Elemento escrita por Grind
Elemento / Capítulo 11 – Casos de Família - Parte 2
– Aconteceu lá pro começo do primeiro médio.
– E você guarda esse rancor de oito anos? – D batucava as pontas dos dedos com ansiedade.
– Fica quieto e me escuta! – Atirei o primeiro objeto ao meu lado contra ele, no caso, um travesseiro.
O travesseiro caiu no chão antes que o atingisse. Encaramos o objeto parado sobre o assoalho e ele se virou no intuito de esconder o riso, mas não deu muito certo.
– Continue – Sua mão acariciava o queixo, escondendo a boca risonha.
– Isso não é engraçado.
– É claro, nós não estamos nem a cinco metros um do outro e você não consegue acertar um travesseiro em mim.
– Que seja – Cruzei os braços e ele ergueu uma sobrancelha.
– Não fuja do assunto Gabrielle.
– Eu gostava dele – Sussurrei baixo o suficiente para que apenas ele ouvisse.
– Você está me tirando.
– Não.
– Mas - A mente dele pareceu travar - Como assim? O que é que você via nele? O que isso tem a ver com o agora, vocês não se tornaram amigos depois do ensino médio, tem muito tempo que isso aconteceu! Ah não ser que você-
– É que às vezes – Eu olhei para trás me certificando de que Marco não estava presente – Eu tenho a sensação de que ele sabe, e ele é uma das únicas pessoas que eu não consigo prever, como ele vai reagir.
– Marco sabe?
– Sabe e com certeza ele não gosta desse assunto. Depois que o A virou as costas pra nós pra se unir ao seu grupinho, ele tem um ódio mortal dele.
– Imagino. O Marco nunca foi tão simpático com a gente.
– E o que você esperava? Vocês todos eram idiotas – Enquanto falava, ora olhava para a cara dele ora para minhas unhas.
– Não éramos não.
– Ah – Eu ri com desdém – Eram sim.
D coçou a cabeça, seu semblante demonstrava incômodo.
– Que ponto quer chegar?
– Aquele magricela desgraçado... – Rangi os dentes, descontando minha ira numa pasta cheia de papéis, chutei-a para longe, sorte que estava fechada.
– Você nunca teve bom gosto pra homem – Marco enfim apareceu, e eu gelei. Parecia mais tranquilo, algo que contrariava sua usual personalidade barulhenta. Seus olhos voltaram-se para o Elemento, que ao perceber, ficou cabisbaixo.
– Nossa – Passei a mão no cabelo – Obrigada, eu nem me senti ofendida.
– Que bom – Marco se jogou no outro sofá e voltou sua atenção ao Elemento – O que ainda faz aqui?
– Estávamos conversando – Justifiquei, mas Marco me ignorou.
Elemento se acomodou melhor com um brilho suspeito nos olhos e um sorriso de canto, ele estava pra provocar.
– Ainda estamos conversando. - Deu enfase no ainda, deixando claro que Marco fizera nada mais nada menos que interromper.
– Também quero fazer parte da conversa – Marco retribuiu o olhar sarcástico. Apoiou o peso do rosto em uma das mãos, aguardando algum pronunciamento meu. Ambos se odiavam, fuzilavam-se com os olhos numa “conversa” nada agradável e pautada a ironia, e eu no meio do fogo cruzado.
Eu não merecia.
– Não tem ninguém te impedindo.
– Eu sei, por isso nem me dei ao trabalho de perguntar.
– Gente, por favor, isso é ridículo. - Eu ergui as mãos com um meio sorriso.
– Só se for da parte do seu amigo não Gabrielle? Querer participar de conversas das quais nem é convidado.
Marco cerrou os punhos.
– Só se for da sua parte entrar na casa das pessoas sem ser convidado.
Clima pesado. Todos se calaram e era obvio que amaldiçoavam em silêncio.
– Como se estava falando... – Tentei iniciar algum assunto – Vocês dois são um saco.
Marco franziu o cenho na minha direção confusa, com o ego ferido.
– O quê? - Ele achava que de alguma maneira era isso que eu tinha em mente fazer, discutir com Elemento.
– Foi isso mesmo que você ouviu Marco, tem noção de como eu estou enjoada de vocês dois? Você e sua frescura por causa do Elemento – Virei o rosto na direção do mesmo - Você e suas chegadas inconvenientes. Minha cabeça está doendo porque enchi a cara ontem, e agradeceria muito se saíssem do meu pé e procurassem algo decente pra fazer.
