Avatar: A Lenda de Yan escrita por Leonardo Pimentel


Capítulo 7
O Conselho




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O palácio presidencial erguia-se imponente no seio da cidade. As buzinas preenchiam o ar, assim como o cheiro azedo do lixo nos becos. A comissão de ministros, conselheiros e do presidente me rodeava como se eu fosse uma estrela famosa do pop, meus seguranças. Ali, eu sabia, eu estava em segurança. Meelo por si só é um famoso dobrador de ar, poderoso e muito temido. Respeitado em demasia pelos outros líderes, a Cidade da República era um dos poucos pedaços de terra, que Jaya não ousou tocar até agora. E talvez nunca ousasse tocar. Ele estaria sendo suícida se tentasse.

Depois que Korra restaurou o equilíbrio no mundo, Tenzin encontrou diversos dobradores de ar pelo mundo todo. Todos haviam pensado que a Convergência Harmônica havia somente afetado as populações no continente da terra, porém, na Nação do Fogo houveram diversos casos de dobras de ar, assim como na Tribo da Água do Sul. Tenzin reuniu o seleto grupo, com a ajuda da Avatar e assim constituiu a Nação Independente do Ar. Foi um sucesso imediato. Diversos mestres conseguiram se formar, inclusive Bumi, seu irmão. E nos anos seguintes, a população da Nação do Ar cresceu de modo esponencial, até atingir o grau de normalidade que era, antes da Guerra dos Cem Anos. Os filhos de Tenzin se dividiram uns poucos anos depois.

Jinora sucedeu o pai, como líder da Nação Independente do Ar, onde até hoje ministra a nação com um governo limpo e flexível. A Nação se fixou no Templo de Ar do Sul, reconstruído. Ali se instalou a central do governo, que vivia em paz. Os outros templos serviram de morada para os outros dobradores, que quisessem ficar em mais tranquilidade, já que a central do governo se modernizou e se tornou o centro econômico dos dobradores de ar. Então, todos aqueles que estavam presos ao passado e que eram amantes do arcaíco, ficavam nos templos do leste e do norte.

Ikki adotou aos ensinamentos nômades e saiu pelo mundo, em uma viagem interminável, na qual ela mesma dizia estar em busca do conhecimento de todo o mundo. Ela tornou-se uma formidável mulher dobradora de ar, poderosa e respeitada. Nunca se casou.

Meelo apaixonou-se por política e pela república. Logo quando todo o incidente com a Lótus Vermelha acabou, Tenzin foi eleito como presidente, onde permaneceu durante um bom tempo. Abriu mão do cargo, poucos anos mais tarde, e a população apontou Meelo como o novo sucessor, devido aos projetos de lei que ele instaurou durante o governo do pai. E Meelo está em seu terceiro mandato seguido, graças aos pedidos da população da cidade, que o ama.

Rohan durante muito tempo trabalhou para a polícia. Tornou-se chefe da polícia com pouca idade, logo após Lin falecer. E exerceu sua função com tamanha maestria, que foi ovacionado na mais tenra idade. Hoje em dia, ele é braço direito do irmão, na presidência e foi aclamado pelas pesquisas, por ter sugerido mudanças drásticas no esquema de segurança. Instaurou uma lei, que obrigava o monitoramento das ruas, com câmeras, o que decaíu o número de roubos em taxas jamais vistas antes.

E graças aos filhos de Tenzin, que eu posso caminhar com tranquilidade pela rua na frente do palácio presidencial. A comissão que veio comigo segue para dentro do prédio, que se abre num saguão suntuoso. As luminárias ostentam luzes amarelas, que em companhia com o tapete vermelho do lugar, faz com que eu sinta o alto grau de elegância do âmbito. A escadaria de mármore se ergue bonita, para o andar de cima. Mas antes, paro por um instante e analiso as estátuas do lugar.

Existe uma bem no centro do saguão, que exemplifica um dobrador de ar, e seu planador, um dobrador de terra, segurando uma peça, semelhante a nossa insígnia, uma dobradora de água, com a água ao redor dela e um dobrador de fogo, com um pequeno dragão enrolado aos seus pés. Os quatro erguem uma mão para ostentar um globo terrestre, que paira sobre eles. Na base da estátua há uma inscrição. Leio:

“Unidos como um, somos a base do mundo.”

Fito a estátua, olhando as características que diferem os dobradores entre si. Sorrio e só volto a prestar atenção no agora, quando Meelo me chama, para que subamos as escadas. O ar ali dentro é leve, sinto a presença do cheiro de incenso, pairando ao meu redor. Gosto daquele ambiente. No andar de cima, os corredores são semelhantes a labirintos. Meelo me conduz com alguns conselheiros, para um lugar, onde eu julgo ser o ministério. É ali, onde eles discutem os problemas da cidade e possivelmente as leis que serão atribuídas à população.

A mesa em formato da letra U, está próxima de uma estátua de um dobrador de ar, posso reconhecer pelas roupas. Provavelmente Tenzin. Olho ao redor, enquanto os ministros e conselheiros se acomodam em seus devidos lugares, quando enxergo o Rei da Terra, sentado na frente das hastes das bandeiras. Eu o fito. Seus óculos de meia-lua brilham refletindo a luz da sala. Ele me analisa sério, como se estivesse ponderando o que faria comigo. Ele me olha como se eu fosse frágil. E eu encaro, firme como uma rocha. Ele é meu rei.

