Delilah Winterbell, o Fogo da Morte escrita por Marjyh


Capítulo 2
Minha Nova Familia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/542505/chapter/2

A terra tremia suavemente, num balançar ritmado. Quase reconfortante. O frio tinha desaparecido, sendo substituído por um aconchegante calor e uma... Cama? Lentamente, Delilah começava a despertar, escutando um som semelhante ao de metal em constante contato com outra peça de metal. Algo dentro dela puxava-a para voltar a dormir, mas já sentia ter descansado demais. Iria acabar perdendo a hora e seu pai iria brigar com ela por ter dormido demais.

Ela pressionou os lábios e enfim abriu os olhos, vendo um cenário completamente diferente do seu quarto. Estava sentada, na realidade inclinada, em uma espécie de sofá super chique, de madeira com o estofado vermelho. Ao olhar ao seu redor, lentamente reconheceu que parecia estar numa espécie de... Trem, certo? Tinha estado apenas uma vez em um, quando foi com sua irmã fazer compras na capital.

Sua irmã...

Imediatamente sua cabeça pulsou de dor ao se lembrar do por do sol sangrento na sua frente e os olhos dourados cheios de maldade. Ela olhou ao redor, com uma das mãos na cabeça, se levantando e começando a andar pelo corredor que separava os lugares dos passageiros. Sentia seu corpo mole e sua mente turva, assim como sua visão. Estava começando a lutar para manter a consciência.

Quase todos os lugares estavam cheios de pessoas, homens, pessoas com chifres, criaturas lobo... Que raios de lugar era aquele?

Enquanto pisava torto, olhando para baixo, sentiu um baque contra seu corpo. Recuou para o lado, quase caindo e se segurando em um dos lugares para não cair. Ela levantou o olhar para frente, tendo uma visão de uma espécie de uniforme vermelho com roxo. Um homem? Continuou levantando seu olhar, até se deparar com os frios olhos vermelhos.

– De-Desc--...

– O que você está fazendo acordada? – Ele respondeu de uma maneira seca, pousando a mão direita sobre a cintura, parecendo segurar algo. – Está pensando em fugir?

– Fu... gir?

Ele parou por um instante, parecendo analisá-la por um instante e relaxou um pouco a postura, bufando irritado.

– Bem, parece que você é valorosa o suficiente para manter sua forma verdadeira. Isso é raro por aqui. – Ele deu um passo rápido na direção de Delilah, erguendo-a pela gola da roupa e aproximando-a do seu rosto, encarando-a diretamente nos olhos e até erguendo-a do chão. – Mas não tente fugir daqui, mocinha. Eu irei te caçar se tentar fugir.

– Fugir... Do que? – A respiração já estava difícil, agora pareceu ficar ainda mais difícil por estar sendo segurada daquele jeito, e também era desconfortável não sentir o chão em seus pés.

Ele estreitou os olhos.

– Você faz idéia de onde está?

Delilah acenou negativamente com a cabeça. Ele simplesmente suspirou e deixou-a tocar o chão mais uma vez, mas ainda a segurava pela gola da roupa.

– Expresso para Hades.

– Mas... Hades é a terra dos mortos. – Ela disse, atordoada, com a visão mais clara.

– Exato. – Ele respondeu. – Você está morta.

Foi um choque, literalmente essa é a melhor palavra para descrever. Sua visão ficou completamente clara, seus sentidos voltaram ao normal e até seu... Corpo pareceu lhe obedecer novamente. Arregalou os olhos, se lembrando da furiosa e repentina batalha, das chamas consumindo sua casa, o corpo da sua irmã e... Veigas...

Sentiu algo molhado escorrendo pelo seu rosto e tocou suas bochechas, sentindo como suas lágrimas pareciam tão quentes em comparação com sua pele acinzentada.

– Eu morri... – Apertou os punhos, olhando para o homem na sua frente, agora com uma visão clara.

Ele parecia bem novo, apesar do seu rosto frio e os cabelos castanhos claros lhe caírem sobre a pele rosada de uma maneira engraçada. Ele soltou uma espécie de chiado, olhando pro lado.

– Tem algo no meu rosto por acaso?

– Você... – Ela soergueu as sobrancelhas, levando as mãos até os pulsos dele, seu olhar decidido voltando. – Por favor, me ajude! Minha família...

