Saga - The Alphas Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 4
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Os olhos de Rafa se abriram e ele ficou muito aliviado por estar onde estava antes de desmaiar. Ele podia sentir a grama em seu couro cabeludo. Andressa e Eduardo pairavam acima dele.

– O que aconteceu dessa vez? – ele perguntou a eles, meio encabulado.

– Você disse umas palavras estranhas e desmaiou – Andressa respondeu.

Rafa franziu o cenho.

– Que palavras?

– Ah, você não se lembra, não é? – Andressa questionou. – Por que não estou tão surpresa?

Forte de Canto – Eduardo respondeu num tom enigmático.

– O que é isso?

– Achamos que você saberia.

– É um lugar – Eduardo sacou seu celular, digitando rapidamente. – Uma espécie de fortaleza de Bruxas. Não fica muito longe daqui.

– De Bruxas? – Andressa guinchou. – E quanto aos atiradores?

– Devem ter alguma ligação com isso – Eduardo comentou. – Ei, Caubói, lembra de algo mais?

Rafa balançou a cabeça.

– Depois que eu toquei na grama...

– Isso! – Andressa de repente puxou Rafa e virou-o para o símbolo cravado na grama.

– Que merda! – Rafa puxou sua mão. – De que merda você esta falando?!

– O símbolo – ela revirou os olhos. –Você tocou nele e ouviu algo. Toque de novo.

Rafa meio que hesitou e logo Andressa fechou a cara.

– Não o pressione – Eduardo a advertiu. – Não é assim que os nossos dons funcionam.

Andressa riu e pegou Rafa pelos ombros.

– Ah, qual é, Edu. Nunca ouviu falar no termo “Ajoelhou tem que rezar?”?

Ela impulsionou Rafa para baixo e o garoto a xingou de filha da puta.

– E se eu desmaiar de novo? – ele questionou.

– Eu te seguro, bebê – ela brincou.

Rafa então se concentrou no símbolo e tocou de novo a espiral inferior. O velho brilho começou dali e preencheu cada espiral aos poucos. A brisa veio de novo, mas dessa vez Rafa se deixou ouvir alguma coisa.

Forte de Canto, o vento sibilou numa voz sem característica, ou seja, nem fina nem grossa.

– Forte de Canto – ele repetiu, automaticamente. – É só o que eu escuto.

Eduardo começou a roer a unha, um pouco nervoso.

– E se não for para ouvir? – ele questionou, parecendo ter acendido uma luz na cabeça. – E se for para ver?

Rafa franziu a testa, mas então ousou abrir seus olhos – que nem tinha percebido que estavam fechados – e logo viu algo.

– Uma garota de cabelo moreno curto... Ela parece... Ela parece estar esperando algo, está atrás de uma mesa de recepção...

A visão de repente então sumiu e Rafa cambaleou um pouco.

– Tá bom, já chega – Andressa o segurou.

Rafa engoliu a náusea, mas mesmo assim quis perguntar:

– Como eu fiz isso? Como eu consegui ter uma visão?

– Eu não sei exatamente – Eduardo respondeu os olhos marejados. – Mas aposto que tem algo a ver com esse símbolo.

Ele e Andressa olharam e Rafa não conseguiu deixar de olhar junto.

Era a segunda – bem, terceira – vez que ele tocava naquele símbolo e algo acontecia.

Qual era a ligação de Rafa com ele? E o que Rafa era?

A manhã seguinte Rafa estava parado em frente ao seu espelho de borda dourada. Seu cabelo preto estava tão arrumado em um topete que nem parecia que na noite passada ele tinha evocado um poder de um símbolo com espirais. Seus olhos castanhos destoavam tudo e por um nano segundo ele sentiu inveja do resto da família – Todos tinham olhos azuis e eram loiros.

Ao menos eu tenho um senso de estilo, Rafa admirou o jeito como sua camiseta xadrez azul e branca combinava com seu short branco.

Ele borrifou um pouco de Hugo Boss “emprestado” de seu pai e saiu do quarto, pegando sua mochila que estava em cima de sua cama arrumada – Rafa odiava deixar as coisas desarrumadas e não era nem porque sua mãe podia gritar com ele, mas porque ele simplesmente gostava de tudo assim, arrumado.

Na cozinha, ele encontrou o pai e Roger parados na cozinha, esperando ele ir.

– Vamos? – ele olhou o relógio, meio impaciente.

Nenhum dos dois respondeu e ele deu uma olhada neles. Ambos encaravam a janela.

– Pai? Roger?

Mas nenhum dos dois olhou. Rafa estremeceu um pouco começando a achar que estava num pesadelo horrível de novo, até que um movimento súbito no canto da cozinha o assustou.

– Eles acharam um corpo – sua mãe disse, deixando a xícara de café na mesa.

Rafa seguiu o olhar deles afora e viu duas viaturas paradas em frente à casa do vizinho da frente deles. Havia fitas de NÃO ULTRAPASSE em todo o jardim e uma ambulância no canto da garagem.

– Quem morreu? – ele perguntou meio tonto. De repente ele não conseguia parar de pensar na ausência de Fernando na noite passada.

– Um turista – a mãe comentou, passando as mãos no rosto. – A filha mais nova do casal Shepard estava brincando no quintal... Até que viu o corpo do sujeito.

Rafa se remexeu, inquieto.

– Pensei que os policiais tinham encontrado o corpo.

– Eles encontraram partes. A garota achou a cabeça.

Uma náusea tomou conta de tudo e a visão de Rafa embaçou, quase fazendo ele deixar a mochila escorregar do ombro.

– Com licença – ele caminhou de volta para o quarto segurando nas paredes do corredor até chegar até lá.

Ele pensou em Fernando de novo e nas expressões de Andressa e Eduardo quando questionou sobre ele. Será que eles ficariam tão calmos se perdessem um amigo?

Rafa engoliu em seco ao lembrar do fato de que eles matavam quase todo dia – a morte de mais um não devia ser nada.

Ao entrar no quarto ele se deitou de barriga para baixo e tentou suprimir a histeria que ameaçava escapar por seus lábios – ele acreditava que se abrisse um pouco iria gritar.

Não, aquilo não podia... Aquilo não podia estar acontecendo.

– Você não vai vomitar, vai?

A voz trouxe arrepios até sua espinha enquanto ele levantava a cabeça e se revirava na cama.

Fernando estava parado no canto do quarto, a expressão de alguém que se controlava para não rir.

– Mas que merda... – Rafa falou, alto, mas então se apressou para fechar a porta. – Que merda você pensa que esta fazendo?

O sorriso de Fernando sumiu e ele andou sem pressa para se sentar na beira da cama.

– Relaxa, Caubói. Nunca ouviu falar no termo visita?

– Ouvi sim – ele respondeu nem um pouco relaxado. – E geralmente as pessoas usam a porta para fazer isso.

Fernando revirou os olhos e se deitou de lado na cama, deixando as botas fora dela.

– Que engraçado você dizer isso, para quem estava quase morrendo de vontade de vomitar agora pouco.

Rafa enrubesceu um pouco, deduzindo que Fernando sabia que ele pensava que ele estava morto.

Fernando um pouco mais as pernas, deixando Rafa mais vermelho ainda ao ver o volume no meio das pernas dele se mexer junto.

– Você sempre vomita depois de ver um corpo?

Rafa respirou fundo e se sentou na beira da cama.

– Nem sempre. Aquela vez, com Balu em La Iglesia, eu não cheguei a sentir vontade de vomitar.

Os olhos de Fernando escureceram um pouco.

– Eu sinto muito, sinto mesmo – ele sussurrou.

– Esta tudo bem – Rafa respondeu, piscando bem rápido. – Eu nem o conhecia direito, tenho certeza que os pais dele chorariam muito mais... Se estivessem vivos.

Um bolo se formou na garganta dele, mas Fernando logo o cutucou com a ponta da bota.

– Isso não te impediu de gritar com todos nós. Não sei como Anna não chegou a te dar uns tapas.

