Caminho de Casa escrita por surfsushi


Capítulo 2
Seiji Hadafumi




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Sinto meu coração aquecer-se sem que eu tenha o controle disso. Ele acelera levemente. Ano passado, eu passei por um momento que me lembra muitíssimo deste... Eu e meus pais nos mudávamos para uma casa nova. Lembro de dar meus primeiros passos na sala e ouvir o som da madeira. Na época, meu pai me disse "Essa casa é menor do que a nossa anterior para que possamos ficar todos juntinhos." Lembro-me também de ter sorrido com os olhos a brilhar, e um dente de leite faltando na boca. Eu acho que meus pais não tinham muito dinheiro, talvez esse tenha sido o motivo da mudança.

Meus pequenos pés avançam lentamente para dentro da grande casa de madeira. Erika-san fecha a porta com uma chave de dourada antiga e pequena e após isso fecha também uma tranca no canto superior da porta, muito alto para uma criança alcançar. Após nos deixar entrar, Erika-san pede licença e entra apressada em um quarto de onde posso ouvir uma criança a chorar. Vejo uma sala larga, com paredes sem quadros, mas com muitos desenhos coloridos com giz de cera feitos em papel comum grudados com fita adesiva. De porta-retratos, há apenas um, mas por algum motivo não presto atenção na fotografia. Ouço vozes vindas de mais adentro, mas não vejo ninguém nos corredor. De uma porta atrás de um balcão como o do hospital, sai um rapaz de cabelos curtos e pretos, bem brilhantes, usando um avental sujo de tinta e um jeans. Ele pega um bloco de papel e uma caneta de uma gaveta e se aproxima mais do balcão.

– Olá, boa noite. - Saitou-san o cumprimenta abaixando a cabeça discretamente. Eu a imito, quase ao mesmo tempo.

– Boa noite. - Ele responde, mostrando um sorriso.

– Você é Seiji Hadafumi-san?

– Sim, sou eu mesmo. - Ele sai por uma pequena porta do balcão e se aproxima de Saitou-san, apertando sua mão, e em seguida olhando para mim. - É um prazer, Saitou-san. Estava a sua espera também.

– Ah, eu não vi você aí, hehe. - Ele dá uma pequena risada e se agacha um pouco para falar comigo. O som da voz dele é agradável.

– Oi. - Eu digo, olhando para ele curiosa.

– Qual é o seu nome?

– É Ito. Ito Watanabe.

– Ito... Significa "laço". Como uma amizade. É um lindo nome.

– Obrigada. - Respondo, me sentindo menos acanhada com sua presença.

Hadafumi-san se levanta e faz sinal para que o sigamos. Saitou-san olha para mim e me pergunta se eu gostaria de conhecer aquela grande casa e lhe digo que sim.

– Você poderia nos mostrar o lugar antes de vermos o quarto da Ito-chan? - Saitou-san o pergunta.

– Mas é claro. Era o que eu tinha em mente, para falar a verdade. - Ele sorri novamente, e estende a mão para mim. - Eu posso guiá-la, senhorita?

Concordo com a cabeça, sorrio e seguro a mão de Hadafumi-san. Ao caminharmos pelo orfanato, ele nos mostra uma cozinha cheia de panelas e colheres coloridas, como de brinquedo. Uma sala com uma mesa grande e pratos empilhados em cima, provavelmente onde faríamos as refeições. Quartos com berços, quartos com beliches, quartos com camas, quartos com redes. Alguns deles vazios, outros com crianças deitadas no chão conversando e rindo. Um lar para várias pessoas é assim? É tão grande, e apesar de cheio de vida, passa tranquilidade também. Imagino se meu quarto terá uma cama bonita como as que vi, com lençois estampados com flores, ou personagens dos animes que eu costumava assitir na televisão.

– Bem, é aqui. - Hadafumi-san diz, mostrando a entrada de um quarto desocupado.

– Ito-chan. - Ouço a voz doce de Saitou-san me chamando, e desvio meus olhos dos desenhos da parede para olhar para ela.

– Esse é o seu quarto. - Ela diz.

– Mas... E as minhas coisas?

– Ah, sim, eu acabei me esquecendo, estão no carro. - Saitou-san fecha os olhos, como se estivesse decepcionada consigo mesma por distrair-se e esquecer.

– Eu sou esquecida ás vezes também. - Digo rindo.

– É mesmo? Então somos parecidas. - Ela sorri para mim calmamente.

Hadafumi-san se oferece para buscar minha mala no carro, e então sai rapidamente para pegá-la.

– Vocês podem ir entrando. - Ele diz ao caminhar até a saída.

