O Tigre Negro escrita por Willabelle


Capítulo 21
O Resgate de Ren


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoas lindas que leem minha fic. Desculpa pela demora de postar :/ Mas aqui está mais um cap que escrevi com o maior carinho. Bjs e aproveitem a leitura!



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O ar dentro do quarto parecia pesar, gélido, transpassava por móveis cinzas de metais e apertava meu peito; resfriando minha pele.
Já havia se passado uns três dias desde que eu e Manik encontramos pela primeira vez em anos, Lokesh. O encontro fora assustador, além ter deixado o acampamento para trás, com Kelsey, Sr. Kadam e Kishan pensando que erámos traidores fora essencial para que a missão fosse bem-sucedida, no entanto difícil de realizar. O pior momento fora ter minha real identidade revelada nesse meio tempo. Eu era Liz e agora sou Padma novamente, com isso recuperei minha memória de vidas antigas. Soube que a cada certo período de tempo meu corpo e aparência mudava, minhas memórias eram “reprogramadas”, tudo isso para que Lokesh não me encontrasse. Mas agora que a hora certa havia chegado eu deveria ser eu mesma, o meu ser original: Padma.
 E eu temia ser Padma.
Posicionei minha mão contra a luz fraca da luminária, minha pele havia mudado para uma cor café com leite escura, com mais café do que leite. Imaginei que toda a transformação de aparência nesse momento poderia ser benéfica. Kelsey, Sr. Kadam e Kishan não precisariam lidar com a minha volta, eu libertaria Ren e fugiria.
Esse seria meu novo objetivo.
Meu coração se acelerou com o pensamento. Não ver Kells, Sr. Kadam...
Kishan...
Nunca mais.
— Não. Eles estarão seguros sem você. – Afirmei baixinho.  – Se os ama, faça isso.
Uma teimosa lágrima nasceu no canto de meu olho, deixei que ela caísse. Seria a última.
Repentinamente um barulho estrondoso preencheu o vazio do quarto.
Levantei –me em um pulo, pegando uma espécie de lança perto da minha cama. Apontei sua parte afiada para a porta, em posição.
Alguém bateu na porta do quarto com urgência.
— Liz. Sou eu, abra a porta. – A voz era de Manik.
Meus ombros relaxaram. Estiquei a mão e destranquei a porta.
Manik entrou no quarto rapidamente trancando a porta atrás de si rapidamente.
— Eles estão aqui – anunciou ele.
— Eles quem? – perguntei confusa.
Manik encarou a ponta de minha lança nova.
— Kelsey e provavelmente Kishan.
Meu coração que já estava disparado antes acelerou ainda mais, se é que fosse possível.
— Eu... – balbuciei.
— Eles devem ter terminado a missão no Everest, no Portão dos Espíritos e então voltaram para recuperar Ren.
— Então o que podemos fazer?
Manik mordeu os lábios, pensativo e apreensivo.
— Não podemos ajudá-los  diretamente, você entende, mesmo que quiséssemos Lokesh precisa pensar que estamos do seu lado.
Segurei a lança com força. Estava com raiva, mesmo que eu soubesse que esse sentimento era ruim, senti o mesmo assim queimando meu peito.
Minha mãe costumava dizer que raiva era o veneno da alma. E eu poderia dizer que a impotência me levava a isso, estar envenenada por raiva.
— Então ficamos aqui esperando que eles se ferrem!? – Gritei com Manik, empurrando seu peito.
Manik continuou calmo como o sempre fazia.
— Liz, pensa. Raiva não leva a nada. Você se lembra de como eu era antes de tudo isso acontecer? Quando namorávamos? Eu sentia raiva o tempo todo, por não podermos nos casar, pela injustiça das castas na Índia. Você acha que era fácil ver como os impuros eram tratados? Porque acha que me tornei soldado? Tudo isso leva à raiva, pequenos ou grandes detalhes. Só se acalme, nós vamos ajudá-los. – Ele segurou meus ombros e olhou fundo nos meus olhos. – Eu prometo.
Respirei fundo. Odiava perder o controle.
— Obrigada por brigar comigo. – Eu disse.
Manik sorriu brevemente.
— Sempre que precisar. – respondeu, destrancando a porta.