Rafa sorriu um pouco com a lembrança, mas então algo lhe ocorreu.

– O que ela estava tentando fazer comigo?

– Como assim? Ela te deixou livre.

– Não, não sobre isso. Depois que eu disse que queria ir pra casa. Ela levantou a mão e tentou fazer algo comigo, mas você não deixou. O que ela ia fazer?

Fernando se sentou, não parecendo muito animado em responder.

– Ela ia te aparatar.

– E isso dói?

O outro sorriu.

– Só se você não ver problema algum em ser desintegrado até outro espaço.

Rafa estremeceu.

– E por que você não deixou ela fazer?

A expressão de Fernando vacilou e ele encarou Rafa nos olhos.

– Eu acho que seus pais não iam comprar a minha história se você aparecesse do nada aqui.

Rafa franziu a testa, ainda olhando Fernando nos olhos.

– Eles não precisariam comprar história nenhuma. Você não teria vindo até aqui.

Os olhos de Fernando escureceram um pouco.

– Talvez eu viesse.

– E por que faria isso?

Fernando deu de ombros.

– Eu ficaria preocupado com você.

Rafa tentou se controlar o máximo com aquela revelação e mordeu a própria bochecha por dentro. O volume no próprio short não parecia disposto a colaborar junto.

– Você parece nervoso – Fernando provocou, tentando soar inocente.

Rafa balançou a cabeça.

– Eu? Nervoso? Por que eu estaria assim? Por que na noite passada eu desmaiei depois de tocar num símbolo que começou a brilhar e soprar na minha direção?

Fernando assentiu.

– O Edu e a Dessa me passaram a informação. Parece que você revelou uma nova habilidade, hein Caubói?

– Isso seria de muita ajuda se eu soubesse de onde eu tirei isso tudo.

Fernando parecia querer dizer algo, mas então Rafa se virou com tudo para ele.

– Onde você estava ontem à noite?

A expressão do outro ficou indecifrável por um momento longo e ele tornou a se levantar, ficando de costas para Rafa – que não gostou muito daquilo.

– Fantástico! – ele bateu palmas. – Você pode invadir minha casa quando quiser, mas eu não posso saber onde você esteve ontem à noite? Mesmo depois de eu te salvar de uns atiradores que provavelmente matar um cara na frente da minha casa? Grande equilíbrio, Fê!

Fernando começou a se virar lentamente e então Rafa se arrependeu de ter chamado o outro daquele jeito.

Mas Fernando não parecia se importar com aquilo.

– Não foram os atiradores – ele respondeu, a voz mais do que um sussurro agora.

– O que? – os dedos de Rafa se afundaram na colcha.

– Não foram os atiradores que mataram esse cara na frente da sua casa... Foi outra coisa.

Rafa mal teve tempo de ficar surpreso e perguntar sobre aquilo quando uma batidinha soou na sua porta e ele sabia que tinha que ir para escola.

Deixando aquela noticia no ar daquele quarto, junto com Fernando.

– O que acha de sairmos amanhã à noite? – Lucas perguntou enquanto guardava seu livro de biologia || dentro de seu armário abarrotado.

Rafa devolveu um sorriso debochado.

– Valeu, Lucas, mas você não faz meu tipo.

O armário de Rafa continha às apostilas e os livros de estudo, uma foto de Lana Del Rey em uma piscina em Blue Jeans, um exemplar de Lolita e uma recente foto imprimida de Nick Jonas posando para uma revista sensual, apenas de cueca e mostrando o tamanho de seu “pacote”.

– Eu estou falando sério – o amigo o cutucou. – Com tudo o que vem acontecendo ultimamente eu pensei “Ei, que tal eu e meu melhor amigo irmos até o Vallywood Bar ou o Vallywood Mall, como nos velhos tempos”?

Rafa fechou a porta do armário e encarou o amigo de testa franzida.

– Talvez você devesse dizer aos seus pensamentos que “velhos tempos” foi na quarta passada. E o que você quer dizer com “tudo que vem acontecendo”?

Lucas deu de ombros, meio hesitante.

– Ah, você sabe.

– Sei mesmo, mas acredito que você possa me dizer.

Lucas o fuzilou com os olhos, mas Rafa apenas ergueu as sobrancelhas, esperando.

– Seu sumiço na sexta – ele respondeu. – Eu fiquei realmente preocupado.

Rafa bufou.

– Eu já não te disse para parar de se preocupar? Eu estou aqui, eu voltei.

– Sei disso, cara – a expressão de Lucas era magoada. – Mas algo não para de perturbar a minha mente desde que isso aconteceu.

– E o que é?

Lucas demorou em responder, olhando ao redor.

– Eu sei que você me disse onde estava, Rafa. Só que algo continua me perturbando, algo fica me dizendo que... Você fez mais do que esta contando.

Rafa se recostou no armário, cheio de culpa. Já não bastava o cara morto na frente da sua casa – que ele tinha descoberto não ser um atirador, mas sim outra coisa que Fernando não conseguira dizer a tempo – ele ainda tinha que lidar com o melhor amigo cavando para tentar encontrar algo?

– Ah, não – Lucas falou depois de meio segundo. – Você ficou quieto, isso é um mau sinal.

Ele ignorou o amigo e observou o corredor cheio de alunos convergindo, percebendo o quão sortudo ele era ao ver tantos rostos familiares ali.

Vick e as Camillas brigavam com uma máquina de refrigerante, gritando algo sobre ela ter engolido uma das notas delas.

Taffara se encontrava no meio do corredor, como sempre, vestindo um topo abusadamente vermelho e shorts curtos – suas amigas clones a copiando no estilo e a cercando de elogios por causa da sapatilha preta diferenciada.

No canto de um dos armários ele pode ver Roberto discutindo com Diogo (eca), que fazia natação com eles, sobre quais barrinhas de cereais eles não deveriam comer depois do treino.

O ex-namorado, Rael, batendo papo na frente da sala da Srta. Ester Klaroline, a psicóloga ruiva e gostosona que todos julgavam ser maconheira nas costas dela.

Rodolfo e Fernando sendo questionados pelo Sr. Ávila sobre uma caricatura dele no corpo do puro-osso.

E então, enquanto Rafa distraidamente decidia olhar no centro do corredor, foi que ele os viu.

Três jaquetas pretas marchando no meio do corredor, abrindo o mar de alunos como se fossem profetas.

E talvez fossem.

Rafa estava prestes a ligar o preconceito até que se deu conta... De que conhecia aqueles três.

Lucas se virou, seguindo seu olhar.

– Ei, aqueles não são seus amigos? – perguntou.

Rafa engoliu em seco.

– Mais ou menos.

Andressa era a que mais ganhava destaque, os cabelos escuros jogados para trás, de modo que para mostrar os brincos de argola. Usava uma camiseta arregata mais chamativa que a de Taffara e um salto alto que ecoava no corredor.

Um grupo de meninas do último ano a encarava, mas quando ela olhou de volta elas piscaram e disfarçaram timidamente.

Eduardo andava bem do lado dela, a mãos entrelaçada com a dela enquanto percorria o corredor. Parecia estranhamente ameaçador com os óculos escuros na frente do rosto, mas a barba por fazer o deixava bem sexy e – estranhamente – normal.

Um casal de morenos olhou os dois com inveja e o rapaz tocou o cabelo arrepiado, como se de repente quisesse joga-lo fora.

Fernando se encontrava do outro lado de Andressa, um pouco mais para trás, mas parecia surtir o mesmo efeito que os outros – e para Rafa até mais. Não usava óculos como o amigo então os olhos de cor indefinida combinavam com a camiseta azul escura justa. Ele passou a mão pelo cabelo e um bando de meninas secundaristas suspiraram, mas ele estava distraído demais para notar – já que encarava Rafa de volta.

