American Girl escrita por Ste Costa


Capítulo 3
O Savoy


Notas iniciais do capítulo

Observações:
Kylie Jenner é a mais nova filha de Bruce e Kriss Jenner. Irmã de Kourtney, Khloe e Kim Kardashian e parte do reality show Keeping up with the Kardashians.
Savoy é um hotel luxuoso localizado no centro de Londres. O hotel foi locação do clássico filme romântico Notting Hill na cena da coletiva imprensa em que William se declara para Anna.



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LONDRES e RIO DE JANEIRO. 30 de setembro de 2015

Quarta-feira.

Megan Parker bebeu mais um gole do champagne borbulhante e o colocou sobre uma mesa antes de ser puxada por Kylie Jenner pelo lobby do hotel. As duas riam como se o mundo fosse feito de flores, e talvez naquele momento, até fosse. Se batendo em outros hóspedes em meio a desculpas repetitivas elas correram até os elevadores. As moças cheiravam a channel e cigarro, uma mistura deliciosa de luxúria e dinheiro.

Os cabelos da amiga, tonalizados de azul, estavam tão bagunçados quanto os dela. Megan também tinha se rendido as cores e as pontas antes loiras agora exibiam um lilás claro que servia para várias brincadeiras referentes ao seu nome. Megan Lily. Ao entrarem no elevador contemplaram o ascensorista dando risadinhas, Megan tentava segurar uma cambaleante Kylie e sobre o teor do álcool tudo aquilo parecia divertido. Cômico.

Ao entrarem no quarto pouco falou, a amiga puxou as botas lita e se jogou contra a cama de uma vez com a roupa que ainda cheirava a cidade grande. Megan também estava cansada e se perguntava que horas eram. Quatro? Cinco? Infelizmente, apesar dos olhos pedirem para serem fechados ela decidiu não dormir ainda. Caminhou até a janela, se recostando a parede e observando Londres do alto.

Estava ali já fazia três semanas, e em mais quatro dias partiria com Kylie para a Grécia. Finalmente se via sendo recompensada por todos os esforços do ano anterior. Dias e dias de pura diversão e inexistentes preocupações. Aliás, pelo que se lembrava o maior problema que tivera nas últimas semanas fora uma sombra estilhaçada que caíra quando ela tentava cantar a nova música do One Republic com a amiga enquanto se maquiavam.

Os carros lá embaixo reluziam ofegantes. A manhã em pouco chegaria, mas o tráfego permanecia intenso. Incansável. Essa era a graça das cidades grandes, o tempo nunca parava. A vida avançava. Os dias eram diferentes uns dos outros.

Lembrou-se do Rio de Janeiro, sua morada por quase todo o ano anterior e sentiu uma súbita pontada de saudade. O Rio também era uma cidade grande, mas lá o tempo estava estancado. O relógio afundara em um mar imenso e pesado que lhe negava avançar. Sim, é verdade que desenvolvera certo apreço por causas nobres, mas isso ela não perdera só porque deixara o Brasil. Na verdade, aquelas viagens pelo mundo a levaram a um novo conceito de existência. Em todas as cidades participava de algum projeto social, visitava instituições e fazia doações. Até convencera Kylie no último hospital que foram de ler alguns contos infantis para algumas crianças com leucemia. Porém, tinha consciência que era humana. Uma jovem de vinte e um anos que tinha sede de mundo e experiências. Aproveitava o máximo que podia a juventude que sabia que um dia lhe diria adeus.

Pegou o celular e abriu o notas. Então começou a digitar.

september 30th 2015. Just got at the Savoy with Kylie. We had the most amazing night! PS: remember the hot blonde dj who you hooked up with. You’ll see him probably at the Tomorrowland next year. His name is Jeff. Yeah, you hate this name. But his DJ name is more cooler, F Pritt.

* 30 de setembro de 2015. Acabei de chegar no Savoy com Kylie. Nós tivemos a melhor noite! OS: se lembrar do dj loiro gato que você se pegou. Você provavelmente vai vê-lo no Tomorrowland próximo ano. Seu nome é Jeff. Sim, você odeia esse nome, mas seu nome de Dj é bem mais legal, F Pritt.

Ela terminou e olhou para seu pequeno texto. Megan estava fazendo aquilo todos os dias, uma espécie de ritual que desenvolvera sem nem ao menos se dar conta que se tornara recorrente. Hoje em dia, sempre escrevia lembretes de como fora seu dia. Nada muito detalhado, não era pra ser um diário, ou coisa parecida. Apenas algo que lhe fizesse no controle, segurando as rédeas de sua vida desgarrada.

