Um vasto campo com um solo áspero, pedregoso e infértil. Florestas estranhas com uma vegetação com folhas avermelhadas, todo aquele ambiente hostil que os olhos do major do exército de Hecate analisavam lhe fazia despertar questionamentos profundos em sua mente. Não fazia idéia do tipo de inimigo que estava enfrentando. Sabia apenas que tudo aquilo poderia ser relacionado com a perseguição ao criminoso Hiero Krypsimo. Algo intrigante era que seu adversário havia adquirido vantagem com a materialização do transio. Não tinha idéia de como era possível um devatã realizar tal materialização sem ser auxiliado por algum tipo de rem. Se o devatã que uma vez pertenceu ao esquadrão de Poseidon e lutou ao lado de seu parente consaguíneo desertor, Zero, se prendesse aos enigmas daquele confronto, com certeza sucumbiria aos caprichos de um assassino impiedoso.

Diga-me quem é você! – indagou o major novamente, com um olhar incendiado de fúria.

– Este lugar será o seu túmulo. Como presente, antes de sua morte, irei me apresentar. – disse Sorrow, realizando uma reverência cínica. – Meu nome é Alastor Anubis, conhecido talvez pelos devatãs inferiores pela sigla A.A ou Sorrow, o senhor das mil almas. Este lugar é o cemitério das almas, o exílio a que fui destinado, por meio da sentença emitida por Charles Chronus.

“Não pode ser!”

Houve alguns minutos de silêncio, o vento soprou de longe.

– Entendo... – sussurrou Waldrich, sentindo um sentimento de desamparo dominá-lo. – Como aquele criminoso pode ter chegado tão longe? Libertar um prisioneiro de Chronus. E o que mais me espanta, o que fez tal prisioneiro se ajoelhar perante este devatã covarde!? – indagou o major.

– Não está fazendo as perguntas corretas. – disse Sorrow, se aproximando por meio de alguns passos. – Pergunte-me como fui liberto. Como um devatã como ele foi capaz de destruir a barreira de Chronus, ser este conhecido por ser capaz de gerar uma defesa absoluta, uma das mais poderosas. – acrescentou, com um sorriso maligno. – Com as perguntas corretas, algumas respostas surgirão quase que instantaneamente.

– Não é possível que ele seja tão poderoso assim. Você deve ter contribuído de alguma forma. – disse Waldrich, sentindo-se apreensivo. – Chronus irá persegui-lo Alastor! Ele sabe que você foi liberto! Você e o Krypsimo terão que enfrentá-lo mais cedo ou mais tarde. Será uma batalha perdida. Ambos irão perecer!

Sorrow gargalhou.

– Sinto o cheiro do seu medo daqui! Este Krypsimo irá revolucionar este mundo imundo que esses velhos anciões dominaram. Estas leis, estas idéias antiquadas serão todas destruídas. Tudo será redefinido! O poder dele supera os meus, devido a um simples fator pequena criança. Apenas um! Ele é capaz de...

– Stupides! Não foi você mesmo que disse que não é preciso dar satisfação aos mortos!? – gritou Godard, surgindo como um fantasma há alguns metros de altura, logo atrás de Sorrow.

– O que é isto? – indagou o major, surpreendendo-se.

– Tem razão. Acho que já falei demais. Vamos acabar logo com isto. – disse Sorrow, preparando-se para conjurar um cantio. Porém, uma esfera de água se aproximou velozmente em sua direção, quando se deu conta foi obrigado a se esquivar imediatamente. – Esta foi por pouco.

Waldrich surgiu logo ao seu lado desembainhando sua sabre velozmente. A lâmina dirigiu ao encontro do tronco de Sorrow. O major comemorou mentalmente, sabia que seria um golpe fatal, porém a lâmina atravessou o corpo de seu adversário surpreendentemente. Sorrow saltou para longe.

“Impossível.”

– Por que esta expressão de espanto? Vamos, é bastante lógico. – disse Alastor, divertindo-se com a expressão do major.