Saitou-san vira-se para mim e me diz para entrar. Passo pela porta e vejo um cômodo pequeno, com paredes em um tom amarelo bem claro, coincidentemente minha cor favorita. No cômodo há uma cama de solteiro, um armário, uma penteadeira, uma rede pendurada na parede e uma larga janela de vidro. Tudo está muito limpo, como novo.

– Você gostou? - Saitou-san me pergunta enquanto admiro meu novo quarto.

– Amarelo é minha cor favorita.

– Ah, que sorte! O que você gosta no amarelo, Ito-chan?

– A minha mãe.

– Hm?

– É que ela gostava de amarelo. Era a cor preferida dela, por isso eu sempre colhia margaridas para colocar em um vaso que ela tinha em casa.

– Ah, eu entendo... Margaridas são as flores mais lindas, não são? - Ela me pergunta.

– Sim.

Ouço passos se aproximando do quarto e vejo Hadafumi-san na frente da porta com uma mochila azul em mãos. Minha mochila do Doraemon, eu gosto muito dela.

– Obrigada. - Saitou-san agradece a ele, pega minha mochila e a entrega para mim. Eu a seguro e abraço como uma pelúcia, sentindo o cheiro do xampu que guardei no bolso do canto.

– Obrigada, Hada-chan. - Eu digo.

– Por nada. Hada-chan? - Ele gargalha brevemente. - Até mesmo você, Ito-chan?

– Ah, desculpa, eu disse sem querer. - Abaixo a cabeça apertando a mochila contra o peito, sinto meu rosto corar.

– Não, está tudo bem! É assim que todos me chamam por aqui. - Ele diz, ainda com aquele sorriso simpático, e as mãos nos bolsos. - Você pode me chamar assim também, claro.

Ok. - Respondo, voltando a sorrir, sem mostrar os dentes.

Saitou-san disse que no orfanato eu conheceria muitas pessoas gentis. Pessoas que se tornaríam algo como uma família para mim. Penso que talvez Hadafumi-san possa ser como um tio, nesse caso. Um tio risonho. Eu estava tão triste de não poder mais morar em minha antiga casa com meus pais que sem perceber, passei um bom tempo sem sorrir. Agora que sorri outra vez, sensação para mim é como ter passado um mês olhando uma janela e vendo apenas chuva a cair e, de repente, em um dia qualquer, a chuva parar e o Sol aparecer por trás de uma nuvem grande e branca. Sinto que estive triste por muito tempo, mesmo que apenas um dia tenha se passado.
Ouço Saitou-san conversar com Hadafumi-san sobre a minha chegada e me sento na cama de meu quarto enquanto os dois falam. Eu imagino se enquanto eu estiver aqui, alguém virá ao meu quarto só para me ver. Será que alguém me convidará para lanchar junto, ou para conversarmos deitados no carpete? Imagino se terei amigos que se sentirão felizes só com minha presença. Acabo perdida nesses pensamentos por alguns instantes, enquanto ainda olho as paredes amarelas com certa admiração.

– Saitou-san... - Desço da cama, chamando-a.

– Sim?

– Onde está o Hada-chan...?

– Hada-chan, digo, Hadafumi-san precisa ir cuidar de umas coisas agora, teve que voltar ao balcão. Ele se despediu de você, mas acho que você não percebeu, parecia estar com a mente distante.

Eu estava. Estava pensando se eu teria alguém com quem poderia conversar sempre, ou perguntar coisas que não soubesse... Alguém para estar do meu lado mais do que os outros, como um amigo. Seria legal se Saitou-san viesse me visitar todos os dias, e eu pudesse ver o sorriso dela sempre que eu estivesse desanimada. Eu quero que ela me visite assim.

– Saitou-san. - Chamo-a novamente, em um tom mais claro. - Você virá me visitar?

Ela estava agachada, com minha mochila azul em mãos, arrumando algumas de minhas roupas numa gaveta do armário. Assim que perguntou, me aproximo e sento-me ao lado dela para ajudá-la. Pego algumas de minhas camisetas e as dobro, imitando a maneira como Saitou-san faz, e as guardo. Ela para de dobrar as roupas por um breve momento e suspira.

– Hm... Eu não sei se eu poderei. - Meu rosto adquire uma expressão ligeiramente triste ao ouví-la responder. Ela troca a expressão desanimada por um sorriso e continua. - Mas eu quero. Você quer que eu a visite, Ito-chan?

– Ah... Sim! - Respondo feliz, mais uma vez acenando com a cabeça.

Saitou-san ri e passa a mão em minha cabeça, tocando meus cabelos.