– Não me importa sua família. – Ele respondeu de forma seca, olhando-a nos olhos. – Não sei o que aconteceu, mas esse lugar está particularmente cheio. Provavelmente eles morreram também.

Ela ficou em um breve choque, sendo acordada quando o rapaz a empurrou para a trás com certa força, a forçando a soltar seus pulsos. Ela se segurou nos bancos, se sentindo irritada com o jeito que estava sendo tratada. Ele simplesmente a olhou de canto.

– Eles estão aqui então? – Ela indagou, já com a postura recomposta.

– Se morreram, provavelmente. Se não estiverem, eu vou atrás deles, não se preocupe. – Um sorriso mórbido surgiu dos lábios dele, deixando-a incomodada. – Agora, se me dá licença.

Ele acenou de leve com a cabeça, sugerindo para ela sair do caminho. Delilah bufou, mesmo irritada, sentia no seu âmago que não era uma boa idéia arrumar briga agora – ainda mais com ele pelo o que pôde perceber. Ela deu passagem para o rapaz.

Depois que ele passou para o próximo vagão, uma mulher, agora devidamente uniformizada, mas com uma venda sobre os olhos, se aproximou de Delilah, suspirando.

– Perdoe-o, senhorita. – Ela pediu, se abaixando e acariciando a cabeça da Delilah, com um sorriso pequeno. – Ele não costuma perturbar nossos tripulantes, mas ele sempre fica meio irritado quando volta de uma caçada.

– Uhm... – Delilah conseguia sentir suas bochechas ficando quentes, era possível aquilo? – Quem... Era ele?

– Lupus Wild. – A atendente se levantou, Delilah tentou procurar alguma etiqueta que identificasse o nome da mulher, mas não achou nada, pôde notar que o tom de peles das duas eram iguais. – Ele é... Um caçador de recompensas.

– Um caçador de recompensas? Por almas?

– Não bem almas... Mas fugitivos de Hades, a terra dos mortos. – Ela continuou pacientemente, sorrindo. – A senhorita... Delilah, certo?

A loira soergueu as sobrancelhas, surpresa e acenando positivamente com a cabeça, a atendente deu um sorriso um pouco maior.

– Bom! Nosso maquinista queria conhecê-la! – A atendente estendeu a mão para puxa-la pelo pulso. – Por que não vem comigo?

– Ah..! – Delilah recuou a mão antes que fosse pega, olhando para o lado sem jeito. – Na verdade, ainda me sinto meio indisposta. Posso descansar um pouco mais?

A atendente pareceu ficar em um breve choque, mas voltou a sorrir, fazendo uma breve reverência.

– Claro, senhorita, fique a vontade. Tenho certeza que pode conhecer nosso Maquinista depois.

Delilah deu um sorriso sem jeito e esperou que a atendente saísse da sua vista para começar a andar, olhando ao redor, procurando pelos rostos dos seus familiares. Ela passou de um vagão para o outro, indo cada vez mais ao fundo naquele trem que nunca parecia ser fim. Aquilo era possível? Já tinha perdido a conta de quanto tempo estava andando procurando pelos rostos dos seus familiares quando o expresso parou repentinamente, forçando-a a se segurar para não cair. Ela olhou para o lado de fora de uma das janelas, vendo um céu púrpuro e construções que nunca havia visto antes. Um mundo escuro que fez um arrepio descer pela sua espinha.

O vagão inteiro pareceu estremecer quando todos os passageiros se levantaram juntos, fazendo Delilah dar um pulo, até averiguando se eles estavam acordados, mas... Continuavam dormindo... Ou pelo menos seus olhos estavam completamente vazios. A porta logo ao seu lado se abriu e sentiu uma força gigantesca a puxá-la para fora. A garota se segurou em um dos bancos, soltando um grito esganiçado de esforço, pedindo ajuda, mas as pessoas, apesar de terem parado por um instante, voltaram a andar.

Engoliu em seco. Parecia que muitos deles iriam tentar passar por ali, e se o fizessem... Iria ser arrastada para fora certamente!

Usando até a força que não tinha direito, Delilah se puxou para dentro, mas os corpos das outras pessoas já começaram a empurrá-la, tanto para fora quanto forçando seus braços e seu corpo contra a porta. A dor foi excruciante por um momento e ela pode sentir suas mãos vacilando, escorregando até se soltar, mas a tempo conseguiu se segurar na própria porta, ainda sentindo aquela mesma força a puxando para fora. Com esforço, conseguiu guiar seu outro braço para se segurar na porta, ofegando e lacrimejando.