– Você está começando a me irritar. Não terei piedade. – disse Waldrich, desviando o olhar para Godard. – Depois que acabar com você cuidarei daquela criatura.

– Isto está ficando muito agradável. Acho que o motivei quando comentei que o Krypsimo havia se tornado mais forte que eu. Isto lhe deu algum tipo de esperança. Gostaria de ver suas habilidades Leviathan. – comentou Sorrow.

– Será um prazer. – disse o major, assumindo uma expressão séria. – Aqua Bombardis! – ergueu a sua mão que estava livre e lançou vários tiros de água contra seu oponente.

Algumas almas se projetaram do corpo de Alastor. Várias delas se dirigiram velozmente ao encontro do major, algumas atingindo as projeções de água anulando seu efeito, enquanto outras desviaram para atingir o verdadeiro alvo.

“Eu preciso ter certeza.”

O Leviathan começou a fugir das almas, correu velozmente e as mesmas trataram de persegui-lo. Alastor o observava de longe, por um momento chegou a imaginar que o mesmo estava fugindo, pois estava tomando uma direção oposta. Sorrow notou que o fiel devatã de Hecate havia conjurado novamente seu cantio ofensivo, só que desta vez lançou vários tiros ao ar, passando por cima das almas. Sorriu, estava claro para ele que se tratava de uma tentativa de acertá-lo de longe. Fitou as projeções aquáticas despencando do céu em sua direção, decidiu ignorá-las, mas no último momento suspeitou que havia algo errado. As projeções atingiram o solo, como se o major houvesse errado a mira. Algumas poças de água se formaram ao redor. Direcionou o olhar as mesmas, com uma certa curiosidade, mas não havia nada para se preocupar. Estavam inertes. Retornou a atenção para o Leviathan que corria para fugir das almas. Decidiu lançar mais algumas, as mesmas se desprenderam de seu corpo. Subitamente, notou que o major havia desaparecido.

– Onde ele está? – indagou Sorrow, sentindo um calafrio.

“Conversio Aquatica”

Alastor sentiu uma emissão de energia bem próxima, quando virou seu corpo para reconhecer a manifestação, teve que se proteger rapidamente com seu antebraço. O sabre tratou de cortá-lo imediatamente, a lâmina atravessou a carne rasgando os tecidos.

– Argh! Maldição! – gritou Sorrow.

– Charta Aqualitis! – gritou o major, uma lâmina áquatica tomou forma perante seu oponente.

– Commutare Trajectus! – gritou Alastor, seu corpo trocou de posição com o do major instantaneamente. Este foi atingido por sua lâmina que o feriu, porém conseguiu cancelar o cantio a tempo antes que sofresse danos maiores. – Animus ambulandi. – acrescentou o devatã das almas, desaparecendo e ressurgindo em seguida numa região próxima.

O feixe cortante de água que havia se formado feriu a região inferior do abdomen do Leviathan, o sangue escorria lentamente. O ferimento não havia sido tão grave quanto o de seu adversário em seu braço esquerdo. O membro estava fatiado, uma porção de sangue jorrava, pendendo da carne mutilada e o que havia sobrado de músculos. O devatã das almas esgueirou o olhar para o machucado, indeferente, sem reação de dor. Waldrich o observava seriamente, logo tentou erguer-se um pouco, sentiu a fisgada do ferimento.

– Eu sabia. Você surgiu daquelas poças no chão. Devo tomar cuidado com esta habilidade. Se você é capaz de materializar a água com certeza será capaz de se misturar a ela. Estou vendo que perdi minha astúcia de batalha devido aos muitos anos de inoperância. Além disto, você foi capaz de notar algo sobre a materialização de minhas insídias rapidamente. – comentou Sorrow, enquanto caminhava para a beirada de um lago de ectoplasma esverdeado.

– Você concede este aspecto translúcido para suas insídias para que elas possam atravessar a matéria lhes dando mais mobilidade. Sua fonte de alimento talvez seja algo que se encontra no interior da matéria. Porém, quando você lhes concede tal direito, não consegue utilizar esta habilidade para proteger seu corpo de algum ataque. – disse Waldrich, analisando seu ferimento em seguida. - Você sofreu um sério dano. Está na hora de desistir desta luta. Cancele o cantio de violação temporal, eu não irei persegui-lo.

