Nozaki encarou a cena, atônito.

Ele realmente devia ter evitado isso. Se ele quisesse manter a identidade da Lorelei como um segredo, devia ter previsto que essa possibilidade, por mais insignificante que fosse, poderia acontecer.

Mas lá estava ele, no clube de teatro, encarando desamparado enquanto o segredo que mantinha a relação entre os personagens secundários de seu mangá intacta se desabava.

Porque Wakamatsu acabara de entrar pelas portas do teatro, e estava de frente para uma cena que pensou nunca ver antes na vida.

Kashima. Sozinha no palco, de olhos fechados e cantando com uma voz tão impressionante que poderia até se comparar à famosa e desconhecida Lorelei do clube de canto...

Porque era, de fato, a voz dela.

Sakura soltou um som de surpresa ao seu lado, como se percebesse a gravidade da situação. Alguns membros do clube de teatro também encaravam a cena não sabendo o que fazer, pois o segredo que desejavam manter para aquela peça estava prestes a ser revelado, e...

E, mais do que tudo, o segredo dele – de que Seo Yuzuki era na verdade a causa e também a solução dos problemas de seu kouhai, estava prestes a ruir.

Nozaki deu um passo na direção de Wakamatsu, sua boca abrindo de instinto para tentar falar alguma coisa, nem que fosse uma desculpa-

E parou, vendo o mais novo agora deitado no chão, desacordado.

Pôde ouvir o suspiro de alívio da ruiva ao seu lado, assim como gritos de surpresa de alguns membros do clube. Se virasse de costas, veria Kashima com os olhos arregalados ainda no palco, não entendendo nada do que acabara de ocorrer; e também Hori, que parecia estar a passos de ter uma dor de cabeça.

Ele encarou Wakamatsu por mais um segundo, e também suspirou.

Ah, é mesmo. Ele cai no sono.

Mas ele sabia que sua calmaria não duraria por muito tempo - porque e se ele estivera acordado por tempo suficiente para ver quem acabara de começar a cantar? Como explicar para Wakamatsu que Kashima não era a Lorelei sem revelar que era, ao invés disso, a Seo?

Nozaki estava em sérios apuros.

Ele deveria ter mesmo dado um jeito de impedir aquilo quando tudo começou.

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Todos na sala encararam a garota de cabelos curtos, alguns olhos arregalados enquanto outros piscavam várias vezes, as duas formas mostrando sinais de descrença.

–... Como é que é, Kashima? – Alguém se pronunciou, o garoto mais baixo a frente da mesma. Hori estava com os braços cruzados e com os olhos castanhos a encarando firmemente, já irritado por ter tido de arrastá-la até ali alguns minutos atrás.

Kashima olhou para todos os lados e pôs uma mão na cabeça, enquanto um sorriso sem graça se formava em seus lábios.

–Eu não... Sei cantar. Hehe.

Silêncio.

Sim, eles não haviam ouvido errado. A sobrancelha esquerda do moreno tremeu.

–Então foi por isso que você fugiu do primeiro ensaio?!

–... Sim.

–E fingiu que tava doente?!

Kashima assentiu.

–E sugeriu que fizéssemos o musical até ano que vem... – Ele estreitou os olhos. – Mesmo sabendo que eu não estaria mais aqui?!

A garota piscou, mais impressionada do que com medo. Como esperado do seu senpai, ele era mesmo muito afiado!

–Err... Sim? – E fechou os olhos. Ah, ela já podia sentir o chute...

Que não veio.

Kashima abriu os olhos e encarou o mais baixo a sua frente que continuava parado com uma expressão emburrada e piscou outro par de vezes ao vê-lo suspirar.

–Ok, ok. Você não pode cantar tão mal, vai lá.

A garota sentiu um arrepio percorrer suas costas e seus instintos a mandaram fazer o de sempre quando Hori a encurralava.

–N- Na verdade, senpai! Eu lembrei que um profe-!

–Kashima. – Ele a interrompeu. Droga.

–... Sim?

–Canta.

–A- Ah... – Ela viu os orbes castanhos faiscarem de forma ameaçadora e se calou. Fazer o que ele mandava não devia ser pior que levar um cascudo na cabeça. Definitivamente não.

Convencida disso, ela abriu a boca.

