I'm forever yours escrita por ColorwoodGirl


Capítulo 34
Capítulo 33




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Pedro abriu a porta com um sorriso tão grande que seus olhos realmente se fecharam. Ele se abaixou, impulsionando a filha para cima, fazendo-a se enganchar em seu colo. Clarinha sorria tanto quanto o pai, seus olhinhos azuis brilhando como cristais. A única que parecia estar desconfortável era Karina.

“Pronta para passar o final de semana com o papai?” Questionou o guitarrista, ainda com a criança no colo.

“Sim.” Ela quicava no lugar, ansiosa.

“Amorzinho, leva sua mochila para o quarto.” Karina estendeu a mochila cor-de-rosa para a filha, que desceu do colo do pai, o olhando inquisitória.

“Você vai dormir com o papai, grãozinho. Esse apartamento só tem dois quartos, e um é o meu estúdio.” Ele se desculpou, bagunçando os fios castanhos claros.

“A mamãe não me deixa dormir com ela.” Observou Clarinha, e Karina fuzilou o ex-namorado, que tentou remediar.

“É porque na casa da mamãe tem um quartinho só para você, não é?” A garotinha assentiu. “Então, aqui na casa do papai não tem, então você vai precisar dormir comigo até eu arrumar isso. Está bem?”

“Tá bom.” Ela deu de ombros, saindo correndo com a mochila diante do olhar atento dos pais. Pedro suspirou, levantando e encarando Karina.

“Muito bem, esquentadinha, quais as instruções?” Ele tinha um sorriso debochado, que irritou profundamente a loira.

“Mesmo de final de semana não deixo ela dormir muito tarde, se não amanhã ela não quer acordar e dá trabalho na segunda para ir à escola. Então no máximo 23h, na cama. Ela vai chorar e fazer chilique, mas por favor, seja firme.” O rapaz assentiu. “Ela tem intolerância a lactose, não o suficiente para fazer ela ir para o hospital se comer algo com leite, mas dá dor de barriga nela. Então maneira no sorvete e nas porcarias que eu sei que você adora.”

“Tem algum remédio para ela tomar, se isso acontecer?”

“Tem, tá na mochila junto com o remédio para dor de garganta, porque a Clarinha começa a tossir por tudo. Ela acorda todo dia, por volta das 3h, para ir ao banheiro, então deixa alguma luz acesa. Ela tem pânico do escuro e vai começar a chorar se tudo estiver um breu completo.” Finalizou Karina, entregando uma mochila menor para ele. “Ela odeia ovo frito e não suporta miojo, então se vira com o almoço e o jantar.”

“Agora é que você diz.” Ele resmungou, enquanto a criança voltava correndo do quarto. Karina se abaixou, abraçando a filha com carinho.

“Qualquer coisa, é só pedir para o papai ligar para mim, está bem?” A mais nova assentiu, dando vários beijos no rosto da mãe. “Vou morrer de saudade, meu anjinho.”

“Eu também, mamãe. Mas amanhã chega logo e você vem me buscar.” Ana Clara acariciou o rosto da mãe, que beijou sua mão. “Te amo muitão.”

“Não tanto quanto eu.” Karina fez algumas cócegas na filha, que gargalhou. Por fim lhe deu outro beijo na bochecha, se levantando. Encarou Pedro, que tinha um brilho diferente no olhar. “Até amanhã, desafinado.”

“Até amanhã, esquentadinha.” Ele se despediu, enquanto ela se dirigia para a escada. O guitarrista fechou a porta, encontrando o olhar sorridente da filha.

“Eu to com fome, papai.” Ele olhou no relógio, vendo que mal eram 10h. “É hora do lanchinho da manhã.”

“Existe isso?” Ela assentiu. “Esquentadinha, volta aqui.”

~P&K~

Gael estava supervisionando o treino de alguns alunos que costumavam ir de sábado, vendo Duca e Cobra instruírem os respectivos.

“Larga o osso, seu Gael.” Riu ao ouvir a voz da filha mais nova, que parou ao seu lado. “Sábado a academia mal tem movimento, o Duca e o Cobra tão sempre por aqui... Vai dar um passeio com a Dandara.”

“O mestre nunca deixa seu tatame.” Ele garantiu, observando o traje dela. “Veio treinar?”

“Preciso dar uns socos e me distrair.” Ela deu de ombros, sem querer entrar no assunto.