O garoto sentiu o impulso de se mover e perguntar o que diabos aqueles três estavam fazendo ali e perguntar onde eles tinham comprado àquelas mochilas da North Face, mas então Taffara e suas amigas se viraram para o trio, impedindo a passagem.

– Oh, olá – Rafa podia sentir ela sorrir falsamente. – Vocês são os novos alunos, certo?

Enquanto Rafa lutava para engolir a informação banal, o corredor inteiro – desde Vick e máquina de refrigerante até Roberto e Diogo – ficaram em silencio para ouvir resposta.

Os três pararam uns doze passos de distância e duas calouras correram da linha de fogo.

Andressa, cuja mão ainda estava entrelaçada com a de Edu, ergueu os olhos verdes para Taffara friamente.

– Você por acaso já nos viu aqui antes?

Uma vaia de idiotas se seguiu e Rafa não precisava ver o rosto de Rafa para saber que ela parecia puta.

A Queen Bee tentou não se intimidar e jogou um cacho de cabelo castanho atrás da orelha, parecendo resignada.

– Essas jaquetas são Pollo Wear?

Eduardo bufou, tirando os óculos escuros.

– Por favor, são Armani – ele respondeu e se seguiu vários guinchos de horror de alguns alunos que Rafa considerava bonitões.

Taffara riu docemente e apontou com o dedo indicador.

– E vocês são meus novos melhores amigos!

As loiras ao lado dela e várias outras garotas metidas a encararam ceticamente.

Mas então Fernando se adiantou, com uma cara de deboche:

– Só que não, fofa.

E então os três passaram por ela, Andressa quase atropelando uma garota que tinha ficado no caminho.

Os burburinhos começaram mais alto dessa vez, mas todos continuavam a encara-los.

Inclusive Rafa.

– Por que não me disse que eles iam estudar aqui? – Lucas perguntou mais temeroso do que bravo.

O outro apenas olhou com raiva para o trio.

– Porque eu aparentemente não sabia.

Andressa e Eduardo passaram, ignorando ele, mas então Rafa segurou Fernando a tempo.

– É isso que você estava armando ontem à noite?

Fernando olhou de Rafa até a mão dele segurando a lapela de sua jaqueta, mas não a tirou dali.

– Desculpa, o que? – ele questionou, parecendo relutante.

– Você tinha sumido noite passada – ele lembrou. – É isso que você estava planejando? Mudar você e eles para a minha escola?

Fernando olhou para Andressa e Eduardo por sobre o ombro, eles aguardavam, cautelosos, Andressa porém acenou com os dedos para os dois.

– Relaxa, Caubói – Fernando sussurrou e lançou um olhar para o lado.

Rafa seguiu seu olhar e pode ver que todos olhavam. Vick e as Camillas tinham abandonado a máquina de refrigerante e olhavam de braços cruzados. Taffara se recostava no próprio armário e encarava de um jeito indecifrável.

Rael praticamente estava na ponta dos pés para escutar algo e, mais para trás dele, Roberto o encarou uma vez nos olhos e então se afastou, deixando Diogo falando sozinho.

Rafa então largou a lapela da jaqueta de Fernando e tentou respirar fundo.

– O que vocês estão fazendo aqui? Essa é a minha escola!

– Nós sabemos, Caubói!

– Pare de me chamar de...

– Anna mandou ficarmos de olho em você!

– O que? – ele guinchou e atraiu mais olhares. – O que? Por quê? – falou mais baixo dessa vez.

– Qual é, Rafa? Achou que depois de abrir uma caixa selada há séculos, salvar nossas pelas duas vezes e os Atiradores vindo se esconder na sua cidade nós não íamos ficar de olho em você? Presta atenção!

Rafa revirou os olhos.

– Não podiam ficar de olho sem invadir minha escola, também?

Andressa, que tinha se aproximado com Edu sem eles perceberem, sorriu de forma graciosa porém irônica para ele.

– Podíamos, mas aí não seria divertido, seria?

E então ela puxou Fernando e os três continuaram andando em frente, deixando Rafa lidar com os olhos da multidão nele.

Ele se virou para ver a cara do amigo Lucas, mas então só se deparou com um armário fechado duramente.

Um período depois, Rafa se dirigia pelo corredor, sozinho, até o banheiro masculino. Meio caminho até ali e ele já tinha soltado um desfiladeiro de ofensas porque o banheiro masculino ficava do outro lado do prédio.

Ele entrou no local de mau odor de sempre... “fresco” e passou um pouco d’agua no rosto, tentando se acalmar. Lucas o tinha ignorado na aula agora pouco. Os dois tiveram que se sentar em dupla para fazer um rápido teste de inglês.

– Você sabe algo de inglês? – Rafa tinha perguntando inocentemente.

Lucas ficou fitando a lousa, se limitando a olhar por cima da cabeça dele.

– Entendo mais sobre isso do que sobre você.

Aí. Rafa quase não acreditava na raiva do melhor amigo, mas quando este não disse mais nada e continuou a olhar para frente, ele decidiu sair da sala, ignorando o chamado da professora de inglês.

Lucas estava sendo tão injusto, Rafa pensou com raiva. Será que ele não podia ser um pouco mais compreensivo e entender que a manhã de Rafa não estava sendo boa? Será que ele não sabia o que ele vinha passando ultimamente? Que o mesmo grupo de pessoas que apresentara ele a um mundo que ele nem sabia que existia tinha vindo para escola dele? Será que ele não entendia isso?

E então, enquanto Rafa encarava seus próprios olhos castanhos no espelho ele compreendeu: Não, Lucas não sabia. Lucas não entendia e não compreendia porque Rafa não tinha dito nada a ele.

Porque ele não podia dizer nada para ele.

Subitamente surpreso com a própria conclusão, Rafa irrompeu para fora do banheiro e decidiu pelo menos contar uma mentira razoável para o amigo não ficar chateado.

Porém, enquanto ele voltava para sala, percebeu um movimento sútil pelo canto do olho e se virou.

Uma mulher de cabelo escuro um pouco azulado, com um blazer sobre uma camiseta branca de linho e uma saia impecável que ia até as coxas o encarava sob os óculos de grau estilosos.

– Rafael Capoci? – ela perguntou e se aproximou lentamente.

– Eu mesmo – ele respondeu, notando o coldre na cintura bem definida dela.

Ela seguiu o olhar dele e então sorriu ironicamente.

– Vocês homens não podem ver um rabo de saia?

Ah, querida se você soubesse que tipo de rabo eu não posso ver, Rafa pensou sorrindo secretamente.

– Você é uma policial – não era uma pergunta. Rafa não ia com a cara de tiras e certamente sabia reconhecer um – quer dizer, uma.

– Sou a investigadora encarregada no caso do seu desaparecimento – ela corrigiu e Rafa leu seu crachá GABRIELA SANCHEZ.

Rafa piscou surpreso.

– Desaparecimento? Mas eu voltei para casa no...

– No sábado – Gabriela completou, num tom mais alto. – Um dia depois de você ter tido um incidente no anfiteatro da sua escola.

Rafa assentiu.

– Sim, eu mandei todos se foderem, e daí?

– E daí? – Gabriela repetiu, não muito surpresa com aquela falta de temor pela policia. – Ficou sabendo que um corpo de um turista foi encontrado morto no jardim de seu vizinho?

Rafa engoliu em seco, mas tentou continuar calmo.

– Fiquei.

– E que ele estava sem a cabeça?

– Pelo amor de Deus, eu fiquei.

Gabriela o avaliou e então chegou ainda mais perto. Rafa conseguia ver que ela vestia um sutiã francês.

– Não acha isso estranho?

A pergunta dela pareceu meio deslocada e Rafa achou que ela queria insinuar algo. E como ele não era do tipo que não dizia o que pensava...

– Acha que eu matei ele?

Assim que ele fez a pergunta, Gabriela se moveu como uma louca e o encostou com tudo no armário, prendendo com o braço o pescoço dele.

