! Venham crianças, está na hora do chá – grita a mãe de um deles — Onde será que eles estão?

Os dois sorriem um para o outro: Venceram o pique-esconde. A menina sabe que só estava salva, graças ao menino.

— Obrigada – sussurra a menina sorrindo. Ainda está com medo de ser descoberta.

— Estarei sempre aqui para você – responde o menino tocando nos cabelos enrolados dela.

— Quer uma bala? – pergunta a menina, enquanto procura uma bala em seu vestido amarelo. Encontra apenas uma de morango —Eu só tenho essa.

— Eu amo bala de morango!-confessa o menino com os olhos arregalados de felicidade. Porém a menina fica triste, pois era sua última bala. Ele percebe e diz seriamente — Vamos repartir – afirma ele pegando a bala e partindo no meio — Toma.

— Obrigada, mas isso ainda me deixa em dívida com você. Mamãe disse que não é bom ficar em dívida com ninguém – explica a menina pegando a bala envergonhada. Ela então coloca a bala na boca e pergunta — E agora?

— O meu pai quando está em dívida com a minha mãe, ele dá um beijo nela e ficam quites – responde o menino gesticulando com os braços, displicentemente. — Quer tentar?

— Mas não é nojento? – pergunta a menina fazendo careta — Porque nas novelas que a Leninha assiste é tão feio. Eles ficam se agarrando e a língua parece uma cobra viva mexendo – coloca as mãos na boca — Não devia ter falado! Leninha me pediu segredo!

— Eu não vou contar para ninguém, mas o dos meus pais não é assim. Eles fecham os olhos assim – então ele fecha os dele — E fazem boca de peixe – então faz boca de peixe — Aí se beijam.

— Assim, ó? – pergunta a menina com os olhos fechados e boca de peixe.

— Assim mesmo. Quer tentar? – pergunta ele comendo seu pedaço da bala.

— Tudo bem,mas se eu não gostar, nunca mais divido minha bala de morango com você, Flávio. - avisa a menina de cara amarrada.

— Se eu não gostar, nunca mais te salvo no pique-esconde, Bee – revida  ele estendendo a mão — De acordo?

— De acordo – concorda segurando na mão dele, desconfiada.

— Quando eu contar até três – avisa o menino — Um… Dois… Três!

Os dois fecham os olhos e fazem boca de peixe. Ele a segura pelas mãos e a aproxima, até sentir seus pequenos lábios tocando os dele. O sol brilha mais forte entre as árvores e eles se perdem por um instante.

— Flávio! Beatriz! Apareçam, vão atrasar o chá da tarde – grita outra mãe indo em direção ao belo campo. — Onde vocês estão?

Então Beatriz abre os olhos, empurra Flávio e corre em direção ao chamado. Ele ainda fica parado na árvore com uma das mãos coçando a cabeça sem entender ,enquanto ela abraça sua mãe.

— Onde estava mocinha? – pergunta sua mãe a abraçando.

— Escondida – responde Beatriz com as mãos na cintura.Então ela pula e continua — É assim que se ganha no pique-esconde.

— É assim mesmo, querida. Porém, agora é a hora do Chá – avisa sua mãe sorrindo e segurando sua mão — Vamos?

— Sim – afirma Beatriz rindo e pulando ao lado de sua mãe que também sorri.

Alguns segundos depois, surge Flávio correndo e feliz. Ele vai até sua mãe e cochicha em seu ouvido a fazendo rir. Ela olha para Beatriz que agora come seu pedaço de bolo junto com Sônia e Edward.

Um belo dia feliz.

Beatriz acorda sorrindo, há muito tempo que não tinha um sonho tão bonito e tão real. Ela se levanta da cama e vai tomar banho, pensativa. Um sonho tão bom que nem parece que um dia foi real, pensa dentro da banheira.

***

Flávio está sentado no sofá da sala, sua cabeça baixa, suas mãos jogadas em suas coxas, os cabelos desgrenhados e sua cara sem expressão, com olheiras profundas. Beatriz percebe que ele está com a mesma roupa da noite anterior, indicando que não tinha ido dormir. Ela senta ao seu lado, toca em seu ombro fazendo com que ele a encarasse. Eles se abraçam sem dizer uma palavra e ficam assim por um tempo, em silêncio.

— Eu sinto muito por ontem… Não devia ter dito aquelas coisas para você – comenta Flávio quebrando o silêncio. Então ele se afasta um pouco — Eu fui insensível com você, não devia ter me intrometido em sua vida…

— Shhhh! – Beatriz coloca os dedos sobre os lábios de Flávio, que segura sua mão beijando com carinho — Você não precisa se desculpar. Você está certo, a única coisa que tenho feito é falar de algo que não existe mais, tentando resgatar algo que não tenho mais. Eu tenho que te agradecer pelo que disse ontem. De fato sou boba, infantil, tapada e nunca tomo uma decisão para nada. Prometo que vou me esforçar ao máximo a partir de agora para esquecer isso tudo de vez, tomar a decisão certa e cuidar da minha vida.

— Eu te prometo que não vou mais dizer a você o que fazer e nem criticá-la– garante Flávio sorrindo — Hoje eu sei que não posso forçá-la. A única coisa que peço  é que  pense nos próximos dias. Tente se descobrir, eu sei que aí dentro tem uma mulher incrível que está esperando sair.

— Não me dê tarefas! Eu pretendo me divertir nas próximas semanas – zomba Beatriz. Ela segura na mão dele — Obrigada por não desistir de mim. Estou em dívida com você, novamente.

— Uma hora eu cobro – brinca ele encostando sua cabeça no ombro de Beatriz — E ficaremos quites. Agora em punição, irei dormir.

— Está esquecendo uma coisa – solta Bia olhando para os cabelos de Flávio.

— O quê? – pergunta levantando a cabeça com a expressão de dúvida.

— Nosso voo sai daqui duas horas – revela Bee rindo — Não poderá dormir.

— Droga! – xinga Flávio correndo para seu quarto fazendo Bee  rir.

Beatriz olha em direção a janela e diz a si mesma: Está na hora do meu recomeço, chegou a hora de virar a página.


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