A Menina da Bicicleta Vermelha escrita por Madchen
-- Onde está você? -- Blue tentava, frustrada, telefonar para a amiga da bicicleta vermelha. -- Atende, atende! -- Nada. -- Ah, quer saber, que aquele idiota fique esperando a noite toda. Não gostei dele, mesmo.
Mas é claro que Matt não ficou esperando a noite inteira no banco. Passada meia hora ali, ele se levantou, deu uma última olhada na casa e partiu para a rua comercial mais próxima. Entrou em uma lonja com um letreiro bem grande e luminoso que dizia: "BAR".
-- Alô, Brian? Brian, você pode sair agora? Aconteceram umas paradas muito estranhas, eu preciso falar com alguém. Estou num bar aqui perto do metrô... então eu posso ir à sua casa? AAAH, sua mãe nem vai notar. É, eu sei, ela me odeia. Tudo bem, deixe o portão dos fundos aberto. Estou indo.
***
Yohanna não estava chorando (ainda). Estava sentada no chão, de pernas cruzadas, calada. A menina da bicicleta vermelha a fitava, curiosa.
-- Me diga, Yohanna, o que foi? -- ela disse, com a voz tão gentil que, se saísse de outra pessoa, não pareceria natural. A menina falava pouco, mas o pouco que falava já era o suficiente para fazer brotarem lágrimas nos olhos de Yohanna.
-- Eu amo alguém -- ela finalmente disse. -- Amo muito, há muito tempo, e eu não sei o que fazer, porque ele não me dá atenção. Quer dizer, nós somos muito amigos, e ultimamente temos andado muito juntos, eu realmente achava que fosse dar certo, mas... -- ela começou a chorar de verdade, deixando cair a fita que enrolava nos dedos. -- ... ele gosta de muitas garotas, menos de mim.
A menina pousou a mão no ombro de Yohanna que, por sua vez, deu logo um abraço forte na menina e chorou até não poder mais. Na verdade, a menina não tinha ideia do que dizer, mas se estava ali para ajudar, tentaria fazer o melhor.
-- Ele tem uns problemas, sabe -- Yohanna parou de chorar, e entre soluços dizia umas palavras. -- Ele... ele usa drogas, extase, acho... e ele bebe muito também, eu não gosto disso... e fica com muitas garotas, aposto que não conhece a metade delas... ou ficou conhecendo num bar medieval que ele adora ir...
Nossa, que pessoa estranha, a menina pensou. Não parece o tipo de garoto apaixonável.
-- Ele toca gaita de foles, sabe, e de vez em quando se apresenta lá. Mas sempre que isso acontece... vem um milhão de garotas atrás dele... dizem até que ele já embebedou e foi para a cama com uma só para lhe vender drogas...
-- Yohanna, acorda! -- a menina não resistiu à tentação de dar um tapa na cara de Yohanna. Mas foi fraco. -- Que garoto estranho! Vocês não combinam, você é uma santa! Merece coisa melhor!
-- Mas você não entende -- Yohanna continuou, passado o susto do tapa. -- ele é muito mais que isso. As coisas boas compensam as ruins, e ele não é assim... eu sei que não, ele só está assim...
-- Então me fale das coisas boas!
-- Ah, ele é lindo! Talvez esteja um pouco menos agora, porque parou de cuidar do cabelo e ele ficou grande agora, mas ainda é lindo! E ele é muito legal, amigo, companheiro, verdadeiro... e apesar da bebedeira, eu sei que ele é fiel, sei! Ele é consciente, não é como esses idiotas que amam os EUA, não mesmo. Ele gosta muito de natureza também, sabe. Mas deixe eu te contar uma coisa muito estranha que está piorando tudo.
-- Diga então.
-- Esses cartazes... -- Antes de continuar a fala de Yohanna, imagine só a menina dos cartazes na cena, em um fundo preto. Seus olhos se arregalam de leve. -- Não sei quem foi o maluco que teve essa ideia, mas esses cartazes são o desenho dele!