Ando na direção do rei Marlok e paro alguns passos de sua mesa. Repito meu gesto de educação e me inclino na direção do rei, como um súdito deve fazer na presença de sua majestade.

─ Vida longa ao rei! ─ falo, como meu pai me instruíra. Não olho nos olhos dele, afim de não transmitir um desafio. ─ Estou aqui, como o senhor pediu.

O rei Marlok se ergue imponente e a mão cheia de anéis paira no ar, acima de minha cabeça. Todos que entraram, já estão acomodados, portanto, fazem silêncio para que o rei possa falar. Marlok é um homem careca, de pele branca e olhos de dor negra. É músculoso, parece um pedaço de rocha, porém é tão amável quanto a rainha Loma. Seu nariz é enorme. E a voz soa potente, como a de um exército lutando. É um monarca respeitado e muito idolatrado. Seu filho, Malo, sempre fica no trono, quando seu pai necessita realizar viagens como essa... Viagem na qual ele vem, para ver o Avatar, por exemplo.

─ Eu quero um minuto de silêncio, por respeito ao jovem Avatar Yan, Avatar que perdeu os pais. Meu general Yatros e nossa guerreira Ming. ─ o rei me surpreende. Ele abaixa a cabeça em silêncio.

O presidente Meelo repete o gesto e todos o obedecem sem pestanejar. Até mesmo Kyle, o apático, abaixa a cabeça em respeito aos meus pais. E o silêncio se instaura naquele instante. E eu abaixo minha cabeça. Ao fechar meus olhos, todos os pensamentos retornam numa enxurrada doentia e dolorosa. Minha mente me prega peças, inventando os possíveis gritos de dor de minha mãe ao queimar em casa. Minha mente bombardeia meus pensamentos com cenas de minha luta contra Jaya, e do pôr-do-sol que assisti a bordo do avião, algumas horas mais cedo.

Aquele minuto no qual todos se silenciaram em respeito aos meus pais, pareceu se alastrar. Sussurrei diversas vezes o quanto eu amava meus pais, o quanto eles eram importantes, até que o rei fungou. E todos ergueram suas cabeças.

─ Agradeço por ter atendido meu pedido tão rápido, Avatar. E devo lhe conceder meus mais sinceros parabéns. Você conseguiu fazer com Jaya, o que nem mesmo eu consegui fazer nesses quase treze anos de luta. ─ o rei sorriu de modo amarelo. ─ De qualquer modo, daremos início à reunião, quando o Senhor do Fogo chegar.

Senhor do Fogo? Olho para os lados. Estou na procura de mais algum líder que eu posa não ter percebido antes. Não encontro ninguém. Apenas mais conselheiros, ministros, Meelo, consigo captar Kyle me fitando. Mas não há mais nenhum líder. Seria falta de educação não cumprimentá-los antes.

Olho para a sala. No fundo da parede, existem dezenas de relógios e diversos nomes de cidades: Capital do Fogo, Omashu, Ba Sing Se, Oma Ga, Estreito da Serpente, Shi Wa... Cada relógio marca o horário da cidade. Aquilo me fascina.

Cada mesa tem acoplada, uma tela touchscreen na qual, alguns dos ministros já deslizam os dedos e lançam imagens para uma televisão finíssima, atrás de Meelo, que analisa as informações. Existem gráficos, imagens, vídeos e diversas outras coisas, na qual o presidente fica compenetrado, enquanto os ministros conversam entre si. Kyle é o único que está parado, de braços cruzados, me fitando. E eu estranho a ação dele. Ele vem me olhando, desde quando desembarquei do avião, até agora. Passaram-se longos minutos, os quais ele parece me analisar e querer arrancar um pedaço de mim. Caminho lentamente até ele, sentindo o tapete macio sob meus pés. Pouso minhas mãos sobre a em forma de U. Os outros ministros que se sentam perto dele, estão longe. E agora, olhando-o de perto, sinto-me mais incomodado ainda. Ele quase nem pisca.

─ Você domina água, não é? ─ pergunto incerto, a voz tremendo.

─ Talvez.

─ Quando Jaya incendiou minha casa, não pude apagar o incêndio, por não saber dominar água. Queria saber, se o senhor, poderia humildemente me tornar um mestre em dobra de água. ─ falo lentamente, com medo de escolher as palavras erradas. Reverencio Kyle.

Olho para ele. Ele sorri, com escárnio.

─ Não vou perder meu tempo, com um menino que anda que nem uma toupeira-texugo! ─ e riu. Cerro meus olhos. ─ Que foi?

─ Você vai me ensinar! ─ falo, temendo aumentar o tom de voz. ─ Por favor!

─ Claro... ─ ele sorri abertamente. ─ que não! Deixe-me em paz, Avatar.

Bufo fortemente, segurando-me ao máximo, para não lançar uma rocha contra ele e piso fortemente até o outro lado do salão, onde me sento ao lado do rei da Terra. Meus olhos queimam de raiva, enquanto Kyle continua a me fitar, com a mesma intensidade, como se minha ida até a mesa dele não houvesse surtido nenhum efeito nele. Respiro profundamente. Preciso me conter. Mesmo que a prepotência dele seja tão grande, que pareça ocupar toda aquela sala, eu preciso me conter. Não, eu não vou...