O corredor estava extremamente calmo. Não havia guardas como o de costume.
Franzi o cenho.
O silêncio era mortal.
— Onde estão os guardas? – Sussurrei.
Manik olhou para o lado direito do corredor com atenção.
Passos.
Passos urgentes e quase inaudíveis.
Deveria ser alguém leve. Não seria nenhum dos guardas.
O som aumentava conforme a pessoa avançava pelo corredor.
E então uma sombra apareceu na esquina do corredor. Se ela virasse, estaria de frente para nós.
— Manik – sussurrei nervosa.
Ele apenas indicou a minha lança, enquanto ele armou seu arco com uma afiada flecha avermelhada.
Apontei a lança para frente.
E a sombra virou o corredor.
Mas ninguém atirou ou agiu, porque a pessoa que estava na nossa frente era Kelsey Hayes.
Seus olhos se arregalaram, sua expressão era de raiva.
Ninguém disse nada. Eu estava muito chocada para reagir. E não atiraria em Kells.
Mas a garota avançou com passos firmes que não pareciam seus, era decidido e forte. Como se a missão até o Portão dos Espíritos a tivesse feito mais forte.
— Kells... – Eu disse conforme ela avançava.
Manik não se moveu, com seu arco armado.
Kelsey parou na minha frente e naquele momento tinha certeza que ela me machucaria. Mas por alguma razão congelei e esperei. Como se meu corpo quisesse receber algum tipo de castigo.
— Fico feliz que tenha saído de nossas vidas – ela disse enojada. - Agora se mantenha fora e se vier atrás, eu mesma farei questão de te expulsar.
Kells olhou para Manik e sorriu ironicamente. Então continuou avançando o corredor em direção ao “galpão” de Lokesh.
Olhei para Manik e fiz uma careta.
— Não parece nem um pouco com a verdadeira kells.
Manik abaixou o arco.
— Raiva. – Disse ele – Muda pessoas.
— O que faremos? Deixamos ela ir para o “galpão” de Lokesh?
Manik sorriu.
— Tenho um plano. – Disse.
— Que bom – suspirei -, porque eu não tenho.
— Vamos pegar Ren antes que nossos convidados o façam. Lokesh quer que peguem Ren, ele me disse. O cara perdeu parte da memória, parece que não se lembra quem Kelsey é.
— Como isso é possível?
— Não sei o que aconteceu, mas estava fora dos planos de Lokesh.
Rolei os olhos.
— Lokesh deve estar adorando essa confusão. – Eu disse.
— Sim e é por isso que vamos poupar Kelsey do baque. Vamos resgatar Ren.
— Mas como? – Perguntei analisando o corredor. – A sala onde Ren está só tem uma passagem e é pelo galpão, Lokesh nos veria.
— Já deu uma olhada no sistema de esgoto daqui? – Disse Manik.
— Espera, o que? – Interrompi.
— Isso aí, aqui é uma vila de índios Baigas, não tem sistema de encanação e claro que Lokesh não passaria sua estadia aqui sem um sistema descente de encanação. Esse lugar foi construído às pressas e no projeto original a sala onde Ren está seria um banheiro. Mas na última hora eles mudaram de ideia, mas ainda assim, o sistema de encanamento passa por ali.
— Manik, você continua sendo um gênio. – Sorri.
— Espero que sim. Agora vamos encontrar o banheiro mais próximo do galpão.
Avançamos pelo silencioso corredor. A iluminação estava enfraquecida e piscava irritantemente como flashes de câmeras velhas, Manik seguia à frente procurando uma das salas com banheiro que tinha ligação com o encanamento que passava debaixo da sala onde Ren fora feito prisioneiro. Enquanto andávamos pelos longos e parecidos corredores com salas idênticas, minha mente vagou sem querer, a mão que segurava minha nova lança baiga se afrouxou inconscientemente; como seria minha vida se nada disso existisse? Maldições e príncipes-indianos-tigres...
— Liz – uma voz me arrancou de meu devaneio. – O banheiro escolhido.
Manik apontava para uma porta verde musgo estreita.
Abrimos a devagar, felizmente o seu interior parecia limpo. Estava apenas um pouco empoeirado, um sinal de que não era usado frequentemente.
