Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 14
Ele




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De volta a cozinha, vejo que Nitta está sentada em uma cadeira com as mãos no pescoço enquanto os demais conversam. Completamente deslocada, alheia ao assunto ela olha para eles, mas sem vê-los realmente, percebo que a sua mente está em outro lugar, os olhos sem foco.

Zeke, está ao meu lado, um pouco mais calmo, mas ainda posso sentir a tensão emanando do seu corpo. Eles não notaram a nossa presença.

_ Então, mostre-nos que você é útil e quem sabe aceitamos você no grupo. - Eu digo as palavras de forma seca. E todos encerram as conversas paralelas para prestar atenção em nós.

Ela pigarreia, me encara, mas dessa vez vejo que a arrogância desapareceu do seu olhar. Ela está com medo.

_ Meu... Meu irmão foi capturado, não sei o que fizeram com ele. Mas ouvi dizer que ele vai morrer, que foi infectado por um vírus. - Ela diz, num tom baixo, quase tímido. Se eu não a conhecesse acreditaria na sua vulnerabilidade.

_ Isso não é novidade nenhuma para nós. Sabíamos que as pessoas infectadas eram da Margem. - Cara fala num tom de desdém que lhe é bem característico.

Nitta está com os olhos arregalados e sei que acuada dessa forma ela não será de grande ajuda, a não ser que façamos as perguntas corretas. Pense Tobias, Pense, o que precisamos saber.

_ Você conhecia as outras pessoas que foram capturadas? - Pergunto, sem saber ao certo que utilidade isso terá.

_ Sim. - Nitta responde.

_ Elas tinham alguma relação entre si? - Pegunta Caleb.

_ Todos estavam no lugar errado e na hora errada. - Ela responde vagamente.

A irritação começa a tomar conta de mim. Não quero ter que olhar para a cara dela. Estou pronto para pegá-la pelo braço e jogá-la porta fora, mas Cara me impede e diz:

_ Nitta estamos te dando uma chance de parecer útil. Então seja mais específica. - Nitta assente com a cabeça e fala:

_ Vou partir do princípio, quem sabe assim vocês possam avaliar se alguma coisa do que eu digo pode ser útil de alguma forma. - Ela diz e agora parece estar interessada em cooperar. Permanecemos calados, esperando pelo seu relato. Ela encara um por um de forma solene e inicia:

_ É de conhecimento de todos que no durante o último ataque contra o Departamento eu estava debilitada no Hospital do complexo, porém durante o dia, uma enfermeira me ajudava a sentar na cadeira de rodas e com a sua supervisão eu ia até o lado de fora para respirar ar puro e pegar um pouco de Sol. - Ela pára por um momento e pigarreia novamente.

Evelyn serve um copo de água a ela. Enquanto eu me pergunto aonde ela pretende chegar com aquilo. Quem se importa com seus passeios pelo complexo?! Ela bebe toda a água, agradece a Evelyn e continua:

_ Mas no dia em que tudo se desenrolou, o soro foi disparado mas eu não sabia ao certo o que estava acontecendo. Tive uma vaga ideia porque ouvi os alarmes soando, a enfermeira que estava comigo se foi e pouco tempo depois ouvi um estrondo e imaginei que a Tris deveria ter acionado os explosivos destruindo as portas do depósito. Então esperei, o que eu acredito ter sido em torno de uma meia hora, porque literalmente eu contei os minutos. Estava ansiosa para saber se havia realmente funcionado. Então cuidadosamente abri a porta do meu quarto e empurrei a cadeira de rodas para o corredor, que estava completamente vazio, andei mais alguns metros para ter um vislumbre do que acontecia na recepção do hospital. As pessoas que deveriam estar trabalhando naquele momento estavam como baratas tontas com uma expressão vazia, como se não soubessem o que de fato estavam fazendo ali há um minuto atrás. Foi então que me dei conta de que foram se contaminando uma a uma, eu escapei porque fui vacinada. Foi então que algo muito estranho aconteceu, avistei na bifurcação que deveria vir do laboratório particular de David, 4 pessoas de branco, sendo que uma delas estava com algo nos braços e pelo seu movimento apressado obviamente não estavam sob influência do soro da memória. Não havia mais como recuar, se eu movimentasse a cadeira perceberiam que eu também não havia sido atingida pelo soro. Decidi que minha única alternativa era imitar a expressão vazia dos demais e foi o que fiz. Conforme se aproximavam percebi que eram todos homens, um em especial, o que estava carregando algo nos braços, o que depois descobri que era a Tris, estava coberto de sangue e seus olhos estavam atormentados, eles mal notaram a minha presença e a levaram na direção do hospital. Esperei alguns minutos, e me aproximei do corredor, eles haviam desaparecido em uma das salas. Foi então que levei um susto o homem que carregou Tris irrompeu pela porta, eu me afastei rapidamente e torci para que não tivesse me visto, mas pelo som de passos ele vinha em minha direção e murmurava alguma coisa que eu não entendia, até que ele chegou perto o suficiente, ele não havia notado a minha presença, estava distraído ao telefone. Então pude reparar melhor nele. Ele aparentava ter não mais do que 30 anos, era alto, aproximadamente um metro e noventa, porte atlético, a pele impecavelmente branca contrastava com os cabelos tão pretos quanto os meus e os olhos eram verdes como duas esmeraldas. Nunca tinha visto esse homem no Departamento, tão pouco na Margem. Ele estava sério e parecia muito preocupado, tive a impressão de que ele estava ouvindo instruções de alguém importante, provavelmente um superior. Então ele assentiu com a cabeça como se a pessoa do outro lado da linha o estivesse vendo e falou algo como: "_ Eles não terão escolha, ela estará morta para eles!" Não sei se ele obteve resposta, mas em seguida desligou o aparelho e correu na direção de onde veio.