Marco revezou olhares entre nós dois e se colocou de pé
– Não vem reclamar pra mim que as coisas deram erradas ouviu Gabrielle?
– Ouvi – Disse entre dentes. Marco deu meia volta, e saiu batendo a porta.
– Eu tenho que ir também? – Elemento ergueu uma sobrancelha.
– Não estou obrigando ninguém a sair – Voltei a me deitar fechando os olhos – O problema do Marco é que a verdade dói – Suspirei.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, até eu sentir os seus dedos entrarem no meu emaranhado de cabelos de forma lenta, quase suspeita. Sua mão tocou o coro da minha cabeça de forma suave, e seus dedos começaram em um vai e vem lento e reconfortante, e senti a dor se esvair um pouco. Suspirei outra vez colocando a mão sobre os olhos e ele parou por um instante.
– Quer que eu pare?
Eu gemi um não fraco e pude senti-lo sorrir.
– Hoje é domingo. - Eu não respondi. – É dia que eu almoço na casa da minha mãe, e eu prometi que te levaria lá de novo depois de ter te expulsado.
– Quer que eu vá?
– Eu preciso que você vá. - Ele não se sentia confortável em dizer aquilo. Eu me perdi em pensamentos, e quando ele voltou a parar eu respondi.
– Claro, eu só preciso de um comprimido bem forte e um banho gelado.
(...)
O Elemento usava uma camiseta avermelhada, quase vinho. Os botões brancos dispostos pelo fino tecido da vestimenta não estavam totalmente fechados; Seu peito era parcialmente exibido, e submetido à insolação, uma tonalidade morena ia substituindo gradativamente o branco de sua pele. Mesmo com o calor infernal, ele se desafiava a usar calças jeans e tênis de corrida – D era vaidoso demais para vestir simples regatas, bermudas e sandálias - Isso me irritava, mas eu não podia parar de prestar atenção no seu modo de se vestir, parecia que ele fazia questão de querer chamar atenção – Mas eu não me dei ao trabalho de me enfeitar muito - Coloquei um shorts, e uma camiseta regata estampada, fiz um rabo de cavalo e coloquei uma rasteirinha, Elemento fez cara feia, mas não disse nada.
A viagem dentro do carro foi em completo silêncio, eu não tomei a iniciativa de puxar conversa e muito menos ele, de certa forma, não tínhamos assunto, e seria estranho se tivéssemos. Quando descemos eu voltei a estreitar os olhos devido à luz do sol e ele caminhou à frente.
– Olha – Ele se virou apontando o dedo indicador pra mim e eu fechei a cara, ele já usava o tipico tom de quem acha que manda – Não entra na vibe da minha mãe tá? Às vezes ela fala demais.
– Tá bom, mas eu não faço ideia do por que estar me dizendo isso.
– Só faz o que eu to te pedindo.
– Soa mais como uma ordem - Resmunguei e ele apenas revirou os olhos
– Juan! Ele veio! – Escutamos gritar e D fechou os olhos suspirando.
Angela surgiu sorridente, e se é que era possível ainda mais quando me viu.
– Ai! Você veio – Ela me recebeu com fortes abraços e beijos em minhas bochechas – Eu sabia que meu ursinho iria te trazer.
D revirou os olhos outra vez, seu rosto, que já estava vermelho em função do calor, corou-se mais ainda, foi lindo.
– Gente, que rasteirinha linda! Onde você comprou? – Perguntou, ainda segurando meus braços.
– Meu tio que me deu – A verdade era que eu realmente não me lembrava de onde ter comprado.
– Vamos entrando, Juan acabou de fazer o almoço. – Entramos. Angela me guiava com entusiasmo.
– É seu pai quem cozinha? – Arqueei o pescoço de maneira que estabelecesse contato visual com o Elemento.
– Diria que somos uma família moderna. - Dispôs um sorriso convencido no rosto.
Segurei uma resposta malcriada enquanto voltava a olhar para frente. Juan sorriu a me ver, o guardanapo em mãos exatamente igual ao Elemento saindo da minha cozinha. Senti um arrepio percorrer meu corpo até a nuca e tentei afastar esses pensamentos da cabeça. Eu o cumprimentei, e me sentei na sala com Angela, D foi atrás do pai.
– Que calor! – Me abanei com uma das mãos, transpirando.
