Quando a Chuva Encontra o Mar: Uma Nova Seleção escrita por Laura Machado


Capítulo 133
Capítulo 133: POV Nina Marshall




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É preciso ter cuidado com aquilo que você deseja. Eu ouvi isso a minha vida inteira, como qualquer outra pessoa normal. Eu sempre gostei de frases prontas, que resumissem sentimentos ou me fizessem entender um pouco do mundo à minha volta. Frases que tentassem resolver a vida e explicar coisa, ensinar outras. Mas essa, essa eu odiava.
Porque eu não queria ter cuidado. Eu acreditava no fundo do meu coração que se eu desejasse coisas boas, se eu realmente quisesse o que eu queria, eu estaria bem. Meus sonhos sempre tinham sido claros, eu nunca tinha duvidado deles. E desde bem nova, eu sabia o que eu queria.
E não era só a ideia que tocava repetidamente na minha cabeça como um disco quebrado. Era a frase, a frase que eu tinha pensado pela primeira vez quando tinha doze anos, a frase que eu repetia para mim mesma. Toda vez que eu me perguntava quem era, o que eu queria, para onde eu ia. Eu a repetia e eu sabia.
Eu queria um amor. Um amor que tomasse conta de mim. Que me consumisse. Sem o qual eu não conseguisse viver. Eu queria perder o ar, eu queria perder meu chão. Eu queria poder olhar para todos os meus livros e ter a certeza de que eu não trocaria um segundo desse amor pela história que preenchia cada página deles. Eu queria um amor que fizesse valer a pena viver. Queria poder me sentir a pessoa mais sortuda do mundo, sentir que eu tinha algo que ninguém mais no mundo conseguiria. Algo que talvez ninguém conseguisse entender. Algo só meu, que me tomasse por inteira.
Eu queria um amor verdadeiro, épico, histórico. Eu queria um daqueles que só acontecesse de vez em quando, que realmente marcasse época. Eu queria ser parte de uma história de amor que durasse anos, que fosse contada entre gerações. Eu queria um amor verdadeiro. Era tudo que eu queria. Um amor que me consumisse.
E me consumiu. Eu consegui. Eu queria e consegui. Eu queria ficar sem respirar? Consegui. Se era um amor que me tirasse o chão que eu buscava, eu tinha encontrado. E eu não tinha sido cuidadosa, eu tinha me esquecido, ignorado aquela frase que me atormentava. Eu tinha tanta certeza de que meus desejos eram puros, que eu não vi como aquilo podia se virar contra mim. Eu acreditava na beleza do amor que eu buscava, tinha me passado completamente despercebido o tamanho do sofrimento que poderia vir com ele.
Mas a pior parte, o que realmente acabava comigo, era saber que esse amor era correspondido. Era me abraçar, apertar meus braços contra meu peito deitada na minha cama gelada e ter certeza de que ele também me amava. Era ter tudo para ganhar, mas perder mesmo assim. Era estar ali, sozinha, quando ele estava com ela. Era me perguntar se ele ainda pensava em mim. Era me perguntar quanto tempo demoraria para ele parar de pensar em mim. Se algum dia ele me esqueceria. Se o que o meu futuro me guardava seriam anos de vê-lo por fotos do lado dela, me esquecendo pedacinho por pedacinho a cada segundo.
Eu sabia que tinha encontrado o que queria. Eu sabia que aquele amor já era parte de mim, a minha essência. Eu sabia que não tinha como ele sair de mim. Eu podia não saber o que seria de Sebastian, mas sabia que eu nunca conseguiria deixá-lo. Que em todos os anos em que eu vivesse e assistisse sua vida como um filme, eu ainda o amaria. Eu ainda me agarraria a cada palavra que ele tinha me falado, cada suspiro do lado dele. Cada segundo que eu tinha perdido o ar por ele seria guardado em meu peito. E nunca conseguiria deixar aquilo para trás.
Eu me revirei na cama, minhas mãos em minha garganta, segurando a capa dura do livro contra mim. Estava frio demais, eu quase tremia. Mas fechar a janela não era uma opção. Eu queria aquele vento, eu precisava dele em mim. Eu queria tremer, queria poder sentir algum tipo de dor física, alguma coisa que me distraísse daquilo que me pertubava.
Mas era demais. O sol que entrava não era o suficiente para me esquentar, mas me incomodava. Era claro demais, e eu queria o escuro. Eu queria que o mundo me deixasse sofrer, me deixasse ficar mergulhada na minha miséria. Eu agradecia o frio, mas dispensava o sol. Me revirei de novo na cama, virando as costas para a janela. O vento que entrou me atingiu de uma vez, me fazendo tremer dos pés à cabeça e quase mudei de ideia sobre a dor física que tanto queria sentir.
Me agarrei de novo ao meu livro, insistindo em curtir minha própria tristeza. Até meu pai tinha me deixado quieta, até ele, que parecia odiar me ver triste, tinha me deixado sofrer um pouco. Talvez ele percebesse que não tinha nada que ele podia fazer. Talvez ele entendeesse o que eu estava passando mais do que eu sabia.
Então por que será que a natureza não podia ajudar?
Me virei de volta pra janela, só para bloquear minhas costas do vento que entrava. O céu estava claro, nem parecia Novembro. Onze de Novembro. O pior dia da minha vida.
Sem querer, meu corpo estava bem. Acordado, relaxado, sem preguiça. Eu queria querer ficar ali, curtindo um pouco mais mesmo a minha tristeza. Mas era como se meus braços e minhas pernas tivesse decidido que já tinha sido o suficiente. Pelo menos por enquanto.