_ Ele estava falando de Tris? - Caleb tira as palavras da minha boca.

_ Não sei ao certo, mas algo ainda mais perturbador aconteceu depois. Eu não tive coragem de sair dali. Primeiro não tinha certeza se dariam a minha falta, afinal eu era a única cadeirante no local, e também eu queria saber o que estava acontecendo. Passou o que me pareceu um longo tempo até que o homem de olhos verdes apareceu novamente carregando a Tris seguido dos outros três homens, estavam indo de volta à bifurcação que levava ao laboratório pessoal de David. Então não os vi novamente. E tempos depois eu vi Matthew correr e desparecer em em direção a sala de controle e em seguida você. - Nitta aponta para Caleb, e esle arregala os olhos.

_ Sim, você mesmo, surgiu com a Tris no colo, ora chorando, ora gritando, você a levou para o Hospital, mas a julgar pelo seu desespero ela deveria estar morta em seus braços. - Caleb está de cabeça baixa nesse momento, mas assente confirmando o que Nitta falou.

Eu não havia percebido até que Zeke pôs a mão no meu ombro e apertou gentilmente, me trazendo de volta a realidade, foi então que senti, as lágrimas traiçoeiras haviam denunciado minha tortura. Rapidamente abaixei a cabeça e sequei meu rosto com as costas das mãos. Felizmente ninguém além de Zeke e Evelyn notaram, porque estão todos de boca aberta olhando para Nitta.

_ Então, em seguida achei melhor voltar para o meu quarto, já que ninguém alí ia com a minha cara. E foi o que eu fiz. No dia seguinte as coisas pareciam um pouco mais normais além do pesar que deixava o ambiente carregado, circulei pelos corredores com a minha cadeira de rodas e estava todo tão preso no seu torpor e sofrimento que pareciam nem notar. Vi pessoas diferentes por lá acompanhadas por Amah, ou George, imaginei que se tratavam de moradores desse seu experimento. Então vocês se foram, Tobias partiu primeiro sozinho depois os demais se foram. Na tarde do segundo dia, depois da morte de Tris, já que não havia mais nenhum de vocês por lá eu achei que deveria dar uma passada lá para vê-la pela última vez e me despedir. Sabe, não me entendam mal, eu não gostava dela, aquele jeito irritante de quem sempre sabe das coisas, mas eu devia a ela minha lucidez. Fizemos um acordo eu lhe dei dicas a respeito dos explosivos e ela providenciou para que eu fosse vacinada. Então quando eu estava saindo do meu quarto para ir até o necrotério, um grupo de pessoas, eram cinco para ser mais exata passaram por mim com uma maca onde obviamente havia uma pessoa coberta por um lençol branco. O mais engraçado era que eles pareciam estar em formação de ataque, ou sei lá o que, porque um estava na dianteira, outros dois nas laterais, um empurrando a maca e o último parecia cobrir a retaguarda. Eu estava parada na porta do quarto quando passaram por mim e desapareceram sem olhar para trás. Não tive muito tempo para observar mas não vi entre eles o homem de olhos verdes que havia carregado Tris há dois dias. Passado o susto, retomei o meu objetivo inicial. Fui ao necrotério e para a minha surpresa estava completamente vazio. Muito estranho, não acham? - Ela pergunta, mas ninguém responde, estão todos intrigados com o relato dela e eu pude reviver o terror daqueles dias.

Estamos todos processando o que acabamos de ouvir de tal forma que acabamos esquecendo do motivo pelo qual nos reunimos. Até que Christina, que surpreendentemente se manteve calada até agora fala:

_ Eu voltei ao departamento no início da noite naquele mesmo dia. Fui ver a Tris, ou o corpo dela e também não a encontrei. Procurei pelos responsáveis pelo necrotério e me disseram que o corpo dela havia sido cremado. - Ela conclui chocada:

_ Pode ser que as cinzas na urna nem fossem realmente dela...

_ Mas o que fariam com o corpo dela? Não há explicação para isso. Cara diz.