Manik se agachou analisando o piso negro, até que finalmente encontrou uma fina linha, que parecia formar um quadrado. Ele começou a desparafusar os pregos que prendiam a tampa quadrada no chão com uma pequena chave de fenda.
— Anda com uma chave de fenda nos bolsos? – Perguntei.
— Nunca seja previsível, é sem graça. – Respondeu Manik, arrancando o último prego da tampa.
Quando a tampa foi retirada, um buraco negro se estendeu diante de nós.
— Agora é só pular. – Falei.
— É nojento, mas ninguém mandou sermos os heróis. – Ele disse. E pulou buraco a dentro.
Pulei logo em seguida, de olhos fechados. Sem pensar no que aterrissaria.
O fraco cheiro de esgoto veio logo em seguida.
Meus pés arderam com o impacto da aterrissagem mas Manik segurou meus ombros para que eu não caísse. O chão parecia seco, o que era um alívio.
— Está escuro aqui – observei. – Deixe eu adivinhar, anda com uma lanterna nos bolsos também?
Manik soltou um riso abafado e logo em seguida algo brilhou na minha frente, uma luz azul.
— Droga, estou começando a ficar previsível. – Manik disse balançando a lanterna no ar.
Okay homem-esgoto, por onde iremos agora?
A Luz da lanterna foi apontada para frente.
Caminhamos devagar, com Manik seguindo a numeração riscada na parede de hora em hora.
A encanação era grande, o que mostrava ainda mais o quão Lokesh era rico. Construir um forte com uma encanação desse porte no meio de uma terra que pertencia a uma tribo indígena isolada seria uma extravagância que combinava exatamente com a personalidade dele.
— Porque não tem esgoto aqui e nem cheiro ruim? – Perguntei ao notar que o chão era seco por uma longa extenssão.
Manik apontou a luz da lanterna para o áspero interior da estrutura de esgoto.
— Porque como disse antas nunca terminaram as construções totalmente, essa ala é a Leste onde existem banheiros mas que nunca foram utilizados, tivemos sorte quanto a isso porque usamos só os banheiros da ala Sul. – Manik parou de repente.
— O que foi? – perguntei.
A lanterna iluminou um número na parede: 56.
Ao seu lado uma pequena escada de ferro se estendia até bater no topo do túnel escuro.
— Neste exato momento, Ren está aprisionado acima de nossas cabeças. – Manik disse.
Manik escalou a pequena escada primeiro. Enquanto eu segurava a lanterna e direcionava sua luz para o teto do encanamento. Ele levantou a pesada tampa de concreto devagar e uma pequena fresta de luz passou iluminou o rosto de Manik.
Seus olhos observaram o local rapidamente, ele então logo baixou a tampa de concreto.
— Não tem ninguém aqui além de Ren, ele está... calmo. Deve estar machucado, essa sala é onde Lokesh o torturou por todo esse tempo. – Manik falava calmamente, mas a inquietação e raiva em sua voz eram nítidas.
— Vamos pegá-lo e trazê-lo até aqui então, tentamos leva-lo até um lugar seguro até que sua memória seja reavida.
— Esse é o plano então. – Ele disse ainda pendurado na escada de ferro.
Ele levantou a tampa novamente e dessa vez eu também escalei a escada logo atrás de Manik.
Manik entrou na sala, segurando a tampa de concreto para que eu fizesse o mesmo. Pulei para dentro da sala silenciosamente e a tampa foi fechada.
O cheiro de sangue e suor logo veio à tona. O ar era abafado e quente; estranhamente doloroso, sentia-se que coisas ruins haviam sido praticadas ali e não eram os chicotes de couro grosso ou as ferramentas pontudas e manchadas que denunciavam toda essa situação. Era Ren.
E uma jaula. Em que Ren estava aprisionado, machucado, magro, inconsciente.
Kelsey não poderia ver isso, ela morreria por dentro.
— Ele ficará bom, ela também. – Manik disse como se estivesse lendo meus pensamentos.
Eu apenas assenti, esperando que as palavras de Manik se tornassem realidade.
Vi Manik se aproximar da jaula de Ren. Ele segurava um molho de chaves pequeno e procurava a chave da jaula, testando a fechadura de ora em ora.