Ergo-me novamente e ando até a frente de Kyle. Ele me olha de modo presunçoso, como se já soubesse de antemão o que eu iria fazer. Eu aponto um dedo ameaçador, que faz o conselheiro ao lado dele se encolher com medo. Arregalo meus olhos e digo:

─ Escuta aqui, seu prepotente: eu simplesmente estou fazendo o meu dever. Não tenho culpa se você é egoísta a esse ponto, de renegar sua sabedoria aos outros! Eu creio que sua mãe sentiria pena de você, nesse instante. ─ as palavras se atropelam, enquanto saem da minha boca. Eu bufo e sinto meus cabelos se movendo.

Kyle se ergue de sua cadeira lentamente, como um unagi preparando-se para o bote. Os olhos dele brilharam e eu podia jurar que ele ia gritar comigo. As pessoas ao nosso redor nos fitava com intensidade, todos em silêncio.

─ Escuta aqui você, seu fedelho insolente: vocês podem ser selvagens lá em Omashu, mas aqui você precisa ter modos. E se eu falei que eu não vou lhe treinar, isso quer dizer que eu não vou! ─ as palavras saem ácidas, cuspidas, ditas de qualquer modo. ─ Você precisa lavar muito bem a sua boca, antes de falar da minha mãe.

Kyle leva o polegar na direção de um saco de pele que carrega anexo à própria cintura, feito de peles de animais. Ele carrega água, ali, eu sei. Ando um passo para trás, esperando o ataque, mas Meelo já se materializa ao lado de seu ministro. A mão paira sobre seu ombro, enquanto ele sussurra suavemente as palavras em seu ouvido. A minha mão está em meu bolso, segurando a pequena rocha, meu porto seguro e salvação hoje. Qualquer que for a ação de Kyle, eu o atacarei sem pestanejar. Afinal de contas, o que ele tem de mestre de dobra da água, eu tenho de mestre de dobra da terra. E o meu trunfo: sou o Avatar.

Quando Meelo acomoda Kyle na cadeira, eu sorrio com escárnio e pisco sem pestanejar. Se existe algo que Kyle conseguiu essa noite, foi um inferno particular.

No momento em que volto a me acomodar do lado do Rei da Terra, o silêncio é imenso. Olho para cima e tudo o que consigo ver é a Nação do Fogo entrando.

O Senhor do Fogo caminha rodeado de diversos soldados, todos com máscaras, que nos impedem de ver seus rostos e feições. Todos saúdam o Senhor do Fogo com mensuras e reverências exageradas demais. Mas tudo o que consigo é fitá-lo com intensidade. Iroh III não parece tão velho, como eu imaginava que fosse encontrar. Para ser sincero, ele não passa dos quarenta anos. Bem provavel que esteja nessa idade. Os olhos parecem brasas acesas, que vasculham os cantos da sala. Há um momento o qual o Senhor do Fogo Iroh III demora seu olhar sobre mim e eu meneio a cabeça em sua direção, demonstrando o meu total respeito. Ela sorri satisfeito, devolvendo o mesmo gesto. Entre todos os líderes mundiais, os Senhores do Fogo são os que menos mudaram de acordo com os anos: Iroh III ainda traja as longas capas vermelhas, com ombreiras gigantes, que exibem com orgulho o emblema da Nação do Fogo, reluzente em dourado. Seus cabelos negros, curtos, estão amarrados para trás, onde ele ostenta a coroa em forma de chama dourada no topo da cabeça.

Ele acena para todos e todos o fitam com respeito. O Senhor do Fogo é aquela típica presença que enche o ambiente com quentura e prazer.

Quando Iroh III se move, como se deslizasse pelo chão, ele sai da frente de tudo aquilo que indica ser sua filha. A famosa princesa Azsa.

Os cabelos dela são como a mais cálida jaboticaba-selvagem. Os cabelos soltos ao redor da cabeça, caem lisos e muitas das vezes ela se assemelha à irmã de seu tataravô, Azula, a Louca. Os olhos são brilhante como os do pai e sua boca é pequena, vermelha. A pele uniforme e branca, emoldurada pelos cabelos negro, torna sua beleza interessante. Fito-a por um instante, enquanto ela se senta ao lado do pai, na cabeceira da mesa.

Meelo está ao centro, a luz fazendo sua pele brilhar levemente. Seus olhos cinzas estão procurando detalhes nos rostos de todos. Por fim ele ajeita o colar pesado no pescoço, possivelmente uma herança de sua cultura e pigarreia. O Rei da Terra, que outrora estava do meu lado, agora preenche um espaço ao lado esquerdo do presidente. Ele cumprimenta rapidamente o Senhor do Fogo e sua filha. Os ministros se sentam nos bancos que sobram. E eu sou obrigado a me sentar nas fileiras de bancos que ficam fora da mesa principal, bancos dispostos para os conselheiros.

Alguns dos cidadãos mais influentes estão de pé no andar de cima. Eles são permitidos assistir a reunião, mas não dar a opinião deles, referentes aos assuntos pautados ali. Como eu aprendi, caso fosse necessário uma intervenção, os cidadãos erguiam as mãos e um dos ministros recolhia um papel, no qual eles exibiam a opinião referente ao assunto. Ademais, eram proíbidos de falar.

Obviamente, que Meelo vinha tentando acabar com isso diversos anos, mas o conselho sempre barrava sua vontade.

