Querido Amigo, Velho Amigo escrita por Thalita Moraes


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :3



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"Se a vida te der limões, faça uma limonada."

Esse sempre foi o lema de vida da minha mãe, sempre a admirei por isso. Ela conseguia transformar qualquer situação horrível em algo animador, alegre. Qualquer tarefa doméstica, como lavar os pratos ou dobrar as roupas num jogo divertido, fazendo todo mundo entrar no jogo.

Alegria era uma grande parte de sua vida. E essa alegria aumentara ainda mais quando ela começou a usar drogas. Ela sempre pareceu tão alegre, por isso nunca entendi o porquê do suicídio dela, mesmo depois de ler a carta diversas vezes. Eu tinha jogado a carta no meu armário, enfiado junto com diversos cadernos que eu ousava chamar de diário da época e esquecido.

Jamais teria me lembrado se eu não tivesse descoberto a carta, enquanto eu arrumava minhas coisas.

Eu li e reli, sentado na minha cama. Várias perguntas surgiram na minha mente, de novo. Mas dessa vez eu as ignorei e joguei a carta fora. Mas a foto... Eu iria guardar.

Talvez... Se ela não tivesse ido para aquele lado, eu não teria que me mudar hoje de minha casa. Meu pai não teria bebido tanto a ponto de entrar em coma. Eu não teria perdido minha casa para o leilão.

Mas, logicamente é bem mais fácil culpar alguém que não está aqui pelos erros que eu possa ter cometido durante o caminho.

Fechei a caixa e a levei para a frente da casa. O sol batia forte na calçada, a imagem à minha frente retorcia de calor. Eu encontrei os olhares do meu vizinho, me olhando sem expressão. Eu acenei para ele. Ele fechou a janela.

Eu suspirei e tentei ignorá-lo. Charles nunca foi bom com despedidas.

Seria difícil, muito difícil, viver sem ter ele por perto. Eu, com toda certeza, sentirei muita falta do meu amigo de infância.









Eu tentei fazer aquela situação dar certo. Tentei agir como minha mãe. Mas eu estava numa situação deplorável. Bom, talvez fosse uma situação normal, não sei. Eu vivi minha vida inteira com dinheiro suficiente para nunca me importar com qualquer coisa. Nunca achei que eu me importaria com os centavos de troco que meu pai nunca se importou em pegar.

Na minha ignorância, achei que dois meses seria suficiente para voltar à minha casa. Mas me enganei. E como eu me enganei.

Tinha passado três meses. Três meses. E eu ainda dividia o apartamento com mais três pessoas, todas drogadas, e trabalhava como atendente num restaurante mixuruca. Ao menos, não era um lugar muito famoso, então eu não teria de me preocupar em encontrar conhecidos.

Mas, novamente, eu tinha me enganado.

—Thomas? — A voz conhecida me chamou. Mas eu tinha paralisado e não conseguia me concentrar. Não consegui dizer nada além de gaguejar. Eu sabia quem era, mas eu não conseguia olhar em seus olhos azuis.

Fazia tanto tempo desde a última vez que eu o vira, e ele continuava o mesmo.

—Charles. — Eu gaguejei seu nome, num sussurro.

Ele riu.

—Então, é isso que você faz agora? — Ele disse com um sorriso. Eu não consegui responder. — Achei que você acabaria em alguma empresa famosa, testando videogames, como você sempre disse que ia fazer.

O homem ao lado dele suspirou.

—É a vida. — Ele disse. Ele tinha uma voz grossa, parecida com as dos locutores de rádio. — Eu achei que eu seria astronauta quando eu crescesse.
Eu o encarei momentaneamente.

—Ah, sim. Thomas, este é Jacob. Jacob, este é Thomas. — Sorrimos um para o outro, em sinal de cumprimento. — Thomas era meu vizinho até pouco tempo atrás. Crescemos praticamente juntos.

Eu olhei atrás deles. A mulher de cabelos vermelhos batia o pé nervosamente no chão.

—Desculpe, vocês terão de pedir alguma coisa. Estão atrapalhando a fila.

—Ah, sim. O que você vai querer, Jay? — Charles disse para Jacob, e eu estranhei a intimidade que ele tinha. Alguma coisa comichou meu peito e, estranhamente, eu senti um bocado de ciúmes. Inveja, talvez? Até pouco tempo, Charles me chamava de Tom. Vê-lo chamar outra pessoa por apelido me deixava um pouco irritado.

Eles conversaram brevemente, decidindo enquanto eu os ignorava lembrando do passado.

—Tom? — Charles me chamou. Uma leve sensação de alegria invadiu meu peito. Se não fosse pelo choque de encontrá-lo ali, eu teria sorrido. Olhei nos olhos de Charles e ele fez o pedido e foi sentar-se em sua cadeira, junto com Jacob.

Enquanto eu anotava os outros pedidos, fazia automaticamente, enquanto olhava para ele, de vez em quando, ainda lembrando do passado.





Acho que eu tinha uns cinco anos quando uma questão me veio à cabeça. Lembro que minha mãe estava na sala assistindo TV com meu pai. Ela se levantou, o beijou e foi à cozinha. Eu a segui.