– Você quer saber o que eu acho, Capoci? – ela sussurrou ameaçadoramente. – Eu acho muita coincidência você ter sumido por um dia de casa e ninguém, nem mesmo a policia, conseguir achar um rastro de onde você esteve e um dia após o seu retorno um homem ser encontrado decapitado na frente da sua casa! Isso eu acho estranho!

A respiração de Rafa estava ofegante e ele podia sentir seu coração atingir suas costas magras.

Mas mesmo assim, ele não se deixou abalar.

– Vou perguntar de novo: Acha que eu matei ele?

Gabriela o fuzilou com os olhos, mas o liberou e começou a se afastar lentamente.

– Nos vemos por ai, Capoci!

E com isso ela pegou seu rumo pelo meio do corredor.

Rafa se voltou chocado demais para o trajeto que deveria seguir para sua sala – tão chocado que nem pareceu notar a aproximação de três figuras vindo na direção contraria.

Até que uma delas o pegou pelo braço.

– Rafa, esta tudo bem? – Vick Melo perguntou, parecendo ter escutado tudo.

Rafa balançou a cabeça, procurando consolo da amiga, até que notou uma das Camillas o pegar pelo braço.

– Que bom, porque não vai ficar melhor.

E então ele foi arrastado para dentro do armário de vassouras. Camilla ficou de guarda na porta e a Camila Alves pegou uma das vassouras, ameaçando acerta-lo enquanto ficava de frente para ele – o olhar de compreensão agora totalmente superado.

Ficar espremido naquele curto espeço fez com que ele se lembrasse de que Fernando tinha jogado o Sr. Ávila ali – como será que ele tinha saído?

– E então, Rafa? – Vick chamou sua atenção, o tom estupidamente ameaçador.

Ele esperou, mas Vick continuou calada.

– E então? – ele questionou.

– De onde você conhece aqueles três? – Camila Alves perguntou diretamente.

Rafa não precisou tentar adivinhar de quem ela estava falando, mas franziu o rosto propositalmente.

– Não conheço – ele mentiu.

– Ah, jura? – Vick questionou. – E por que vimos você conversando com eles?

Rafa revirou os olhos, disfarçando.

– Eles só pediram informações!

– Que estranho – Camilla Polli comentou. – Eu podia jurar que vi você segurar o braço daquele loiro.

Rafa corou um pouco, agradecendo aos Deuses por ali ser escuro o suficiente para elas não verem a expressão em seu rosto.

– Eu acho que você os conhece – Vick comentou. – Acho que, até mesmo, foi com eles três que você sumiu semana passada.

– Não foi.

– Ah, não? Pois eu acho que aquela garota de cabelo preto é extremamente parecida com a que o Lucas te viu saindo na sexta.

Rafa estava prestes a negar, até que sua boca parou no meio do caminho.

– Espera... O Lucas o que?

De repente toda a atmosfera de ameaça de Vick e as Camillas deixou de ficar tensa e suas expressões vacilaram.

Rafa inalou fundo pelas narinas enquanto entendia tudo, já podia até ver tudo: Lucas na casa dele, no sábado em que Rafa tinha sumido, resmungando com o quanto evasivo ele estava sendo evasivo com ele no dia anterior.

Vick balançou a cabeça.

– Rafa, você não entende, o Lucas não teve escolha, ele...

– Ele não teve? – Rafa questionou, sarcástico. – Pois eu acho que ele teve. Preferiu contar o que sabia para você ao invés de confiar no melhor amigo. E tinha que ser para você!

– Rafa... – Vick ia falar mas então se interrompeu. – O que quer dizer com isso?

Rafa quase quis aproveitar a deixa e contar sobre a paixonite do garoto, mas pensou melhor.

Talvez eu devesse pressionar para que ele conte ele mesmo!

– Nada – ele se esquivou. – E dai se eu já conheço os novatos muito antes? Acham que eles me sequestraram?

Camila Alves se remexeu, inquieta.

– Bom, coisas boas eles não fizera, - ela grunhiu. – Olhe só para você mesmo, Rafa! Você esta mentindo e escondendo coisas do seu melhor amigo desde que começou a sair com eles! Esta afastando seu melhor amigo!

Ele sentiu todos os seus pelos se arrepiarem com a realidade daquelas palavras.

Vocês não entendem, ele bem que queria dizer, Não se trata só de mim, tem outras pessoas envolvidas nisso!

– Eu não estou afastando meu melhor amigo – ele retrucou, se recompondo. – Ele é que esta atirando pedras nas minhas costas. E vocês três, suas sem noções, só estão deixando ele mais paranoico ainda!

– Só estamos tentando te ajudar – Camilla Polli suplicou.

– Como? Trancando-me em um armário de vassouras com vocês? Grande ajuda essa!

As duas Camillas se calaram, sem argumentos, mas Vick continuou firme, afastando uma mecha de cabelo do rosto:

– Só me diga o que anda acontecendo, Rafa. Diga-me e eu ajudo no que puder. Somos amigos, não somos?

Rafa bufou quando na verdade estava à beira de uma crise sentimentalista.

– Não sei. Somos?

Com a última das três derrotada, ele se dirigiu para fora quando teve certeza que não havia mais nada a ser dito entre eles.

A área de piscinas do colégio Vallywood High School era um dos lugares mais perfeitos para se matar aula. Ficar de bobeira em uma das cadeiras espalhadas pelo ginásio enquanto evitava seu melhor amigo, ou avaliar alguns bons garotos de músculos bem definidos saírem da piscina, todos deliciosamente molhados, era duas vezes melhor do que ficar esperando ser abordado por um trio de “aminimigas” ou uma investigadora fodona.

Mas a verdade é que, para Rafa, parte de matar a aula desnecessária de Artes era uma desculpa plausível para ver seu nadador favorito.

Enquanto Capoci se desdobrava no banco confortável, Roberto se matava de tento fazer nado borboleta, os braços girando como barbatanas e o corpo submerso cruzando a raia e deixando rastros ao passar.

Rafa tinha que admitir que tinha inveja que sentia um pouco de inveja do amigo atleta. Seu esforço era visível na concentração com o quanto ele exercitava na agua e nos olhares dos colegas recalcados que não conseguiam fazer melhor que ele.

Roberto porém não parecia perceber nada disso ao chegar na outra raia até ouvir os aplausos agitados de sua plateia. Por um nano segundo ele voltou o rosto para a superfície e – mesmo com a toca de natação e os óculos de nadador para proteger os olhos do cloro – seus olhos encontraram os de Rafa ao sorrir.

Rafa sorriu de volta com um suspiro.

– Bonitinho, não é?

Uma sombra se esgueirou sobre ele e Rafa nem precisou olhar para reconhecer quem era.

– Eu diria lindo – ele retrucou. – Mas cada um tem o seu gosto e eu certamente não sabia qual era o meu pra acabar namorando você, Rael.

O ex-namorado vestia uma camiseta xadrez que ficava um pouco apertada no corpo esguio e calça jeans skinny vermelha. O cabelo repicado estava baixo e ele usava óculos de armação dourada que refletiam de um jeito irritante no rosto de Rafa.

Rael deu um sorriso irônico.

– Que eu me lembre você nunca precisou matar aula para me ver.

– Que eu me lembre você nunca matava aula, só para constar – Rafa rebateu.

Rael desviou o rosto por um momento, se sentindo afetado.

– Eu nunca deixei nossa relação interferir escolar, você sabe disso – ele acusou.

Rafa assentiu, mirando os olhos em um Roberto que agora impulsionava os pés na parede da piscina para sair dela.

– Sei disso, e se esse tivesse sido seu único erro comigo – Rafa fingiu uma expressão de espanto. – Mas não foi, não é?

Rael não disse nada durante um tempo, então Rafa quase levou um sustou quando ele se sentou do lado dele.

– Escuta, eu não vim brigar, Rafa – ele tirou os óculos revelando olhos infelizes. – Eu não quero brigar com você, eu estou cansado de brigar!

– Devia ter pensado nisso antes – Rafa começou, secamente.

