Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 36
Em busca de problemas




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Poderia matar Leonel por me deixar em um estado de inércia temporária, mas sei que ele não fez por mal, o que ele fez foi me dar tempo para pensar com calma. Dylan havia me trancado no quarto e colocado barreiras antifeitiço nas portas e janelas para que eu não escapasse, se ele me conhecesse um pouco mais saberia que não preciso usar magia para escapar de certos lugares, por algumas longas horas me permiti ficar sozinha comigo mesma – o que nunca é algo bom – então resolvi sair um pouco daquela casa. Caminhei pelo espaçoso quintal até a estufa, permaneci sentada sobre o telhado de vidro enquanto tomava uma decisão, me encobri de sombras e deslizei rumo ao desconhecido.

POV da autora

Dylan havia decido pedir ajuda de Margarida, imaginava que Morticia não ia ficar muito feliz quando o efeito do chá de Leonel passasse. Talvez a irmã mais velha fosse capaz de mantê-la sobcontrole ao menos capaz de impedi-la de fazer alguma besteira. Quando entrou em casa encontrou Julieta e Valentine o esperando na antessala, a irmã parecia preocupada e a criada mais nervosa que o comum.

— O que aconteceu agora? – perguntou

— Morticia sumiu – informou Valentine

O bruxo olhou receoso para Margarida que tinha uma expressão ligeiramente desconfiada, antes que ele tentasse se desculpar ou pedisse explicações sobre o paradeiro da bruxa, Margarida disse com divertimento na voz:

— Nenhuma porta ou magia é capaz de prender Morticia por mais tempo que sua vontade permite.

— O quarto estava bloqueado para qualquer tipo de magia, como foi que ela saiu?

— Ela usou uma chave extra.

Dylan fechou os olhos passando a mão pelos cabelos, os bagunçando. Aquela garota era mais que impossível.

— O que faço agora? – perguntou-se o ruivo em voz alta.

— Que tal contar a verdade logo para Narciso – sugeriu Margarida – Ou pedir ajuda para Leonel, eles são únicos que entendem o raciocínio de Morticia.

A mulher estava preocupada com o filho, Dylan resumiu do seu modo sobre Verbena estar sendo usada pelas trevas, mas isso não fazia muito sentido, o ruivo podia ter boas intenções para com Morticia, mas não era muito bom em omitir informações sem soar mentiroso. Verbena havia mostrado muito interesse pelo sobrinho nas últimas semanas, mas Margarida imaginava que a irmã estivesse apenas educando o filho sobre as leis mágicas. Agora imaginava as piores coisas á respeito dos propósitos da bruxa, e mesmo tendo medo da magia negra que vira Morticia usando na infância sabia que ela tinha absoluto controle sobre as sombras.

— Julieta, mande chamar Narciso – decidiu Dylan que estava com péssimos pressentimentos sobre o que podia acontecer com Morticia – Quando ele chegar aqui, vocês duas contem para ele o que acharem preciso.

— Aonde vai? – questionou Valentine

— Vou procurá-la antes que a matem.

POV Morticia

Primeiro pensei em Verbena, queria tanto vê-la e me certificar que estava sendo uma estúpida, mas então pensei que precisava de uma arma para enfrentar algum eventual problema ao invadir o Palácio das Cinzas, onde todo o tribunal de magia ficava. Quando a escuridão se dissipou ao meu redor, sorri. As sombras havia me levado para casa, ouvia a voz de Magnólia cantarolando uma valsa, corri para dentro não me importando com o fato de que minha presença pudesse atrair atenção indesejada, pigarreei quando me aproximei dela que costurava uma calça de Narciso, por alguns minutos ela ficou me olhando com ares abestalhados antes de se levantar e me abraçar sorrindo. Queria poder demonstrar por ela o mesmo afeto, mas infelizmente tinha assuntos mais importantes para resolver que um problema com saudades.

— Onde esteve? – ela me perguntou.

— Segura, mais segura que você. Vim apenas pegar uma coisa e partirei.

— Que coisa?

Desejei meu cajado e logo ele surgiu em minha mão. Considerando a oscilação das sombras que estava sem uma rainha, não queria me arriscar a usa-las como única fonte de energia tanto quanto não ousaria usar meu sangue, caso Verbena tivesse enlouquecido era melhor ter uma fonte de poder que não colocasse minha família em perigo.

— Cuide-se minha irmã, se eu tiver sorte logo tudo voltará ao normal. Ou quase.

