Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 85
Capítulo 85: POV Arya Noleira




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Charles tinha acabado de sair do meu quarto com os fotógrafos, e eu tentei juntar todas as folhas que estavam jogadas em cima da minha mesa. Eu não me importava tanto com a fantasia que usaria para a festa, eu estava mais preocupada com a música que eu tocaria. Eu tinha terminado de escrevê-la e sabia que poderia ofendê-lo completamente. Era sobre ele, sobre a vida no castelo. Poderia parecer que eu estava tomando proveito da situação para tentar me fazer famosa, para tentar me promover. E eu queria mesmo que aquilo pelo menos ajudasse a minha irmã. Mas a verdade era que eu não conseguiria escrever nenhuma música que não fosse parte de mim.
Eu só me apresentava, eu nunca tinha tido a sorte de Abigail Neumann. Eu não tinha gravado nenhum CD, eu nunca nem tinha conhecido nenhum produtor musical. Eu me esforçava, era verdade. Mas eu estava contente com a minha vida, eu não pensava em mudá-la.
E a música para mim era mais do que só um emprego, eu não a via tanto como um jeito de ganhar dinheiro. A minha música era o meu diário. O que eu estava pensando, eu colocava em melodia. Eu não conseguia escrever, porque, se tivesse, acabaria com um caderno inteiro em um dia. E, tá, algumas de minhas músicas tinham letras enormes, mas ninguém tinha reclamado. Era o que eu estava pensando e eu conseguia me controlar até muito bem. Conseguia não ficar escrevendo versos intermináveis. Eu nunca tinha escrito uma música de quarenta minutos e eu já considerava isso a maior das vitórias.
Eu só tinha medo desse meu jeito de escrever sobre a minha vida ofender quem estava à minha volta. Já tinha acontecido antes, eu já tinha quase perdido uma amiga pela música que eu tinha feito quando nós brigamos. Mas até então, eu nunca tinha falado de ninguém que tinha uma vida tão pública. Então ainda não sabia se eu estava passando dos limites ou não.
Depois que Charles saiu, eu deixei minhas criadas cuidando de tudo, peguei meu violão e fui até a sala de música. Eu precisava melhorar o finalzinho da música antes de tocá-la. Decidi não me importar mais com o que eles pensariam, não enquanto eu tinha que praticar. Se eu ficasse com isso na cabeça, ia acabar me perdendo e não conseguindo me preparar para chegar até a apresentação.
Eu estava sozinha. Quando cheguei lá, Beatriz estava saindo da sala, então não tive que me preocupar com ninguém me ouvindo antes da hora. Me coloquei no sofá perto da janela e tentei começar a tocar a música do começo.
Mas minha cabeça estava cheia, e eu já estava cansada daquelas letras. Então deixei meus dedos tomarem conta da melodia, fazendo o som que fizessem, inventando por conta própria. Fiquei ali, tocando notas solitárias, sem as deixarem se conectar, tentando acalmar a minha cabeça que estava a mil.
"Esse ritmo não me parece muito apelativo," ouvi do nada e me assustei.
Quando me virei para a porta, Jack estava apoiado no batente. Ele tinha esse jeito de aparecer quando eu menos esperava, não que me incomodasse. Ele começou a andar até mim de braços cruzados.
"Não é uma música," eu falei, já imaginando sem querer mil coisas que poderiam acontecer entre nós.
"Não achei que fosse," ele disse, se sentando do meu lado no sofá.
"Achei que já tivesse ido embora."
"Já te falei que eu não vou embora sem me despedir de você," ele disse, olhando para as folhas de partitura que estavam sobre a mesa de centro na nossa frente. "Achei que você não estava tocando uma música."
"E não estava," disse, puxando as folhas para mim.
"Por que você não me deixa ler pelo menos a letra?" Ele perguntou, parecendo um pouco ofendido. "Você não quer saber o que as outras pessoas vão pensar?"
"Quero," falei, dando de ombros. "Mas sei lá, até eu cantar, é como se você estivesse lendo o meu diário. É bem como se você estivesse lendo o meu diário mesmo. Eu praticamente escrevo qualquer coisa que vier à minha cabeça, nem que não rime. Se você ler a letra, vai saber o que eu estava pensando."
"Eu realmente quero saber o que você está pensando," ele disse, sorrindo de lado.
E eu me perguntei como alguém podia ficar tão bonito com um sorriso tão torto.
"Você quer saber o que eu estou pensando?" Perguntei, já enumerando na minha cabeça as mil coisas que eu estava percebendo com ele na minha frente. Mil coisas que chamavam a minha atenção.
Como o jeito que ele estava apoiado com o cotovelo no joelho, todo torto, mas ao mesmo tempo, quase estudado para ser o jeito mais descolado de se sentar.
Como o ar dele de convencido só o deixava ainda mais atraente.