– Eu sei que recentemente eu venho sido um total cretino com você...

– Sim, concordo – ele assentiu e Rael o encarou. – Que foi? Só estou confirmando o que você disse.

– Não tem graça, Rafa, isso é sério. Sabia que um dia desses eu vi a Taffara incomodado você, fazendo comentários ao seu respeito, na sua cara! Eu queria ter voado na cara dela e...

– Pois devia – Rafa o interrompeu. – Porque se você não tivesse feito o que fez, ela não estaria me atormentando por causa de um erro que você cometeu e que eu decidi pagar!

Os olhos de Rael escureceram um pouco.

– Rafa, me desculpe, eu sinto muito, mas você sabe que não precisava levar a culpa...

– Mas como é fácil para você falar – Rafa o fuzilou com os olhos. – Não foi você que precisou mentir, não é mesmo?

Rael não disse nada, então Rafa prosseguiu:

– Como você consegue dormir à noite? Como consegue passar todos os dias no corredor e olhar nos olhos da namorada do garoto que você tirou a vida?

Os olhos de Rael brilhavam, o rosto retorcido de dor.

– Me desculpa...

– Sabe, eu estou tão cansado das suas desculpas, por que você não tenta se desculpar com alguém que acredite em você?

Com relutância, Rael se afastou dele e seguiu para o corredor que levava de volta as fileiras de armários.

Rafa suspirou de frustração, mas logo seu canto do olho flagrou um Roberto seminu, apenas com a sunga da natação vindo na direção dele.

– Matando aula? – Roberto perguntou, um canto do lábio se retorcendo em um sorriso.

Rafa assentiu e sorriu de volta.

– É por uma boa causa.

– Qual? Me ver nadar?

– Em parte – Rafa comentou, avaliando o torso magro-porem-sarado de pele avermelhada. – Era Artes, não era grande coisa.

– Mas mesmo assim, isso vai te trazer problemas, sabia mocinho?

Rafa o cutucou com o pé de brincadeira e Roberto deu uma risada que deixou Rafa satisfeito. Mas então o sorriso se desfez.

– Ei, Rafa, posso fazer uma pergunta?

Rafa fez que sim com a cabeça cautelosamente, algo dizia a ele que não ia gostar de ouvir.

– Claro que pode.

– Aquele aluno novo, no corredor? O loiro? Ele é seu namorado?

Rafa quase deixou a mochila escorregar para o chão e cair na piscina.

– O que?!

Roberto tinha o rosto enrubescido.

– Eu perguntei se aquele loiro, o aluno novo, é seu namorado.

– Claro que não! – Rafa respondeu histericamente. – Por que esta me perguntando isso?

– É que mais cedo, no corredor, eu vi você falando com ele e por um minuto eu pensei que...

– Pensou o que? – Rafa questionou, suando em bicas. – Nós só estávamos conversando.

– Sério? – Roberto perguntou, num tom esperançoso.

– Sério, só amigos – a palavra parecia soar errada ao sair da boca dele. Ele não tinha certeza se Fernando podia ser classificado como amigo.

– Que bom – Roberto sorriu um pouco mais aliviado. – Porque ultimamente, com o que eu tenho ouvido sobre ele...

– Não escute nada do que te disserem - Rafa falou rápido demais e Roberto se assustou.

– Tudo bem – ele assentiu.

– Desculpa, é que eu não aguento essas pessoas preconceituosas – ele disse pensando em alguém especifico.

– Elas vivem criticando todo aluno novo que entra aqui.

Roberto olhou os dedos do pé, molhados.

– É, essas pessoas preconceituosas – ele murmurou com uma voz intensa. – Com tanto preconceito assim, talvez eu nunca...

Rafa franziu a testa para o amigo deliciosamente chateado.

– Algum problema?

Roberto ergueu os olhos verdes brilhantes, parecendo estar prestes a dizer algo, mas então os dois ouviram um guincho:

– Rafa!

Fernando vinha andando rápido na direção dele, os passos apressados e os olhos um pouco nervosos.

– O que... – Rafa nem teve tempo de perguntar, Fernando o pegou pelo braço.

– Precisamos de você, o Edu achou uma coisa e precisamos que você vá com a gente.

– Espera, eu...

– Não, Rafa, nós precisamos...

– Ei, ele disse espera – Roberto interviu, tocando o outro braço de Rafa.

– E daí? – Fernando se refreou e encarou Roberto como se só o tivesse visto agora. – Eu falei com ele, não com você. Vamos? – ele puxou.

Rafa ia dizer algo, mas Roberto o puxou na direção contraria.

– Ele não quer ir, não esta vendo?

Fernando empinou o queixo e encarou Roberto com arrogância – E Roberto o media de volta, com um olhar que parecia querer afogar a cara dele na piscina.

Percebendo a tensão, Rafa se soltou de ambos e olhou para Roberto.

– Desculpa, eu preciso mesmo ir.

– Mas Rafa, e quanto à escola...?

– Eu vou ficar bem – ele respondeu afagando o ombro nu do amigo. – É só um dia, eu não vou me encrencar.

Roberto pareceu ceder um pouco.

– Tudo bem.

– Nos vemos mais tarde? – ele perguntou e Roberto assentiu.

Fernando começou a andar e Rafa correu para segui-lo, olhando para Roberto por sobre o ombro só quando eles estavam bem longe.

E ele não parecia muito feliz.

– Aquilo foi desnecessário – Rafa grunhiu para ele no estacionamento da escola.

Fernando parou de andar com tudo.

– Ah, desculpa, você achou? Talvez eu devesse ter empurrado o magricela do seu amigo pra dentro da piscina, assim teria sido mais fácil!

– Ele não é magricela! – Rafa rebateu. – E você não precisava ser tão grosso com ele!

– Ha! – Fernando guinchou. - Acredite em mim, eu nem comecei a ser ainda. Rafa, quando é que você vai perceber que quando eu te chamar...

– Eu tenho que te seguir como um cachorrinho? Não se iluda tanto, meu queridinho!

– Vocês dois já acabaram? – Andressa apareceu com Edu, ainda com a mão entrelaçada a dele.

– Isso é mesmo necessário? – Edu perguntou em voz baixa, apontando para as mãos dos dois.

Andressa ia responder, mas quando uma garota loira surgiu no estacionamento, ela se aproximou mais dele ainda.

– Me beija – ela pediu, olhando ele nos olhos.

– O que? – Eduardo nem piscou.

– Acredite em mim – ela exigiu. – É totalmente necessário.

Quando Edu pareceu hesitar, ela o agarrou pela nuca e colou seus lábios nos dele. No começo o beijo foi estranho com Eduardo de olhos abertos, mas então Andressa passou a outra mão em seu rosto e Eduardo incentivou ainda mais o beijo, parecendo completamente absorto.

A garota que Dessa tinha apontado passou por eles normalmente, encarando Fernando uma ou duas vezes, sem dirigir o olhar uma vez sequer para o casal.

Quando o beijo durou por mais vinte segundos, com direito a som e tudo, Rafa encarou Fernando e outro apenas deu de ombros, parecendo mais confuso que ele.

Rafa pigarreou e eles se separaram.

– Uau, isso foi... – Eduardo balançou a cabeça. – Isso foi bastante inspirador.

Andressa tinha as bochechas coradas.

– Onde estávamos?

– Eu não sei em que orgia vocês dois estavam, mas – Fernando parou a piada no meio quando Dessa o encarou. – Er, o Rafa precisa saber.

– Ah, sim – Eduardo se ajeitou rapidamente. – Encontramos o Forte de Canto.

Rafa ergueu as sobrancelhas.

– Isso existe?

– E como – Edu respondeu. – Fica mais ou menos em uma reserva perto daqui, uns dez minutos de carro.

– Reserva? – Rafa repetiu, atônito. – Mas a visão mostrava uma mulher atrás de um balcão...