— Eu acho que não poderemos leva-lo até o esgoto, Liz. – Manik disse analisando Ren enquanto tentava abrir a fechadura da jaula. – Ele está com vários ossos quebrados.
— Tenta abrir a jaula primeiro, ele precisa sair daí. – Eu disse, evitando olhar para o corpo machucado de Ren.
Ouvi vozes abafadas do outro lado da parede, o que acelerou minha apreensão em níveis extremos.
A voz de Lokesh tremulava entre a parede da sala de comando e a sala em que estávamos. Parecia estar conversando com alguém, pelo seu tom ameaçador presumi que seria Kells. Minhas unhas perfuraram a superfície da palma de minha mão.
Os ruídos de objetos batendo contra concreto inundaram a sala, minha pele se arrepiava a cada estrondo, imaginando se Kelsey estaria bem. Eu queria abrir aquela porta de ligação mais do que tudo naquela hora. Eu queria parar Lokesh, ajudar Kelsey...
Me aproximei da porta de ligação e toquei sua superfície. De repente um estrondo abalou a estrutura do prédio como um terremoto, vários objetos de tortura de Lokesh caíram no chão num ruído metálico em uníssono.
Olhei para Manik.
Esse não era um simples estrondo, foi como se algo tivesse atingido o exterior do prédio com força.
— Continue!! – Gritei desesperada. – Abra logo essa droga de jaula!!
Um som ensurdecedor rompeu do outro lado da sala, como uma forte chuva de granizo constante.
Meu coração bateu aceleradamente e só o que eu pensava era que Kelsey poderia estar machucada ou até...
Não.
Isso não aconteceria se dependesse de mim, um impulso correu pelas minhas veias. Quando percebi, minha mão tocava a maçaneta, fazendo um movimento para abrir a porta. Mas isso não acontecera, porque a porta continuava ali como uma barreira, trancada.
Bati desesperadamente na superfície da porta.
O barulho alto de chuva de granizo se cessou repentinamente.
Encostei minha orelha na porta, tentando ouvir qualquer sinal de voz. Mas não ouvi nada.
Desabei no chão, com minhas costas coladas na porta que deveria ser a salvação de Kells. Eu não me importava com o plano, Kells poderia ter sido salva. Lágrimas escorreram quentes como se feitas de lava, senti meu rosto esquentar junto a elas.
De repente, senti algo frio se enroscar em meu tornozelo. Livrei meus olhos das lágrimas e vi um borrão dourado perto de meus pés.
Fanindra.
Seus olhos verdes iluminados estavam alerta. Sua língua experimentou o ar, então a cobra dourada seguiu para a direção de Manik. Sua postura e gesto pareciam me convencer de que eu deveria segui-la. Quando o fiz, um estrondo se rompeu em uma luz vermelha pela sala.
Olhei para o lugar onde estava sentada há alguns segundos e que agora estava totalmente destruído.
Passos adentraram a sala apressadamente. Esperava que Lokesh aparecesse a qualquer momento. Minha pulsação estava tão acelerada que meu coração parecia bater dentro de meus ouvidos.
Um índio Baiga, um dos chefes de segurança foi o primeiro a entrar e logo atrás dele, surpreendentemente, Kishan.
— Estamos cuidando de tudo – Avisei ao índio Baiga em sua língua nativa. – Lokesh mandou.
Nesse meio tempo, minha cabeça girou e tudo aconteceu muito rápido.
O índio e Kishan correram para a jaula, onde Manik já havia libertado Ren. Ren, que estava fraco pareceu reconhecer Kishan. No entanto, o mais estranho foi ver que o índio Baiga olhava para Ren com compaixão e dor. Ele até mesmo chegou a derramar lágrimas.
Ren deu um passo em direção ao Baiga fracamente.
— Ren? – Chamou o Baiga com a mão estendida.
Ao ouvir o índio Baiga chama-lo, ele estreitou os olhos, cerrou o punho e o brandiu com uma surpreendente força, acertando o maxilar do Baiga, que tombou no chão no mesmo momento que perdeu a consciência.


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Notas finais do capítulo

Hummm, o que acharam? Me contem nos reviews? :D