A Chance escrita por Pauliny Nunes
Lúcia e Beatriz estão sentadas no consultório da doutora Renata, esperando os exames finais de Hugo. Já havia se passado uma semana e aquele dia a alta do analista Sênior. Elas não conversam entre si desde o episódio, no mês passado. A porta se abre, a doutora entra com a ficha de Hugo nas mãos, sentando em sua cadeira:
— Bom dia – cumprimenta Renata abrindo a ficha— Os exames de Hugo indicam que não há nenhuma lesão cerebral e o inchaço se dissipou. Porém a causa de amnésia ainda permanece um mistério. Suspeitamo-nos que seja um bloqueio emocional que está afetando a sua memória.
— O que podemos fazer para ajudar? – pergunta Lúcia, apreensiva, tocando na mesa.
— Um palpite, seria que ele voltasse à rotina anterior ao acidente, mas sua efetividade é para meses e não anos. Ele precisaria ficar com alguém que o ajudaria a lembrar de todos os fatos, situações, histórias dentro desse período perdido.
— Bom... Eu posso – oferece Lúcia — Quer dizer... Não vivi os catorze anos com ele, mas isso será fácil. Aliás, acho que seria uma ótima maneira de fazê-lo seguir em frente.
— Concorda com isso, Beatriz? –pergunta Renata olhando para Bee que está pensativa.
— Sim... Ela será o melhor para ele –responde Beatriz sem olhar para Lúcia — Eles estão juntos há um bom tempo, não vejo motivo para ser contra.
—Ótimo. Encaminharei o Hugo ao psicólogo que ajudará Lúcia a lidar com todas as emoções decorrentes das memórias – explica Renata prescrevendo na ficha de Hugo. Ela levanta a cabeça— Recomendo que ele seja acompanhado pelo psicólogo em casa. Um aviso importante: não fale a respeito de memórias trágicas e situações que envolvam muita carga emocional. Isso pode fazer com que Hugo tenha uma regressão de comportamento e seu quadro piore, ou até mesmo se torne permanente.
— Tudo bem... Mas psicólogo não é caro? Quero dizer... Eu não sei se consigo pagar por isso – comenta Lúcia dando um sorriso sem graça.
— Não se preocupe, ele tem um excelente plano de saúde. E para qualquer despesa a mais, me encarregarei de pagar – responde Beatriz,séria.
— Bom, então vamos ver o paciente e falar com quem ele ficará após a liberação – comenta Renata que se levanta e diz abrindo a porta —Acompanhem- me, por favor.
***
Hugo comia seu melão, quando entraram Renata, Lúcia e Beatriz. A doutora o cumprimenta e faz os exames rotineiros. Após realizá-los, ela diz:
— Muito bem, Hugo. Sua recuperação está ótima – Renata arruma o estetoscópio no pescoço e avisa — Hoje receberá alta.
— Essa é a melhor notícia que recebi essa semana –Hugo, empolgado — Finalmente voltarei para casa e verei minha mãe... Ela vem me buscar e me levar para casa, certo?
— Não Hugo. Você irá para a casa da Lúcia,pois precisa ser inserido na rotina em que estava recentemente – responde Renata de forma tranquila — E será acompanhado por um psicólogo.
— Tá... Só que a minha mãe vai com a gente, né? – pergunta Hugo para Lúcia.
— Não, ela não vai – responde Lúcia, nervosa olhando para Beatriz que evita encará-la.
— Por quê? Você conheceu a minha mãe? Ela te conhece? – pergunta Hugo, agitado.
— Não conheço. Aliás, você nunca me falou dela – responde Lúcia sentando próxima a cama — Achei até que não tivesse mãe...
— E por um acaso eu sou filho de chocadeira? – pergunta Hugo, ríspido. Ele olha para Beatriz e pergunta — Você foi casada comigo, certo? Conhece a minha mãe?
— Conheço, é uma excelente pessoa. Dona Carla é uma pessoa de coração puro e muito batalhadora – responde Beatriz segurando as lágrimas.
— Então por que ela não veio? Ela não gosta da Lúcia? – pergunta Hugo.
— Ela precisou viajar, Hugo – responde Beatriz cruzando os braços — Foi para o Araguaia, parece que encontraram sua tia, Nininha e por isso não está presente. Porém, ela sabe que ficará em boas mãos.
— Ela não sabe que eu vou com a Lúcia, né? – questiona Hugo olhando para a professora, irritado. Ele olha para todas e pede — Deixem-me sozinho com a Beatriz, por favor.
— Mas Hugo – protesta Lúcia segurando na mão dele.
