Certos cientistas alegam que tudo no mundo tem uma explicação. Tal como a Medicina, a Religião, aliás, o próprio mundo tenta expressar-se e explicar-se. Por vezes, tenta até gritar... Com Aida passava-se o mesmo. Desde pequena culpabilizava-se pela morte da sua mãe e por isso, tinha feito os possíveis e impossíveis para suportar o peso que tinha sobre os seus ombros. Mudara-se para o interior do país onde a casa de nascença de todos os seus ancestrais se localizava. E também a casa dele... Tinha acabado de completar 20 anos e o seu pai pressionava-a cada vez mais para consagrar matrimónio.

¾ Deixemos o assunto para outra altura. - desculpava-se, enquanto desviava a conversa para outro assunto que não a perturbasse tanto.

No entanto, sabia que era inevitável. Tinha a consciência de que até aos 20 anos tinha que ter uma aliança enfiada no dedo anelar esquerdo e pronta para ser progenitora, mas não estava… O passado perseguia-a e Aida, por culpabilizar-se por tudo e mais alguma coisa que tinha acontecido na sua vida, deixava-se ser perseguida.

Os seus dias eram perfeitamente monótonos. Sempre o mesmo. Pela manhã, tinha os conselheiros à perna para lhe encherem a cabeça de assuntos e problemas do clã dos quais ela já tinha conhecimento. Fingia que ouvia. Todas as manhãs ficava no escritório do seu pai que nunca estava em casa.

Também sempre foi ausente. Não vai ser agora que me vai fazer falta…, pensava enquanto bebia o seu regular chá matinal e ouvia um dos conselheiros. Por vezes, fingia-se doente, outras vezes indisposta. Confiava nos seus empregados, que mesmo em silêncio, sempre a tinham apoiado.

Aos 18 anos acabou o ensino secundário. Após vários incidentes, que Aida julgava propositados, pediu ao seu pai que contratasse professores de disciplinas essenciais e terminou os seus estudos em casa. Para que é que iria necessitar de um curso superior? Afinal ia ser uma dona de casa que teria apenas de cuidar da sua cria, servir ao seu marido e cuidar das tarefas domésticas!

Marido… Sempre que a palavra lhe surgia no pensamento ou lhe era dirigida, Aida estremecia. Perguntava-se muitas vezes o porquê de ter nascido naquele clã. Podia ter nascido no Clã Hebii*, o tão conhecido clã das cobras japonês. Pelo menos, teria mais espécies com que se cruzar. Se contestasse a sua origem à frente do seu pai decerto que ele a deserdaria. Mas se ela o fizesse era finalmente livre, não é mesmo? No entanto, tinha a noção que nunca seria totalmente aceite pela sociedade se descobrissem a sua verdadeira natureza.

Todos estes pensamentos cruzaram a sua mente enquanto esperava pacientemente, mas sem qualquer paciência, o seu pai e o seu futuro marido. Achou estranho a ausência dos conselheiros, mas acabou por pensar que seria melhor assim. Cruzava e descruzava as pernas, puxava o vestido para baixo cada vez que repetia o movimento. Até que parou. Ouviu os empregados darem as boas-vindas ao seu pai e ao seu acompanhante. Juntou as pernas, endireitou as costas na cadeira de pele preta, arranjou o vestido uma última vez e pigarreou. Sabia que o seu pai se dirigiria para o escritório que anormalmente tinha uma cadeira idêntica à sua ao seu lado. Só por ter conhecimento da pessoa destinada a sentar-se naquela cadeira fazia-a ficar inconfortavelmente inquieta. O clique que o manípulo fez ao ser aberto causou-lhe um pequeno arrepio. Não se mexeu. Não olhou para trás para ver quem acompanhava o seu pai. Não moveu o seu olhar da enorme estante cheia de livros que o seu pai mantinha atrás daquela exageradamente enorme cadeira.

Ao entrar, o seu pai só a olhou de revés e sentou-se naquela cadeira esquisita, pronto para começar um breve e seriamente longo discurso.