─ A natureza desse Conselho Extraoficial, pode ser apresentada das seguintes maneiras ─ o presidente Meelo fala com fluidez, calmo como uma brisa. ─ Omashu, mais uma cidade livre do Reino da Terra, sofreu um ataque de Jaya. Jaya vem trazendo seu exército continente a dentro, tomando diversas cidades na parte ocidental do continente. Preciso do relatório do Senhor do Fogo, referente ao bloqueio continental feito no Arquipelágo de Azulon, assim como preciso saber que medidas tomaremos, a partir de agora, que temos o Avatar do nosso lado.

O Senhor do Fogo pigarreou suavemente.

─ Boa noite a todos do conselho. ─ a voz dele é áspera. ─ Quero ressaltar de antemão, que sinto-me honrado, Avatar Yan, em estar na sua presença. Sei que a nossa conexão é forte, visto que um de meus antepassados, o Avatar Roku, nasceu na Nação do Fogo. Agradeço por estar aqui, tão solicito, depois do que aconteceu com sua família.

─ Obrigado Senhor. ─ grudo o punho na palma de minha mão e reverencio-o. ─ Suas palavras me confortam.

Ele sorri. O Senhor do fogo é tão bonito quanto sua filha, a Princesa Azsa.

─ O Batalhão de Azulon, que ficou responsável por parar as tropas de Jaya, mandou excelentes relatórios promissores do arquipelágo. Jaya parou a sua investida sobre nosso continente. Ao todo, o tirano tomou posse de quatro ilhas ao extremo leste. Conseguimos parar sua investida. ─ ele pausa, virando uma folha. ─ Um de nossos generais enviou uma carta, recentemente, dizendo o modo como Jaya luta. Permite-me, senhor presidente?

Meelo assente. E o Senhor do Fogo começa a leitura.

As forças de Jaya, o tirano, nunca se apresentam numerosas. O seleto grupo que ele escolhe para suas missões, parece ser escolhido a dedo, parece ser um exército de elite, poderoso o suficiente para tomar o mundo todo. A dobra de água nunca pareceu tão feroz ao mundo. Por mais, que nós, soldados da Nação do Fogo, nos levantemos com o sol, os exércitos de Jaya nunca parecem vulneráveis. Mesmo sob o sol do meio-dia, eles investem contra nossos exércitos e liquidam muitos de nós. A dobra de sangue é dominada praticamente por todos eles, e eles não simplesmente desacordam nossos soldados. Eles matam.

É possível enxergar eles mexendo com a vegetação do lugar. Eles retiram a água da dobra dos mais diversos meios. A ilha de Komodo, a mais oriental do arquipelágo, famosa pela vegetação frondosa, está reduzida a uma planície árida e sem vida. A carcaça dos animais é o que jaz ali. E a dos nossos aliados. Ali, Jaya mandou instalar uma base militar, assim como nas outras ilhas tomadas.

Jaya não conseguiu investir contra o continente, graças ao poderio da Nação do Fogo, famoso desde os tempos antigos. O bloqueio continental é poderoso e creio eu, que eles não passam daqui. Eles estão no Cerco do Arquipelágo de Azulon há cinco anos, mas jamais conseguiram mudar nossa atual realidade: tudo está controlado.

Enquanto nos mantermos firmes, seremos capazes de parar essa loucura e evitar a guerra.

General Ko.

─ Meu general afirma, que a dobra de água nunca foi tão poderosa antes. ─ completa Iroh III. ─ Jaya está se tornando um problema grande, meus senhores. E nesse ataque a Omashu, eu ouso dizer, ele só mostrou que não está temendo a ninguém! Ele marcou o Avatar como um igual.

Há alguns murmúrios que se espalham como formigas pelo lugar.

─ Diga-me Kyle. ─ chama Meelo. ─ É possível dobradores de água produzirem tal ato gigantesco?

O filho de Korra pensa por um instante e assente em silêncio. Depois diz:

─ Certamente, presidente. Nos últimos anos, houve uma diversificação genética grande demais, na qual houve a miscigenação dos genes das dobras. Eu por exemplo, graças ao meu pai, posso dominar um tipo especifíco de água. ─ aquilo me chama atenção. Tipo especifíco de água? ─ De qualquer modo, se um exército de dobradores de água é bem treinado, é bem capaz que eles possam sim, mudar a vegetação de um lugar. Jaya é um dos melhores dobradores de água vivo. E por mais que ele seja um criminoso, a genialidade dele supera a de muitos.

Bufo e rio. Certamente ali, naquele conselho, existe um espião. E não duvido muito que ele seja Kyle. E daí que ele é filho de Korra? A mãe dele era Avatar, não ele! E depois, qual o problema dele comigo? Por qual motivo ele não quer me ensinar a dobra de água? Por um acaso eu sou indigno de aprender tal dobra, vindo dele? Ele não é tão melhor do que eu. Ninguém é melhor do que ninguém e conhecimento compartilhado é conhecimento aprimorado. E de pensar de que eu poderia aprender a dominar água e acabar com todo esse problema, me dá raiva. Ele poderia me ensinar, sim. E ele iria, nem que eu fosse apelar para o jeito bruto, digno de um dominador de terra. Fito-o.

Meelo toma as notas, teclando em seu aparelho de mão e escrevendo anotações num bloco de notas. O Rei da Terras pigarreia.