– Não seja tolo! – brandiu Sorrow, logo depois gargalhou enquanto se dirigia para o lago. – Agora que a diversão irá começar, pobre criança. – acrescentou, logo depois virou-se para seu oponente, com sua mão esquerda arrancou o membro direito dilacerado de uma só vez. O Leviathan impressionou-se com a cena, podia notar o membro mutilado pulsando enquanto Alastor o erguia para jogá-lo ao lago. – Não me importa mais ver suas habilidades. Percebo que você como qualquer outro animal, agirá no limite de sua força apenas na iminência da morte. Portanto, não me conterei mais nesta batalha. Existem outros meios de lhe derrotar sem destruir o seu corpo. – logo depois soltou o antebraço mutilado no lago, o líquido o engoliu, o traidor de William subitamente fitou Godard que assistia tudo em silêncio no céu. – Você irá testemunhar o meu poder Krypsimo! Poucos que tiveram este privilégio sobreviveram! Você verá o segredo. Como um imperitus foi capaz de sobreviver por mil anos e transcendeu os poderes de um devatã sangue puro! Logo você verá! Será uma troca de segredos! Antes irei lhe explicar que primeiro terei que enfraquecer esta criança teimosa!

– Um imperitus? – Waldrich indagou para si mesmo . – Isto é impossível. Ele ficou louco?

“ Eu tenho uma vaga lembrança sobre seu nome Sorrow, mas não sabia que você era um imperitus. “

– Solemnia Verba:... – disse Sorrow, retomando a atenção para seu oponente.

– Não! – gritou o major. – É inútil! Acha que irei permitir!? – tomando uma posição de batalha, preparou-se para disparar contra o oponente que conjurava uma das magias mais poderosas de um devatã . Porém, o lago inteiro atrás de Alastor se agitou ferozmente, em seguida milhares de almas emergiram cobrindo o céu.

“Somente com um pedaço de carne estas criaturas se agitam, sentem fome. Como cães famintos buscarão alimento, por toda a extensão deste território, uma vez que provarem uma ínfima porção de carne fresca. Engana-se aquele que acha que seu alimento trata-se da matéria apodrecida. Na verdade, buscam a essência.O elixir extraído de qualquer organismo, o ectoplasma. O lago inteiro é coberto por ectoplasma, mas a sede destas criaturas é infinita. Esta sede é necessária, para que minhas insídias sempre busquem o elixir que me faz ser o que sou.”

– “Somente em mim, em minhas mãos, se encontra o destino dos pecadores. Os mortais utilizam o Dharma como pagamento do sofrimento. Receptáculo de Anúbis, o juiz dos mortos, que meu julgamento seja breve..... – recitou Alastor, como uma oração, invocando o poder da solemnia verba, enquanto isto as almas trataram de atacar Waldrich que tentou repelí-las desesperadamente. Tentou a todo custo impedir a conjuração. – “Ó força que marcou meu princípio! E atua em meu presente!”– gritou, abaixo de seus pés, sobre o solo uma circunferência tomou forma, irradiando uma energia esverdeada, no centro um símbolo tomava forma, tratava-se de Ankh, também conhecida como Cruz Ansata, a chave da vida ou a chave do Nilo. Era um símbolo egípcio antigo. – “Ordeno ás potências magnéticas que se transformem, e que a consciência domine a minha existência! Elohim! Elohim! Elohim!”– a energia de Sorrow irradiava de seu corpo e da insígnia que se projetava sob seus pés, Waldrich se aproximava velozmente conjurando vários cantios para desintegrar a imensa quantidade de almas que impediam sua passagem – “A carruagem da morte o aguarda, mortal. A conjuro, estabeleça-se em minha consciência. Livrai-me da submissão do tempo. Dê-me o poder de clarear o momento e de julgar aquele mais tolo. Anúbis...Anúbis...Anúbis... Sententia est....”

