Quando Amanhecer escrita por Clara Luar
Notas iniciais do capítulo
Olá. Desejo uma boa leitura.
São quase onze horas da noite quando Krad finalmente torna ao hotel, LA’ RÚBIA, com feições duras e a frieza de um vampiro. Ignora os cumprimentos do porteiro e da recepcionista, aguarda o elevador e chega ao seu quarto. Cada movimento é furtivo, discreto e elegante.
– Até que enfim! – Fay pula para um abraço caloroso.
Acolhe-a nos braços e carrega-a quarto adentro, deixando a porta fechar-se silenciosamente. Deixa a garota na borda da cama sentada, com um suspiro de cansaço. Apesar de que “cansaço” seja uma das palavras que não se aplica a um vampiro. Fay ajuda-o a tirar o paletó negro com gesto de mão, seus poderes fazendo o resto. O casaco flutua e repousa na cadeira da mesa com o café posto à tarde. O bule também se ergue e serve uma xícara de chá para ele.
– Obrigado – agradece, levando um gole à boca.
A garota cruza os braços sobre o colo, sorri docilmente antes de seu olhar violeta faiscar uma curiosidade ameaçadora: - O que fez a tarde toda?
– Preparativos.
Ele repousa a xícara vazia. Serve mais chá e entrega a porcelana à menina.
– Vamos sair do país.
– Do país?
O companheiro continua a despir-se em frente ao guarda roupa, começando pela gravata.
– Fui me informar das consequências da explosão do banco de Cambridge. Sou procurando em mais de doze cidades, em pelo menos cinco estados. E o pior: você também está sendo caçada.
– Poderia ser pior... – foge a face sentindo um incômodo crescer no peito como todas as vezes que analisava as consequências quando deixava os poderes se descontrolarem: a Culpa.
– Não. – diz sério, a fúria contida. Aproxima-se, a camisa cor de uva desabotoada mostrava a fresta do corpo forte e malhado, e o cabelo um tanto desarrumado acentuava a rebeldia em seu charme. Segura firme o rosto da telepata e contorna sua expressão preocupada. – No momento, você é o meu bem mais precioso.
E pressiona seus lábios contra os dela. Rapidamente solta e volta à escolha do novo terno.
Fay responde à repentina demonstração de afeto com uma expressão confusa. Bebe o chá a fim de afogar o coração palpitante. Procura desconcertada por algo para preencher o silêncio, ainda estava irritada por ter sido deixada sozinha no hotel.
– E o que foi fazer no beco, de Sant’Anna?
O rapaz interrompe sua busca no armário por uma gravata que combine com a camiseta azul escura que resolveu usar. Aguarda a xícara retornar levitando para a mesa.
– Isso é segredo. – sorri com ar de travessura.
– Tudo bem. Eu descubro.
Levanta-se da cama. Afina os olhos para ler sua mente. Porém, em um milésimo de segundo Krad já não estava mais a sua frente.
– Assim não vai ter graça – sussurra ele, chamando atenção logo atrás dela.
– Eu não gosto de segredos. – afasta dois passos e ameaça outra vez.
– É uma surpresa boa. – some e reaparece bem próximo a ela.
As pontas dos narizes se tocam. Ele a agarra pelos braços. Fay resiste com telecinese à força do vampiro querendo pressioná-la contra a parede. Vê os olhos dele se avermelharem ao empurrar com mais força. Mostra um sorriso malicioso. Estava se divertindo. De certa forma, ela também. Ambos odiavam perder o confronto de poderes. Embora quando chegavam perto demais um do outro as intenções acabassem mudando. E estavam bem próximos. Krad inclina o rosto, mergulha entre os cabelos escuros dela e saboreia o cheiro de rosas. A pele dela se aquecia com a proximidade dos corpos. O corpo do vampiro recorda-se da vivacidade de quando era humano. Suas mãos pareciam febris, seu peito queimava como uma fogueira e o desejo de possuí-la começou a dominá-lo. Os lábios dela o atraíam. Contudo, antes de sucumbir ao desejo, ele foge um passo. Ainda segura firme os punhos de Fay.
– O que você fez enquanto estive fora? – a voz é sombria.
Fay precisa piscar algumas vezes para desprender-se da fumaça de luxúria e paixão para concentrar-se na pergunta do companheiro.
– O que você fez hoje? – repete.
– Bem, tentei em vão descobrir aonde você foi. Depois...
– Pactuou? - escorrega o olhar dos lábios dela para as suas mãos procurando a cauda do fantasma em forma de anel.
– Sim. Porém, já cortei a aliança. – informa, adivinhando o que ele procurava.