Pelo canto do olho, viu os cabelos loiros presos no rabo de cavalo, virando o rosto imediatamente para ver sua irmã descendo com os olhos completamente vazios. Tentou até estender a mão para ela quando esta não respondeu seu chamado, mas seu dedo nunca alcançou nenhum destino, pois ela desapareceu depois de alguns passos.

– Ro...Rose... – Delilah choramingou, se abraçando contra a porta e encostando a testa contra ela.

Quando o fluxo de almas pareceu parar, o expresso logo estremeceu, indicando que em breve estariam continuando sua viagem. Estremeceu, se puxando para dentro até conseguir sair da porta, deitando em um dos bancos. A porta fechou um segundo depois e Delilah olhou pela janela uma ultima vez antes de partirem.

Ela sentiu que nunca mais iria poder ver sua irmã.

–x-

Enquanto olhava para seus pés, sentindo seu peito completamente vazio, um peso extra, mas ainda sim leve e confortável caiu na sua cabeça. Tomou um susto, não sabia quanto tempo já tinha se passado desde que o expresso tinha parado.

Ao pegar o que havia sido lhe jogado, reconheceu um uniforme semelhante ao da atendente que falou com ela mais cedo. Era dom esmo tipo, mas parecia um pouco menor. Ao olhar para o lado, viu o rapaz de mais cedo, com suas roupas avermelhadas e os olhos vermelho-rosados, de braços cruzados e uma expressão indiferente, parte da franja cobria o lado direito do seu rosto.

– Por quê..? – Perguntou, quase sem vontade, ma curiosa realmente.

– Almas valorosas como a sua são usadas como combustível para esse expresso. – Delilah ficou em choque por um breve instante, engolindo seco. – Se você se misturar com essa gente, pelo menos não vai ser consumida.

–... Mas, por que está me ajudando?

O rapaz parou por um instante e olhou para o lado, bufando.

– Eu posso ser um caçador, mas não significa que as almas que eu fico de olho tem que sofrer algum tipo de punição, ainda mais se não fizeram nada de errado. – Imediatamente o tom de voz dele ficou ainda mais duro. – Mas se você tentar fugir, eu vou te caçar até os confins das dimensões, entendeu?

Delilah ficou em choque por um instante, até um sorriso ameaçou despontar dos seus lábios, mas acenou com a cabeça. Lupus provavelmente não iria gostar daquele tipo de expressão, pelo o que conseguiu entender da personalidade dele até ali...

– Você já desviou das regras de qualquer forma. – Ele continuou, encostando-se a um dos bancos. – Você está consciente, e isso não deveria acontecer. Sua alma é forte o suficiente para manter sua forma verdadeira, então provavelmente deve ser forte o suficiente para manter sua consciência. De qualquer forma, como você ainda está dentro do trem, necessariamente não fugiu das regras, mas... Vou ficar de olho em você.

A loira emburrou um pouco, apertando as roupas em suas mãos.

– Por quê?!

– Por que é meu trabalho: ficar de olho nas almas. – Ele respondeu de forma fria, encarando-a nos olhos. – Eu caço almas fugitivas de Hades, e o seu tipo de alma é o que mais costuma fugir.

– Se sou o tipo que mais costuma fugir, por que está me ajudando então?

Lupus ficou em silêncio por alguns instantes e simplesmente desviou o olhar, chiando baixo.

– Você é irritante. Não tem por que eu te dar essa explicação.

A garota simplesmente suspirou, desistindo de tentar entrar num consenso com aquele estranho.

– Se vamos ter que aturar um ao outro... – Ela se levantou e estendeu a mão para Lupus. – Me chamo Delilah Winterbell.

O rapaz ficou em um breve silêncio, encarando a mão dela e então estendeu a dele, dando um aperto de mão firme. Agora que ela percebeu, eles tinham quase a mesma altura.

–... Lupus Wild, caçador de recompensas e Haros.

Delilah piscou os olhos duas vezes, ficando com uma cara infantil. Ela andou um pouco para frente e tentou olhar as costas do Haros, este recuou, soltando a mão dela imediatamente.

– Ei, que você pensa que está fazendo?!

