Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 82
Capítulo 82: POV Nina Marshall




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Dizem que o primeiro passo para mudar é admitir o problema. Pelo menos foi o que a minha terapeuta me disse quando eu tinha quinze anos de idade. Negar o que está acontecendo não te ajuda em nada, pelo contrário. Enterrar o que te incomoda não ajuda a te esquecer. Não mesmo.
Naquela época, o que a minha terapeuta queria dizer era que eu precisava encarar os meus defeitos. Segundo ela, eu tinha medo de perder as pessoas. E, por causa disso, eu estava sempre querendo agradar todo mundo. Eu pensava mil vezes antes de dizer alguma coisa, sempre via a minha presença como um incômodo. Eu pisava em cascas de ovos perto de quem supostamente era meu amigo, sempre com medo de dizer a coisa errada e eles me darem as costas. E depois que o único cara que já tinha olhado para mim me deixou, esse medo só cresceu. Eu não era o suficiente, eu precisava ser o que eles queriam. E a minha terapeuta me assegurou de que se eu percebesse isso, significaria que eu estava pronta para mudar, pronta para superar esse medo do abandôno.
O fato era que eu tinha passado muito tempo da minha vida daquele jeito, presa naquilo. E depois de todas as vezes em que ela tentou me explicar porque aquilo não estava certo, eu comecei a entender. Tentar agradar alguém é chato. Não só para você, como para a própria pessoa. É o pior plano que alguém pode ter, pois ele só traz o resultado completamente contrário daquele que você queria. E no final das contas, nas raras vezes em que funciona, a pessoa vai gostar de você pelas razões erradas. Ficar engolindo coisas, escondendo pedacinhos de você para as outras pessoas não acharem defeito só as impede de conhecer quem você é de verdade. E é sempre melhor ser odiado pelo que você é do que amado pelo que não é.
Pois eu admiti meu problema. E eu entendi tudo isso. A teoria estava clara em minha cabeça, te garanto. Eu só não conseguia colocar isso em prática.
Mas com ele tinha sido diferente. Por alguma brincadeira do destino, eu sentia um impulso em ser eu mesma perto dele. Eu tinha passado tanto tempo tentando mudar, era bem esquisito sentir que ele trazia isso à tona em mim sem eu nem perceber. Eu nunca cheguei a me questionar se o que eu falava o agradaria. Pelo contrário, às vezes eu realmente queria era irritá-lo. Eu queria que ele me odiasse, eu precisava que ele me desprezasse.
Eu precisava mesmo era que eu o desprezasse. Mas não dava. Eu tentei de verdade, tentei me lembrar do podre dele, tentei esquecer tudo de bom que eu já tinha visto nele. Mas ele era bom como pessoa, até com seus defeitos. E eu me odiava por não odiá-lo. Me odiava por nem querer que ele mudasse, por querê-lo do jeito que era, com seus defeitos, por inteiro. E me odiava muito.
Mas eu não só me odiava. A pior parte nem era como eu ficava nervosa perto dele, ou nervosa quando estava olhando para ele, ou até mesmo quando estava a mil quilômetros de distância, só por estar pensando nele. A pior parte não era eu sonhar com ele praticamente toda noite e querer empurrar a princesa da França toda vez que eu a via. Juro que a pior parte não era nem o fato de que eu tinha esquecido de que eu não deveria nem olhar para os lados, que deveria estar completamente comprometida a Charles.
Não. A pior parte era que eu estava feliz. Eu estava realmente feliz. Tudo que eu sempre quis na minha vida era um amor que me consumisse, que me deixasse sem ar, que eu não conseguisse viver sem. E eu sentia na minha pele que era bem aquilo que eu tinha encontrado. Era uma eletricidade que tomava conta de mim enquanto eu tivesse acordada e que inundava meus sonhos quando eu dormia. Eu andava pelo castelo nas pontas dos pés, sentindo uma necessidade enorme de tentar flutuar. Parecia que se eu levantasse o suficiente, eu finalmente conseguiria tirar os pés do chão. Se eu pulasse mais alto, eu já estaria voando.