– Com certeza, tem estado muito quente esses dias, mas e você e meu ursinho, vocês se entenderam?
Segurei o riso
– Diria que sim
– Então é sim, que ótimo!
Antes que eu pudesse perceber, já estava conversando sem parar com Angela sobre os mais variados assuntos; compartilhávamos risos, experiência e até mesmo fofocas.
– E agora, o que mais vocês dois vão fazer?
– O que quer dizer? – Estranhei a pergunta repentina.
– Vocês tem planos?
–... Nada da minha parte, até onde eu saiba – Cocei a nuca constrangida.
– Didi adora fazer surpresas, com certeza qualquer hora dessas ele acaba fazendo uma pra você. - O tom de duplo sentido foi como um tapa em mim, senti meu rosto queimar. Ela achava que estávamos juntos, oh não.
– Pouco provável, a gente tem se respeitado, mas não somos tão próximos assim. - Tentei consertar da melhor maneira possível.
Fomos interrompidas, Juan apareceu pigarreando avisando que o almoço estava pronto. Eu e Angela nos levantamos, e aos papos, fomos para a cozinha enquanto conversávamos... Fomos surpreendidos por um grande banquete sobre a mesa. O cheiro do almoço me dava água na boca, contando com o fato de que eu não tinha tomado café.
Meu estomago gritava, e eu me recolhi ao vexame.
– Não precisa ter vergonha, meu amor – Disse Angela aos papos.
– Não estou acostumada com tanta comida. – Sorri sem graça, não era nada mais do que a verdade.
Todos nos sentamos à mesa, Angela em uma ponta e Juan na outra, eu me sentei de um lado e Elemento a minha frente, o clima no ambiente era maravilhoso.
– E aí filho, como está o trabalho? – Perguntou Juan a D.
– Um saco! – Parou de falar para limpar a boca com um guardanapo – Meu capitão está me dando nos nervos.
– Você trabalha? – Perguntei com sarcasmo e um sorriso de canto estampado.
– Se eu te trouxe pra cá de carro, sim.
– Grande coisa, me desculpe se eu gosto de andar e manter minha saúde em dia.
– Enfim – Ele me ignorou completamente e aquilo me fez sorrir largamente, era sempre bom vê-lo irritado.
– Com o que você trabalha Sr. Educação?
Ele voltou os olhos de forma raivosa pra mim
– Eu sou policial militar.
– Mentira - Meu queixo caiu. Ele tinha se tornado mesmo aquilo que ele tanto queria no Fundamental?
–Verdade – Angela respondeu suspirando – Ele não me escuta.
D bufou
– Ah meu Deus vai começar... – Passou a mão no rosto.
– Mas é verdade não é Juan? – Angela começou a falar de forma dramática – Esse menino não me ouve, eu falei que era um emprego perigoso.
Juan fechou os olhos de forma cansada balançando a cabeça em afirmativo.
– Tá bom mãe, nós já entendemos – Elemento suspirou nervoso, Angela se calou.
– Não fale assim com sua mãe – Tomei o lado de Angela, defendendo –a.
Ele voltou sua atenção a mim surpreendido.
– O quê?
– Não se faça de retardado - Eu fiquei séria
– Não me lembro de ter te chamado na conversa Gabrielle - Ele cerrou o maxilar.
– Não precisa, pela sua simples atitude, eu tinha que intervir.
– É claro, e você adora interferir quando não é chamada.
– Não muito diferente de você Amado.
– Abaixa um pouco a bola vai Gabrielle, que você não está com esse poder todo não, não sei se percebeu mas os pais são meus.
– Olha só quem fala, você não é nenhum grande exemplo sobre saber entrar na conversa somente quando é chamado.
– Mas que droga Gabrielle – Bateu as mãos na mesa se levantando nervoso – Você parece insistir em me perturbar.
– Só eu tem certeza? Diga-me o que você fez nas ultimas semanas – Sorri com desdém.
– Cala boca vai – Ele voltou a se sentar sem olhar pra mim.
– Vem calar então - Minha cabeça balançou de um lado para o o outro para chamar sua atenção.
Elemento ficou de pé, os punhos fechados e a cara séria, mas antes que desse a volta na mesa, Juan pigarreou e todos olhamos em sua direção.
– Senta – Disse de forma seria como eu jamais havia visto, parecia outra pessoa. Os olhos de D se arregalaram e quando abriu a boca para responder já com a mão estendida apontando em minha direção Juan voltou a se pronunciar.