—Mãe, porque você beija o papai?

Ela parou por um segundo e olhou para mim.

—Bom, Thomas. Quando você gosta de alguém, é comum você beijar essa pessoa.

Engraçado que, eu me lembro de poucas coisas daquela época, mas essas palavras ficaram marcadas em meu subconsciente. Lembro de dizer que eu gostava dela e a beijei na bochecha. Ela me abraçou e me beijou de volta, me encheu de beijos.

Então, eu sai de casa e fui até Charles. Ele jogava videogame. Me juntei a ele. As palavras de minha mãe rodeavam em minha cabeça. Então, quando Charles ganhou de mim, ou eu ganhei dele, não me lembro, cheguei perto dele e o beijei na bochecha. Foi um gesto carinhoso, a mãe dele sorriu, dizendo que achava fofo eu ser tão querido.

Mas tinha mais naquele gesto. Eu percebo isso agora.

Quando eu tinha quinze anos, um ano antes de minha mãe conhecer o real significado de droga, eu tinha acabado de voltar da escola, pensativo. Eu anotei isso no meu diário, depois, com letra horrível.

Letícia, a menina que sentava ao meu lado, tinha me contado que ela gostava de mim e me perguntou se eu gostava dela. Eu tinha dito que não. Ela perguntou se eu gostava de alguém na escola. Eu pensei, lembrei do Charles, e disse mais uma vez. Não.

—Não mente para mim. — Lembro das palavras dela. — Você tem aquele olhar de apaixonado. Se tem alguém na sua vida, me conte e eu saio do seu pé.

—Eu não gosto de ninguém, eu juro. — Tentei me defender.

—Você está mentindo. — Ela me disse, e, na época, eu não sabia que eu estava, realmente, mentindo. — Eu sei que você gosta de alguém. Quem é?

Eu não tinha dito nada.

—Tudo bem. Se você não me dizer, então tudo bem. Mas próxima vez que alguma garota for se declarar para você, conte logo, antes que ela se faça de idiota. — Ela disse e as palavras ficaram rodando na minha mente por um bom tempo.

Eu fiquei pensando nas palavras dela e sobre como o rosto do Charles tinha aparecido na minha mente quando ela perguntara. Não ficou claro para mim naquele momento. Eu só percebi que eu tinha sentimentos por Charles, dois anos depois, quando sua ausência fazia tanta falta que eu chegava a chorar em silêncio no travesseiro.





—Então? — A voz do Jacob ressoou baixinho no ouvido de Charles. Thomas não ouvia direito, tendo que adivinhar o que eles falavam. — Você com um rostinho desse deve ter quebrado muitos corações. — Jacob passou o dedo na bochecha rosada de Charles que se arrepiou. — Sua irmã me disse que você ainda não descobriu o que gosta.

Charles suspirou.

—Ela não sabe da história.

Jacob sorriu e se ajeitou na cadeira.

—Me conte a história. Você não parece que tem uma história tão sofrida.

—É porque não é "tão sofrida". — Charles disse, fazendo aspas com os dedos. — Qual a sua história? — Jacob abaixou o olhar. — Eu conto a minha se você contar a sua.
Jacob sorriu.

—Minha mãe é fanática religiosa. Ela me criou dentro da igreja, um dia eu descobri que gostava de meninos, ela descobriu, brigou comigo, me expulsou de casa, eu fui morar com o meu mino, então a gente se separou há algum tempo e... — Ele parou para respirar um pouco. Contara tudo rapidamente porque estava curioso para saber a história de Charles. — Bom, aqui estou. Agora conte-me.

—Isso não é uma história. — Charles riu.

—É o máximo que vai conseguir de mim agora. — Jacob disse e então deu dois tapinhas na mesa. — Agora conte-me a sua.

Charles respirou fundo e começou.

—Na época, eu namorava essa garota, Cristina. Isso foi há seis meses. Ela estava me pressionando para fazer algo mais... íntimo, e eu não queria. Um dia, na casa dela, a gente brigou por causa disso. Ela saiu chorando e me deixou sozinho com o irmão dela. Ele me consolou e tal... Uma coisa levou a outra e...

—Você pegou o irmão dela? — Jacob perguntou rindo, entusiasmado com a história. Charles sorriu amarelo. — Clássico.

—E o pior é que eu tinha gostado. Aí quando ela chegou, a gente terminou, e, pouco tempo depois, eu estava namorando com o irmão dela. Nosso relacionamento durou pouco tempo. Até que eu descobri que ele já estava namorando com outro cara e eu tinha sido aquele com quem ele traiu.
Jacob ficou em silêncio por um tempo, ainda analisando a história que tinha acabado de ouvir. Charles, parou e olhou para os lados, mudando completamente o tom de sua voz. Ele obviamente não gostava de falar sobre aquilo.

—E cadê nosso pedido?

Eu observava a proximidade que os dois estavam tendo.

Acho que era um encontro.

Eu precisava acabar com aquilo.

Só que eu não poderia sair do caixa naquele momento. "Se a vida ter der limões, faça uma limonada". Lembrei das palavras da minha mãe. O que ela faria?

