Quando Amanhecer escrita por Clara Luar


Capítulo 14
Sede


Notas iniciais do capítulo

Olá! Notaram que esse capítulo tem muitas palavras? Primeiro não existia inspiração algum, subitamente, era inspiração demais... Fui escrevendo e olhe no que deu xD Por favor não desistam de ler no meio do capítulo (T^T)
Boa leitura (>.0)



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Desperta. Não reconhece de imediato o lugar. A cama é mais confortável do que se lembrava. As paredes não são cinza, e sim, de um tom púrpuro adorável, quase infantil. Não recorda de sua cama ter um teto que se desmancha em cortinas opacas a fim de impedirem a passagem dos raios solares. Das cobertas emerge seu corpo pequeno à medida que memórias da noite passada retornam.

Andava sem rumo, já cansada e faminta. Percorrera um longo caminho. Num mundo que não lhe era familiar. Trombou em um rapaz. Ele aparentava ter pouco mais de vinte anos e a fitou como se visse uma reles humana. Corpo esbelto, porte de cavalheiro. Seu olhar, prateado da cor da lua, era inexpressivo, porém, a garota sentiu-se inundada por longos dias de melancolia. Notou as presas. O vampiro aguardou uma expressão de medo surgir, contudo, ela mostrou um sorriso curioso, admirada. Tenta tocá-lo. Ele recua.

— O que você é?

— Sou o que os humanos chamam de vampiro — responde sombrio.

— Vampiro? — Fica pensativa. — Eu gosto dessa palavra: vam-pi-ro. — e sorri.

O sorriso dela contém uma pureza que ele jamais alcançaria. A ingenuidade o atrai. Ela não tem cheiro de uma humana comum. É extremamente deliciosa. Embora não esteja nas condições mais belas: está suja, machucada e com algumas queimaduras. Por capricho, prefere não devorá-la nessas condições. Gosta de refeições atraentes e apetitosas. Mordisca o próprio pulso e oferece à garota.

— Beba. É para suas feridas.

Ela não hesita, nem questiona. Toma o braço com as duas mãos e abocanha o corte. Tudo ainda era novo para ela. Conforme, tudo deveria ser experimentado, até sangue de vampiro. O gosto é intrigante, amargo, mas escorre com facilidade pela garganta. À proporção que engole, cada vez mais e mais, seu estômago parece virar um caldeirão. O corpo formiga. Um calor súbito lhe sobe a cabeça. As bochechas coram. Entorpecida, adormece.

Agora, na cama, observa seus pulsos enfaixados. Desenrola-os e não encontra as cicatrizes das amarras que neles sempre estiveram. Ergue-se sobre os cobertores para averiguar seu corpo. Nenhuma ferida restava. Não sentia cansaço nem fome. Apenas sede. Mira as cortinas e flutua para fora delas.

O quarto que ocupa é imenso com poucas mobílias. A cama no centro, uma cômoda ao lado, uma estante de livros vazia e divãs ao redor de uma mesinha de centro. Há uma jarra de água sobre a cômoda. Pega o copo que ali está e serve da água. Bebe dois copos sem, no entanto, conseguir matar a sede. Seu organismo não quer água. Avista estendido sobre o divã um vestido carmesim de tamanho perfeito. Ela está de camisola. Visto que ninguém a impede, despe-se ali mesmo e veste a roupa. Faz um laço perfeito nas costas antes de sair à procura do vampiro e de algo mais para beber.

Atravessa muitos quartos vazios e portas fechadas. A casa era grande, uma mansão. Vasos de flores e pinturas enfeitavam os corredores. As cortinas estão todas fechadas, não dá para saber se é dia ou noite, e pequenos lustres iluminam o caminho. Muitos minutos procurando, finalmente chega a um quarto de porta entreaberta. Cautelosa, enfia primeiro a cabeça e depois os pés, para dentro.

É um gabinete. Há escrivaninha bagunçada por plantas de prédios, estantes recheadas de livros, sofá e poltrona vintages. O rapaz encontra-se na poltrona, a cabeça tombada sobre o ombro esquerdo, dormindo silencioso. Papéis descansam em seu colo, os botões perto da gola da camisa estão desabotoados e a gravata frouxa, as mangas arregaçadas mostram os antebraços malhados. Estranhamente usa luvas pretas. Aproxima dele devagar, pé ante pé, para não acordá-lo. No braço da mobília, uma xícara de porcelana aguarda com um último gole de chá ao fundo. Pega-a e finaliza o chá frio. Ainda persiste a sede. Olha a pele alva do vampiro. A clavícula e a parte superior do peitoral estão à mostra. Parece que fora esculpido por Michelangelo, tão perfeitos. Ele é bonito demais. O cabelo é fosco como o negrume da noite iluminado pela lua cheia. O rosto jovial, o queixo fino, as sobrancelhas alongadas. Apesar da serenidade, a expressão facial carrega tristeza, uma falsa imparcialidade, fome de morte.

— Talvez seja ele que eu quero... — murmura, compreendendo enfim o que seu corpo deseja: sangue de vampiro.