Me virei para sair, mas meu caminho foi impedido por Magnólia.

— O que foi?

— Não posso te deixar sair, sinto muito Morty, mas Verbena não ficará feliz se souber que te deixei escapar-me.

— Ah! Claro. Passei algumas horas em um estado de semi-inconsciência na qual me perdi em pensamentos de todos os tipos, Meg, e umas das poucas coisas que eu queria neste momento além de minha vida de volta era estar errada, mas suas palavras me afirmam o contrário.

— Do que está falando?

— Lamento, lamento mesmo. E isso vai doer como ferro quente tocando a pele a rasgando a carne.

Antes que ela me perguntasse o que doeria tanto, iniciei o feitiço de cancelamento. Estava varrendo todos os feitiços que ela sofrera. Era um processo doloroso, tão doloroso que era proibido, mas eu já tinha agido contra muitas leis mágicas e usar um feitiço proibido não mudaria muitas coisas á meu respeito, infelizmente aquele feitiço só funcionava com feitiços da mente, devia ser um antifeitiço, mas quando os efeitos colaterais – desmaios, convulsões ou distúrbios de humor – começaram a causar problemas se tornou proibido. Como pedaços de um jogo de adivinhas, as coisas se resolvem aos poucos e quando analisadas de um só ponto de vista tudo parece tão obvio que soa tolice não ter percebido antes. E o que eu percebia agora era que:

1º. A insígnia da Lua-Dourada ainda existia no dedo indicador da mão direita de Magnólia, o que significava que ela não tinha nenhum poder para realizar um feitiço.

2º. Magnólia não tinha nenhum motivo para me pedir ajuda, mas me fez voltar para Ferrara sobpretexto de impedir um casamento.

3º. Edwin tinha Donatella e Adália, de repente cai de amores por Magnólia e abandona a família por quem aparentemente tinha muito amor.

4º. Verbena planejara me trazer para Ferrara, usou Magnólia para me distrair e conseguiu minha permissão para me amaldiçoar enquanto eu estava sobre o efeito passageiro de um feitiço de transmutação.

5º. Andreas é apenas mais uma peça no jogo dela cujo objetivo final eu desconheço.

Quando terminei de limpar a mente de Meg ela estava alheia, o olhar vazio. Preparei um chá para que tomasse quando o efeito do feitiço passasse e a deixei deitada em sua cama, me vesti com roupas de Narciso que não me caíram bem ainda que me desse a aparência de homem, tranquei as portas, sai da propriedade e mais uma vez fui encoberta pelas sombras que desta vez me levaram a Zona Negra de Risveglio. As coisas ali não eram diferentes da zona cinza e as casas eram parecidas com as do mundo humano, havia casas de aspecto rústico com pequenos jardins floridos, as ruas eram calçadas com pedras grossas e bem alinhadas, o céu da tarde era azul e sol ainda brilhava. Para ser franca eu imaginava a Zona Negra um pouco mais sombria, muito mais assustadora.

— Olá, onde estamos? – perguntei á uma senhora que passava acompanhada de outras senhoras.

— No Ducado de Belona – respondeu – Em Risveglio.

— Como chego ao Palácio das Cinzas?

— Daqui? Não chega – disse uma delas estendendo as mãos na minha direção – Venha conosco, te mandaremos para o caminho certo.

Não tinha muitas opções, e o que quatro bruxas velhas poderiam fazer contra mim? Infelizmente mais coisas que eu podia supor. Não sei de onde veio o golpe, um instante estava olhando indecisa para a mão estendida da gentil senhora no outro eu estava despertando em um lugar estranho com muitas velas acesas e meu corpo estava preso á uma mesa da qual não conseguia me soltar.

— Socorro! – gritei – Me tirem daqui.

— Cale-se – mandou uma garota de olhos claros e cabelos platinados - Ninguém vai ouvir esses seus gritos.

— Me solte criança estúpida – mandei zangada, aquela menina não devia ter treze anos ainda – Ou arrancarei esses seus lindos cabelos loiros.

— Não enquanto estiver amarrada. Irmãs, ela despertou.

— Liberte – arrisquei – Solte! O que fez comigo menina?

— Nada, você está em um templo. Não se pode fazer magia em um templo.