E todo aquele clima ruim que ficou no castelo não parecia me afetar. Até afetou, na verdade, mas de um jeito completamente diferente. Era como se toda a gravidade do que acontecia só tivesse me mostrado a urgência de parar de negar o que estava acontecendo dentro de mim.
Então essa era eu, admitindo meu problema. Mas eu não queria solucioná-lo, eu gostava dele. Eu não podia acreditar que estava me deixando pensar isso, mas eu realmente gostava de ficar pensando nisso o tempo inteiro. Eu gostava que ele me incomodava, eu gostava de querer esperniar o dia inteiro e sentir como se eu fosse a menina mais leve que já tinha vivido. Eu gostava de como ele me fazia me sentir a pessoa mais adorada do mundo ao mesmo tempo que eu tinha medo de ele nem se importar comigo.
Nos últimos dias, eu tinha repassado o nosso beijo na minha cabeça mil vezes. E a cada vez, eu me perguntava porque eu tinha sido idiota o suficiente para não ter continuado, porque eu tinha sido idiota o suficiente para ter fugido. Ao mesmo tempo, eu sabia qual era o problema daquilo tudo. Sabe, aquele problema do qual eu gostava e que eu não queria solucionar. Eu ainda era uma selecionada. E aquilo ainda era errado, ainda era uma traição.
Logo depois do jantar, quando algumas de nós fomos até o Salão das Mulheres e ouvimos de Silvia que éramos a Elite, eu fui a única que não comemorou. Pelo contrário, aquilo era a última coisa que eu queria ouvir. E só me trouxe de volta para a realidade, me soltando com tudo no chão.
Eu não podia deixar que aquilo tomasse conta de mim, aquele sentimento estúpido que me deixava tão feliz. Porque aquela felicidade era idiota. Bem idiota. Eu ainda era uma das selecionadas. E mesmo que eu não fosse, mesmo que Charles tivesse me colocado na lista das eliminadas, o que eu faria? Eu teria que ir embora, eu teria que deixar o castelo. E deixar o castelo significaria deixar Sebastian. E eu não queria deixá-lo por nada nesse mundo. Não agora, não quando eu finalmente estava entendendo o que eu tanto queria.
Ser parte da Elite era uma vantagem, era uma coisa boa. Só não era perfeita, não era do que eu precisava. Pelo menos eu tinha conseguido um pouco mais de tempo para descobrir um jeito de tentar explicar para Sebastian o que eu sentia. Eu só não tinha a menor ideia de como fazer isso.
Primeiro, porque tinha uma voz bem alta dentro da minha cabeça que gritava que ele estava com Amélie. Eu não tinha visto os dois juntos desde a semana passada, mas ela claramente gostava dele e falava isso para quem quisesse ouvir. E depois, nos últimos dois dias, eu não tinha tido a menor chance de falar com ele para pelo menos perguntar se eles estavam juntos ou não.
Honestamente, eu não queria perguntar, porque eu sabia o que ele diria e aquela era a última coisa que eu queria ouvir. Ainda estava na fase de negar na minha cabeça e achar que aquilo faria o problema desaparecer. Quem sabe um dia eu o admitiria.
Eu também não tinha ideia de como falar para ele o que sentia, porque eu tinha medo de ele rir na minha cara! É, pois é. Depois daquele dia - que era aniversário dele, pelo amor de deus! - eu tinha mesmo muito medo de ele simplesmente me falar que eu tinha perdido a minha chance e me largar. Ele tinha todo direito de fazer isso, eu o tinha rejeitado! Mas não era culpa minha, eu não sabia o que queria.