Como eu não conseguia entender como um cara como ele, que tinha tudo que ele tinha, ainda conseguia achar tempo para vir falar comigo.
Não que ele falasse muito, era só eu que falava quando ele estava do meu lado.
Mas a culpa não era minha. Ele me desconsertava com esse jeito dele de me olhar. Era como se ele me achasse a coisa mais divertida do mundo e ele não conseguisse tirar o olho de mim.
Devia ser por isso que eu passava os meus dias me perguntando quando eu ia me encontrar com ele de novo.
E comemorava silenciosamente na minha cabeça quando ele aparecia do nada, tipo naquela hora.
"Sim," ele disse, me trazendo de volta à realidade. "Me diz, o que você tá pensando?"
MIL COISAS, eu pensei de novo. Eu deveria me arriscar lhe contando uma? Deveria contar todas? Deveria ficar quieta e lembrar do meu lugar?
"Estou pensando que eu vou pagar o maior mico do universo hoje à noite," confessei.
Meia verdade ainda não é mentira, certo?
"Você vai se apresentar?" Ele perguntou, se inclinando no sofá.
Eu só concordei com a cabeça, com medo de abrir a boca e soltar tudo aquilo que estava correndo pela minha cabeça.
"É essa música aí que você vai tocar?" Ele apontou para os papéis que eu tinha colocado embaixo do braço. "Vai, toca uma vez para mim, eu posso te dizer se você vai pagar mico ou não."
"Eu acho que prefiro deixar chegar a hora," disse, já imaginando a grande vergonha que seria tocar sozinha para ele, aquela letra minha.
Ele julgaria palavra por palavra, se perguntando o que eu estava pensando quando as escrevi. Ele pensaria que eu gostava mais de Charles do que era verdade, toda vez que ouvisse um verso que eu tinha exagerado, só para tentar deixar a música comercial o suficiente para a minha irmã usá-la. Ele poderia pensar que eu não estava nem aí para ele.
E eu estava bem aí para ele.
Não que eu fosse admitir isso para ninguém.
Eu nem admitia para mim mesma, para falar a verdade. Só era legal aproveitar a admiração dele.
Mesmo que eu não tivesse a menor ideia de onde ela vinha e porquê!
"Você vai se fantasiar de quê?" Ele perguntou, parecendo perceber que eu estava conscientemente me deixando um pouco mais quieta naquela conversa.
"Mulher maravilha," eu disse, torcendo um pouco o nariz.
Não entendia de onde vinha essa vontade enorme de agradá-lo, mas se ele me dissesse que não gostava da minha ideia, eu estava pronta para mudá-la.
"Ah, então quem sabe eu consigo arranjar alguma fantasia de Super Homem!" Ele falou, rindo.
"Mas o Super Homem não faz par com a Mulher Maravilha," eu soltei sem pensar. "Se você fosse de Super Homem, eu teria que ir de Lois Lane."
Ele percebeu o que eu tinha falado antes mesmo que eu me tocasse. Sua expressão ficou séria um segundo antes de ele abrir um sorriso enorme.
"Você quer ir com uma fantasia que faça par comigo, é?" Ele perguntou, me fazendo arregalar os olhos e repassar na minha cabeça se eu tinha mesmo falado besteira.
Mas eu tinha, é claro que eu tinha. Eu ainda era eu.
"Eu-" comecei a falar, sem ter ideia de como eu poderia melhorar aquilo.
O mundo pareceu parar quando ele deslizou no sofá para chegar um pouco mais perto de mim e eu fiquei de repente bem consciente de todas as pessoas que poderiam aparecer na porta a qualquer momento.
"Se eu for de Super Homem, você seria a minha Lois Lane?" Ele perguntou, chegando ainda mais perto de mim.
Eu queria me esconder atrás do meu violão, mas não queria o suficiente para fazê-lo. Pelo contrário, eu fiquei paralizada, como se aquilo fosse me impedir de ter culpa no que estava prestes a acontecer ao mesmo tempo que não o fosse evitar. Jack foi bem mais delicado do que eu tava esperando, afastando uma mecha do meu cabelo e colocando-o atrás da minha orelha.
Pronto, eu estava exposta. E ele estava se sentindo na liberdade de fazer o que fosse comigo. Não que eu me importasse.
Meu coração acelerou conforme seu rosto foi chegando perto do meu e, sem pensar, eu fui me inclinando para ele.
"Com licença," alguém falou do nada, nos assustando e fazendo com que nós nos afastássemos rapidamente um do outro.
Meus olhos viraram para a porta por um segundo antes de mirarem o chão, só o tempo suficiente para eu perceber que era Charles que estava ali.
"Príncipe Jack, eu poderia falar com você por um minuto?" Charles perguntou com sua voz dura, enquanto eu me questionava quão difícil seria eu enterrar a minha cabeça no estofado do sofá.
Jack andou até ele com convicção e seu queixo estava levemente levantado, deixando-o com cara de quem não cederia por nada no mundo.