— Saia, agora. – ordena Hugo em tom ácido. Ele encara Beatriz, sério — Preciso conversar com ela, em particular.
A doutora segura no braço de Lúcia que muito relutante sai do quarto, deixando os dois sozinhos.
— O que você quer, Hugo? – pergunta Beatriz de pé próxima a porta.
— Quero que sente aqui – pede apontando na cadeira — Nós precisamos conversar.
—E o que nós temos para conversar que ninguém pode estar presente? – questiona Beatriz, irritada.
—Sobre nós dois.
****
Beatriz senta encarando os olhos negros de Hugo que está sério, demonstrando uma leve irritação. Ele se arruma na cama e pergunta:
— O que eu fiz para você?
— O que quer dizer? – responde Beatriz com uma pergunta.
— Desde que me trouxe ao hospital, você me evita. Não fala comigo, não fica próxima e sempre me ignora. Eu não sei o que fiz, mas preciso saber para que possa me desculpar.
— Nós estamos separados é por isso que te evito. Como nós não temos mais em comum, não há necessidade de conversar com você e muito menos ficar perto de você – explica Beatriz , séria.— Aliás, você tem uma namorada que faria tudo por você, então não vejo motivo de mantermos qualquer comunicação, além da necessária.
— Há quanto tempo estou com ela? – pergunta Hugo, nervoso. Ele respira fundo, fechando os olhos e então pergunta — Eu te traí com ela?
— Não sei há quanto tempo estão juntos e muito menos se me traiu com ela. Talvez sim, talvez não. Nunca saberemos... – responde Beatriz, pensativa. — Pelo menos até sua memória voltar.
— Há quanto tempo estamos juntos e há quanto tempo estamos separados? – pergunta Hugo.
— Ficamos juntos durante 14 anos e estamos separados há um ano e alguns meses – responde Beatriz coçando a cabeça com uma das mãos, pois o assunto ainda a incomoda —Por quê?
— Você me conhece esses anos todos que eu perdi, então por que ela é quem vai ficar comigo? – pergunta, revoltado.
— Porque você está com ela agora – responde Beatriz, friamente — Sua vida é com ela, sua rotina é com ela, nada mais justo que volte para sua casa a qual divide com a Lúcia.
— Mas é você quem me conhece tão bem! – alega Hugo — É você que estava lá em todos os momentos que perdi, certo? Não ela. Eu queria que a minha mãe estivesse aqui, assim não precisaria de nenhuma de vocês!
— Eu digo o mesmo, Hugo – reage Beatriz, irritada.
— Porém ela não está aqui e preciso de alguém que saiba o que aconteceu comigo durante esse tempo até ela voltar – explica Hugo levantando da cama e segurando na mão de Beatriz — Com alguém em quem minha mãe confie.
— Tenho certeza que ela confia na Lúcia. – afirma Beatriz olhando para Hugo — Já que foi quem você escolheu para ... Namorar.
— Sinceramente, eu não sei o que o outro Hugo tinha na cabeça para querer aquela mulher. Ela não faz o meu tipo e minha mãe iria odiá-la, você sabe disso.
— Eu não sei. – murmura Beatriz — E muito menos aonde está querendo chegar com essa conversa.
— Estou preso no corpo de um cara com trinta e poucos anos. Fui dormir em um dia e acordei quatorze anos depois. Eu não sei o que faço e minha mãe não está aqui. Além do fato da única pessoa que poderia me ajudar, estar se recusando a fazê-lo por sentir raiva de algo que não me lembro. Sabe o quanto isso tudo está sendo difícil de digerir?
— O que você quer? – pergunta Beatriz franzindo a testa.
— Eu quero te pedir. Pedir não, Implorar-te – começa Hugo — Que até a minha mãe voltar, eu fique com você. Prometo não atrapalhar sua vida. Eu só preciso estar com alguém que me conte o que fiz nesses catorze anos!
— Sinto muito, mas a minha rotina é diferente agora – alega Beatriz balançando, negativamente, a cabeça.
— Por favor, Beatriz. – implora Hugo segurando mais forte a mão de Beatriz — Eu prometo que assim que minha mãe voltar, nunca mais saberá da minha existência. Eu saio da sua vida para sempre.
Ela olha para Hugo tentando adivinhar o que se passa na mente dele. Aquele pedido havia balançado Beatriz que passa a mão em seu próprio rosto, lentamente, pensando no que fará. Ela olha para ele e abre os lábios para responder:
— Bom dia – a enfermeira entrando com uma pasta. Ela caminha em direção à Beatriz e avisa — O papel da liberação está aqui, é a senhora quem irá assinar?
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