Agora imagine a cena com a menina num ângulo visto de cima, bem de perto. Daí a "câmera" vai se afastando dela, para cima, ela estende os braços para o alto e grita: "NÃÃÃÃÃÃÃÃO"
-- Jura? Não é só alguém parecido?
-- Não tem como ser, o Matt é único, e está idêntico ao desenho!
-- Matt. O nome dele é Matt!
-- Você está bem? O que aconteceu?
Difícil era não notar o pânico da menina. Ela começara a suar, e seus olhos pareciam saltar do rosto, mas ela tentou disfarçar:
-- Nada, erm, nada não. É que meu avô está internado no hospital, ele tem.. câncer... no fígado. Acabei de me lembrar que ele pode morrer a qualquer momento, pode estar morrendo agora mesmo, olha que ruim. Você tem uma foto do Matt aí?
Yohanna não sabia se consolava a menina ou se mostrava a foto do Matta gora, mas a menina não parecia muito preocupada com a situação do avô. Então, pegou um caderno que estava em cima da escrivaninha e o folheou, procurando uma foto.
-- Er, tem certeza de que você está bem? Não precisava ter vindo até aqui, com essa história do seu avô e tal.
-- Não, está tudo bem. Tudo bem mesmo. Ele já é bem velho, ia morrer qualquer dia desses mesmo.
-- Então olha aqui.
O que a menina sentiu quando pegou a foto e olhou bem para ela é indescritível. Foi como uma bomba silenciosa explodindo em seu coração, e ela estava de volta ao cenário de fundo preto, sozinha, a "câmera" girando em torno dela, até que para em frente aos seus olhos, a menina encara a ''câmera'' e diz:
-- OMFG, EU NÃO ACREDITO! (se você não sabe o que é OMFG, vai pesquisar no Google. Ele está aí pra isso, não para pesquisar "own3d" em "estou com sorte".)
Mas é claro que ela não disse isso na vida real; foi só algo que se passou pela sua cabeça. Na vida real, ela apenas encarou a foto, suando frio, e Yohanna percebeu que havia algo bem errado naquilo.
-- O que foi? Você está passando mal, quer água?
-- Quero, quero -- a menina não parava de olhar a foto. -- Por favor.
Enquanto Yohanna ia buscar água, a menina olhava mais cautelosamente o garoto na fotografia. Sua pele tão branca que deixava as bochechas rosadas, seu cabelo cor de mel que começava a se confundir com as costeletas em um ponto, sua camisa xadrês esverdeada, sua calça jeans azul e as botas de trilha. Céus, ele só usa essa roupa ou a menina deu muita sorte?
-- Matt -- ela murmurou.
-- Aqui está -- Yohanna entrou no quarto com um copo vermelho cheio de água, e a menina jogou a foto para o lado o mais rápido possível.
-- Obrigada -- ela pegou o copo e devolveu a foto, que havia ido parar de baixo da cama. -- Ele... ele mora onde?
-- Mora na parte sul da cidade, bem longe daqui. Por quê?
-- Não -- a menina bebeu mais um gole. -- Por nada.
***
O taco atingiu a bola em cheio, mas a menina que o segurava caiu do cavalo. Sua longa trança loira não enganava: era Yohanna, em um dos seus treinos de pólo sem professor. Hoje não era dia de aula.
-- Yohanna, se machucou? -- Matt perguntou, montado no outro cavalo, o cinzento.
-- Um pouco -- ela se levantou gemendo. -- Mas nada que eu não encare. É normal cair.
Matt riu e desceu do cavalo, sentando-se ao lado de Yohanna.
-- Será que alguém sempre vai cair do cavalo quando estivermos juntos? -- ele indagou, e Yohanna sorriu. Dali a alguns segundos, ela foi falar algo para Matt e por acaso seus olhos se encontraram com os dele. Os olhos azuis como o céu de Yohanna encontraram o verde acastanhado dos olhos de Matt, e paralisaram ali.
-- Matt, eu... -- ela não conseguia falar. Não conseguia pensar. -- Eu falei com uma amiga muito legal ontem, ela foi lá em casa no meio da noite só para me ajudar com a lição de casa.