Avista uma tesoura deixada na escrivaninha, a faz vir até ela por telecinese. Empunha-a com a mão direita. Apoia a outra no braço da poltrona, posicionando-se sobre o vampiro. Ergue o braço para apunhala-lo.

— O que pensa que está fazendo? — desperto, ele interrompe a punhalada com uma das mãos enluvadas. Não parece surpreso.

A menina tenta afastar-se. O vampiro, porém, envolve a cintura dela com o outro braço, impedindo que ela saia de cima dele.

— Pensei ter ouvido que me queria. — Força-a a soltar a tesoura, e esta cai ao chão.

Passa a mão livre por entre os cabelos dela. Saboreia o perfume que exala da humana tão próxima a ele. Os olhos violetas estão faiscando de vida, a pele macia encontra-se sem máculas e o vestido cor de sangue lhe caíra muito bem. Agora sim, ela estava devorável.

—Eu queria o seu sangue. — Sua voz soa envergonhada.

O vampiro fita a presa quase sobre o seu colo. Pensa se deve devorá-la de uma vez. Mas havia tempo desde que parara para conversar com alguém. E ela não demonstrava nenhum sinal de que fugiria.

— Está machucada?

— Não, apenas com sede.

— Então não posso lhe dar. O meu sangue é uma droga.

— Droga? – indaga. A palavra indicava algum ruim, mais o sangue dele não parecia algo ruim. E sim, uma coisa deliciosa.

— Sim, e é viciante. Você já deve estar viciada, pelo tanto que bebeu noite passada. — comenta com certo divertimento. — Você parecia ser a vampira da história.

Ela fica pensativa. Lança-lhe um olhar violeta.

— Mas eu quero. Agora — ordena.

Invade a mente do vampiro. Não é fácil, portanto, uma tensão surge faiscando entre eles. Pouco a pouco vence os poderes vampíricos dele. As presas surgem. Os lábios retiram uma das luvas e morde a almofada do polegar. A telepata senta ao colo e abocanha o sangue que escorre, sedenta. Uma morfina de prazer cobriu-lhe a mente, esquecendo-se do controle mental que exercia sobre o ser sobrenatural. Fora do controle psíquico, ele contempla, atônito, a garota que roubava seu sangue.

— O que você é? – é a vez dele de perguntar.

A mutante interrompe-se. Lambe os lábios. Finalmente conseguiu saciar sua sede, embora não se importe em beber mais um pouco do sangue do vampiro. Sente sua cabeça pesada, os pensamentos mais densos. Tinha a sensação de estar bêbada.

— Eu não sei — responde confusa. — Eu não sou tão humana.

— Não, você é melhor que isso... — o vampiro balbucia cúmplice dos sentimentos dela. Está impressionado. Enfim, havia uma explicação para seu interesse sobre ela. Ela era deliciosa como outras humanas e melhor que elas. — Qual o seu nome?

Nota que a menina esforça-se para lembrar.

— “F” e mais alguns números...— Sente-se patética. Não era mesmo humana; se quer tinha um nome, quiçá um nome de família. Ela não tinha família.

— Números não combinam com você. — Trinca o maxilar, um tanto irritado por nunca terem dado um nome a uma garota interessante como ela. — Que tal Fay? Formosa.

— Eu gostei. — Alegra-se, esboçando mais um de seus sorrisos ingênuos. Está grata por ter um nome. — Fay de quê?

Ele sente seu corpo aquecer-se. É incomum, nunca fora mais que uma pedra de gelo. Era ela, Fay, quem estava preenchendo com seus sorrisos o vazio que perdurou por séculos.

— Nada mais. Apenas Fay.

A alegria dela desaparece. A ausência do sorriso sufoca o vampiro.

— Assim não sei a que lugar pertenço. — Ela parece angustiada.

Numa inexplicável vontade de ampará-la, enlaça a cintura dela com o braço direito, trazendo-a ainda mais para perto. Com a mão livre da luva, ergue o queixo da menina para contemplar. Fay apoia-se sobre o peitoral rígido com as duas mãos, tenta sentir o que passa com o vampiro. Há uma chama que se ascendeu, uma pequenina que tremula. Nostálgica e poderosa.

— Você pertence a mim.

Sem aviso, joga a cabeça dela para trás e perfura a carne macia do pescoço. As presas afundam com facilidade. O sangue vem a ele num fluxo natural. É doce e o invade com prazer. Seu corpo se aquece. Um torpor da luxúria. Sente necessidade de explorar a alma dela. Não é como as outras. Não é mais uma refeição do dia. É valiosa. Traz vivacidade e proporciona o desejo insano de tê-la somente para ele. Deliciosa e viciante.

Fay não sabe como reagir. Não quer reagir. Onde as presas cravam dói e machuca. Todo o resto de seu corpo, entretanto festeja, estrelas parecem explodir em suas veias e artérias. A dor de ser devorada se equipara ao prazer que a entorpece. A alma se esvai pouco a pouco, e ela não consegue impedir. Na confusão de afastá-lo ou abraça-lo para mais perto, o próprio vampiro decide: afasta-a. As presas saem tão rápido quanto entraram.