“Essa é o final de semana que minha pequena vai ficar com aquele menestrel do capiroto?” Ela riu do apelido, confirmando. “Você tem certeza que é uma boa ideia?”

“Tentei evitar ao máximo, mas não deu mais... Amanhã é dia dos pais, e os dois queriam muito a companhia um do outro. Ele é o pai dela, vai cuidar bem dela. Não vai?” Perguntou, como se precisasse se assegurar.

“Karina, se eu dei conta de cuidar de você, um bebê recém-nascido, além da sua irmã, quando a mãe de vocês morreu, tenho certeza que o Pedro aguenta uma noite sem fazer nada de muito errado.” Ela sorriu agradecida. “Quer ir jantar em casa hoje?”

“Eu vou lá na Fabi. O João teve sessão de quimio ontem, e ele fica meio caidão por uns dias. Vou lá dar uma atenção pra Julinha, assim ela descansa um pouco.”

“Vou pedir para a Dandara ligar para ela. A Fabi fica querendo ser durona, mas conheço ela desde o tatame: de durona, ela não tem nada.”

“Pai, ela aguentou essa história do câncer do João por meses, em segredo. Tá aguentando esse negócio da quimio e cuidando da Julinha, além da gravidez.” Lembrou Karina. “Ela é bem mais forte do que a gente imaginava.”

“Vocês todas acabam sendo bem mais fortes do que eu imaginava.” Karina sorriu de lado, recebendo um beijo na testa. “Já que você e os meninos estão aqui, vou seguir seu conselho e levar minha mulher passear. Ela também anda bem ruim com essa história do João.”

“Nenhuma mãe merecia passar por isso.” Suspirou a lutadora.

“Ninguém merecia, minha filha.” Garantiu Gael, virando-se para os rapazes. “Duca, Cobra, eu vou sair com a Dandara. A Karina está no comando, ok?”

“Pode deixar, mestre.” Riu Duca, voltando às atenções para os alunos.

“Ah não, receber ordens da loirinha.” Brincou Cobra, enquanto Karina começava a se aproximar.

“Vai com graça, Ricardinho. Depois toma uns tapas e não sabe porquê.” Karina pegou suas luvas. “Na verdade, é uma boa... Topam uma luta no ringue?”

“Essa daí curte se machucar.” Comentou Cobra.

“Só fisicamente, camarada. Ajuda ela a esquecer que tem emocional.” Suspirou Duca, enquanto os alunos da academia se posicionavam ao redor do ringue. “Vai eu ou você?”

“A cunhada é sua.”

“E o sogro também.” Cobra riu, indo para o ringue. “Cadê a caixa de primeiros socorros? Ele vai precisar...”

~P&K~

À noite, Clarinha estava sentada na cama do pai, brincando distraidamente com suas bonecas. Havia acabado de tomar banho e, a muito custo, Pedro havia conseguido vesti-la e a arrumado. Seus cabelos estavam úmidos, mesmo após o pai ter passado longos minutos os secando com a toalha o melhor que pôde.

Agora, quem saia do banheiro era ele, enrolado apenas na toalha. Ele entrou no quarto, sorrindo para a criança que mal prestava atenção a ele. Por esse motivo, simplesmente tirou a toalha e apanhou a cueca, começando a vestir a roupa.

“Papai, o que é isso no meio das suas pernas?” Ele travou ao ouvi-la, puxando a cueca para cima depressa. “Por que tem um negócio comprido aí? Não é que nem a minha?”

“Porque o papai é menino, grãozinho. E aí é diferente.” Ele explicou, vestindo a calça.

“Diferente por quê?”

“Ué, porque sim.”

“Mas ‘porque sim’ não é resposta, papai.” Clarinha bufou. “Tem que ter um motivo para ser assim.”

“É assim, grãozinho... Os meninos têm pipi, e a menina tem perereca.” Ela riu do nome. “Como a sua mãe chama?”

“Perereca também. Vocês dois que deram esses nomes?” Ele parecia mortificado, xingando Karina por nunca ter explicado essa diferença para a filha. Se bem que ela provavelmente nunca havia visto nenhum garoto nu, então explicar seria burrice.

“É, cada um dá o nome que acha mais legal.”

“E por que você conhece o nome que a mamãe deu pra dela?” Perguntou a pequena curiosa.