– Você disse que era um Haros, certo? – Ela perguntou, olhando-o nos olhos.

– Sim. O que tem?

– Cadê suas asinhas? – Ela perguntou, balançando os braços. – E você parece ter bastante carne para um filho da terra da morte.

Diversos nervos saltaram na testa de Lupus a medida que Delilah continuou sua fala, por fim este rosnou extremamente irritado.

– Você é de Ernas, certo?

– Eu? Sim, sou.

– Que droga de histórias vocês contam sobre os Haros em Ernas?!

–x-

Diversas viagens se sucederam depois daquele dia em que conheceu Lupus. Frequentemente via o rapaz indo e vindo de Hades para muitas outras dimensões, algumas vezes arrastando algum outro tipo de alma com ele, algum fugitivo, provavelmente.

A partir do momento que vestiu seu uniforme como atendente do expresso de Hades, as atendentes passaram a ser um pouco mais mandona e às vezes até se referindo a ela como “novata”. Entretanto com os dias passando, começou a se tornar um pouco mais conhecida entre os funcionários. Aparentemente, para os mortos, ela era meio viva demais.

Não que isso pareceu incomodar alguns deles, apenas algumas atendentes que pareciam incomodadas, mas os guardas do trem pareciam se divertir quando Delilah aparecia para servi-los. De alguma forma tudo aquilo era tão familiar...

Memórias de um passado cada vez mais distante eram substituídas com essas memórias. Campos de guerra foram trocados por homens sentados em bancos enquanto conversavam calmamente, mesmo que sobre os mesmos assuntos. Provavelmente qualquer assunto acabou milhares de anos atrás. As poucas vezes que tinha algo novo para contar eram quando chegava alguma nova alma valorosa ou quando o Lupus passava pelo expresso.

Delilah sentia uma necessidade de avisar aquelas almas, iguais a ela no fundo, mas ela havia se esquecido disso. Suas primeiras “almas” valorosas sequer conseguiam escutar suas palavras, sendo guiadas cegamente para o Maquinista. A própria Delilah nunca chegou a vê-lo.

Estava sendo um dia como qualquer outro quando uma alma de um herói extremamente valoroso apareceu. Cabelos brancos, olhos como meio rosados. Ele usava uma capa preta sobre uma espécie de uniforme extremamente fino. O cabelo recaia sobre seu olho esquerdo, ocultando seu rosto parcialmente.

Ele pareceu afobado por um momento, olhando para os lados. Delilah olhou-o brevemente, um tanto curiosa, sentiu algo... Estranho. Uma sensação que já se tornou familiar depois de tanto tempo. Uma das atendentes foi até ele.

– Olá, senhor. – Ela sorriu gentilmente. – Você deve ser Harpe Noir, certo?

O rapaz ficou um pouco em choque por alguns instantes, parecendo analisar a atendente da cabeça aos pés. De alguma forma, a pele dele não parecia tão cinzenta como a da Delilah. Ela olhou para suas mãos, tirando as luvas, como se consciente depois de tantos anos. Sua pele... Estava até azulada.

– Si-sim... – Ele respondeu, hesitante. – Onde estou?

– O senhor se encontra no Expresso de Hades. – Ela respondeu sorridente e calmamente.

Harpe ficou em choque, colocando a mão sobre o peito, com um olhar entristecido. Sua pele pareceu empalidecer.

– Hades... Eu morri. – Ele sorriu de canto, apertando o punho. – Compreendo.

– Nosso maquinista gostaria de conhecê-lo. – Delilah sentiu seu coração bater novamente de preocupação.

Harpe ficou surpreso, mas acenou com a cabeça.

– Certamente.

Sem perceber, o corpo da Delilah se moveu sem perceber, segurando o pulso do rapaz pouco antes dele começar a andar. Este pareceu tomar um susto ao sentir um toque tão gelado, se virando para ela surpreso.

– Espe... – A voz da loira foi sumindo à medida que sentiu o olhar furioso da atendente recaindo sobre ela, recolhendo a mão hesitante.

– Delilah. – A atendente falou com ela, austera. – Acho que os passageiros do outro vagão estão precisando de água.

A garota ficou boquiaberta, tentando procurar palavras. Olhou para os olhos do Harpe, abaixou o rosto, e logo em seguida, as mãos.

– Si-Sim... Senhora.