Mas não tinha o que ele falar, não tinha o que ele fazer. Eu repassei na minha cabeça o que tinha acontecido, me perguntando como poderia ter parecido para alguém de fora. Eu não queria que nada acontecesse com Jack, de verdade. Mas eu era a mais afetada ali. Eu era a Cinco, que tinha se esquecido do seu lugar. Ele era realeza, ele nem era de Illeá. Ele poderia facilmente pegar um avião e nunca mais voltar para cá. Enquanto eu seria a idiota, que passaria o resto da vida dela como a traidora do príncipe.
Deixei meu violão cair no chão, sentindo uma pontada de dor quando eu ouvi o barulho que ele fez. Eu queria largá-lo, sem me importar, mas não queria que ele estragasse. Depois me deitei no sofá, agonizando como o futuro que me esperava. Eu tinha muita sorte de não existir mais a casta Oito, senão eu já estaria sendo coroada por ela.
Eu não podia acreditar que eu tinha estragado tudo no meu primeiro dia de Elite! Mas a culpa não era minha! Eu mal tinha algum contato com Charles! Ele estava ocupado demais com a vida dele. E eu entendia que era assim que acontecia, ele tinha várias outras meninas para conhecer. Eu não reclamava disso, de verdade. Eu sabia que tinha que ter paciência, que a Seleção não se resolveria de um dia para o outro.
Mas o problema não era nem a carência que eu sentia, era que tinha outro cara ali, um cara que tinha tudo que Charles poderia me oferecer, que suprimia essa carência. E não só isso, esse cara vinha atrás de mim, se preocupava comigo. Ele queria saber do que eu gostava, ele não se incomodava com o meu jeito. Pelo contrário, ele gostava do meu jeito perdido.
Eu relembrei aquele dia na floresta, ele sorrindo para mim daquele jeito dele, torto e encantador. Ele gostava do meu jeito perdido. E ele poderia estar sendo mandado embora do castelo naquela hora, enquanto eu ficava ali, parada, sem fazer nada. E se eu nunca mais o visse? E se ele fosse embora e eu tivesse que passar o resto da minha vida comparando todos os outros caras que eu encontrasse com ele, só para chegar à conclusão de que ninguém me olharia do jeito que ele me olhava? E se eu passasse o resto da vida solitária porque ninguém conseguia me ouvir falando sem parar? Ele queria me ouvir, ele gostava de me ouvir. Ele gostava de mim. E eu não podia simplesmente deixá-lo ir embora antes de tentar explicar o quanto eu gostava disso.
Me levantei de uma vez e corri para fora da sala, deixando meu violão para trás. Não sabia para que lado tinha que correr, só sabia que não podia parar.
Eu quase escorregava com as minhas sapatilhas, mas a cada passo que eu dava, eu imaginava uma cena terrível diferente. Nem era mais o fato de nunca mais vê-lo que me importava. Minha mente criativa já estava criando cenários em que batiam nele, em que ele virava prisioneiro político. Eu precisava pelo menos falar em sua defesa! Eu precisava pelo menos tentar explicar-
De repente a minha corrida foi interrrompida por um corpo no meio do corredor que realmente não devia estar ali. Eu bati com tudo nele e fui jogada para a direção contrária, parando com tudo. Minha cabeça bateu em alguma coisa na minha frente e eu senti o mundo girar enquanto tentava amortecer a minha queda com as minhas mãos.
Um guarda chegou atrás de mim para me segurar, mas eu bati com a cabeça no chão antes que ele pudesse me alcançar, só piorando a tontura que já estava tomando conta de mim. Ele me levantou um pouco, me colocando em seu colo, me perguntando se eu estava bem. Honestamente, eu ficaria melhor se ele parasse de tentar me fazer falar.
Fechei os olhos, ordenando meu cérebro para se concentrar em um ponto fixo, nem que fosse dentro da minha cabeça, tentando ao máximo desmanchar aquela tontura. Eu ainda tinha coisas para fazer, eu ainda tinha que ir defender Jack.
"Você está bem?" Uma segunda voz me perguntou e eu abri os olhos para encontrar o cara em quem eu tinha batido.
Ele era ruivo, quase loiro, e seu rosto era cheio de sardas. Seus olhos enormes e azuis me encaravam, preocupados, enquanto eu só conseguia me perguntar se ele era mesmo real ou se eu o estava imaginando. Tentei levantar uma mão para tocá-lo e descobrir se ele era uma miragem, mas não tinha forças o suficiente para alcançá-lo.
"Ei, está me ouvindo?" Ele me perguntou, quando eu comecei a fechar os olhos.
Eu tentei sorrir, tentei concordar com a cabeça, mas não sei se funcionou. A última coisa que ouvi foi uma voz feminina gritando com ele que ele era muito desastrado, chamando-o pelo nome.
Gerad.


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