‘Porque eu tive que conhecer muito bem aquele lugar para que você nascesse.’ Ele pensou, mortificado.

“A mamãe que me contou, para eu saber como chamar a sua.” Ele sorriu amarelo, enquanto a filha assentia.

“E o seu pipi é para fazer xixi, que nem a minha perereca?”

‘Outras coisas mais... Pedro, olha essa boca, cara, tá falando com uma criança.’

“Isso, grãozinho. Pipi e perereca é só para fazer xixi.” Ele sorriu, acariciando os cabelos dela.

“Nossa papai, você é bobinho. Você acha que os bebês vêm de onde?” Ele arregalou os olhos, surpreso.

“Que história é essa, hein Ana Clara?”

“Minha amiguinha da escola levou um livro da irmã mais velha dela.” Clarinha deu de ombros. “A irmã dela leu para ela e mostrou no desenho. Para um bebê nascer, o papai pega o pipi e...”

“Ok, eu conheço o processo.” Ele estava lívido, abismado com a precocidade da filha de nem sete anos. “Então por que você perguntou?”

“O desenho era bem diferente, então queria saber se era isso mesmo.”

“Você é manipuladora, sabia Ana Clara?” Ela deu um sorriso igual o dele, fechando os olhinhos. “Eu vou conversar com a sua mãe sobre isso, está me ouvindo? Você é muito nova para saber dessas coisas.”

“Desculpa, papai, só fiquei curiosa.” Ela baixou os olhinhos, envergonhada.

“Não precisa ficar assim, grãozinho. É só que tem coisas que uma criança da sua idade não deve saber, para não ficar pensando coisas erradas da vida.” Ele explicou, acariciando os cabelos dela. “Promete para o papai que, se outra amiga sua aparecer com essas coisas, você vai avisar eu ou a mamãe. Ela mostrou o livro para a professora?” A menina negou. “Então, é porque ela sabia que estava errada.”

“Tudo bem, papai, prometo não fazer mais isso.” Ela ficou sobre os joelhos, o abraçando pelo pescoço. “O que é isso nas suas costas, papai?”

“Onde?” Ela passou os dedinhos sobre a tatuagem, fazendo Pedro tornar a ficar sem graça. “Ah, isso é uma tatuagem.”

“O que é uma tatuagem?” Ela perguntou, curiosa.

“É um desenho que a pessoa faz na pele, grava na pele, entende? Não pode sair no banho, que nem um desenho de canetinha.” Ele explicou.

“Esse desenho é da capa do CD de vocês, não é?” Pedro concordou. “O que significa?”

“Hã, é uma homenagem que eu fiz para você e a sua mãe.” Ele contou, tocando as costas. “A guitarra sou eu, a luva é a mamãe, e essa auréola de anjinho em cima, é você.”

“E você fez quando?”

“Depois que a mamãe ficou grávida e eu fiz aquelas coisas erradas. Eu sentia muita saudade de vocês e fiz esse desenho.”

Uma coisa que Karina e João haviam dito, e ele já tirara a prova, é que Clara sempre sabia quando mentiam para ela, e não gostava nenhum pouco. O melhor a fazer nesse caso era contar a verdade, mesmo que fosse complicada.

“E o que está escrito aqui?” Ela apontou a palavra abaixo.

Faithfully. Quer dizer fielmente. É o nome de uma música de uma banda bem antiga, que o papai cantou para a mamãe uma vez.”

“Canta para mim, papai?” Ele concordou, puxando o violão. Clarinha se deitou na cama, arrumando as bonecas ao seu lado e esperando o show particular.

Pedro começou a dedilhar o violão, tentando cantar o mais afinado possível. Se perdeu em meio aos acordes e nem percebeu quando seu grãozinho de arroz adormeceu.

Só o que fazia era se lembrar da noite em que cantara essa música e do quão arrependido estava se sentindo. Agora, cantando ela, se sentia grato. Sua filhinha estava bem, apesar de tudo, e Karina o havia perdoado, de certa forma.

Agora, só precisava lutar para ter a família do jeito que tanto sonhavam.

~P&K~

Karina saiu da casa de João e Fabi por volta das 23h. Ficara brincando com a sobrinha quase o tempo todo, dando toda a atenção que a pequena, querendo ou não, estava deixando de receber.

