Elemento escrita por Grind


Capítulo 2
Capítulo 2 - Flores cheiram à álcool.




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Elemento / Capítulo 2 - Flores cheiram à Álcool

Seis Anos Depois...

Trabalhar para pagar a faculdade é um saco. Principalmente quando você ainda está com fortes dores de cabeça depois de ter sido arrastada pela sua colega da faculdade que durou altas horas e você bebeu todas.

Eu era fraca pra bebida, e ainda não tinha aprendido a lição.

Eu não via a hora de chegar em casa e me jogar na cama, entretanto como o mundo conspirava contra mim o meu turno só acabava as 20:00hrs, e agora ainda era 17:32hrs.

Suspirei abaixando a cabeça no balcão, o forte perfume das flores parecia fazer a minha cabeça latejar cada vez mais, não que eu não gostasse de flores, mas é que eu não estava em condições para fazer nada naquela hora, principalmente lidar com fortes odores ou luzes cegantes.

Afinal, por que uma floricultura fica aberta até às oito da noite? Quem vai comprar flores às oito da noite? Eu chegara a perguntar aquilo a minha gerente, mas ela não se deu ao trabalho de responder.

Bufei outra vez. O perfume das flores parecia fazer minha cabeça piorar, as vezes podia até sentir o mundo girar a minha volta.

Entretanto, o sino da porta se fez presente e um cara entrou. Franzi o cenho, ou ele vinha me ver – improvável nunca vira esse homem na minha vida – ou ele estava ali para roubar a loja – provável, porque a maioria dos lugares estava se preparando pra fechar enquanto eu ficava ali fazendo o meu papel de idiota.

A possibilidade de ele ter entrado para comprar flores não me parecia aceitável, não pude ver muito o seu rosto quando entrou, já que, ele apenas meneou a cabeça em minha direção como um comprimento - enquanto eu levantava meu corpo jogado sobre a bancada - e adentrou a loja se escondendo no meio das samambaias, e meu coração começou a acelerar. Como se algo errado estivesse para acontecer.

Algo não me cheirava bem e não era as flores.

Ele xeretou aqui, xeretou ali, e quando eu estava começando a perder a paciência resolvi intervir.

–O senhor deseja alguma coisa? – Franzi o cenho, a minha voz não soara nem um pouco gentil, muito menos agradável.

Normalmente era nessa hora que ele sacava a arma, se aproximava, mandava eu calar a boca e pedia tudo que havia no caixa, no entanto eu mantive a pose. Não me humilharia na frente de um desconhecido, pelo menos não até ele me mandar calar a boca.

Ele virou o rosto na minha direção, no entanto ainda parecia não me ver. Deu um passo a frente como se estivesse perdido, e quando olhou para mim - e pareceu-me ver - sorriu, que sorriso era aquele?

Fechei o punho com força atrás da bancada, eu já queria bater com a cabeça dele na parede, quando ele maneou a cabeça para o lado, o que ele esperava que e fizesse? Eu não era nenhuma telepata pra saber o que ele realmente queria.

–Gabrielle? - O tom de sua voz era suspeito.

Eu congelei e o fato de eu não ter respondido fez um brilho suspeito aparecer em seus olhos.

–Como sabe meu nome? - Foi a única coisa que consegui dizer entre as dezenas de perguntas que me pulavam a mente.

Ele se aproximou ainda sorrindo e parou quando não havia mais para onde ir, estendeu a mão e seu sorriso pareceu ficar maior, a bancada sendo seu único - e abençoado seja - obstaculo. Aquela súbita aproximação não fez bem pra minha cabeça.

–Elemento D.

Eu devia ter empalidecido, com certeza, toda a cor de meu rosto sumira. Não respondi, não me movi, apenas permaneci o encarando. Minha mente tinha até processado suas palavras, mas se recusara a acreditar.

Aquilo não estava acontecendo. Eu não poderia ser uma pessoa de tão má sorte assim, eu tinha me livrado dele. Dito tudo o que queria e tocado a minha vida, estava terminando minha faculdade de psicologia, se Deus quisesse, o ensino médio seria pagina virada, no entanto, se ele poderia me lançar esse sorriso convencido – como sempre fizera – eu também poderia ser a cínica.

Estendi a mão sorrindo.

– Elemento D – Pronunciei com calma, tentando fazer meu coração desacelerar, o medo de que ele pudesse escutar me atingindo, o toque gelado porém firme de sua mão me provocou arrepios na espinha – Nossa, eu realmente não esperava te ver nunca mais.

Seus olhos brilharam outra vez, como se eu fosse alguém muito previsível.