– Bem, então, sobre isso – Fernando interrompeu com um sorrisinho demoníaco. – Você vai ter que ver para entender.

Rafa ainda estava boiando quando eles chegaram na reserva e Eduardo estacionou o Eco Sport do lado de fora da reserva. Tentou não ficar surpreso quando Andressa começou a cortar a cerca de metal com a agulha enorme e estranhou o mínimo possível quando Fernando começou a farejar o ar em volta dele.

– Ela esta perto – ele sussurrou.

Ele seguiu o trio pela mata, menos pronto para qualquer ação do que eles e mais concentrado em não tropeçar em algum cacto.

– Vocês tem certeza que tem algo aqui? – ele perguntou. – Algo além de... Coisas verdes?

Andressa nem olhou por sobre o ombro.

– Bom, tem essa sua roupa berrante.

Rafa revirou os olhos.

– É o sujo falando do mal lavado, é?

– Pessoal – Edu censurou eles. – Estamos em território de Bruxas, será que podemos ao menos tentar entrar despercebidos?

Rafa fungou, desviando de uma planta carnívora.

– É lógico que podemos.

Eles continuaram seguindo em frente em silêncio e Rafa não conseguia tirar os olhos das costas de Fernando. Ele tinha tirado a jaqueta de grife e a camiseta apertada subia um pouco a cada vez que o garoto andava, revelando um pedaço da pele linda do garoto.

Ficou pensando em como Fernando ficou puxando ele e ignorando Roberto, e não pode deixar de sentir a excitação ao lembrar-se do toque dos dois. Sabia que Roberto era apenas um amigo e que Fernando e ele não se davam tão bem, mas o toque íntimo dos dois ao mesmo tempo...

– Chegamos – o garoto o chamou, acabando com o devaneio.

Rafa levantou os olhos e logo a frente ele viu a campina mais linda do mundo. O sol das dez da manhã a iluminava por inteiro deixando ela não amarela, mas sim dourada. Parecia o lugar perfeito para se fazer um piquenique... Se não fosse pelo que tinha no meio dela.

Bem onde parecia ser o centro, havia uma minúscula forma feminina de cabelo preto atrás de um balcão, uma garota que parecia entediada.

– O que um balcão faz no meio da floresta? – ele perguntou.

– Balcão? – Andressa se virou. – Eu queria saber o que aquela garota esta fazendo ali!

– E por que não vai?

Fernando e Eduardo se entreolharam.

– É ai que esta – respondeu o moreno antes de acenar para o amigo. – Fê?

Fernando se moveu um pouco mais para frente, parecendo hesitante e Rafa não conseguia entender o porquê de toda aquela frescura.

Mas então quando Fernando parecia querer entrar na campina, algo aconteceu.

Uma barreira chicoteou o ar e Fê foi para trás, caindo de costas no chão.

– Ah! – Rafa guinchou, levando a mão à boca e se ajoelhando ao lado do loiro por reflexo. – Você esta bem?

– Estou – Fernando se sentou na relva, parecendo estranhar a pergunta.

– Olhe – Eduardo chamou a atenção de Rafa e o garoto conseguiu ver a tempo. Onde Fernando tinha tentado passar, um símbolo bastante familiar sumia no ar: O Triscele. – Entendeu?

Rafa assentiu, chocado.

– É uma barreira – ele respondeu.

– Uma barreira de Bruxas – respondeu Fernando. – Uma provavelmente lançou um feitiço sobre a campina e cercou o local ao redor da garota.

– E por quê?

– Por isso precisamos de você – Eduardo respondeu com um suspiro.

Encabulado, Rafa se levantou.

– Precisam, é, porque será que não estou surpreso com isso?

– Você viu o símbolo agora a pouco não viu? Isso só pode significar que só você pode fazer algo a respeito.

– E se eu não conseguir? – ele questionou, olhando o ar a sua frente.

– Então pode se juntar ao Fê no chão – Andressa indicou, nunca perdendo uma deixa.

Com um pressentimento de que todos o olhavam, Rafa deu um passo à frente e tocou o suposto lugar onde a barreira tocava com as mãos.

Logicamente, Rafa foi lançado para trás, os braços levantados ao cair no colo de Fernando. Andressa se dobrou de rir no chão enquanto Rafa tentava se levantar, suas pernas entrelaçadas com as de Fernando.

– Você esta bem? – Fernando perguntou no seu ouvido em um tom debochado. Rafa levantou os olhos com raiva, mas perdeu o fio da meada ao ver o quanto seus rostos estavam próximos. – É, pelo visto não.

Ainda com os olhos nos dele Fernando se afastou e Rafa queria controlar o seu batimento cardíaco.

– Sem ofensas, mas pode tentar de novo? – Edu questionou.

– Ah, claro – Rafa se levantou. – Eu estou ansioso para o flashback.

Mas dessa vez quando Rafa tocou a barreira com rapidez ela se desfez na hora, as pontas da barreira brilhando em toda a campina. Ele semicerrou os olhos para a garota no balcão, mas ela nem pareceu notar.

– Caraca – Andressa agora parecia admirada.

Os outros dois garotos não falaram nada e Rafa apenas deu de ombro, mais surpreso que eles enquanto começava a adentrar na campina.

Os quatro entraram, com Andressa e Fernando nos flancos, andando não muito perto e nem muito distante, de forma que ganhassem terreno até chegarem no balcão que parecia disforme sozinho naquela campina enorme.

Enquanto se aproximavam, Rafa notou que a garota parecia olhar algo no chão e não notava a aproximação deles. No balcão havia uma campainha e uma plaquinha daquelas de mesa de escritório informava o nome dela: CARLA GONSTOVI.

Os quatro se encostaram ruidosamente no balcão, mas ela nem pareceu perceber. Andressa semicerrou os olhos e bateu três vezes alto na campainha.

– OLAAAAA!

A garota finalmente se moveu e levantou a cabeça lentamente, parecendo entediada como Rafa tinha previsto. Seus olhos eram negros e seu cabelo grande e escuro era repicado nas pontas de modo perigoso.

– Posso ajudar? – ela perguntou se movendo numa cadeira giratória e preparando os ombros profissionalmente.

Rafa esperou, mas os três ao seu lado pareciam perdidos e se entreolhavam com expectativa. Revirando os olhos, ele se dirigiu a garota:

– Pode nos dizer se isso é uma Fortaleza de Bruxas?

Ele achou que a garota ia franzir o cenho, mas Carla sacou um celular do bolso e começou a digitar alguns números.

Andressa franziu a testa.

– Pra quem você esta ligando?

Carla deu de ombros.

– Para as Bruxas – ela respondeu simplesmente. – Elas me pediram para ligar se caso algo acontecesse.

Rafa e os outros se entreolharam, surpresos.

– O que vamos fazer? – Rafa perguntou tenso.

– Nada – Carla quem respondeu. –Elas já estão cercando a área.

Eles se viraram achando que era brincadeira, mas em cada ponto da clareira um manto preto vinha se aproximando de um jeito fantasmagórico, deixando Rafa com o cu trancado.

– Meu Deus – ele arfou quando atrás de cada uma, duas apareciam. – O que vamos fazer?!

Rafa não parou para contar quantas Bruxas havia ali, mas onde se virava na campina podia ver um capuz preto se arrastar até eles.

Andressa rapidamente pegou Carla pela nuca, praticamente arrastando a garota até o balcão.

– O que pensa que esta fazendo? – Edu questionou enquanto ela aproximava a agulha grande perto do rosto de Carla – que só conseguiu ficar olhando, ligeiramente surpresa.

– Mostrando a essas Bruxas de merda quem manda – e então falou mais alto: - Ei, suas vacas! Mais um passo e eu mato a pequena secretária de vocês!

Rafa deduziu que os capuzes pretos não parariam de avançar, mas ficou surpreso quando pararam em sincronia.

Fernando ergue as sobrancelhas, surpreso.

– E não é que você conseguiu?