Há um ano deveria estar resolvendo as pendências acerca de Jonas. Sentiu uma tristeza repentina ao se lembrar do dia a dia dos Marra antes do turbilhão de problemas que surgiram e sugaram toda a normalidade que eles possuíam na época. Nunca imaginara que seu pai fosse um bandido. E era isso o que ele era.

Claramente, Megan não era uma santa. Frequentemente tomava decisões precipitadas, falava e agia sem pensar, mas sabia que nunca conseguiria mentir e enganar como ele fizera, mas ela aprendera, com muita dor que não se devia confiar nos homens. Eles não mereciam sua companhia, esmero. Eles nunca davam valor ao que tinham e na primeira oportunidade cravariam seus dentes na sua pele como animais sedentos de todo o seu brilho e força. Eram parasitas. Se Eva realmente mordera aquela maçã, Megan com toda certeza sabia que fora forçada por Adão. Homens tomam as decisões mais estúpidas, as mulheres, infelizmente, seguem.

A última vez que vira Jonas Marra pessoalmente, sem ser por fotos divulgadas pela mídia, fora em seu julgamento. Até hoje o olhar que ele lhe lançara quando foi levado pelos policiais, algemado, lhe causava uma angústia detestável. Megan sentia aquele olhar assombra-la em momentos inconvenientes. Um olhar que implorava perdão, mas ela não o respondeu. Ele era o culpado por tudo. Ainda podiam ser felizes, se não fosse por ele. Se não tivesse inventado de ir até o Brasil.

Puxou um maço de cigarro da bolsa tiracolo de couro amarrada a uma desacordada Kylie e acendeu-o abrindo a janela do quarto. Um vento forte e frio irrompeu da mesma batendo contra o seu corpo quente. Ela desistiu de fumar e resolveu só aspirar à frieza da madrugada.

Em poucas horas teria que ligar seu notebook para uma ligação por Skype com sua mãe. Pamela Parker adorava receber todos os itinerantes da viagem, fazendo perguntas a todo o momento com uma Dorothy encarapitada em seu ombro. Megan já sentia falta dela, de sua excitação e o tom que falava seu nome. Ela podia aspirar tudo aquilo da tela do computador, mas com certeza não era a mesma coisa. A energia de Pamela Parker nunca seria equiparada a um mero aparelho de vídeo.

Quando deixou o Rio de Janeiro e voltou para a Califórnia Megan não entrou imediatamente em uma vida badalada. Na verdade, sentia-se incomodada com os papparazis lhe seguindo a todo o momento e até estampara uma capa do The Sun enquanto espantava um cara para longe quando passeava com seu cachorro Barack. Ah, esse era outro detalhe novo que Megan resolveu tomar quando voltou aos Estados Unidos. Comprar um cachorro.

A atitude foi nova, mas em poucas palavras ela se sentia sozinha. Pamela ainda precisava ficar no Brasil e seu coração era esmagado por uma solidão tremenda. Lembrava que quando falara com sua mãe na capital carioca repetira várias vezes. “I have no friends here.”. Ironicamente, Megan percebeu que também não tinha nenhum amigo na América. Conhecidos, muitos, mas nenhum amigo. Não que quando ela morasse lá todas as pessoas próximas andavam com ela por interesse, até porque, muito eram tão ricos quanto ela. O problema era que passara muito tempo no Brasil. Deixara de ir para os eventos do momento. Limitou-se a andar pela Gambiarra seguindo Davi tolamente. Seus amigos pararam de lhe procurar, assim como ela também deixou de procura-los. E após tanta distancia uma retomada de contato brusca com alguém tão afetado quanto Megan era um perigo. Alguém que passava por um escândalo mundial.

Sozinha, em uma manhã de quinta-feira ela sentiu uma saudade estranha. Sentiu falta de Linus. Quando viu, voltara para casa com um beagle risonho a quem nomeou de Barack em homenagem ao presidente do país.

Ele foi sua única companhia nas semanas seguintes, até Pamela aparecer a sua porta. Não que ela ficasse muito tempo na Califórnia, toda semana sua mãe precisava voltar para o país do futebol em busca de resolver problemas. Controlar a Parker TV. Se mover na causa de Jonas. E por fim, se manter informada e ajudar a Brazuca no que fosse possível. Megan ainda adorava o projeto, e por mais que o tivesse iniciado junto com seus outros criadores, Ernesto e Davi, não quis continuar parte daquilo. Admirava de longe, conversava com sua mãe sobre o assunto, mas não mais do que isso. Sentia como se apesar da ideia ter sido conjunta, a Brazuca fosse mais deles do que dela. Um dia ela ainda teria algo que também fosse sua cara para o mundo, e até lá, limitava-se a ouvir as novidades.