─ E como lidamos com isso? Em todo lugar há água. Não podemos simplesmente arrastar Jaya para um lugar sem água. Ele é ardiloso. Os boatos contam, que ele já extraiu o próprio sangue, para conseguir se safar de um esquadrão de terra. ─ o Rei procurou entre os papéis algo que disssesse isso. ─ Aqui! Disseram que Jaya dobrou o sangue para fora do corpo. Aqui diz que o líquido emergiu pelos póros da pele e com isso, ele foi capaz de nocautear dez homens do meu exército e fugir...

E de repente, me recorre uma coisa: meu mestre, Saofu, dissera que eu estava vindo para cá, para sanar minhar duvidas e entender o meu papel no instante atual. Mas todos os líderes das nações, simplesmente falam e falam como se eu estivesse a par dos detalhes. Mas eu não estou. O que será que vem motivando Jaya a atacar o mundo todo, com um exército, que aparenta ser poderoso o suficiente para liquidar tudo? Qual seria o motivo, que ao meu ver, deveria ser bem convincente, para que Jaya se lançasse contra todo o mundo? Será que minhas perguntas teriam respostas, se eu simplesmente erguesse um dedo questionador, como eu estou fazendo agora?

Agora que todos olham para mim na sala, eu me ergo de meu banco e dou alguns passoas a frente. Ouço o sorriso zombeteiro de Kyle à minha direita, mas o ignoro. Agora que todo ─ até mesmo a linda da princesa Azsa ─ me olham, preciso parecer genial. Eu sou genial? Eu não sei. Sorrio suavemente, balançando a cabeça, para afastar esses pensamentos idiotas. Suspiro.

─ Saofu, para quem não conhece, é meu mestre em dobra de terra. Ele me disse que poderia me contar até certo ponto o motivo pelo qual estamos lutando contra Jaya. Ele disse que a vossa majestade, Rei da Terra ─ me virei para o Rei da Terra e direcionei a pergunta a ele. ─ Iria me conceder as respostas que preciso, para entender toda a história e os motivos que levaram Jaya a se lançar contra o mundo. Qual o motivo disso tudo, senhor?

Houve silêncio num primeiro momento, enquanto o rei Marlok parece organizar as palavras, as folhas, os fatos, para distribui-los para mim. O Senhor do Fogo Iroh III se mexe inquieto em sua cadeira. Meelo parece se divertir, olhando-me. Sorrio para ele, no instante em que o rei Marlok pigarreia.

─ Tudo começou há vinte anos atrás. A Tribo da Água do Norte era governada por Urlakk, um líder perfeito, com ideias excelentes e que prezava o bem de todo seu povo. A Água do Norte se tornou uma potência no mercado de alimentação, com seus pescados de qualidade excelente, enriquecendo e tornando-se poderosa. A tecnologia começou a invadir as cidades e as pesquisas na área da saúde começaram a serem desenvolvidas lá. Criaram o Instituto Hagoda, para estudos e aplicações de descobertas, que logo se tornou modelo no mundo todo. ─ conforme o rei falava, eu podia imaginar a grandiosidade da Tribo. Mas se eu sonhar muito, posso acabar perdendo algum detalhe. ─ Só que houve um porém: o senhor Urlakk morreu, muito doente, com algo que nenhuma pesquisa antiga pudesse ter previsto. E seu filho mais velho, Jaya, já estudado, entrou no governo e tornou-se líder da tribo.

“Jaya era como o pai no ínicio, queria o bem da tribo, acima de tudo, continuou os investimentos nas pesquisas, e ainda mais na pesquisa que envolvia a doença do pai. Alguns dos universitários da Tribo do Norte, disseram que ele chegou perto de descobrir o tipo de doença. Mas as coisas mudaram.

“O Reino da Terra é famoso pelos solos férteis e pela confecção dos mais belos tecidos de todo o mundo. Além disso, possuímos grandes terras, onde nós instalamos as fábricas e usinas do mundo. A Nação do Fogo é famosa pelas gemas preciosas e pedras de altos valores. O pescado das águas do fogo são os mais baratos e a via entre os continentes é a mais viável para todos. A costa oeste inteira do continente da terra está tomada de portos, assim como a costa inteira do continente do fogo. Isso nos beneficia de um modo, que criamos a Aliança Magma Forte, entre a Nação do Fogo e o Reino da Terra.

Marlok permanece em silêncio por um tempo. Iroh III ergue-se de sua cadeira, enquanto sua filha o segue com os olhos. Ele continua a falar:

─ O comércio entre as duas nações cresceu e tornou-se exclusivo. Economizamos mais, ao navegarmos entre os nossos mares. A facilidade é extrema, a quantidade de portos torna todo o processo barato e a comercialização nos fortalece mais. ─ informa ele, com sua voz aveludada e calma. ─ Graças a esse acordo, a Nação do Fogo foi capaz de abrir cento e duas fábricas novas nas ilhas vulcâncias, que até então eram inúteis. Conseguimos quitar as dívidas que tinhámos com a União da Água do Sul, decorrentes da Guerra dos Cem Anos. Prosperamos ao lado de nossa nação irmã. Veja bem: o mar ártico da água do norte é praticamente congelado. Além do mais, a variedade de produtos comerciáveis com essa nação, impossibilitava variedades que estavamos procurando.

Ele dizia tudo isso, olhando para mim, com seus olhos parecidos com brasas acesas. Eu assinto.