A garota saiu, enquanto fiquei sozinha tentei me soltar, mas era impossível. A única coisa que eu era capaz de ver ali eram paredes cavadas onde colocavam velas e um buraco no teto por onde podia ver o dia que se tornava noite. Uma eternidade depois – algumas horas – pessoas começaram a entrar, vestiam capuz douradas e ignoravam minhas tentativas de comunicação, então as quatro anciãs que me sequestraram entraram, elas vestiam uma mistura de vermelho com dourado que á luz de velas tinha um tom de mistério. Uma delas, a que dirigiu palavra á mim na rua, disse:

— Irmãs, hoje, quando caminhávamos por Belona buscando uma oferenda para nosso altar esta pequena desconhecida nos chamou. Esta noite Lúcifer iluminará nossos caminhos e toda a escuridão que impregna Risveglio vai desaparecer quando entregarmos aos deuses o sangue de uma virgem que caminha entre a luz e a escuridão...

Por que coisas assim acontecem comigo? Peço ajuda para uma desconhecida na rua que me sequestra e me leva para um altar de sacrifício para me matar em honra de Lúcifer. Como meus gritos eram ignorados, apenas ouvi o longo e tedioso discurso da anciã que ia me matar. Segundo ela, ao passar por mim os deuses lhe mostraram uma visão do futuro, meu sacrifício salvaria todos do tormento causado por falsos reis e rainhas que trariam o caos para aqueles que usavam as trevas e aqueles que viviam na luz.

— Incrível, te deixo sozinha por um dia e você vira oferta de sangue – ouvi Dylan dizendo.

O procurei entre a bagunça de vozes femininas gritando ofensas e tentando expulsá-lo do templo. Não sei o que ele disse as anciãs, mas de repente ouvia uma delas dando ordem que me libertasse. Abracei Dylan quando o vi, ele estava obviamente se divertindo com minha situação.

— Vamos sair daqui antes que elas mudem de ideia – sugeriu segurando minha mão e me guiando para fora daquele lugar.

— O que disse para elas?

— É melhor você não saber.

— Que lugar é este? – perguntei enquanto saiamos pelo iluminado corredor.

— Um templo em honra á algum deus ou deusa que desconheço, desculpe, mas não sei muito sobre o panteão romano.

— Como foi que me achou? Achar-me por magia é impossível e eu não disse á ninguém para onde estava indo.

— Não sei, estava te procurando em Ferrara quando de repente sabia exatamente para onde ir. Como se alguém sussurrasse onde você estava.

Aquilo soava crível, ainda que pudesse ser mentira. Mas não queria lidar com aquilo no momento, se ele estivesse mentido não faria diferença, não fizera antes.

— Pode me levar para o Palácio das Cinzas?

— Enlouqueceu? Assim que se aproximar daquele lugar você estará morta.

— Dylan, por favor. Quero parar com isso antes que Verbena faça algo que não possamos reverter. Por favor, ela é minha irmã.

— Você é muito teimosa.

Ele parou do lado de fora olhando para o céu escuro antes de me fitar dos pés á cabeça, beijou-me a boca com carinho e me olhou nos olhos.

— Se fosse mais alta pensaria que é um homem – brincou antes de mudar de tom e informar – O palácio fica em uma colina há três dias de viagem daqui para o Sul, único modo de chegar lá é pelo caminho mais longo, nada de atalhos mágicos.

...

E viajamos, um dia e meio de caminhada até uma estância onde alquilaram montarias para nós dois. O resto do caminho foi mais rápido, felizmente havia muitos condados e vilarejos pelo caminho onde podíamos parar para fazermos refeições e descansar. No segundo entardecer paramos em uma estalagem, caia uma garoa fria e não estávamos vestidos para enfrentar uma noite gelada sem um teto sobre nós, ainda que pudéssemos nos aquecer usando magia preferi não correr riscos, afinal estava no domínio das trevas e não queria que as coisas saíssem de meu controle – não que eu tivesse algum.

— A mocinha disse que fará mais frio á medida que nos aproximarmos do palácio, mas não soube me explicar por que – falei me sentando diante da lareira junto com outros hospedes enquanto esperávamos a sopa que cozia no caldeirão.

— Por que a colina fica no ponto mais alto de Risveglio e atrás da colina tem o mar aberto trazendo os ventos frios do sul – me explicou um senhor de aparência adoentada olhando para as chamas da lareira – É Emiliano, garoto?

— Sim senhor – respondi, eu parecia um garoto vestindo as roupas de um adulto, felizmente.

— O que faz nesta região de Risveglio? Pensei que vocês preferissem as regiões do norte, zona cinza e verde.

Dei de ombros.

— Sigo ordens apenas. Vou para onde me mandar ir.