Uma ideia me veio à cabeça e, quando Steve surgiu para entregar o pedido à Charles, eu o chamei.

—Tá vendo aqueles dois ali? — Eu perguntei. Ele acenou. Eu inventei uma história para ele me ajudar. — Aquele é meu ex-namorado. Ele teve a ousadia de vir aqui num encontro com outro cara. — Steve parou e me olhou de uma forma diferente. Aquele olhar de surpresa que me dão quando descobrem que eu sou gay. — Eu preciso acabar com o encontro deles, mas não posso sair do caixa. Você pode me ajudar? Preciso de uma alegria pra minha vida.

—Depende. — Ele disse, seu olhar sorrateiro. — O que eu ganho com isso?

Mordi os lábios pensando. Ele não era um cara fácil de comprar.

—Lembra que você disse que queria assistir aquele filme que está em cartaz? Eu pago o ingresso, a pipoca e o refrigerante para você.

Ele parou e me olhou. Por um segundo achei que minha proposta foi fraca demais.

—Tudo bem.





Eu fiquei apenas observando Steve levar o prato dos dois até a mesa, junto dos refrigerantes, curioso para saber o que ele ia fazer. Após colocar o prato na frente de cada um, quando foi colocar o refrigerante ele derrubou o copo inteiro na calça do Jacob. Eu tive de me segurar para não rir dele. Steve voltou com um sorriso no rosto.

Mas não foi o suficiente.

Steve, Jessica, Raphael e Julia se juntaram ao jogo. "Quem consegue acabar com o encontro mais rapido?", e o prêmio aumentou para dois ingressos para o cinema, com direito a pipoca e refrigerante. Assim, eu vou acabar indo à falência.

Toda vez que Jessica passava por eles, chutava a cadeira dele "sem querer". Raphael colocava um toque a mais de pimenta, Julia toda vez que passava por ele dizia: "Tem certeza de que você não me conhece?" e inventava uma história nova sobre um passado que eles poderiam ter. E Steve queria colocar laxante na bebida de Jacob, mas aí seria pegar pesado demais.

No final, eu observei eles se levantarem, pagarem e saírem. Os dois juntos. O plano não tinha dado certo.

Até que Charles voltou, sozinho, de cara emburrada.

—Não pense que eu não sei o que você fez.

Então eu fiz algo que eu mesmo odiaria se alguém fizesse comigo. Fingi inocência.

—O que eu fiz?

—Pelamor, Thomas! Pimenta? Os chutes na cadeira? A menina que dizia que tinha um filho meu?

Eu olhei para Julia. Ela deu de ombros enquanto abria um chiclete. Ela realmente daria uma ótima atriz.

—Porque você está agindo dessa forma?

Era uma boa pergunta. Uma pergunta para a qual eu não tinha respostas.

—Qual o seu problema? É porque eu não te dei tchau quando você saiu de sua casa? É porque eu nunca te visitei depois disso?

—Não é nada disso.

—Então o que é?

Eu respirei fundo. Eu desembrulhei as palavras que estavam na minha cabeça há algum tempo já, enquanto minhas mãos suavam.

—Eu gosto de você. — As palavras saíram gaguejadas, embaralhadas, sussurradas. — Gosto muito. Mesmo.

Charles ficou quieto. Provavelmente ele não esperava essa resposta.

—Sim, eu fiquei desanimado quando você não foi me visitar, ou não me ligou, ou não me deu tchau. Tudo aquilo machucou. Por várias noites eu chorei. E foi nessas noites que eu percebi que eu não gostava de você somente como amigo.

Não sei o que eu esperava agora. Eu nunca imaginei essa conversa. Não sabia qual seria a reação dele.

—Tom. — Ele começou, num tom bem mais calmo. Meu coração parou de bater. — Me desculpe, mas eu não sinto a mesma coisa. Você é meu amigo. E nada mais.
Não sei como reagir à isso. Eu segurei toda vontade de chorar e pigarreei.

—Me desculpe pelo mal comportamento, eu prometo não acontecer novamente. — Eu disse e desviei meus olhos para outro canto. Eu não queria ver o rosto dele novamente. — Desculpe. Com licença.

Eu sai da frente dele, indo em direção ao banheiro. A dor era pior do que quando eu tinha perdido minha mãe, era pior do que ter perdido minha casa. Doía demais e eu queria chorar. Sentei-me na tampa do vaso, chorando silenciosamente, enquanto eu ignorava as batidas na porta.




Apesar de todos terem participado do jogo, o único que se interessou em reclamar o prêmio, foi Steve. Tinha passado alguns dias desde a última vez que vi Charles. E eu nem sei se queria vê-lo novamente.

Eu encontrei o Steve no cinema e quando fui oferecer o dinheiro a ele, ele me interrompeu.

—Tem certeza de que não quer assistir o filme comigo? — Ele disse. Eu dei uma olhada para os filmes em cartaz e olhei novamente para ele. Steve tinha um sorriso de um lado em seu rosto. Eu não aguentei e sorri de volta.

Eu não tinha nada a perder mesmo.

—Porque não?


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Notas finais do capítulo

:3



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