─ Por isso, não exportamos mais nenhum produto do país de Jaya. ─ finaliza Iroh III, displicente. ─ Sugerimos é claro, que ele utilizasse dos Portais do Mundo Espiritual, para que restabelecesse conexões com a União da Água do Sul, que até hoje, mantém laços fortes com os Nômades do Ar. Mas ele não aderiu à ideia.

─ Soubemos que a Tribo da Água do Norte ─ começa Meelo, parecendo triste.─ passou por um período severo de fome. Enviamos alguns agentes governamentais, para averiguarem as coisas e acharem um modo socorrer a Tribo. Eles nunca retornaram para casa. Alguns meses depois da morte da Avatar Korra, Jaya lançou seu primeiro ataque contra o Reino da Terra. Primeiro, ele tomou a Cauda do Texugo, a ponta mais próxima do continente. Ao todo, nas primeiras batalhas, ele tomou quatro cidades. Hoje, ele domina todo o oeste do continente, algumas ilhas da Nação do Fogo e ele quer mais.

“No começo, Jaya invadia e roubava tudo. Comida, tecidos, jóias, dinheiro, animais, tecnologias. E dava ao seu povo. Mas hoje, Jaya não mais invade para sustento de sua nação... ─ Meelo abaixa a cabeça e volta a se sentar.

─ Jaya invade, afirmando o seguinte. ─ o rei da Terra toca na tela de seu aparelho, cor de palha e passa os olhos pela tela. Ele encontra o que quer e começa: ─ Quando a ordem desfavorece um e favorece mais aos outros, os ideiais precisam ser refeitos. Do caos, nasce a ordem. É preciso unir tudo e todos, para que refaçam a realidade e não caíam nas garras do que não é certo. O caos é a nova ordem, para o novo. É preciso bagunçar, se a necessidade do mundo é renascer.

Observo a todos em silêncio. Procuro as palavras corretas para expressar o que sinto naquele momento. O Rei da Terra continua a dizer as condições dos Nômades do Ar e como conseguem viver de maneira subsistente, sem dependender muito dos outros, mas eu não estou prestando atenção. Sinto como se estivesse sendo sugado daquela sala e me sinto na pele de Jaya. Será que ele era tão novo, quando o pai morreu e ele teve que erguer sua população? Olho para a face de Marlok, depois olho para Iroh III, incrédulo demais para levar em conta os reais motivos, que estavam afundando o meu mundo naquela guerra egoísta e de ideias deturpados.

A vida de meus pais foi destruída, pelo simples fato de os humanos serem egoístas. É isso que minha mente fica, continuamente repetindo.

─ Essa guerra ─ minha voz está rouca, eu quero gritar. ─ Levou a vida dos meus pais. Minha mãe costumava pegar no meu pé sempre. Meu pai, meu rei, era um dos seus mais valiosos generais. Mamãe tinha a mania de me perseguir com a colher de pau, muitas vezes escondia meus aparelhos eletrônicos, para que eu me dedicasse mais à dobra de terra. Papai me amava como ninguém amou. ─ fico em silêncio, olhando meus pés. Estou de pé no meio da sala, enquanto todos me olham em silêncio, esperando ouvir minhas palavras. Deixo a raiva vazar de mim, como se ela explodisse. Berro: ─ E VOCÊS SÃO EGOÍSTAS O SUFICIENTE PARA DIZER COMO SE NÃO FOSSE ABSOLUTAMENTE NADA, que não podiam investir um pouco mais, para quebrar os gelos dos mares, para ajudar uma nação irmã?

Fecho a mão em punho e encosto em minha testa. Fecho os olhos e bufo. A raiva está a ponto de sair do meu controle. Dou risada incrédulo.

─ O que vocês acham que Jaya pensou, quando todos vocês deram as costas para ele? A TRIBO DA ÁGUA DO NORTE fica incrustada num enorme bloco de gelo, rodeada de gelo e com um mar, que se você não prestar atenção, você pesca um bloco de gelo. Isso tudo, graças a vocês. A guerra está acontecendo graças a vocês! E talvez Jaya não esteja batendo bem da cabeça, pela pressão. Temerente de que a população da Tribo do Norte morresse! VOCÊS, MEUS QUERIDOS GOVERNANTES, CRIARAM UM MONSTRO que destruiu minha família! Criaram um problema, para o Avatar resolver, já que vocês são uns incompetentes!

A primeira lágrima escorre pelo rosto.

─ EU QUERIA MEUS PAIS AQUI!

O chão ao meu redor trinca. Ouço a pedra partindo.

─ VOCÊS PODEM DEVOLVER O EQUILÍBRIO DENTRO DE MIM? HEIN, SENHOR DO FOGO IROH? Você pode...

Estou soluçando, pois não consigo completar minha fala. Toco meu cabelo, como se estivesse tocando meu pai, trêmulo. Eu sei que estou chorando alto, pois ninguém me repreende por gritar com o Rei da Terra, com o Senhor do Fogo e com o presidente da República. Eu giro no meio da sala, não acreditando na situação mesquinha na qual eles se puseram. Aponto um dedo para eles. Estou rindo.

─ Jaya não é o tirano da história. ─ estou sussurrando. Agora estou rindo de forma doentia, o que me faz gritar. ─ Ah, ele não é. POIS OS TIRANOS SÃO OS SENHORES! Vocês...