João costumava ficar três dias de cama após a quimioterapia, e Fabi trabalhava o dia inteiro, dando a assistência que o marido precisava a noite. A pequena Julia, com seus dois aninhos, era quem ficava perdida nessa bagunça toda. De manhã com Dandara, que cuidava dela e de João; à tarde na creche; e a noite disputando a atenção da mãe com o pai.

Então Karina havia rolado pelo chão com a sobrinha, brincado de boneca, lhe ensinado alguns socos, coisa que a menina adorava após passar tardes na companhia de Clarinha na academia de Gael, as duas observando os treinos. Quando pôr fim a pequena caiu apagada em seus braços, Karina se despediu do pai e da madrasta, já que João e Fabi já dormiam.

A lutadora nem queria imaginar como seria quando João Pedro nascesse, dali três meses. Era errado pensar isso, mas que hora ingrata para ela ter engravidado novamente.

Chegou em casa estranhando o silêncio. Ana Clara nunca ficava quieta, sempre correndo de um lado para o outro, ou chamando pela mãe. Era estranho uma noite sem sua filha junto de si, um pouco aflitivo até.

Sabia que a aflição se devia ao fato de ela estar com Pedro, e o medo que tinha do que isso poderia ocasionar. Passar uma tarde com a filha era uma coisa, mas dois dias praticamente inteiros, incluindo a noite?

“Ele é o pai dela, Karina. Vai saber cuidar dela, se acalme.” Resmungou para si mesma, seguindo para a cozinha. Caçou um pote de sorvete na geladeira, apenas pegando uma colher e indo para a sala. Pegou um elástico e prendeu os cabelos em um coque mal feito, se sentando no sofá e começando a devorar o sorvete, enquanto assistia uma reprise de The Big Bang Theory.

Antes que percebesse, já estava adormecida.

~P&K~

“Papai. Papai? Pai acorda.” Clara balançava o braço de Pedro, que resmungava.

“Que foi, filhota?” Ele coçou os olhos, focalizando o rostinho da menina. Não conseguia ver pelo escuro, mas podia ouvir seus soluços de choro. “Grãozinho, que foi?”

“Tá escuro.” Ela choramingou, e Pedro acendeu o abajur. Havia esquecido que Karina avisará do medo da filha, e se repreendeu. “Minha barriguinha tá doendo, papai.”

“Você quer ir no banheiro, grãozinho?” Ela negou com a cabeça, apertando mais a barriguinha. “Clarinha, hora que você foi na cozinha buscar água, você comeu alguma coisa?”

“Alguns bombons.” Ela admitiu, chorosa. “Tá doendo, papai.”

“Ai baixinha, sua mãe vai me matar.” O guitarrista levantou, indo até a mochila dela e pegando o remédio. “Vem cá, papai vai dar o remédio e já passa.”

Ele deu o remédio na dosagem que Karina indicou na caixinha e deitou na cama, ao lado dela. A garotinha se aninhou em seu colo, se encolhendo contra seu peito. O guitarrista começou a cantarolar algumas músicas da banda, porque sabia que Clarinha era a única pessoa que gostava de sua voz.

Porém, o mal-estar não passava e logo ela estava ardendo em febre, fazendo Pedro se assustar. Ele tentou a todo custo acalmá-la, mas ela chorava pedindo Karina.

Se sentindo um lixo, discou o número da ex-namorada, enquanto mantinha a filha aninhada nos braços. Demorou alguns toques, mas Karina atendeu.

Pedro? Aconteceu alguma coisa?”

“Desculpa te acordar, esquentadinha, mas a Clarinha tá reclamando da barriga e tá com febre. Eu já dei o remédio da lactose, porque ela pegou uns bombons escondida na cozinha, mas nem isso ajudou.” A voz dele era de pânico, parecendo ele mesmo prestes a chorar.

“Calma, não precisa entrar em pânico. Você tem termômetro?” Ele negou, envergonhado. “Eu devia ter colocado na mochila. Me dá 10 minutos e eu to aí, tá bom?”

“Tá, obrigado.” Ele desligou, meio trêmulo. “A mamãe tá vindo para cá, tá grãozinho de arroz? Se acalma.”

“Desculpa, papai.”

“Não precisa pedir desculpas, filhota. Acontece.” Ele acariciava os cabelos da mesma cor que os seus, tentando acalmá-la.

“Mas agora a mamãe vai me levar embora, e eu não vou ficar com você.” Ela choramingou, partindo seu coração.