O que me levava para a última coisa que me impedia de me declarar de verdade: ele era da realeza. Sabe? Aquela família da qual Charles fazia parte? Aquela que eu estaria traindo se eu admitisse devoção a qualquer outro cara além dele. Se Sebastian não se sentisse como eu, seria praticamente como se eu estivesse confessando um crime. E o pior crime de toda a constituição, diga-se de passagem. Trair o seu país é inaceitável, inadmissível. Eu já podia imaginar a cena de eu sendo punida por ter me apaixonado por ele, enquanto ele assistiria de braços dados com a Amélie.
Não, não tinha jeito de eu simplesmente ir até ele e começar a falar tudo que estava rodando pela minha cabeça. Não sem antes eu saber o que ele pensava de mim, o que eu significava para ele.
Nós, selecionadas da Elite, saíamos do Salão das Mulheres e fomos até o hall de entrada do castelo para nos despedirmos das nossas amigas. Abigail foi a primeira a descer. Ela se fez de forte, mas dava para ver que ela estava realmente incomodava. Depois Jenny chegou e então a família real se juntou a nós.
Para surpresa de absolutamente todo mundo, Charles nos informou que o novo rei da Alemanha iria pedir a mão de Melissa em casamento. Todas nós soltamos gritinhos de espanto. Ninguém conseguia acreditar naquilo, mas concordamos em não atrapalhar. Eu mesma estava louca para perguntar para ele como Theodore tinha conseguido fazer Charles aceitar o que deveria ser considerado traição. Eu queria ideias, queria jeitos de conseguir driblar essa regra.
Mas a situação era completamente diferente. Eu percebi isso enquanto Theodore se ajoelhava na frente de Melissa. Eu sabia que os dois se conheciam antes de ela entrar para a Seleção. E ele tinha esperado ela ser eliminada para se declarar. Ele a tinha esperado fechar aquele capítulo da vida dela antes de lhe pedir em casamento. E eu imaginava que tinha ajudado o fato de que ele não poderia ficar ali, ele tinha que voltar para o seu país. Charles não negaria um pedido feito por um homem que tinha acabado de perder o pai. Ele era bom demais para isso.
Não consegui evitar de chorar quando ouvi as palavras de Theodore para Melissa. Toda mulher deveria ter uma chance de ouvir aquilo de alguém algum dia e eu só conseguia me imaginar no lugar dela. Era aquilo que eu queria, era daquilo que eu precisava. E parecia que eu estava a várias milhas de distância e que aquele tipo de futuro me era inalcansável. Eu chorei, porque o que ele disse era lindo. Mas principalmente porque eu estava de fora, olhando para eles, ao invés de estar vivendo aquilo.
Melissa não deixou o castelo. Pelo contrário, ela seguiu com Theodore para o seu quarto, onde os dois ficariam até o dia seguinte, quando eles partiriam para a Alemanha, enquanto o resto de nós se preocupava com a nossa fantasia de Halloween. Era um adeus da nossa parte do mesmo jeito, só um pouco adiado. E depois as outras meninas chegaram e nós nos despedimos. Abbie, que já tinha chorado com o pedido de Theo, aproveitou para chorar no ombro de Gabrielle.
Eu fiz o que pude para não olhar para o lado nenhuma vez enquanto me despedia de cada menina que estava indo embora, mas a presença de Sebastian ali me era muito clara e eu não conseguia pensar em mais nada. Era como se eu o pudesse sentir, mesmo estando a alguns metros longe de mim. Eu estava dolorosamente ciente de que ele estava ali e, logo depois, estava Amélie.
Me retirei assim que pude, assim que as meninas foram embora. Ninguém me questionou, provavelmente pensando que eu estava triste por elas terem ido embora. A verdade era que eu tinha muita coisa na minha garganta, muita coisa que eu queria dizer, mas não podia. Então me virei para a segunda melhor coisa a se fazer nessas horas.
Que, caso você não saiba, seria escrever uma carta.


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