Estava se preparando para ir quando sentiu uma mão no alto da sua cabeça, acariciando-a por cima do quepe. Ao levantar o olhar, viu um sorriso gentil nos lábios daquele recém-chegado.

– Faça um bom trabalho.

Por que seu rosto pareceu aquecer de volta? Um tanto abobada, deu um passo para trás. Seu peito doía. Apertou os punhos, fazendo uma cara emburrada enquanto virava as costas e escutava um risinho atrás dela, enquanto partia para o vagão de trás.

A primeira coisa que viu foi um grupo de pessoas, no qual um rapaz de cabelos azuis parecia estar atordoado, e um rapaz de cabelos vermelhos estava ajoelhado do lado dele, com uma das mãos em suas costas. Havia diversas pessoas ali, um de cabelos alaranjados e orelhas alongadas, uma garota de cabelos rosados, havia também uma garota de cabelos vermelhos, uma de violetas e outra de cabelos loiros e orelhas alongadas que nem o rapaz de cabelos alaranjados. Um homem de cabelos pretos e olhos escuros, e outro alto, com pele levemente roxa, cabelos roxos e... Chifres saindo da sua cabeça.

Dois nomes surgiram em sua cabeça. Ercnard e Dio.

– Ronan, você está bem? – Perguntou o garoto de cabelo vermelho, olhando para o de cabelos azuis.

–... – Ronan, ao que parece ser, levantou a cabeça, infeliz. – Desculpe... Coloquei vocês em perigo com a minha conduta... Sou a vergonha dos Guerreiros de Canaban.

– Ahn... Isso não é hora de ficar se lamentando no ombro dos seus irmãos de arma. – Disse a garota de cabelos rosa, com um sorriso bobo. – Homens são tolinhos...

Delilah notou a cor de pele deles... Tocou no seu rosto inconscientemente, sem entender direito por que se sentiu triste repentinamente. Aquilo não fazia sentido... Nem por que ela estava triste ou por que eles tinham aquela cor. Nem mesmo aquela alma valorosa, Harpe, tinha tanta cor.

– Amy está certa! – Disse o rapaz de cabelos alaranjados. – Deixe isso com a gente. Vamos encontrar Harpe e partir de volta para o nosso mundo!

“Nosso mundo”..? Delilah observou que Ronan parecia estar se sentindo melhor, mas seu olhar foi atraído a Ercnard, enquanto o restante do grupo continuava falando sobre encontrar Harpe. Espere... Harpe? Aquela alma valorosa? Eles começaram a se mover e Ercnard virou o rosto para ela. Imediatamente Delilah se escondeu, segurando as mãos junto ao peito enquanto expirava devagar. Por que sentia seu coração bater? Espere... Algum dia seu coração batia?

Ela buscou se esconder do grupo, para depois segui-los, temerosa e ao mesmo tempo sem conseguir controlar seus pés atrás do grupo.

–x-

Já havia passado algum tempo depois que o grupo adentrou na locomotiva, e mesmo depois de tanto tempo por ali, ainda não tinha coragem de adentrar no lugar. As almas das pessoas que, por incontáveis anos trabalharam juntas, simplesmente desapareceram depois que foram derrotadas por aquele grupo. Era estranho...

Pensar sobre que toda aquela gente simplesmente desapareceu. Fazia sua vida sentir tão... Vazia.

Estava presa em seus pensamentos quando o trem inteiro estremeceu, fazendo-a rolar para frente, atordoada.

– Aargh... O que aconteceu?!

Apesar do medo, pôde escutar gritos desesperados e o som de explosões vindo de dentro da locomotiva. Uma força maior do que ela começou a impulsioná-la para frente, para abrir a porta e então atravessou para o lugar que evitou por tantos anos.

O vento açoitou suas roupas e seus cabelos, o ar quente a abateu ferozmente. A locomotiva estava completamente destruída, com buracos feitos em todos seus lados, e a fornalha estava descontrolada, as chamas já estava consumindo tudo o que restava do lugar. O metal pegava fogo em um vermelho e laranjas vivos.

“Mais. Mais. Mais. Mais. Mais.” Uma voz ecoou em sua mente, enquanto sentia seu corpo começar a ser puxado. “Mais! Mais! Mais! Me alimente!”