“O importante é você ficar bem, grãozinho. Nós vamos ter muitos finais de semana juntos, papai promete para você.” Ele beijou a cabecinha dela, que ainda apertava a barriga. “Quer que o papai toque alguma música?”

“Compõe uma música para mim, papai.” Pediu ela, esfregando os olhinhos. “Eu sei que você compôs um monte de música pra mamãe, a tia Tomtom me contou. Mas eu quero uma para mim.”

Ele ficou sem saber o que dizer. Como explicar para a filha que suas duas músicas favoritas eram para ela, de quando ele achou que Karina a havia perdido naquele acidente de carro? Pedro apenas a abraçou mais apertado, até que ouviu a campainha.

“Fica aqui enquanto eu abro para a mamãe.” Ele deitou Clarinha na cama, se levantando e atravessando o apartamento.

Assim que abriu a porta, topou com uma Karina risonha. Estranhou, achando que ela estaria à beira de um ataque de nervos, pronta para lhe dar uma voadora.

“Do que você tá rindo, sua maluca?”

“Você, desesperado.” Ela entrou calmamente, os dois começando a se dirigir para o quarto. “Sua filha é tão ansiosa quanto você, Pedro, e normalmente passa mal por isso.”

“Engraçadinha.” Eles entraram no quarto e logo Clarinha estava de pé na cama, se aproximando da mãe com manha.

“Mamãe, tá doendo.”

“Vem aqui, minha princesa.” Karina pegou a filha no colo, as duas perninhas enlaçando sua cintura. Ela começou a massagear as costas da criança, que fungava baixinha. “Pedro, pega o antitérmico nessa bolsa que eu trouxe, vai ajudar a baixar a febre.”

“Não quero mais remédio.” Choramingou a pequena, enquanto Pedro trazia o remédio.

“Se quer melhorar, tem que tomar o remédio, amorzinho.” O tom de Karina era doce, enquanto balançava a filha suavemente. A lutadora instruiu o guitarrista sobre a quantidade do remédio, que ele deu para a filha. “Agora temos que esperar.”

Ela sentou na cama, se ajeitando com a filha no colo e seguindo com a massagem nas suas costas. Pedro ficou sem saber o que fazer, até que sentou na cama e apanhou os dois pezinhos, começando a massageá-los.

“É gostoso.” Sorriu Clarinha, encarando o pai.

“O papai sabe fazer massagem, pode pedir para ele sempre.” Avisou Karina, encarando a filha. Pedro sorriu de lado, observando a esquentadinha.

“Eu gosto disso.”

“Do que, grãozinho?” Questionou o guitarrista.

“Da gente, junto.” Ela indicou os pais com a cabeça. “Eu gosto de ficar com vocês dois, sem vocês brigarem.”

“A gente não briga, mocinha, pode parar.” Karina ficou sem graça diante das palavras da filha, assim como o ex.

“Mamãe, você dorme aqui comigo e com o papai?” A pergunta pegou os dois se surpresa, deixando-os ainda mais sem graça.

“Não sei se é uma boa ideia, princesa.” Explicou a mãe. “Essa é a casa do papai.”

“Mas o papai te deixa ficar, não é, pai?” Ela virou os olhos azuis para Pedro, que engoliu em seco. Sua ruína estava naqueles benditos olhos, tanto os originais quanto a cópia.

“Claro, filhota. Se a mamãe quiser, ela pode ficar.” Ele concordou, abrindo um sorriso na filha. Ela virou para a mãe, os olhinhos quase fechados pelo sorriso. Karina suspirou, concordando.

“Vamos ver se essa febre tá diminuindo.” A loira tentou acabar com o clima tenso, pegando o termômetro na bolsa que trouxera. Clara ergueu o bracinho, onde a mãe colocou a aparelho. Ficaram em silêncio alguns instantes, até apitar. “38ºC, quase normal. Viu como foi bom tomar o remédio?”

“É que ele tem gosto ruim, mamãe. Eu não gosto.” Os pais riram da careta dela, Pedro ainda brincando com seus pés.

“Mas se faz bem, tem que tomar, viu grãozinho?” Ela assentiu, coçando os olhinhos. “Que tal assim: eu vou tocar uma música especial para você dormir.”

“Só tocar né, porque se cantar...” Karina alfinetou, recebendo um risinho forçado.