– Não gosto quando fala com os mortos – resmunga.
– Eles falam comigo. O que posso fazer?
Aproveita para criar uma bolha de energia envolta dos pulsos, expulsando as mãos do vampiro. Livre, dá de ombros.
Ela ergue o olhar debaixo para cima, com receio do que iria dizer.
– E você não está exatamente vivo.
O lampejo de raiva pinta de uma vez as íris dele com o tom mais escuro de vermelho. Krad a pressiona contra a parede. Fay não reage, sabia que havia dito o que não devia. No entanto, não compreendia por que ele odiava tanto ser o que era. Ela o amava sendo um vampiro. Queria que o vampiro aceitasse ser o que é. E por isso estava disposta a carregar sua fúria, na medida do possível.
– É. Não estou. – a voz é cortante ao pé do seu ouvido.
Fay sente a força com que o amado crava suas presas em seu pescoço. Não era bom, nem um pouco carinhoso. O local começa a formigar e latejar. Até queimava. Seu ombro parecia endurecer. A mordida do vampiro nunca fora tão doloroso. Estava pronta a desprendê-lo à força. Não foi preciso. Krad a rejeita, nenhuma gota de sangue mancha sua boca. Foi apenas uma tortura, não uma refeição.
– Você cheira a outro humano. Outro homem.
Ele toma distância. Põe a mão na cintura e limpa os lábios furiosos com a outra. Evita encará-la.
A médium expira longamente, pressionando o local da mordida para aliviar a dor. Desmancha algumas dobras do vestido. Recolhe do chão a gargantilha de renda que o companheiro rasgara antes de ataca-la com as presas afiadas. Por normalmente não adquirir sentimento, a força das emoções do vampiro vazava dele e involuntariamente ela era capaz de receber a ira, o ciúme e a culpa misturados como num caldeirão.
– Eu fui à piscina. – mantém a calma no tom de voz.
Não existia o porquê do ciúme ou da culpa. Mas ele era teimoso. Fazê-lo compreender isto seria mais fácil se o rapaz também fosse capaz de ler mentes.
Tendo a ideia, Fay senta-se no tapete cinza que cobre todo o quarto, estendendo a saia verde menta por cima das pernas. Puxa com a mente o rosto do vampiro para que a observe. Sorri e dá duas tapinhas no lugar ao seu lado, convidando-o a sentar-se. Lutando contra a própria vontade, ele aproxima e aguarda em frente à menina, não iria baixar-se ao chão. Fay, mantendo o sorriso paciente, empurra mentalmente e com toda a força os ombros dele, que é compelido a assentar. Krad a fita furioso, porém, depois do descontrole vampírico, estava disposto a “aturar”. Ela toma suas mãos, que ainda guarda o calor dos minutos que a desejou, nas suas entrelaçando os dedos. Fecha os olhos e permite sua memória fluir para o companheiro de ligação. Compartilha o que fez no dia, até mesmo na sala de jogos, como se lesse para ele as páginas do seu diário. O coquetel rosa, o jogo de dardos, a aproximação, o desmanche em risadas, a conversa e o convite...
O cansaço toma-lhe o corpo assim que termina. Mais do que fluir as memórias também teve que invadir um vampiro, o que não é fácil. Apoia a cabeça, que girava igual um globo, em seu peito. Não consegue ouvir seu coração bater. Fay gostava do vazio que sente vir de dentro dele. Nota no meio desse vazio a dúvida que persistia.
– Foi divertido. Acho que fiz um amigo. – sorri.
– Divertido, hum...
Solta outro dos seus suspiros sem significado. Traz a mão para acariciar os longos cabelos dela, e inspira o cheiro de rosas e hortelã. Dois dedos encostam as feridas que suas presas deixaram. Carrega a cabeça dela com cuidado, visto que ela parecia zonza, e beija o rastro da fúria no pescoço dela. Longamente. Sua saliva cicatrizaria o machucado, permanecendo somente os dois negros círculos na raiz do pescoço, o estigma de que Fay pertencia ao vampiro Krad.
– Pelo visto fomos convidados para a mesma festa – diz por fim, revelando o convite preto com caprichadas bordas douradas guardado no fundo do terno novo.
– É. – mostra-se já disposta. Estala os dedos. Idêntico cartão sai debaixo do travesseiro e voa para sua mão, sendo capturado com graça por ela.
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O que Fay e o humano fizeram depois possa ter sido muito vago para o destaque que dei nas notas finais do capítulo anterior, mas paciência, que mais para frente irei usar e mostrar o que "realmente" aconteceu. Obrigada por ler. Até logo.