– Você é uma mocinha engraçada. - Ela diz. - Você sempre faz esse sinal com a cebeça, não é? Você é uma pessoa honesta. Isso é uma boa coisa.

Olho o rosto de Saitou-san com atenção e seguro em seu braço, para que ela não vá embora.

– Não se preocupe. Eu virei aqui vê-la, está bem? - Sorrio. - Você não terá tempo de sentir saudades, pois logo volto para dar uma olhada nesse sorriso. - Ela aperta levemente uma de minhas bochechas. - Você me ajuda a guardar o resto de suas coisas?

– Sim, vou ajudar!

–//–

Ás vezes os adultos mentem e dizem a verdade ao mesmo tempo. Mas não fazem por maldade, ás vezes fazem por gentileza, embora isso possa soar estranho. Meus pais sempre me diziam que uma pessoa deve sempre dizer a verdade, mesmo que talvez ela machuque. É verdade, mas também acredito que em algumas situações, está tudo bem em quebrar essa regra. Saitou-san disse que me visitaria. Penso que talvez ela seja uma pessoa que não pode escolher como gastará seu tempo, por isso talvez não consiga vir me ver. Mas ela é uma pessoa boa. Acredito que ela tentará arranjar um tempo. Depois que Saitou-san me ajudou a guardar minhas coisas, Erika-san e eu a guiamos até a porta e eu acenei para ela com um sorriso. Saitou-san se despediu, ligou seu carro preto e se foi, da mesma maneira que chegou comigo.

Sigo para meu quarto caminhando pelo corredor, olhando para dentro dos quartos das outras crianças, a maioria deles abertos. Acho que alguns estavam com a porta fechada pois já havia gente dormindo. Sinto sono também, meus olhos se encherem de lágrimas todas as vezes em que bocejei nas últimas horas. Entro no quarto, tiro um pijama de manga comprida da gaveta do armário e o visto preguiçosamente, então me aproximo cansada da cama, me deitando devagar. Enxugo os olhos uma décima vez, e olho para o teto, imaginando um céu estrelado. Em meu peito parece haver uma saudade de casa, uma saudade que demorará a ir embora. Fecho os olhos por alguns segundos, mas ouço alguém bater na porta aberta de madeira.

– Olá... Você é Ito Watanabe?

Levanto devagar, sonolenta, e vejo na porta uma mulher alta, de pele e bochechas rosadas, de cabelo castanho e bem curto, como o de um garoto. Ela está vestindo uma calça de algodão que parece muito confortável, e uma blusa cor-de-rosa. Seus olhos são de um verde forte, vivo.

– Ah, me desculpe, eu lhe acordei?

– Não... Eu só estou com sono. - Esfrego os olhos com as duas mãos ao responder.

– Você é tão bonitinha, como o Hada-chan disse! - Ela sorri de um jeito brincalhão.

– Saya. - Eu digo, olhando-a nos olhos.

– Ah. Como sabe? - Percebo que a moça de cabelos curtos tem um prato fundo em mãos, parece haver macarrão nele. Ela deixa o prato em cima da penteadeira e agaicha-se um pouco para me ver mais de perto. - Por acaso você é uma adivinha, Ito-chan?

– Não. - Eu digo, sem conter um breve riso. - Eu vi você num quarto com duas meninas iguais, e elas te chamavam várias vezes pelo nome.

– Meninas iguais? - Ela coloca a mão no queixo, como que a pensar. - Ah! Aquelas são Hana e Hanako, elas são gêmeas. Elas gostam muito de mim, por isso sempre me chamam para participar de qualquer brincadeira. Você é esperta, aprendeu meu nome antes de eu lhe dizer. Você pode me chamar como elas também.

Saya se levanta e pega novamente o prato de macarrão que havia deixado na penteadeira.

– Você gosta de macarrão? Eu fiz esse especialmente pra você. Como é seu primeiro dia, é um prato especial. - Ela diz enquanto se senta na ponta de minha cama. - As outras crianças jantaram sopa de letrinhas, mas já acabou, algumas comem muito. - Ela ri. - Tomo conta da cozinha na maior parte do tempo por aqui. Sempre que precisar de mim, me procure lá.

Após conhecer melhor Saya e conversar com ela em meu quarto, ela me acompanhou até a cozinha onde saboreei o delicioso prato de macarrão que ela preparou para mim, sentada em uma mesinha branca. Todos aqui são gentis... Saitou-san não mentiu para mim sobre este lugar.