“O papai canta bonito, mamãe. Deixa ele.” Pediu a pequena, piscando para o pai. “Papai, você promete que um dia vai escrever uma música para mim, que nem escreveu um monte para a mamãe?”

“E se eu fizer uma agora?” Ele perguntou, vendo os olhinhos brilharem.

“Faz, faz, faz.” Ela se ajeitou nos braços da mãe, que tentava disfarçar o turbilhão no peito ao presenciar mais uma composição de Pedro, após tanto tempo. Correu os olhos para o relógio da cabeceira. 3h da manhã, ele não falhava.

O guitarrista pegou o violão, o colocando no colo e ajeitando as cordas. Suspirou, começando a dedilhar com delicadeza, algo que parecia uma canção de ninar.

É tão tarde

A manhã já vem,

Todos dormem

A noite também,

Só eu velo

Por você, meu bem

Dorme anjo

O boi pega Neném;

Lá no céu

Deixam de cantar,

Os anjinhos

Foram se deitar,

Mamãezinha

Precisa descansar

Dorme, anjo

Papai vai lhe ninar:

Boi, boi, boi,

Boi da cara preta

Pega essa menina

Que tem medo de careta

Boi, boi, boi,

Boi da cara preta

Pega essa menina

Que tem medo de careta

Pedro cantarolou a melodia com a voz suave, dedilhando as cordas do violão com delicadeza. Ana Clara foi se aninhando mais a mãe, brincando com os dedos da mão dela, sinal claro de que estava com sono. Karina começou a balançá-la inconscientemente, ajudando no processo de adormecer.

“Que linda, papai.” Suspirou a menina, os olhinhos brilhando.

“Linda mesmo.” Concordou Karina, admirada.

“Só espero lembrar depois. Vou chamar de Boa noite grãozinho de arroz.” Clarinha riu, coçando os olhinhos. “Dorme, filhota. Você tá com sono.”

“Deita aqui comigo, papai? Você de um lado, a mamãe de outro.”

O ex-casal se encarou, desconfortáveis. Karina suspirou, assentindo com a cabeça, então Pedro concordou também. A loira caiu para o lado direito, acomodando Clarinha em seus braços. O guitarrista ocupou o lado esquerdo, e logo a filha o puxava para perto, fazendo que o rosto dos pais ficasse quase grudado. Os dois pares de braço envolviam o corpinho pequeno, agora já quase livre da febre.

“Boa noite, mamãe. Boa noite, papai.”

“Boa noite, meu amor.”

“Boa noite, filhota.”

Não demorou para que ela pegasse no sono, velada pelas duas pessoas que mais a amavam no mundo inteiro. Pedro acariciou seu rostinho, tirando alguns cabelos grudados.

“Eu vou lá para a sala.” Ele sussurrou, atraindo a atenção de Karina.

“Por quê?”

“Pra vocês duas ficarem mais confortáveis.” Ele explicou, sem graça.

“Moleque, a casa é sua. E ela pediu para nós dois dormirmos com ela. Se ela acordar amanhã, e você não estiver aqui, é capaz de pedir para dormirmos juntos de novo.” Ele assentiu, rindo do gênio difícil da filha.

“Ela é toda esquentadinha, que nem você.”

“E toda desastrada, que nem você.” Ela rebateu, os dois sustentando o olhar por alguns segundos.

“Ela foi a melhor coisa que nós já fizemos.” O rapaz suspirou, recebendo um aceno afirmativo. “Desculpa por atrapalhar sua noite.”

“Não precisa ficar se culpando, Pedro, é normal criança ficar doente. Ela sempre passa mal quando fica muito ansiosa, se não antes, depois.” Ela sorriu tranquilizadora. “Você só está desacostumado.”

“Você vai deixar eu me acostumar?” Ele perguntou, enquanto ela desviava os olhos.

“A gente vai ter que dar um jeito nisso, achar a melhor solução. Você é o pai dela, e tem que participar da vida dela.” O rapaz assentiu. “Mas depois conversamos, está bem?”

“Claro.”

“A propósito, bela música.”

“Obrigada, mas não é minha. É do Dorival Caymmi, mas ela vai demorar um bom tempo para descobrir.” Os dois riram baixinho. “Boa noite, esquentadinha.”

“Boa noite, moleque.”


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Notas finais do capítulo

***http://letras.mus.br/dorival-caymmi/485706/

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