– Não vou permitir! – gritou Waldrich. – Conversio Aquatica! – o corpo do Leviathan desapareceu subitamente, deixando para trás as almas que se misturaram, logo depois o líquido do lago atrás de Sorrow formou um turbilhão que dirigiu ao encontro do inimigo, o ectoplasma se desconfigurou e se transformou no major que ergueu a lâmina de seu sabre em direção ao oponente. Este se virou para confrontá-lo.

– Actio... – a lâmina atravessou o peito de Alastor, o Leviathan fez questão de empurrá-la ferozmente. Podia observar de perto a face apodrecida de seu adversário, assim como os olhos enbranquecidos enquanto o sangue jorrava manchando o ar. Com um último suspiro, um número foi dito. - #3.

O devatã que controlava a água estremeceu. Por apenas alguns segundos pensou que poderia não ter obtido êxito. Achou que era tarde demais, a insígnia logo abaixo não havia se desmaterializado. Não tinha idéia do que iria acontecer, uma solemnia verba sempre foi algo imprevisível, pois existiam tipos distintos. Em todas as batalhas sempre acontecia o mesmo, era uma luta para impedir uns dos devatãs de consolidar a primeira solemnia verba, pois assim que conjurada poderia ser o fim. O sangue rubro do ferimento que havia banhado a lâmina gotejava. Teria obtido êxito? Teria impedido a conjuração? Era o que Waldrich se perguntava no momento, um olhar atento para o rosto de seu adversário foi o suficiente para ter certeza. Estava imóvel, sem vida. Um alívio tomou conta de seu corpo, porém ouviu de longe o barulho do brandir de um chicote. Os ruídos de cavalos lhe davam a impressão de que uma carroagem se aproximava. Não quis olhar para trás. De repente, sentiu seu corpo estranho. Um calafrio intenso, como se algo o arrastasse de dentro pra fora. Estava no ar, soerguido ainda pelo movimento do último golpe, a face de Sorrow já não existia, mini cubículos negros se formavam desfragmentando todo o corpo, notou que o mesmo ocorria consigo mesmo. Seu corpo estava se desmaterializando, assim como o de seu adversário. Não demorou muito para ambos desaparecerem. Restando apenas Godard no céu, observando tudo curiosamente, assim como o Krypsimo, que enxergava tudo por meio dos olhos de sua fiel criatura. Em outra dimensão, o devatã de óculos no rosto sorriu, estava satisfeito, em breve compreenderia um mistério intrigante sobre o imperitus transcendente.

Preview:...

Alastor se aproximou lentamente do cadáver do major, em sua mente recordava de algumas lembranças junto de seu antigo mestre. Godard havia lhe contado que o mesmo havia sido assassinado por um Leviathan. Sorrow não fazia idéia de como alguém como ele pôde ter sido derrotado por um devatã que ele próprio julgou tão fraco. Por um momento, chegou a pensar que o seu oponente poderia ainda de alguma forma enfrentá-lo através de uma habilidade oculta que provaria os fatos ocorridos na realidade, porém nada aconteceu. Balançando a cabeça negativamente enquanto caminhava, tentou retirar o pensamento tão ingênuo. Seria impossível ter escapado do julgamento de Anúbis. Se fosse em outra época, até poderia ter ocorrido, mas não atualmente. Com o maior presente de William o Anúbis havia encontrado um meio de driblar as falhas do julgamento.

O corpo estava imóvel, Waldrich estava pálido, com a boca entreaberta e os olhos abertos. A imagem do desespero ainda estava gravada em seu rosto. Aquilo excitou Sorrow, este não pôde segurar uma risada. Agachou-se lentamente, Godard estava atento. O prisioneiro de Chronus, agora liberto, deslizou o braço pelo corpo do major até chegar em seu pescoço. Inclinando o corpo, sussurrou alguma coisa no ouvido pertencente ao corpo sem vida.

– Isto agora me pertence.

Próximo Capítulo: Suicídio e Ressurreição.