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Sons ininteligíveis saiam da garota que se encontrava encolhida na carteira, a aura de desespero evidente em seu redor.

–A- Ah, Kashima-kun... Não fique assim. – Sakura, que estava de frente para a outra garota e ao lado de Nozaki, tentou acalmá-la. – E ele descobriria logo mesmo...

– Sim, personagens tem que ter uma falha ou outra... – O mais alto pensou, com a mão no queixo e levemente distraído ao pensar nesse assunto.

De repente, Kashima levantou a cabeça.

–N- Não, m- mas-! – Ela mexeu as mãos freneticamente. – O Hori-chan-senpai ainda quer fazer a peça, mas ele não fazer o que fazer porque eu não posso cantar!

E abaixou a cabeça mais uma vez, não demorando para outra leva de sons estranhos se formar enquanto uma aura negra resolveu rodeá-la.

Sakura suspirou, uma expressão preocupada em seu rosto.

Mesmo que a mais alta vivesse faltando ensaios, ela gostava de atuar, era evidente que sim. Parecido com o que acontecia com Nozaki quando ele não conseguia prosseguir com seu mangá, o teatro era importante para ela tanto quanto o seu trabalho era para ele, por isso o jovem conseguiu se simpatizar levemente com a situação da garota.

Além do que, devia estar sendo muito difícil para Hori também, mesmo que ele não estivesse no mesmo estado que Kashima.

O clima pareceu melhor um pouco – no entanto – quando a expressão da ruiva ao seu lado iluminou-se.

–Ah! Kashima-kun! – Sakura a chamou, pondo uma mão em seu braço o que fez a outra garota finalmente levantar a cabeça mais uma vez. – Eu tenho uma ideia.

Ah, sim. A mais baixa era ótima com ideias para essas situações – ela mesma já o tirara de diversos apuros, conhecidos como bloqueios criativos – então, eles não deviam ter com o que se preocupar mais.

–O que, Chiyo-chan? – Kashima perguntou, um filete de esperança em sua voz.

–Podemos usar a ajuda da Yuzuki!

Sim, como ele sabia, Sakura sempre tinha ótimas ide-

Não.

Nozaki arregalou os olhos e focou sua visão na mais baixa que sorria animada.

Sakura, o que você acabou de pensar... Ele começou em sua mente.

– S- Sério?

–Sim!

Sakura, não!

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– Ehhh? Eu, ajudar com a peça? – Yuzuki, no momento sentada com uma das mãos apoiando o rosto na carteira, fez uma expressão leve de surpresa quando ouviu a sugestão.

Chiyo assentiu, esperançosa. Sabia que sua amiga não era de fazer coisas que davam muito trabalho – pelo menos sem condições – e Kashima já pedira sua ajuda antes, mas cantar era algo que ela adorava fazer, e a estrela do clube de teatro estava desesperada.

– Ah, mas eu teria que cantar durante o musical inteiro? – Ela continuou, tédio já presente em sua voz. – Isso parece chato.

– Por favor, Sensei! – Kashima escolheu essa hora para pedir, inclinando o corpo para frente para ficar na altura do rosto de Yuzuki. – Eu posso fazer o que você quiser! Posso ajoelhar aqui ou te comprar todos os doces que quiser ou te chamar de Seo-sama pelo resto do mês!

– Hm... Não sei, seria engraçado ver você ter que cantar na frente de todo mundo. – A garota sentada riu um pouco, imaginando a cena. – Principalmente na frente do... Como é o nome dele mesmo? Hori-chan-senpai?

Imediatamente após sua fala, a aura determinada de Kashima deu lugar a uma depressiva e ela se encolheu, voltando a olhar para o chão.

– Err... Yuzuki... – Chiyo começou em seguida, um sorriso sem graça se formando em seu rosto. – Isso meio que já aconteceu, então...

– Ah, sério? E vocês nem me chamaram para ver? – A garota levantou a cabeça de sua mão, parecendo aborrecida pelo fato, depois de bufar. – Que saco! Bom, mas se for assim então eu aceito, né.

– Eh? – As duas garotas olharam para ela, surpresas. – S-sério mesmo?

– É, pode ser. Eu só tenho que cantar umas coisas quando for sua vez, certo? – Yuzuki se endireitou na cadeira, cruzando os braços.

– Sim! Muito obrigada, Sensei! – Kashima estava reluzente agora, punhos fechados em animação.