Andressa estava prestes a lançar um sorriso exibido a ele, mas então um movimento súbito das Bruxas chamou a atenção dos dois. Rafa olhou e arfou de horror. Elas tinham tirado os capuzes e agora ele podia ver seus rostos cinzentos e seus olhos... Brancos e vazios.

– O que elas têm? – Fernando perguntou num tom curioso.

Carla apenas as olhou de volta com reconhecimento.

– Nada, só estão possuídas – disse enquanto Rafa engolia em seco, já imaginando que aquilo não era coisa boa.

De repente uma delas, de cabelo grisalho, avançou e ergueu uma das mãos enquanto começava a falar em uma língua estranha. Outra com o mesmo tom grisalho seguiu seu exemplo, e logo todas estavam fazendo o mesmo como se fosse um Flashmob ensaiado.

No começo nada aconteceu, mas então uma ventania começou a soprar na direção deles e Rafa teve que se segurar no balcão. Ele olhou o céu e notou nuvens escuras se aproximando.

Eduardo deu um passo a frente.

– Ah, vocês querem brincar? Então vamos brincar.

Ele ergueu uma das mãos e de repente o vento ficou ainda mais caótico, soprando em várias direções ao mesmo tempo e fazendo o balcão começar a se erguer do chão.

– O que ele esta fazendo? – Rafa perguntou gritando sob o ruído do vento, enquanto cambaleava.

– Revidando – Fernando gritou de volta.

Andressa parecia orgulhosa, ainda mantendo a agulha perigosamente perto do pescoço de Carla. Mas de repente as Bruxas abaixaram a mão e o vento parou imediatamente.

Quando elas ficaram apenas encarando – o que era meio assustador, uma vez que elas estavam com os olhos possessos e brancos – Eduardo se esforçava para respirar uniformemente.

– Era só isso? – ele questionou ofegante.

Não demorou muito para Eduardo dar com a língua nos dentes quando uma delas gritou algo estranho e apontar para Andressa – que de repente começou a se erguer do chão e ir parar no alto.

Ela gritou e ficou se contorcendo no ar, as pernas enormes e ágeis batendo pedalando no nada.

– PESSOAL! AJUDEM-ME! – ela implorou.

Edu ainda ofegante olhou com raiva para uma das Bruxas e sacou a arma num segundo, mirando na cabeça de uma delas. Ele atirou, mas uma delas foi ainda mais rápida para repelir o tiro.

Enquanto ele continuava atirando, Fernando sacou uma adaga e a jogou, conseguindo acertar uma delas no ombro. Outras Bruxas começaram a se aproximar, mas Rafa apenas ficou perdido.

– Elas são muitas – Carla disse, agora estirada no chão. – Vocês não vão conseguir segurar por muito tempo. Vão todos morrer.

Rafa fechou a cara para ela e pegou a agulha gigante do chão.

– Ao menos morreremos tentando.

Ele estava prestes a se dar coragem para mata-la, mas então uma das Bruxas que cercavam o Pack por trás moveu a mão e lançou a agulha longe. Rafa ficou paralisado quando ela levantou a mão de novo e um raio verde começou a vir na direção dele.

Mas ele só encontrou a resistência da barreira, que Rafa nem notou que tinha feito. Atordoada, a Bruxa tentou de novo, mas dessa vez ele levantou a mão de volta, fazendo o raio voltar de onde tinha vindo.

Por um tempo eles estavam indo bem.

Eduardo agora lançava labaredas de fogo, queimando duas ou três delas ao mesmo tempo. Fernando se movia como um felino para cima delas e as arranhava com as unhas enormes, cortando suas gargantas. Rafa percebeu que era a primeira vez que via o outro usar algum dom.

Mas Andressa ainda pairava no ar e as Bruxas avançavam com mais brutalidade, lançando raios ou derrubando um deles uma vez ou outra. Era só uma questão de tempo até eles serem derrubados.

Eduardo tinha conseguido queimar cinco delas de uma vez só, mas assim que se distraiu, uma delas lançou um feitiço sorrateiro e ele caiu duro no chão. Fernando se virou para o amigo e duas delas seguraram a cabeça dele, o fazendo gritar bem alto, como se estivessem queimando sua cabeça.

Rafa automaticamente deu um passo na direção dele e vários ataques tentaram atingi-lo, mas a barreira veio na hora, repelindo os golpes. Em meio ao caos, Rafa notou que Carla tinha sumido.

Mesmo possuídas, as Bruxas restantes agora sorriam, como se soubessem que a qualquer momento Rafa não conseguiria suportar mais – e elas estavam certas.

– Onde esta sua Âncora agora, hã? – uma das Bruxas asquerosas perguntou a Fernando, tocando seu lindo rosto com os dedos grotescos. – Onde esta ela quando você mais precisa?

– Tire a mão dele! – Rafa guinchou e Bruxa levantou a cabeça e deu uma risada demoníaca.

Rafa semicerrou os olhos e a mão que ela tinha usado para tocar em Fernando pegou fogo instantaneamente, fazendo-a cambalear para longe do garoto.

De costas para o inimigo, Rafa sabia que o fim era próximo.

Até que três coisas aconteceram ao mesmo tempo:

Uma das Bruxas caiu dura no chão.

Andressa veio como uma bola do céu e chutou a cara de duas que estavam perto de Edu.

E Carla surgiu atrás de Rafa, matando uma que tinha chegado perto demais dele – com a agulha de Andressa.

Eles retomaram a situação, com Fernando matando mais uma dúzia com suas garras habilidosas. Andressa quebrando a cara de outras com raiva, desviando dos feitiços enquanto um Eduardo no chão lançava mais labaredas em várias.

Cinco Bruxas investiram com as unhas em Rafa, mas Carla esfaqueou uma de cada vez. Ele, por sua vez, sacudiu a mão e afastou duas que estavam atrás da garota.

Em uma questão de tempo, só tinham sobrado três delas, que tentaram fugir. Mas logo Rafa piscou e elas explodiram no ar.

A luta acabou e logo eles olharam a campina, agora com piras de fogo, sangue derramado e muitos, muitos mantos pretos mortos.

– Eu poderia jurar que íamos morrer! – Andressa comentou, quando todos já estavam no carro, com Fernando dirigindo a toda pela estrada de volta para Vallywood.

No banco do carona, Eduardo tirava e recolocava cartuchos em suas armas. No banco de trás, Rafa, Andressa e Carla, que eles haviam decido deixar viver uma vez que ela tinha se aliado a eles.

– E eu poderia jurar que você não ia conseguir descer – Edu comentou. – Como você conseguiu fazer isso afinal? A Bruxa não estava te controlando?

Andressa assentiu.

– Estava, mas aí a Carla a atacou por trás e o feitiço se desfez na hora – ela sorriu secretamente para a garota pequena, que atirou um sorriso como “de nada” de volta. – Ela é minha heroína.

– Aquelas Bruxas malditas – Fernando resmungou. – Elas fritaram o meu cérebro! Dá pra acreditar que elas fritaram o meu maldito cérebro?!

Edu assentiu.

– Nós íamos morrer com toda certeza.

Íamos – Andressa corrigiu. – Mas como sempre, o nosso Pack se provou o melhor de todos! Meu Deus do céu, mal posso esperar para contarmos para a Anna!

– Ou para o Felipe – Eduardo acrescentou com um sorrisinho arrogante.

Rafa franziu a testa.

– Como assim? Vocês vão voltar para lá?

Os três trocaram um olhar silencioso.

– É que temos um assunto para resolver – Eduardo respondeu sem olhar Rafa nos olhos.

Andressa desviou os olhos para a janela e Fernando de repente parecia concentrado demais em dirigir. Rafa ficou sem entender, até que viu a expressão confusa de Carla e tentou ligar os pontos.

Ele esperou por qualquer sinal, mas nenhum dos três disse mais nada.

E de repente, nem precisaram.

– Não – ele arfou olhando de Carla até os outros. – Não podem fazer isso!