Dylan se juntou á mim, ele se sentou ao meu lado e permanecemos ouvindo as pessoas falando, depois da refeição fomos para o quarto. Então me lembrei de que havia apenas um quaro vago quando chegamos, eu havia me distraído com a sugestão de um banho quente e uma sopa fumegante que só fui recordar do assunto agora que estávamos ali olhando para a cama.

— É melhor que não ronque – falei me deitando na cama e virando para outro lado.

Não seria diferente de quando era pequena e dividia a cama com Magnólia ou quando dormíamos Narciso e eu em cobertas que levávamos para acampar. A diferença era que meus irmãos não me deixavam nervosa, e não me atraiam. Ele se deitou ao meu lado e fechou os olhos, por alguns minutos acreditei que ele estava dormindo, por isso relaxei. Então ele segurou minha mão sobre a coberta me causando arrepios. Virei para ele, agradecendo a falta de claridade que me escondia.

— Não consigo dormir – disse – Você também não.

— Se quiser posso ajudá-lo com isso – comentei tocando o rosto dele – Por terra e sonho nos conecto...

Ele se afastou segurando minhas mãos, uma lamparina se acendeu por ordem dele que me olhou com ar assustado enquanto se sentava.

— É uma manipuladora de sonhos?

— Manipuladora soa tão mal, apenas dou ás pessoas uma ajuda para que durmam sem pesadelos.

— E continua a me surpreender – comentou em um tom estranho.

— Assustar você quer dizer, sei que as pessoas temem caçadores de sonhos – afirmei sentando-me também – Temem que possamos fazer mais que apagar alguns pesadelos ou criar ilusões bonitinhas.

— E não fazem?

— Não fazemos por querer, nunca teve um pesadelo realista ou um sonho estranho demais que te deixou com caraminholas na cabeça? É um dom, como a habilidade de alguns bruxos em falar com animais ou ver o futuro.

— Desculpe, não quis ofendê-la.

Dei de ombros me deitando de volta.

— Não ofendeu, apenas disse o que pensa. Só não gosto quando sentem medo de mim sem motivos para.

— Não tenho medo de você – disse perpassando a mão pelo meu rosto.

— Teria se fosse outra pessoa – falei com desprezo.

Não queria usar aquele tom, mas era verdade. Dylan era malvado sem nenhum pendor para o bem enquanto eu me escondia atrás de boas mascaras para disfarçar a maldade em meu ser, quase isso. Ele me tirou os meus pensamentos com um inesperado e cálido beijo acompanhado de carícias delicadas em meu rosto. Podia tê-lo parado. Podia tê-lo empurrado para sair de cima de mim. Podia. Mas deixei-me levar pelo toque delicado dele em minha pele, de súbito percebi o quanto queria que ele me beijasse e confortasse. Mas então algo mudou á medida que intensificava o beijo ele me tocava com mais volúpia, suas mãos que gentilmente percorria meu rosto agora seguravam minha cintura por baixo da camisa que eu tolamente permiti que ele ultrapassasse. Já tinha o deixado ir longe demais, segurei seu antebraço e virei o rosto minimamente interrompendo o beijo. E estava ali de volta, aquele olhar que me incomodava em seus incandescentes olhos alaranjados. Então entendi o que era, desejo. Não ambição ou desejo por algo que não se podia ter, era outro tipo de desejo um que harmonizava com minha atração por ele.

— Eu...

Não deixei que ele falasse me ergui capturando seus lábios novamente. Dylan retirou minha camisa e desamarrou o corpete que eu usava por baixo para esconder certos traços femininos que a camisa fina não escondia, foi um gesto automático de minha parte cobrir-me diante dos olhos dele. Ele não pareceu se importar se inclinou mais voltando á me beijar e aos poucos trilhando meu pescoço com os lábios até chegar aos meus seios. Não nego a ansiedade que experimentava enquanto sentia a língua dele na minha pele, enquanto suas mãos conheciam a parte inferior do meu corpo, me desnudando e provocando sensações ainda mais intensas e depravadas. Deixei-me ser conduzida por Dylan por caminhos que jurei não percorrer e gritei seu nome quando juntos alcançamos o ápice da satisfação.


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Notas finais do capítulo

Os antigos romanos chamavam a estrela vésper de Lúcifer cujo significado é Aquele que trás a luz (ou alguma coisa do tipo). As bruxas no templo não iam sacrificar Morticia em honra de nenhum ser demoníaco



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