Mesmo ao tentar tampar seus ouvidos, a voz continuar a gritar de fome dentro de sua mente, uma fome insaciável. Uma fome que pede tudo que existe no mundo. Toda vida.

– Mas, eu não estou viva! – Gritou com toda a força, enquanto se agarrava a um cano, o lugar cada vez mais abalado, o trem descarrilava.

“Um novo corpo? Um novo corpo? Um novo corpo? Um novo corpo? Um novo corpo? Um novo corpo? Um novo corpo!”

– N-Não...

Aquela força a puxou com ainda mais força do que antes, de tal forma que, o cano que estava ficando com as juntas amolecidas pelo calor, foram simplesmente partidas. O corpo da Delilah voou cada vez mais fundo daquele calor infernal até não restar mais nada que conhecesse além do calor consumindo-a.

Os gritos encheram seus ouvidos. Não somente os dela, mas de todas as almas que foram pegas por aquela máquina de vida própria.

“Um novo corpo! Um novo corpo! Um novo corpo! Um novo corpo! Um novo corpo!”

A voz de antes gritou, como se em cada respiração dezenas de canos fervilhassem e expirassem o ar quente. Algo entrou em cada poro do seu corpo, uma dor que nunca imaginou sentir antes, a vida que entrava novamente em seu corpo. Uma vida que exigia a vida de outras pessoas para manter a dela?

– Não quero isso. – Murmurou em meio sua dor, sentindo lentamente o calor ser substituído pela escuridão. – Não quero isso tudo de novo.

“Essa é sua nova vida.” A voz disse como se fosse um demônio de fogo. “Nossa vida. Sua missão. Seu fogo.”

– Não... Eu não sou você... – Ela murmurou e a voz riu.

“Você será eu! Você será consumida! Você será meu corpo!”

– Cala... Essa... Maldita boca!

A voz sumiu por alguns instantes, o som do ar quente aumentou muito mais, o calor aumentou, a luz junto. Mas, era uma luz diferente surgindo em meio ao calor infernal.

“Chega!” Uma nova e familiar voz falou mais próxima do que imaginava. “Sua própria força. Sua vida. Não importa o que você é, viva ou não, não se esqueça de quem você é!”

“Cale-se!” A voz do demônio de fogo gritou de fúria. “Você já deveria ter sido consumido!”

Um riso convencido soou ao seu lado, uma mão tocou a sua, quente, mas... Um calor confortável.

“Juntos. Vamos estar juntos. E assim vamos dominar essa coisa.” A mão apertou a sua de leve. “Abra os olhos.”

Apesar de temerosa, aquela presença... Lhe dava forças. Coragem. Abriu os olhos, vendo o inferno que a rodeava, enquanto uma barreira azulada a protegia de tudo aquilo. Ao olhar para o lado, viu o rapaz de cabelos brancos e olhos rosados. Ele lhe sorriu.

– Você... Harpe...

Ele acenou de leve com a cabeça e olhou para o fogo na frente dele.

– Acredite em você. Sua força é grande o suficiente para resistir a esse inferno.

– Mas... Eu não consigo nem... – Ele tocou seus lábios com o indicador de leve, dando um sorriso suave.

– Não. Você ainda consegue mover seu corpo mesmo que sua alma tenha sido tomada. – Ele ficou em silêncio, afastando a mão. – Definitivamente você não é mais humana, não seu corpo. É por isso que ele quer seu corpo. Mas... Se eu for sua alma, ele não poderá fazer isso.

“Não!” A voz de fogo gritou, as chamas dançavam conforme este falava. “Não podem fazer isso! Eu consumi você!”

– E por isso estou junto com ela. – Ele falou, decidido. – E por isso que, por você não ter me consumido completamente, eu me unirei a ela, assim como você se unira.

Por algum motivo, apesar do desespero de antes, Delilah conseguiu sorrir. Estava... Feliz. Aliviada. Não estava sozinha. Algo lhe dizia que aquilo não iria durar para sempre, mas... Era melhor assim. Harpe sorriu enquanto as chamas lentamente se apagavam, e a escuridão começava a rodeá-los.

Seu corpo começou a ficar mole, sem forças. Imediatamente caiu no chão, a mão de Harpe não conseguiu impedi-la. Sentiu... Frio. O rapaz lhe sorriu calmamente.

– Não se preocupe, Delilah. Você já vai acordar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Delilah Winterbell, o Fogo da Morte" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.