– Ah, mas eu gostei de como Seo-sama soa, então você pode-

– Entendido, Seo-sama!

– E aqueles doces que você prometeu-

– Sim, claro!

– Você tá mesmo animada com isso, né. – Yuzuki observou com uma sobrancelha arqueada. Depois, ela sorriu. – Bom, que seja. Só me diga quando vocês quiserem que eu apareça por lá.

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– E... Foi assim que aconteceu! – Sakura, com o dedo indicador levantado, terminou de falar para Nozaki enquanto ambos estavam em seu quarto depois do tempo de aulas. – Eu realmente achei que a Yuzuki fosse recusar o pedido, então foi uma surpresa e tanto!

Nozaki encarou a ruiva com uma mão no queixo, assentindo levemente depois de sua explicação.

Sim, a Seo realmente não é do tipo de aceitar isso. Talvez ela tenha gostado da recompensa? Ou...

– Ela aceitou?! – O garoto se endireitou em seu lugar, batendo uma das mãos na mesinha. Sakura pulou com isso, e depois tombou a cabeça para o lado.

– Sim... Tudo bem, Nozaki-kun?

– Uh... Sim, é que... – Ele não sabia o que dizer. Não tinha seguido aquelas duas exatamente porque tinha certeza de que Seo não aceitaria um pedido daqueles. Não era nem um pouco a cara dela participar num musical!

–... Problemas com o mangá? – Sakura insistiu, parecendo levemente preocupada.

Não por enquanto. Mas se continuar... Foi o que ele quis responder, mas permaneceu quieto, negando com a cabeça.

Wakamatsu ainda poderia não tomar conhecimento da peça... Sim, ele não tinha interesse por essas coisas, então o máximo que Nozaki poderia fazer seria mantê-lo o mais longe possível do clube de teatro durante os ensaios e estaria tudo bem. Ele poderia até chamá-lo para ajudar com o mangá nesses dias, por precaução.

Ele realmente não esperava que fosse acabar indo parar no clube de teatro no primeiríssimo ensaio levado por Sakura, e que seu kouhai entrasse pelas portas no exato momento em que Seo começara a cantar de trás das cortinas.

O que o levava à situação de agora.

–... Ele vai ficar bem? – Hori perguntou ao seu lado, observando o garoto agora já carregado até a enfermaria, que dormia tranquilamente. Junto dele, Sakura observava a cena com um olhar preocupado.

– Sim. Ele só é sensível à música da Lorelei. – Nozaki comentou, ainda observando o mais novo enquanto ele babava no travesseiro. – Deve acordar depois de um tempo.

– Ah, sim... – O mais velho levantou uma das mãos para coçar a cabeça. – Eu tenho que voltar para o clube antes que a Kashima destrua alguma coisa. Vocês vão ficar bem aí?

– Sim, eu acho... – A ruiva ao seu lado respondeu por ele. Hori assentiu e, depois de se despedir brevemente, saiu da enfermaria.

Nozaki e Sakura encararam o jovem adormecido por mais um tempo.

– Nozaki-kun... O que você acha que vai acontecer agora?

– Não sei. – Ele respondeu, uma aura depressiva o rodeando. – Eu parei de imaginar quando estava tendo que trabalhar em dois lugares diferentes para pagar a minha dívida...

– E-eh?! – A garota pulou com o rosto perplexo, para depois continuar. – N-nozaki-kun, não exagere tanto por causa de um mal entendido! E também, nós nem sabemos se ele viu que era a Kashima-kun cantando antes de dormir, certo?

Nozaki encarou-a por um segundo, e voltou-se para Wakamatsu.

Sim, havia essa possibilidade. Ele tinha adormecido bem rápido, afinal. Caso ele acordasse e perguntasse por que a Lorelei estava cantando no clube de teatro, ele poderia arrumar uma desculpa...

Ele permitiu-se sorrir levemente. Isso podia dar certo.

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Infelizmente, esse não foi o caso.

– Ah, mas eu nunca pensei que a Kashima-senpai fosse ser a Lorelei! – Wakamatsu exclamou, animado. - Quer dizer, eu cheguei a achar que ela era um homem por um bom tempo, então...

O garoto ao seu lado resistiu à tentação de dar um tapa em sua própria testa.