-- Ahm, sei -- Matt deu uma cotovelada em Yohanna. -- Ela é lésbica.
-- Não! -- Yohanna pareceu espantada. -- Não, eu também não sou! Idiota. Eu falei de você pra ela, mostrei uma foto sua.
-- E o que ela achou?
-- Ela achou idiota.
Matt riu, mas não demorou para ele ficar sério e com o olhar distante. Yohanna percebeu.
-- Sabe, Yohanna... -- ele disse, sem olhar para ela. -- Eu preciso te contar uma coisa. Desde o mês passado, eu não fico com nenhuma garota. É, desde o começo do mês passado, já faz quase dois meses.
-- Por quê?
-- Eu não sei... perdi a vontade. É como se eu não quisesse mais essa vida. Me sinto estranho, sabe, como se o meu eu verdadeiro não fosse meu eu verdadeiro... de agora. Tipo, como se eu não fosse o que eu sou. Eu sou o que eu sou?
-- Bem, er... -- Yohanna não sabia se havia entendido direito. Acho que não. -- Acho que é, porque se você não fosse o que é, o que você seria?
Matt demorou um pouco para responder, mas respondeu:
-- Eu seria o que sou agora.
-- E você... quer outra vida, Matt? Você quer... tentar algo diferente? -- Yohanna abraçou os joelhos.
-- Como assim?
-- Não sei, talvez você queira tentar algo novo, do tipo... ver de quem você gosta de verdade, ou algo assim...
Matt ficou pensativo por um tempo, e depois pousou a mão sobre o ombro de Yohanna.
-- Yohanna, eu acho que amo alguém invisível.
E então Yohanna soube do que ele estava falando. "Eu vou matar quem quer que esteja fazendo esses cartazes", pensou.
-- Mas essa pessoa é invisível, talvez nem seja uma pessoa só. Podem ser muitas. Podem ser homens. Já pensou, você é gay?
-- Não, Yohanna, eu já sei que a pessoa existe. Eu já fui na casa dela. E é mulher.
-- O que? -- Yohanna arrancou a mão de Matt de seu ombro. -- Você já foi na casa dela? Quem é?
-- Eu não sei quem é, porque eu não a vi, ela não estava lá... mas eu falei com uma amiga dela, e essa noite eu vou lá de novo para ver se encontro a menina que me desenhou...
-- Eu vou com você -- Yohanna ficou de pé. -- Eu quero ir com você.
-- Não, é perigoso -- Matt se levantou também. -- Eu sou irresponsável comigo mesmo, eu faço mil besteiras, mas não vou deixar você fazer também, porque não quero você metida nesse tipo de vida.
-- Mas eu quero ir!
-- Yohanna, me escuta, eu já sei o que você está pensando. O Brian me contou tudo. Me desculpe. Mas a gente nunca daria certo junto, você é uma santa, você é incrível, e é muito mais do que eu, Yohanna -- Matt viu os olhos de Yohanna se encherem de lágrimas, e a menina se encolher de vergonha. -- Olha, eu não queria te falar nada, eu esperava que você fosse perceber isso por conta própria, mas... você é de um mundo muito acima do meu. Eu te adoro, é verdade, e eu já fiquei muito em dúvida se te amava ou não, mas eu percebi que não adianta te amar porque isso só te machucaria, e eu me apaixonei por outra pessoa.
-- Você não se apaixonou, Matt -- Yohanna falou, sombria. Lágrimas já escorriam pelo seu rosto. -- Você não sabe quem ela é! Ela não existe! Você nunca falou com ela! E se ela for mais santa que eu, hein? O que você vai fazer?
E Matt não soube responder. Ele olhava para o chão.
Yohanna bufou, subiu no cavalo e galopou para fora do campo, em direção aos estábulos. iria embora. Matt, então, se sentou ali no chão mesmo e apoiou a cabeça na mão. Ele mesmo não conseguia se entender. O que ele fez foi certo? Esperava que sim.
Na noite seguinte, ele e Brian iriam à casa da menina da bicicleta vermelha...
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
No próximo capítulo: a conversa com Brian, o desespero de Yohanna e Blue: uma história de amor paralela.