–Imagino o porquê, mas não deve estar tão surpreendida quanto eu. Afinal você é a poderosa Gabrielle, a garota que vivia lendo escondido ao invés de prestar atenção nas aulas, pensei que viraria escritora e não... – Ele olhou em volta depois para mim, seu olhar de superioridade passando pela flores, e depois me olhando de baixo a cima, deixando claro o cafofo em que eu estava.

Eu estava começando a odiá-lo de novo.

Quem ele pensa que é pra achar que tinha algum direito de julgar o que eu escolhia pra minha vida? Não que eu tivesse muito orgulho de trabalhar em uma floricultura esquecida pelo mundo, mas o salário era bom, a clientela era boa, era algo da qual eu poderia dar conta e não tinha chefes mal humorados pra julgar o quão curta era a minha saia.

–E você não mudou muito também não é Elemento D? Permanece o mesmo arrogante de sempre. - O desprezo entre nós dois quase palpável. Soltei a minha mão da sua, uma eletricidade percorrendo minha pele com o contato. Limpei minha mão na calça de forma discreta. Eu o fuzilava apenas com o olhar. O que ele ainda estava fazendo ali?

Ele se apoiou na bancada com um dos braços ainda sorrindo, os olhos brilhavam em satisfação, como se esperasse por esse momento a anos.

Ai que vontade louca de tirar aquele sorriso dele, vê-lo resmungando de dor, ai que ódio, minha vontade era de quebrar completamente a cara dele, deixa-lo completamente desfigurado, inconsciente!

–Não, eu sou uma pessoa bem melhor do que era antes – Olhou para as mãos entrelaçadas diante de nós e depois para a mim – Em diversos aspectos.

Eu quase senti o duplo sentido em sua frase, tentando ignorar esse fato, cruzei os braços já sem paciência, sua folga e a forma descontraída me perturbava.

–É? – Perguntei sem qualquer animação, meu tom de voz era desprovido de emoções – Não deu para perceber.

Ele riu como se já esperasse por isso e ficamos em silêncio por alguns minutos. Eu, séria de braços cruzados com a cabeça latejando, pensando o que teria que fazer para tira-lo dali e ele sorrindo pra mim com o olhar que nunca vi antes.

– Por que está me olhando assim? – Perguntei por fim quebrando o gelo apesar de não ter interesse nenhum do que ele tinha em mente. Seus olhos sorriram, como se fosse realmente maravilhoso me ver.

– Estou tentando te decifrar, sabe. Se passaram seis ou sete anos, não sei ao certo, mas você está diferente, tem alguma coisa nova.

Fechei os olhos contando até dez mentalmente. O que ele estava fazendo aqui mesmo?

–O que veio fazer aqui?

–Ah! – Ele desfez a pose como se saísse de um transe e voltasse para a realidade – Quanto está à margarida? – Ergueu ma sobrancelha.

Para quem o ser mais machista da terra compraria flores?

–Vendemos no mínimo dez. - Eu podia sentir o cansaço pesar sobre os meus ombros.

–Que seja. - Deu de ombros, o tipico pouco caso quando as coisas não aconteciam da maneira que ele queria.

–Bom, dez saem por vinte, mas a promoção diz que pode levar trinta por trinta.

–Então eu vou levar trinta. – Falou como se fosse óbvio.

–Espere aqui, eu já volto.

Não deixei que respondesse, apenas massageei as têmporas, enquanto dava a volta no balcão e ia aos fundos da loja buscar as flores.

Por que elemento D compraria flores? Era o ser humano mais machista que eu já conhecera, mais cheio de si, mais ‘eu sou o maioral’, o mais 'as coisas tem que acontecer a minha maneira' o que raios ele fazia em uma floricultura e por que ainda não me confrontara por causa da carta como sempre fazia quando era desafiado? Elemento D era cabeça dura demais para mudar seu modo de agir tão radicalmente, mesmo que os anos tivessem passado, ele precisaria de um motivo muitíssimo bom para querer mudar o modo de se comportar.

Quando voltei, ele permanecia na mesma posição, no entanto voltara ao estado de transe de como quando chegara. Como se não visse nada nem ninguém. Embalei-as para presente - mesmo sem perguntar - colocando um laço azul de forma rápida, eu pude sentir seu olhar queimar sobre o meu rosto. E quando terminei, pigarreei ao seu lado ao invés de voltar para trás do balcão - o que teria sido mais seguro - e ele olhou para mim assustado.