Como foi que ele deixou aquilo acontecer mesmo? Ele realmente desejava que Seo não fosse tão imprevisível às vezes...

–Pois é... – Concordou contra sua vontade. O pior era que ele nem podia contar a verdade. Porque se contasse ao moreno, ele provavelmente perguntaria como ele sabia disso, o que levaria Nozaki a contá-lo que a Lorelei era ninguém mais ninguém menos que a garota que constantemente o arrebentava nos seus treinos de basquete.

Seguindo essa linha, essa verdade provavelmente levaria Wakamatsu a ter um ataque de pânico e destruir a única coisa que o salvara de seus problemas de insônia.

Além de que aquilo estragaria completamente o relacionamento dos personagens secundários do seu mangá.

Ele não queria que isso acontecesse e o mais novo não merecia aquilo.

Mas ele não podia ficar parado também, tinha que dar um jeito de tirá-lo daquele mal entendido!

–Olha, Wakamats-! – Quando finalmente havia se decidido, porém, o seu kouhai já havia saído do seu lado e sumido completamente de vista.

Oh, bem.

–... Ele vai ficar bem, né? – Nozaki murmurou para si mesmo, levemente preocupado.

Bom, por via das dúvidas...

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Olhos turquesas brilharam ao avistar a garota alta de cabelos azuis escuros curtos no meio do corredor conversando com mais duas garotas, o dono dos tais olhos estava prestes a correr até ela quando sentiu algo puxá-lo pelo braço ao ponto de se abaixar.

–Ei, Wakamatsu.

–Eh? – O moreno se virou para o dono da voz e piscou. – Hori-senpai?

O mais velho assentiu e soltou seu ombro.

–Er... Então, o Nozaki me disse que você acabou descobrindo sobre a Lorelei e... Bom... – Hori fez um sinal para que ele se aproximasse e quando o fez, continuou com um tom mais baixo. - Nós queríamos manter segredo por causa do musical que vai ter, então dá para você-

Antes que ele pudesse terminar, Wakamatsu abriu um sorriso largo e brilhos pareceram aparecer em sua volta.

–Oh! Oh, entendi! Ok, o segredo da Kashima-senpai está seguro comigo! – E logo depois saiu correndo, deixando o mais velho para trás com uma expressão confusa no rosto.

Hori piscou.

– Ah, ele entendeu. – E sorriu, mas dois segundos depois levantou uma sobrancelha. -... Ele entendeu, né?

Quando o moreno mais novo a alcançou, Kashima já havia se despedido das garotas e ia se dirigir a sua sala...

–KASHIMA-SENPAAAAAAAI!

Isto é, se não tivesse sido interrompida por um mini ataque cardíaco.

–Quê?! – Ela se virou rapidamente para trás e relaxou ao ver que era Wakamatsu que sorria para ela. Ah, então não era o Hori... Claro que não, era ela que o chamava de senpai e não o contrário, afinal! – Aaah, Wakamatsu, e aí? Você meio que desmaiou ontem, você tá be-

–Sim e o seu segredo está seguro comigo! – Ele exclamou, a interrompendo pela segunda vez.

Segredo? Ah, é, o musical.

Kashima sorriu.

–Ah, obrigada mesmo, então-

– Mas Kashima-senpai, me diga se precisar de ajuda pra algo, ok? – E a interrompeu pela terceira vez – ok, aquilo estava ficando estranho -, na mesma animação. – Eu te admiro muito e você me ajudou com um problema gigante e-

Enquanto o moreno a sua frente falava sem parar, a mais velha inclinou levemente a cabeça para o lado, confusa.

Nesse meio tempo, a verdadeira Lorelei vinha caminhando na direção deles e soltou um suspirou entediado, alheia à situação. Quando seus olhos avermelhados pousaram na figura de Wakamatsu, porém, sua expressão se iluminou.

–Waka! Ei, Waka! – Yuzuki correu até o mesmo que se virou logo depois. – Vamos brincar!

–Ah, Seo-senpai, agora não dá. Desculpa. – E levantou uma mão em sinal de desculpa, depois se virou e viu que a garota dos cabelos azuis já tinha saído dali por ter sido chamada por um grupo de garotas. – Ah, Kashima-senpai!

A dona dos olhos avermelhados observou enquanto o garoto se afastava apressado com o cenho franzido.

–... Eh?