Pamela Parker, porém, abraçou a Brazuca como uma mãe carinhosa assumindo o papel de Megan no quesito das causas sociais. Lembrava-se muito bem de quando sua mãe chegara um dia de viagem e após o jantar deitou em sua cama e começou a falar de Ernesto. Por quase vinte minutos. Ela contava várias situações, ria, suspirava e tinha os olhos brilhando como uma adolescente apaixonada.

Megan não podia culpa-la, Ernesto podia não ser o homem mais desejado do mundo, mas ele tinha uma intensidade inexplicável. Tanto quanto Pamela, os dois causavam sem muito esforço. Ele era adorável, sua energia contagiante.

Mom, you look so different. – Megan disse com um sorriso travesso girando na cadeira afofada no quarto de sua mãe.

Do you think? – ela perguntou, saindo do seu transe e virando-se para Megan. – I mean, você acha?

Megan odiava a nova regra da casa das Parker. Falar português. Segundo Pamela, era para não perderem a prática, mas claro que aquilo era destinado a ela, já que sua mãe ainda ia sempre para o Brasil.

– Sim, mom, a senhora está ravishing. Radiante! – Megan disse empolgada se corrigindo e sentando ao lado da mãe que estava ainda deitada na cama.

– Talvez seja o novo creme que eu estou usando, deixa eu lhe mostrar...

Megan riu e segurou a mão de sua mãe que já prontamente se levantava.

– No mom, eu estou falando de outro brilho. De... – ela pensou como falaria aquilo sem que sua mãe tivesse a possibilidade de se sentir desconfortável, afinal, Ernesto era bem mais novo do que ela. – Felicidade. A senhora parece tão feliz.

– Oh Megan, eu sei! Eu também estou sentindo isso, sabe? Há algo em mim explodindo. – a garota riu da empolgação de sua mãe. – O quê? Eu soei como uma boba, não é?

– Não, não, mom. – Megan sorriu para ela. – Eu estou muito feliz pela senhora.

– Sim darling, tudo está voltando ao seu devido lugar.

Ernesto is such a lucky boy. Ela pensou olhando para sua mãe apaixonada. Ernesto Avelar era uma versão de Megan em formato de homem em relação a sua mãe. Ele era apaixonado perdidamente por Pamela, a admirava mais do que qualquer mulher, faria qualquer coisa por ela... Mas eram de mundos tão diferentes que achava nunca ser correspondido, apesar de a amar antes de tudo. Antes até de conhecê-la. Em forma de princesa Shelda. Megan sentira o mesmo por Davi. Só de por os olhos nele, mas diferente do rapaz, sua mãe parecia corresponder o amor de Ernesto. Enquanto ela fora descartada.

Fechou a janela, jogou o cigarro no lixo do banheiro e tirou as roupas se deitando com as roupas íntimas ao lado de Kylie. O sono já batera e a preguiça a impediu de procurar suas roupas de dormir. Fechou os olhos e em um segundo estava perdida em meio ao mundo encantado dos sonhos.

No Rio de Janeiro, Davi acordou de seu sonho. Um sonho bom que ele não conseguia mais se lembrar sobre o que era. Tentou, mas a lembrança ficava turva. Apenas a sensação de prazer restara. Olhou para o lado direito da cama. Um lençol embolado restava indicando que Manuela já levantara.

Os primeiros raios de sol entravam pela fresta da janela fazendo flashs luminosos dançarem pela parede no quarto escuro. Ele se espreguiçou, procurando uma energia inexistente que lhe fizesse ir trabalhar naquela quarta-feira. Para Manuela, porém, ele sabia que isso não era um problema.

Não era como se o namoro tivesse esfriado, ele simplesmente, congelara. Eles eram sim ainda companheiros íntimos, mas a troca de ideias desaparecera. A amizade se perdera. Moravam no mesmo apartamento alugado já ia fazer três meses, só que nem isso conseguiu melhorar a relação. Manuela continuava totalmente entregue ao trabalho, assim como ele estava ao seu. A diferença é que ela gostava. Gostava até demais de ficar enfurnada na Marra até altas horas da noite tentando botar a empresa pra frente. Seu corpo tinha um gás incessante. O cansaço nunca chegava, enquanto Davi se cansava. Cansava de chegar em casa e tentar conversar sobre qualquer coisa que não envolvesse números e sistemas, mas o tema sempre se perdia ali. Até que os dois paravam de tentar e voltavam aos seus respectivos afazeres.