Sinto um braço forte me segurando pela cintura e vejo a imagem de todos no conselho, incrédulos, diminuindo, cada vez que me afasto mais. Chuto o ar, nervoso, enquanto vejo a luz diminuir ao nosso redor. Meus gritos ecoam pelo corredor escuro, enquanto sinto alguém elevar meu corpo para cima. Estamos subindo escadas, passando por um corredor extenso e com tapetes no chão. As paredes estão repletas de quadros e luminárias fixas, que lançam luzes amarelas pelo lugar. Ainda choro alto, enquanto vejo o teto. Egoístas! Tiranos! Doentes!

A mesma pessoa que me tirou do conselho, me joga contra uma cadeira e me olha de cima. A cadeira balança. Aqueles olhos azuis me dissecam com violência. Kyle. Cerro meus olhos na direção dele, apalpando meu bolso, atrás de minha rocha. A fúria é tremenda, que eu sinto meu rosto aquecer, e já não choro mais. Quero urrar agora. Ergo-me na direção de Kyle, mas ele é mais rápido e seu chicote de água me acerta em cheio, obrigando-me a sentar novamente.

─ Qual é o seu problema, seu idiota? ─ berro na direção dele, cobrindo meu rosto, temendo um novo ataque.

─ Pare de gritar. ─ fala ele, como se ronronasse que nem um gato.

─ NÃO!

─ Pare de gritar, Yan! ─ torna ela, controlando-se.

─ Eu não vou parar! Quem eles pensam que são? Meus pais...

─ Cala a boca! ─ berra Kyle, segurando-me nos ombros e balançando-me para frente e para trás. ─ Ficar agindo que nem uma criança idiota, mimada, vai trazer os dois de volta a vida? Não! Ficar gritando a todo instante, vai aumentar o seu amor por eles? Não vai! Para se ser tolo, achar que só pelo simples fato de você ter a sorte de nascer Avatar, que você pode sair por ai gritando com todo mundo e achando que pode mandar em todo mundo! Honra o nome da minha mãe!

Ele me larga e a cadeira quase cai. Olho para ele, respirando pesadamente. Quem ele pensa que é.

─ Eu não queria ser Avatar.

─ Mas agora você é. E vai ter que viver com isso! E vai cumprir o seu dever, como um Avatar e eu exijo que seja um dos melhores. ─ Kyle anda até a janela, e fita a cidade dali.

Exije? Olha, não me faz rir, Kyle. Como pode me exigir algo, sendo que nem ajudar você quer? Egoísta que nem os líderes lá em baixo.

Kyle vira para mim e ergue as mãos. O chicote de água remove a tampa da bolsa de peles e a água vaza potente, pronta para me acertar. E ai, eu apago.

A luz no ambiente diminuiu drasticamente, enquanto o vento soprava forte, num vórtice, aonde Yan estava sentado. A janela permanecia fechada, o que fazia daquele vento misterioso ser o pior. Kyle manteve a água pairando ao redor dele, pronto para se defender de qualquer ataque do Avatar, mesmo que isso machucasse ele. A água ondulava, com o vento forte soprando. E de dentro daquele mesmo vórtice, emergia uma luz branca, uma luz etérea, carregando uma energia espiritual intensa demais. Havia um zumbido por detrás daquele fenômeno.

Quando o vento cessou, as vestes da aparição ondularam uma única vez, azuis e brancas, mantos pesados, com pelos brancos de urso. O cabelo castanho escuro pendia em um rabo de cavalo, preso com um elástico, onde havia anexo uma lua, que estava impressa na insígnia da tribo da água, seja ela do norte ou sul. Os olhos azuis olhavam de cima, com uma severidade intensa, cortante. Os mesmos olhos de Kyle. E quando ele notou quem estava perante ele, a água ao seu redor caiu, molhando o carpete da sala. Ele tremeu diante da aparição.

─ Mamãe? ─ ele andou na direção da aparição, querendo tocá-la.

Korra gesticulou de modo, que fez o próprio filho parar no meio do caminho. O rosto severo estava voltado para o filho e com certeza ela não estava feliz.

─ Kyle, você se esqueceu o que lhe pedi, antes de morrer? ─ a voz estava diferente, parecia sobreposta entre a voz de Korra e a voz de Yan. ─ Eu lhe pedi, filho, que não mudasse quem você era. Que continuasse bom. Que ajudasse sempre. E você fez o que eu pedi?

Kyle negou com a cabeça, abaixando-a com vergonha.

─ Você ensinará Yan a dobrar água, sim. Vai ensiná-lo e torná-lo um mestre de dobra de água. E se ele pedir para que você o acompanhe na jornada dele, você vai. Ele precisa de cuidados. Você me entendeu, Kyle?

Kyle assentiu de cabeça baixa, olhando para os próprios pés. Naquele instante, se sentiu novamente com doze anos, enquanto a mãe o ensinava com firmeza as coisas e ele sempre errava. Sentiu-se novamente criança. E estava se sentindo impotente.

─ Venha. ─ Korra estendeu a mão na direção do filho, que a agarrou sem pestanejar. Correu em sua direção. Não parecia ter a idade que tinha. ─ Eu te amo Kyle. Se você ver seus irmãos por ai, lembre uma coisa a eles: mamãe sente orgulho de vocês. E dê um peteleco no Meelo por mim. Vá.

Korra estendeu a mão novamente, livrando o filho do abraço. Ela piscou uma vez, antes de sorrir docemente par ao filho. Fechou os olhos e o vento recomeçou a soprar de fora para dentro, como se ela fosse um buraco negro que sugasse tudo ao redor. As vestes de Kyle balançaram fortemente, enquanto a luz iluminava o aposento. Kyle olhou para o centro e viu ele. Yan cambaleou e ia cair, se não fosse o dominador de água, para salvá-lo.