–Onde estava? – Estreitei os olhos com uma súbita curiosidade, uma curiosidade que eu deveria ter guardado, não poderia lhe dar a satisfação de que eu queria saber algo sobre ele. Seus olhos sorriram.

–Em lugar nenhum, não sai daqui.

–Não, você estava aqui, mas a sua mente não, no que estava pensando?

Seus lábios acompanharam os olhos, de repente ele ficou muito feliz e eu me assustei. Ele nunca havia sido muito expressivo.

–Talvez um dia eu te explique do inicio, depois que tivermos uma conversa civilizada e talvez, e apenas talvez você me aceite como amigo.

Senti meu rosto queimar, ele, para variar, percebeu. Como eu queria mata-lo.

–Trinta? – Ergueu uma sobrancelha. Seu halito quente bateu em meu rosto e eu fechei os olhos tentando assimilar as informações, recuei um passo e balancei a cabeça em afirmativo, o que foi aquilo?

Ele sacou a carteira do bolso de trás da calça, que por acaso estava lotada. Cartões, papéis, moedas, dinheiro, extratos de bancos. Ele retirou uma de dez e outra de vinte, colocou sobre o balcão e voltou a olhar para mim com um olhar acusador.

–Trinta.

Estendi o braço com as flores, não que eu precisasse, estávamos a pelo menos dois metros de distância um do outro, ou menos, já tinha perdido o senso para algumas coisas. Ele pegou com as duas mãos, prendendo a minha por entre as suas, nossos olhares se cruzaram e seus olhos voltaram a sorrir.

–Foi bom te ver de novo Elemento G.

–Sinto não dizer o mesmo – Resmunguei de volta e seus lábios sorriram abertamente, mostrando uma serie de dentes brancos e alinhados.

–Posso imaginar, mas com o tempo vai perceber que as pessoas podem mudar com o tempo se elas quiserem.

E o que isso me importa? Tive vontade de responder, mas meus olhos vagaram pelo relógio no alto da parede atrás dele e o tempo passara mais rápido do que eu imaginara.

–Se elas quiserem – Repeti, não podendo conter responder a provocação - Conjugou a frase perfeitamente, entretanto todos nós temos direito a algo chamado Livre Arbítrio, e se eu conheço você, sei que precisaria de um estupendo, maravilhoso motivo para querer mudar, sem contar que você precisaria ganhar algo com isso, então não imagino que só por que eu lhe escrevi uma carta dizendo o quando o odeio possa ter feito esse ato de Deus, então não veia com sua ladainha para cima de mim, que eu tive o suficiente pra umas duas vidas inteiras.

Ele soltou minha mão, e todo e qualquer sinal de felicidade sumiu de seu rosto assumindo uma expressão séria.

Engano meu, sombria, e algo se contorceu dentro de mim dizendo que aquilo não era uma coisa boa.

–Não, você não me conhece Gabrielle, não mesmo, não pode acusar as pessoas sem conhecê-las, eu conheço você – Revirei os olhos e ele prosseguiu o tom irritado se expandia a sua volta e o clima caloroso que ele tinha foi jogado no lixo – Você é uma garota mimada, que se acha superior aqueles a quem odeia, você estabelece planos para supera-las em tudo, se diverte ao ver o outros aos seus pés, no entanto – Ele respirou fundo e seu rosto se iluminou outra vez – Você nunca vai me alcançar.

–Saia daqui. - O ódio por ele me assumindo, eu fechei os olhos, minha cabeça ia explodir.

Ele sorriu de orelha a orelha, mas não era a felicidade de antes, era a simples satisfação em me ver irritada. Como ele podia ter essa capacidade surpreendente de ser desprezível a qualquer segundo?

–Novamente – Maneou a cabeça para o lado como um tique, tirou uma margarida do buquê e estendeu a minha frente – Foi um prazer revê-la. - Ele estava dando uma flor pra mim?

Meu olhar caiu sobre a margarida solitária estendida, tentando controlar minhas emoções voltei a olhar para seu rosto. De forma seca, sem emoção alguma.

–Eu – Comecei pausadamente – Mandei você sair.

Ele beijou a flor colocando sobre o dinheiro no balcão, o olhar fixo em meu rosto. Se encaminhou em direção a saída, quando abriu a porta e o sino tocou ele virou a cabeça na minha direção.

–Até breve Elemento G. - A voz soara de forma rouca quando ele diminuiu o volume, como um sussurro para que apenas eu escutasse, como se fossemos alguma especie de confidentes. A ideia me provocou calafrios.

– Até nunca mais. - Cerrei os punhos enquanto ele me lançava um último sorriso e sumia porta a fora.


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