– Eu disse, senta.
Elemento bufou nervoso, o rosto vermelho de ódio ao receber ordens. Sentou-se a contragosto e encheu a boca de comida.
– E você trabalha Gabi? – Angela voltou sua atenção a mim como se nada tivesse acontecido, algo quase cotidiano. Sorri largamente.
– Em uma floricultura, pra pagar a faculdade.
– Foi lá que eu tive a infelicidade de vê-la – Resmungou entre dentes e eu olhei em sua direção com uma expressão risonha e tinha quase certeza de que meus olhos brilhavam.
– Você me pareceu bem feliz, a julgar os sorrisos e a flor que deixou pra mim.
Ele pareceu ficar desconcertado, o ar de irritação sumindo completamente.
– Você deu flores pra ela? – Os olhos de Angela brilharam radiantes. Todas as atenções foram para ele e Elemento maneou a cabeça para o lado procurando uma resposta.
– Dei e daí? É crime agora?
– Você não é gentil com ninguém – Angela deu de ombros – Me surpreendeu.
– Vou tentar levar isso como um elogio. - Suspirou voltando sua atenção a comida.
A quietude tomou conta de todos, sentiam incomodados, e o clima impessoal consumia gradativamente as quatro paredes. O almoço seguiu com grande tensão no ar. Ao bebericar um gole de suco de caju, percebi que D respirou fundo, como se estivesse preparando um comentário preso há certo tempo.
– Você tem engordado sabia? – Ergueu uma sobrancelha com um sorriso perverso.
– E mais uma vez isso é culpa sua – Sorri de forma gentil e ele franziu o cenho. Não é como se eu fosse um louca obsessiva por causa do peso
– Minha culpa? – Rebateu indignado.
– É claro, você só me faz passar nervoso, e a invés de sair quebrando tudo como uma demente eu prefiro comer.
Ele riu com desdém.
– Amor, tá mais pra ansiedade em me ver do que estresse.
– Era só o que me faltava – Revirei os olhos – Agora deu pra achar que eu me importo com o seu bem estar?
– Você se importa, só não sabe ainda.
– É claro, repita isso pra si mesmo até se convencer e depois conversamos.
– Bom – Angela limpou a boca com o guardanapo – Já que vocês vão ficar nessa troca de elogios e ferroadas, eu vou lavar a louça e Juan vem me ajudar, daqui a pouco voltamos. – Se afastou com um sorriso travesso no rosto e Juan foi logo atrás e não demorou muito para que sumissem do nosso campo de vista.
Bati ambas as mãos na mesa nervosa e Elemento se assustou.
– Mas que droga! Será que você não dá um dia de paz? Eu só fiz uma brincadeira, não sei se sabe o que é isso!
– Do que está falando? – Perguntou devidamente perdido.
– Quando eu te perguntei se trabalhava, foi em tom sarcástico, eu estava brincando, tentando descontrair o clima de “meu trabalho é uma porcaria”.
– Eu só respondi oras.
– É com toda a educação possível – Revirei os olhos outra vez e ele suspirou.
– Você me dá nos nervos Gabrielle – Fechou os olhos massageando as têmporas.
– E qual a necessidade de falar daquele jeito com a sua mãe? – Prossegui – Ela está preocupada com você, o que esperava?
– Deixa que com minha mãe eu me entendo tá bom?
– Ia mesmo bater em mim?
– Não – Suspirou ainda de olhos fechados – Eu fiquei de pé, mas não consegui sair do lugar, perdão quanto a isso, eu não consigo me controlar às vezes.
– Às vezes? Isso é ridículo, quer dizer que tinha a possibilidade de você vir bater em mim. Sabe como isso soa horrível? Onde foi parar a educação nesse planeta? – Ergui uma sobrancelha e suspirei, passei a mão no rosto cansada – Olha, pra mim já deu – Empurrei a cadeira para trás e ele olhou em minha direção assustado. – Foi tudo muito bom, mas eu quero ir pra minha casa, onde o risco de eu levar um tapa por um marmanjo como você por fazer uma brincadeira é zero.
Eu fiquei de pé, passei a mão pela camisa em um gesto automático para me certificar de que não havia nada. Ele tentou argumentar, mas eu o interrompi dizendo que não iria funcionar e sai sem mais nem menos.
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