Tudo está girando. Nessa escuridão sem fim, consigo sentir o mundo girar e a minha pele fria pinicar. Aonde eu fui nesse meio tempo, onde na minha memória existe uma lacuna sem respostas? Ouso abrir meus olhos de modo devagar, mas a cabeça parece piorar. Gemo. Abro meu olho e tudo o que vejo e sinto é a mão de Kyle sobre minha cabeça. Ele parece estar usando uma luva de água, que brilha num tom azul suave. Aquilo é cura. A tontura passa rapidamente. Olho para ele e não o enxergo mais com o jeito mordaz dele. Ele me olha assustado, como se eu fosse um estranho, que ele acabara de encontrar na rua, largado.

─ Anda, levanta.

Kyle movimenta as mãos, como se puxasse a água que molha o chão. A água se desprendeu e seguiu o movimento dele, indo para dentro de seu cantil de peles. Ergo-me do chão, tateando a cadeira mais próxima. Sento-me, sentindo o peito doer. A voz dele soa gentil.

─ O que houve comigo? ─ sussurro, olhando minhas mãos.

─ Recebi um aviso de que eu estava falhando...

Não entendo. Olho para ele, e o olhar dele me faz sentir pena. Não aquela pena de algo desprezível, mas a vontade de abraçar alguém muito triste e dizer que tudo ficaria bem. Mas eu não faria isso com ele, afinal de contas, desde a hora que cheguei aqui, ele não para de me tratar mal. Engulo o orgulho e digo:

─ Sinto muito, pelo o que eu fiz hoje. Você não merece isso. Eu simplesmente estou querendo querendo que pare de doer. E gritar tem sido o melhor remédio.

Kyle fica em silêncio, me estudando com o olhar curioso. Ele se ergue rapidamente e se direciona a um sofá próximo de uma estante repleta de livros. Ele pega uma almofada e a entrega a mim.

─ Grite nela. ─ sugere ele. ─ Eu já fiz essa terapia. E funciona.

Ele sorri, me olhando com aqueles olhos azuis, como se estivesse tentando decifrar quem eu sou de verdade. A almofada macia continua em minhas mãos, perante meu rosto, o sentimento de incerteza me dominando. Ergo novamente meus olhos e encontro Kyle me encarando, como se ele me vasculhasse por dentro, procurando algo que talvez... remetesse à mãe dele. Engulo em seco. Não quero ser estraga prazeres, ao ponto de dizer a ele que a mãe dele não está aqui comigo.

Ainda sinto uma suave tontura, fraqueza. Possivelmente eu consigo compreender o que se passa na acbeça de Kyle, mesmo sem ele ter dito absolutamente nada. Kyle ainda não superou a morte da mãe. E de repente, aparece na cidade dele, um fedelho como eu, mimado, ditando ordens e regras, gritando com todos, sendo estupidamente... eu. Respiro fundo, ainda olhando nos olhos do dobrador de água e abaixo a almofada, colocando-a no meu colo. Sorrio.

─ Coitada da almofada, ela não tem culpa dos meus problemas. ─ suspiro, olhando-o. ─ Estou melhor.

Levanto-me do sofá, olhando ao redor. Estamos numa sala de estar, aparentemente, com uma mesa de mogno ao lado, próxima da porta, um lustre de cristal cintilante, que lança as luzes em um padrão, sobre o papel de parede simples. Existem quadros, pendurados nas paredes. As pinceladas, mesmo vistas de longe, são suaves e retratam os dobradores e não dobradores de modo sublime, com perfeita harmônia. Isso me remota à época de Korra, quando ela logo chegou na cidade e foi obrigada a lutar contra um grupo de Equalistas, que queria exterminar as dobras do mundo. Graças a Korra, eu não precisava me preocupar com nenhum Equalista, afinal de contas, eles foram dissolvidos poucos meses depois do episódio.

Aliso meu casaco e fito mais uma vez Kyle. Eu preciso ir embora. Não vou ganhar mais nada permanecendo aqui.

─ Estou de saída. Obrigado por me tirar de lá, antes que eu surtasse ou... Você sabe. ─ viro-me de costas.

─ Avatar Yan.

Viro-me e por dentro, sinto uma sensação quente. O nome Avatar acompanhando o meu nome, é algo intenso demais. Sinto-me completo.

─ Seria uma honra, ensinar-lhe a dobra de água. ─ Kyle me reverencia de modo respeituoso e eu o encaro. ─ Amanhã, no Parque Korra. Usaremos o lago. Final da tarde. É quando a lua cheia aparecerá. Ok?

Estou atônito demais para responder ou para perguntar ou simplesmente para agradecer. Para ser franco, estou atônito demais para reagir de acordo com alguma coisa, por isso sou empurrado para fora pelo próprio Kyle, que fecha a porta. Encosto minhas costas na madeira. O corredor se estende para os dois lados. As luzes amarelas iluminam minha pele branca. Eu serei dominador de água. Começa amanhã. Serei poderoso. E com a dominação de água, eu pararei Jaya. Água contra água. Use a arma do inimigo, contra o inimigo.


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Notas finais do capítulo

Qualquer erro, me avisem pessoal! Espero que curtam! Korra ♥