Davi então levantou passando as mãos no rosto cansado, esfregando os olhos com força tentando espantar o sono. Abriu a porta do banheiro se vendo no reflexo do espelho. Quase não se reconheceu. Suas bochechas estavam mais inchadas do que o normal. Engordara quatro quilos no último ano e culpava as comidas industrializadas. Miojo. Hambúrgueres. Lasanhas. Tudo pré-fabricado, rápido, simples. Era só colocar no micro-ondas quando chegava do trabalho e em três minutos estava pronto. Ele e Manuela nunca tinham tempo para cozinhar.

Escovou os dentes, lavou o rosto e se enxugou com a toalha próxima do espelho. Talvez devesse entrar imediatamente numa dieta. A ideia lhe causava uma preguiça imediata, mas tentou permanecer impassível e decidido. Amanhã, você vai acordar cedo e correr com Linus lá embaixo. Prometeu ele a si mesmo. Não costumava gastar dinheiro com coisas frívolas, mas por conta da falta de tempo e cansaço não conseguia passear mais com seu cachorro e pagava um rapaz que levava outros cachorros do prédio para fazê-lo.

Aliás, Linus fora um grande problema nessa adaptação de vida a dois. Era um cachorro grande que não era fácil de criar em apartamento. Foram muitas discussões sobre coisas quebradas e almofadas mastigadas nos últimos meses.

Estranhamente Davi se lembrou de Megan. Ela não se importaria com o fato de Linus rasgar algumas almofadas, talvez porque ela dificilmente levasse nada a sério quando implicava de estar perto dele. Sempre era só isso que importava.

O hacker demorou para se recuperar das verdades que Megan lhe disse após aquela tarde há um ano atrás. Ela estava certa. Completamente certa, mas aceitar era difícil. Doloroso. A decepção com si mesmo foi forte só que maquiada por uma Manuela lhe recebendo contente em casa. Depois daquele dia, quase nunca mais se cruzaram, e quando precisaram Megan não se dirigiu a ele. Ela seguira sua vida de glamour, e ele seguiu a sua, de lhe negar essa tentação. A fama trazia muitos problemas.

Soube que ela tinha aparecido bastante em um reality show de uma família americana. Kardaalgumacoisa. Ela voltara finalmente ao seu mundo, onde poderiam lhe amar, e lhe odiar. “I don’t care.” Ele se lembrou de suas palavras.

Voltou a lavar o seu rosto, e com o cotovelo empurrou algo da pia para o chão. Abaixou-se pegando o objeto estranho. Suas sobrancelhas arquearam percebendo do que se tratava. Uma espécie de termômetro, só que com um objetivo bem diferente.

Deixou o banheiro quase correndo encontrando uma Manuela sentada no sofá da sala. Ela parecia tensa e lhe olhou intensamente.

– Bom dia. – ele a cumprimentou.

– Bom dia. – respondeu sem disfarçar a sua ansiedade.

– Manu, aquele teste de gravidez... Você está...

– Eu não sei, ainda tô esperando o resultado. – ela disse sem olhar pra ele.

Ele sentiu as pernas balançarem. Caminhou até ela sentando-se ao seu lado. Não se falaram mais enquanto esperavam, apenas contemplavam a imensidão da incerteza. Se Manuela estivesse grávida tudo mudaria. Teriam que casar? Comprar um apartamento novo? Talvez uma casa para Linus ficar confortável. Seu cérebro trabalhava imaginando todas as possibilidades. Aqueles minutos foram torturantes.

Manuela por fim se levantou e seguiu até o quarto sozinha. Davi esperou alguma reação, mas passaram-se vários segundos e nada ouviu. Com uma sensação de medo pôs-se em pé e caminho até a namorada. No banheiro ela chorava silenciosamente enquanto segurava o teste de gravidez. Não estava grávida.

– Manu... Calma. Vem aqui. – Davi tentou lhe abraçar, mas ela lhe deu um empurrão fechando-se no banheiro. Ele não entendeu. O teste caíra no chão e ele o pegou checando o resultado. Uma cruz no visor sorria para ele. Manuela esperava um filho seu.


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