–//–

Acordo com um desconforto estranho, tive um sonho ruim. Meus olhos se abrem cheios de sono. Estou deitada em minha cama, embrulhada com um lençol macio, com as luzes apagadas. Após jantar, lembro-me de ter ido dormir e de Saya me desejando boa noite. Levanto-me da cama, deixando meu lençol desdobrado encostado no travesseiro e saio pela porta do quarto, pensando em ir a cozinha para tomar um copo d'água, um hábito que tenho. Ando durante um tempo, ás vezes fechando os olhos por longos segundos devido ao sono, e percebo que estou perdida. Continuo a andar e me deparo com uma porta aberta, dentre todas as fechadas. A porta dá para um quarto retangular, maior do que os outros, como uma sala, e há vários edredons espalhados com crianças dormindo. No meio há um adulto descansando embrulhado, parece estar dormindo também. Curiosa, entro no quarto em silêncio e me aproximo do adulto, percebendo que é o Hada-chan. Com cuidado para não acordá-lo, deito-me em cima de seu edredom e olho dormir. Ao deitar, olho para o teto e me deparo com muitos adesivos de estrelas e planetas, do tipo que brilha no escuro, fazendo com que o teto pareça o céu ou o espaço.

– Hm...? - Hada-chan acorda e abre os olhos, me vendo quase cair no sono já de olhos fechados, ao seu lado, enquanto outras crianças também dormiam ao redor dele. - Ito-chan?

– Ah... - Respondo. - Hada-chan.

– O que houve? Você está bem? - Ele me pergunta preocupado, esfregando os olhos e espreguiçando as pernas, sem perceber o quão bagunçado está o seu cabelo.

– Eu tive um pesadelo. - Digo enquanto encaro o cabelo dele.

– Ah... Foi apenas isso. - Ele suspira aliviado. - Ito-chan, a Saya ou alguém te trouxe aqui?

– Não. - Me embrulho com a ponta do edredom dele. - Eu fui beber água e me perdi... Porquê está dormindo aqui, Hada-chan?

– Hm... - Ele boceja - É um quarto que temos para quando contamos estórias ou fazemos teatro de sombras antes de dormir.

Observam Hada-chan enquanto ele me conta sobre o quarto e sobre o teatro de sombras que parece tão mágicas aos meus olhos inocentes.

– As crianças vem aqui quando não conseguem dormir. Se sentem mais tranquilas. - Hada-chan explica enquanto olha algumas crianças que parecíam ter formado um círculo em sua volta, todas em um sono sereno.

– Você contou estórias hoje, Hada-chan? - Pergunto, abrindo os olhos cansados.

– Sim. - Ele pega uma almofada jogada perto de nós, levanta minha cabeça com cuidado e coloca-a deitada no travesseiro. - Contei a estória do Peter Pan.

– Você contaria uma pra mim também?

– Hm... Estou com sono, então só uma. - Ele deita a cabeça novamente e fecha os olhos.

– Você pode contar qualquer uma. - Aproximo minha mão do rosto de Hada-chan e mexo em seu cabelo sem que ele perceba.

– Seu cabelo está engraçado. - Eu digo e ele ri baixo.

– Qualquer uma? - Ele suspira, com uma voz sonolenta. - Hm... Eu cresci aqui também. Sou órfão. Quando eu tinha a sua idade, gostava muito de tomar refrigerante de cola. Mas um amigo meu sempre tomava as garrafinhas... - Ele parece mais sonolento a cada palavra, ainda de olhos fechados - De refrigerante que eu guardava pra mim. Aí um dia, eu quis pregar uma peça nele e bebi uma garrafinha inteira rápido, e enchi ela de café, porque ia ficar parecendo Coca-Cola.

Ele para e fica em silêncio por alguns segundos, quase adormecendo.

– Hada-chan. - Cutuco sua bochecha.

– Hã? Ah... - Ele permanece de olhos fechados.

– O que aconteceu depois? - Pergunto, também com muito sono.

– Eu deixei a garrafinha na geladeira e fui jogar bola, eu acho. - Ele acomoda o rosto no travesseiro. - Aí depois eu ouvi ele saindo da cozinha com a garrafinha vazia falando bem alto "Quem colocou café no lugar do refrigerante?!", aí eu ri muito, e ele nunca mais bebeu meus refrigerantes sem pedir.

Após ouvir a pequena história de Hada-chan, eu ri baixo para não acordar ninguém, e um minuto depois ele havia estava dormindo feito pedra. Eu dormi bem ao seu lado, ouvindo seus roncos engraçados. O edredom do Hada-chan tinha um calor que eu podia chamar de "lar".


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Notas finais do capítulo

Não cheguei a citar nestes primeiros capítulos, mas o primeiro nome da Saitou é Nagisa. Aos que leram, espero que tenham gostado do Hada-chan, pretendo torná-lo um personagem importante. Por favor, deixem um comentário!



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