– Rafa – Fernando o avisou do banco da frente.

– Rafa nada! – ele guinchou. – Eu não vou deixar vocês mata-la!

Carla olhou assustada e ele engoliu em seco. Eduardo se virou no banco friamente.

– Não é você quem decide isso, somos nós.

– E vão matar ela? – Rafa retrucou. – Qual é, se não fosse por ela, estaríamos mortos!

– Não exagera – Andressa revirou os olhos.

– Nem fala nada sua bipolar! – ele gritou na cara dela, mas quando ela olhou de volta sua boca estremeceu um pouco. – Você agora pouco disse que se não fosse por ela...

– Ela estava ajudando as Bruxas – Fernando respondeu.

– E depois nos ajudando – Rafa retrucou. – Ah, qual é gente, vocês não vão mesmo fazer isso.

Eduardo engoliu em seco na frente.

– É preciso.

Rafa revirou os olhos para ele.

– Você nem mesmo consegue matar alguém – ele retrucou.

O outro se virou para ele e depois para Fernando.

– Contou a ele? Como pode contar isso a ele?

– Edu, não é bem assim...

– Quer saber, deixa – o outro fechou a cara e cruzou os braços, pondo o fim a qualquer conversa.

Fernando suspirou e olhou Rafa pelo retrovisor.

– Valeu mesmo, Caubói.

Rafa o ignorou.

– Eu não vou deixar que matem ela – ele defendeu Carla, tocando no braço da garota. – Desculpa.

– Tá tudo bem – a garota sorriu. – Ei, posso falar uma coisa? – ela se dirigiu a Fernando e Eduardo.

Como eles não disseram nada ela continuou:

– Vocês podem me matar, como quiserem, sei lá. Mas se fizerem isso, acho que Anna vai matar vocês.

– E o que te faz pensar isso? – Andressa questionou.

Carla a olhou nos olhos.

– Porque eu sei que a Anna pode extrair memórias. E tenho certeza que ela pode extrair as minhas.

Fernando parou o carro no acostamento se virou com tudo, os olhos azuis por conta do dia que ia acabando.

– Só um segundo – ele levantou um dedo para simbolizar. – Como você conhece a Anna?

Carla sorriu e seus olhos ficaram dourados uma vez.

Rafa se intrometeu:

– Ainda querem mata-la?

Um tempo depois, Fernando estacionou o carro na frente da casa de Rafa. As luzes da cozinha e da sala estavam acesas, o que significava que Roger deveria ter “marcado seu território” e seus pais ainda não tinham chegado.

O motor do carro desligou, mas Rafa não abriu o carro e tanto ele quanto Fernando ficaram em silêncio. Andressa, Edu e Carla decidiram ligar para Layane e pedir para ela buscar eles. Parece que tinham levado Layane a sério.

Rafa suspirou e encarou o pôr-do-sol.

– Desculpa por ter dito aquilo antes – ele começou. – Eu só estava tentando convencer vocês a não matarem ela.

Fernando continuou em silêncio por um tempo, mas logo Rafa pode ouvir ele se remexer no banco e suspirar também.

– Eu sei, mas Rafa – ele balançou a cabeça. – Você não pode esperar que deixemos todo mundo viver!

– E por que não?

– Porque não é assim que somos! – o outro retrucou. – Nós somos caçadores, matamos para defender! É da nossa natureza!

– Mas a Carla ajudou...

– Mesmo assim! Quem me garante se ela não mentiu para nós? Quem me garante que ela não esta nesse exato momento lutando contra o Edu e a Dessa, mostrando que é pior que aquelas Bruxas possuídas?!

Rafa enrubesceu um pouco, pensando que talvez tivesse confiado em Carla rápido demais.

– Desculpa, eu não sou um caçador – ele desabafou. – Eu não tenho costume de matar todas as semanas, eu não estou acostumado com crianças sendo mortas ou corpos cortados ao meio.

– Não se trata só de morte. Se trata de lutar por algo. Se não matássemos um Vampiro por dia, seriam mais de doze cadáveres por semana, acredite em mim.

– Eu não quero saber a renda per-capita de sobrenaturais – Rafa grunhiu. – Eu só não gosto da ideia de matarmos pessoas.

– Não são pessoas, são monstros.

– E você é o que? – Rafa questionou.

Fernando engoliu em seco, mas se recompôs.

– E você?

Rafa balançou a cabeça.

– Eu não sei.

– Bom, nem eu. Mas não é por isso que eu vou deixar sangue inocente ser derramado.

– Eu entendo, não quero dizer que você deva ficar parado, eu respeito muito o que você e seus amigos fazem – de repente Rafa se refreou, se lembrando de algo. – Ei, o que aquela Bruxa quis dizer?

– Hein?

– Depois de fritar seu cérebro. Ela falou algo sobre Âncora.

A expressão de Fernando se suavizou.

– Ah, me deixa explicar – ele sorriu de bom humor. – Todos nós, eu, Andressa, Edu e até mesmo você temos dons. Não sabemos como ganhamos nem de onde vieram.

Rafa assentiu, quase nem notando que os rostos dos dois estavam próximos.

– Mas Anna diz que não ganhamos apenas dons, ganhamos também Âncoras – ele falou num tom devoto. – Que são outras pessoas com dons que se sentem ligadas a você e que, quando você esta em perigo, conseguem sentir isso.

Rafa pensou por um segundo.

– Como a Giulia com você? – ele se lembrou.

– Exatamente! – Fernando aplaudiu. – Ela é a minha Âncora. Toda vez que eu estiver em perigo ela vai poder me sentir e vir atrás para me ajudar.

– E por que hoje ela não...

– Olha, só porque ela sente não quer dizer que ela possa atravessar o mundo!

Rafa sorriu.

– Mas isso é só entre vocês dois? É um caso raro?

– Claro que não! Tipo, com o Edu e a Dessa. Ela é a Âncora dele. Note que em todas as vezes que lutamos a Dessa sempre consegue ficar de olho na luta e nele.

– É verdade – Rafa assentiu. – E o Edu é a Âncora de alguém?

– Por enquanto não.

– E quanto a você? – Rafa perguntou o olhando nos olhos.

Fernando foi um pouco para trás, parecendo desconfortável.

– Eu não sei – ele desviou os olhos para o pôr-do-sol. – Até recentemente...

Rafa esperou ele continuar, mas o outro de repente parou e olhou apenas para frente, de modo abrupto.

– Eu preciso ir – ele disse de repente.

Rafa franziu a testa.

– O que? Por quê?

– Eu, er... Combinei de ver o Edu e a Dessa e...

– Mas eles não foram para La Iglesia?

– Então... É que... Eu tenho que... Mas é que...

Rafa então olhou do céu para Fernando.

– É aquela coisa sobre a noite passada, não é?

Fernando o encarou.

– O que quer dizer com isso? Do que esta falando?

Rafa suspirou.

– Você vai invadir minha escola, não é mesmo?

O outro suspirou, parecendo absorto em pensamentos e Rafa apenas representou isso como vergonha.

– Tudo bem – ele começou a sair do carro. – Se divirta nos corredores vazios da minha escola.

– Ei, Rafa – o outro o puxou pelo braço.

Ele se virou e os dois se encararam, face a face.

– Que foi? – A voz de Rafa denunciava seu nervosismo e ele tinha certeza que Fernando podia ouvir seu batimento cardíaco.

– Eu só queria te agradecer por hoje – ele disse e seu hálito soprou no rosto dele. – Com a Bruxa, quero dizer.

– Tudo bem – Rafa engoliu em seco.

Fernando o olhou dentro dos olhos.

– Mas por que fez aquilo?

Rafa sorriu nervosamente e pegou a mochila no banco de trás.

– Ora, Fernando não é obvio?

Um silêncio se passou enquanto o outro esperava.

– Eu estava preocupado com você.

E com isso ele o deixou ali, dentro do carro, permitindo que ele sentisse também como Rafa se sentia por ele às vezes – afetado.


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