Eu não sei de mais nada, apenas sinto uma pequena centelha de esperança no peito e na verdade nem sei porque, afinal eu vi seu corpo sem vida rijo naquela mesa fria. Lembrar dela desse jeito apaga a centelha e destrói qualquer ilusão.

_ Ok, ouvimos a sua história até aqui, e o que isso tem haver com a sua importância para nossa causa? - Zeke fala para Nitta num tom inquisitivo, tirando todos nós das nuvem de suposições que se formou sobre nós.

_ Pois bem, eu quis contar porque achei que talvez tivesse alguma relevância para vocês - Ela diz e apesar do meu sofrimento eu sou grato por isso, pois há mais o que saber e em se tratando de Tris, não vou descansar até que eu ouça da boca do tal homem o que de fato aconteceu naquele dia.

_ Me lembro de ter ouvido falar que você levou um tiro nas costas no dia do seu ataque besta ao departamento. Matthew disse que a bala estava alojada muito próxima a medula e que muito provavelmente você ficaria presa a uma cadeira de rodas. E veja só, você aqui, veio andando, chegou com suas duas pernas. Como pode? - Cara pegunta.

_ Como você pôde ver Matthew estava errado. Fiquei um ano naquele maldito Departamento, fiz duas cirurgias e sessões diárias de fisioterapia e quando consegui andar. Deixei aquele lugar e fui morar na Margem junto com a minha família.

_ Voltando ao assunto, o que especificamente você quis dizer quando disse que o que as pessoas tinham em comum era que estavam no lugar errado na hora errada. - Pergunta Caleb.

_ Embora o Departamento tenha ficado cheio de cientistas que além de reaprender seu ofício, aprenderam a verdade que lhes foi ensinada. O Governo de fato nunca nos deixou em paz. De tempos em tempos haviam expedições de médicos e soldados, não sei de onde vinham. Mas nessas expedições eles invadiam a Margem, quase sempre nos pegando desprevenidos, pois nunca houve um padrão entre uma abordagem e outra. Sempre havia muito tiroteio, mas eles sempre conseguiam levar um dos nossos. Mas quando pegávamos algum deles o que era muito raro, mesmo amarrados e com poucos ferimentos eles pareciam morder uma parte do se uniforme, ingerindo algum tipo de veneno e acabavam mortos antes de obtermos qualquer informação e mesmo depois quando já sabíamos das suas tendências suicidas, os locais onde armazenavam veneno nunca eram os mesmos e uma vez, um deles estava equipado com uma bomba ativada por voz, o soldado falou uma senha numérica e disse boa noite. Nesse momento houve uma explosão, foi horrível, havia cheiro de carne queimada, sangue e membros espalhados por todos os lados. Algumas pessoas morreram e outras que ficaram feridas, perderam membros e depois acabaram morrendo devido a fata de antibióticos para curar as infecções causadas pelos ferimentos.

_ A escolha foi deles em permanecer na Margem. Puderam escolher entre ficar ou ter uma vida digna na cidade. - Christina disse, naquele tom duro e implacável, característica da franqueza.

_ Viver aqui, sob a vigília constante do Governo? Não obrigada, preferimos a Margem, do que sermos animais presos dentro de uma cerca, vigiados pelo seu dono cruel, esperando pelo momento em que seremos abatidos. - Ela responde.

_ Não somos animais presos numa cerca! - Christina grita, a raiva tornado a frase uma ameça.

_ O fato de você nos procurar só prova toda a fragilidade desse ato de rebeldia, afinal não era dentro da nossa cerca que o Governo vinha colhendo animais. - Zeke cospe as palavras na cara dela, e eu percebo que as coisas vão esquentar se as provocações continuarem.

Olho para Nitta, ela está na defensiva, as mãos agora estão no colo, os punhos fechados, os ombros tensos, reparo que seu pescoço está ficando roxo onde Zeke apertou. Por fim me pronuncio num tom alto o suficiente para que os outros se calem.

_ Há quanto tempo seu irmão foi levado?

_ Seis dias.

_ O que significa que ficaram apenas quatro dias nas mãos do governo, o que põe abaixo a tese de Matthew e August que o vírus foi um experimento que deu errado, para testes seria necessário acompanhá-los por muito mais tempo do que isso. - Cara conclui.

_ Você tem ideia de onde podemos encontrar mais informações sobre o Governo? -Pergunto.

_ Sinceramente Tobias, não. Não sei onde procurar. O que posso dizer é que com certeza na Margem não obterão respostas. A não ser que queiram ficar por lá para aguardarem outro ataque.

Esta guerra velada é injusta e cruel, porque nossos inimigos nos tem sobre vigília, enquanto nós não sabemos onde estão ou quem são. Mas afinal existe alguma guerra justa, onde os mais fracos não sejam subjugados pelo poder dos mais fortes?! Somos cegos no ringue esperando que os movimentos do oponente nos entregue a sua localização.


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