—Você, agora, é minha. Minha Fay — chama possessivo, uma gota de sangue escorrendo num canto de seus lábios.

Tateia o pescoço e ela encontra os dois furos já cicatrizados. O estigma. Fay podia sentir dentro dela, das entranhas ao coração, a ideia de posse. Ela era dele. Sua recente liberdade fora levada por um cavalheiro que mal conhecia. Não lhe dera esse direito.

— Eu não sou sua. — Palavra por palavra é carregada com uma convicção enfurecida.

Quer escapar, mas o vampiro ainda a segura firmemente. Entre risos divertidos, ele mordisca a pele de sua presa. O pulso, o braço, outra vez a nuca. Com as mordidas, introduz pouco a pouco o prazer dentro dela. Fay pode perceber seu corpo desejando não mais o sangue, e sim, o homem sob ela. Ele não somente atacava, também acariciava. A mão enluvada sobe as costas do vestido, emaranha-se nos cabelos, puxa sua nuca. As presas já não machucavam, não mordiam. Beijavam sua pele. A garota queria esse afeto que nunca teve. Quando finalmente decide retribuir-lhe o toque, nota a pele antes gélida do vampiro queimando. A emoção que lhe é enviada é forte, fervoroso. Não era mentira. Ele estava sentindo. As emoções dele se tornam as dela. Desejos ávidos. Os beijos do rapaz deixam rastros no pescoço, do estigma ao pé da orelha, parando no canto dos lábios cor de rosa. Fay encosta as pontas dos dedos no rosto dele, ansiosa. Quando seus olhos violetas encontram as íris prateadas pintadas de rubro como lua de sangue, ondas de memórias do vampiro a invade. São escuras, sombrias, macabras... e solitárias.

— Krad... — pronuncia pela primeira vez o nome do vampiro.

As sombras da alma de Krad se acendem. Consegue rastrear o calor, seu corpo parece uma fogueira. Estava sentindo. Emoções, sensações, há tempos não as tinham. Ela estava lhe trazendo de volta. Fay o fazia viver outra vez.

Com um rápido movimento vampírico, a empurra para o sofá ao lado da poltrona. As pupilas dela dilatam surpresas. Prende os braços dela da maneira que caíram, ele sobre ela. Quer admirá-la melhor. A silhueta, o busto, os cabelos estendidos igual cascata. Não é somente uma presa, não mais.

— Você é minha. Será minha, para sempre.

Fay já não tenta resistir. Poderia tirá-lo de cima dela com o próprio poder, arremessá-lo para longe, explodir o quarto, mas não faz nada disso. Subitamente, mostra-se calma e séria.

— Se quer estou apaixonada por você, Krad — informa-o, deixando claro que o desejo era apenas físico. Ou era por ele estar seduzindo-a com algum dos poderes de vampiro.

— Esse é o problema? — afina o olhar. Claro, os humanos se movem por emoção. Revira os olhos. — Eu não quero que você se apaixone por mim... — Aproxima a boca próximo ao pé do ouvido da menina. — ...Farei com que me ame.

Ela estremece.

Krad beija a raiz do pescoço antes de capturar os lábios dela. Cada movimento que segue é intenso e possessivo. Logo Fay está arfando. Os dois corpos faíscam em perfeita química.

Talvez não seja tão difícil amá-lo...

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Toc, toc, toc...

A batida é abafada e constante. Parecem gotas de água de uma torneira mal fechada. Agora está mais forte e ritmada, como o martelar de um prego. Intensifica. Alto, o coração dela quando Krad a toma em seus braços. Ouve uma voz, está chamando-a. Mas não é ele. Um ponto de luz. O brilho surge sinuoso até se estagnar num ponto fixo do teto. É a lâmpada do quarto de hotel. Arrasta os braços sobre o tapete. Sente-se exausta apenas com o movimento. Ergue o tronco. Há vazio no estômago e no lugar onde ficava o seu coração. Seu coração estava despedaçado.

Enfim a porta é arrombada. Ryan surge aflito. Corre em direção da amiga. Apoia o corpo de Fay em seu peito. Ela está muito pálida.

— O que houve? — pergunta preocupado. Olha ao redor em busca de uma pista.

— Pensei que você nunca arrombasse portas... — A voz é fraca, quase um sussurro. A ironia, porém, é perceptível.

— Desculpe decepcionar, mas você me deixou um pouco desesperado. — Mostra um sorriso aliviado.

Aparentemente ela estava bem. Envolve-a com seus braços para que nada mais possa machuca-la.


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Notas finais do capítulo

Entenderam o flashback? (rs)
Sobre os poderes, acho que ficou bem claro, mas deixarei explicado mesmo assim:
*Sangue de vampiro acelera a cura, e vicia.
*A mordia de um vampiro pode iludir a presa com prazer. (Mas ele não usou isso contra Fay para seduzi-la. Ela estava mesmo gostando.)
—> Para quem ficou: "O que? Vampiros dormem?" Sim, eles dormem (pelo menos o meu, sim). Não com frequência e é um sono bem leve.
Obrigada por ler, até o próximo (*u*)/



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