Deixei a minha cópia preferida de Orgulho e Preconceito na cama e me levantei. Eu não sabia que horas eram, mas estava rezando para já ter passado o horário do casamento. O problema era que mesmo dormir demais, tentar ficar o máximo de tempo de olhos fechados não tinha sido o suficiente. Aparentemente eu precisaria de dias sem dormir para conseguir passar mais de doze horas enrolando na cama.
"Bom dia," eu disse, sem a mínima vontade, para meu pai. Ele estava na cozinha, amassando uma massa enorme na bancada, bastante italiano.
O que ele não era. Mas insistia em tentar ser.
"São cinco da tarde," ele disse. "Está quase de noite."
Meus olhos miraram a porta que levava à varanda do quintal. O sol parecia estar mesmo chegando perto de se pôr. Mas meus irmãos não faziam a menor questão do horário ou do frio. Os dois corriam na grama brincando de sei-lá-o-quê, rindo alto e reclamando um do outro a cada cinco segundos.
"Você está melhor?" Meu pai perguntou, logo depois de jogar a massa na bancada com tudo e me assustar com o barulho.
"Estou," eu disse. Era verdade, pelo menos eu tinha um pouco de ânimo.
"Quer comer alguma coisa?"
Eu olhei em volta dele, como se ver alguma comida fosse me dar fome. "Não," acabei respondendo. "Não estou tão melhor assim."
Ele só assentiu com a cabeça, apesar de que eu sabia que aquilo o incomodava. E o que quer que fosse que ele fazia ali, eu teria que comer eventualmente. Agradeci silenciosamente na minha cabeça por ele pelo menos não insistir que eu comesse ali, naquela hora.
Foi arrastando meu pé que eu cheguei até a sala. Eu tinha ânimo o suficiente para me levantar. Mas não existia atividade que me interessasse além de assistir televisão. Pensei em procurar algum filme, alguma coisa que não tivesse nada de romance, talvez algum filme de ação. Mas quando comecei a passar os canais, eu só me interessava por aqueles que eu sabia que tinham finais felizes entre o casal principal.
Tive que praticamente brigar comigo em voz alta para mudar de canal quando cheguei a um filme que era praticamente uma cebola em questão de me fazer chorar. Até que eu encontrei um bem pior.
Alegre e com o maior dos sorrisos por baixo de seu chapéu de pena, estava uma repóter na frente da igreja real de Illéa. Se não fosse ruim o bastante ter que ver os muros de pedra pelos quais eu tinha passado quando encontrei Sebastian andando de skate em sua praça, eu tinha que ouvi-la falando sobre como todos estavam animados para o casamento real.
Será que eu tinha sido a única a não saber que eles passariam o casamento na televisão?
Eu tentei mudar de canal. Mentira, eu só pensei comigo mesma que talvez fosse melhor se eu mudasse. Mas não mudei. Não soltei do controle, não tirei meu dedo de cima do botão que subiria de canal. Mas não mudei. Talvez eu o quisesse ali só para facilitar meu reflexo na hora em que aparecesse algo que eu realmente não quisesse ver.
Eu era masoquista mesmo. Eu gostava da dor. Não conseguia entender porque, mas eu só sabia que eu precisava pelo menos ver um pouco. Melhor assim, melhor de longe. Melhor que fosse mesmo de casa, onde todo o mundo do castelo me parecesse um sonho louco. Quem sabe não me doesse tanto. Talvez eu percebesse que eu nunca tinha pertencido ali, que tudo funcionava melhor sem mim.
A câmera entrou na igreja sozinha, filmando os convidados, alguns que eu até reconheci. Quase todas as selecionadas estavam ali, até aquelas que eu nem tinha tido tempo de aprender o nome. A decoração era toda feita em azul escuro e claro, com flores brancas no final de cada banco da igreja. Sem querer, eu imaginei Sebastian ali, no final do altar, para onde a câmera se encaminhava. Me peguei imaginando como ele me olharia se fosse eu que entrasse ali. E depois, como ele a olharia. Eu queria ver o casamento. Eu realmente queria poder guardar aquilo na minha cabeça. Mas ele precisaria sorrir. Ele precisaria ficar feliz. Porque se eu visse nele a dor que eu sentia, seria só mais difícil ainda eu conseguir superá-lo.
A câmera explicou que logo mais eles estariam ali, se casando, só fortalecendo a aliança de Illéa com a França. Depois ela girou, voltando a mirar os convidados e eu vi de novo as selecionadas. Até Enny estava lá, feliz e confortável do lado de Abigail. Eu escaniei os bancos outra vez, buscando Beatriz. Ela estava sentada com Sophie, conversando, entediadas. Aliás, todos ali já pareciam cansados de estar ali. Foi quando a repóter voltou a falar e explicou que o casamento já deveria ter começado, mas que era normal um casamento real demorar. Pelo menos em Illéa.
O comentarista que estava no estúdio riu com ela, apesar de não ter sido nem um pouco engraçado. E depois a câmera voltou para ela, que disse que o rei e a rainha estavam se deslocando em direção ao castelo, que aquilo podia ser sinal de que tudo estava prestes a começar.
Eu senti um aperto no peito, como se todas as minhas entranhas tivesse resolvido se reunir em volta de meu coração. Até levei minhas mãos ao rosto, com o controle ainda em uma delas. Eu prendia a respiração, esperando ver o momento em que Sebastian sairia do castelo e andaria até a igreja. Ou talvez só quando eles o filmessem no altar. E eu esperei.
E eu esperei. Esperei tanto, que até a repóter desistiu de ficar filmando a porta do castelo para o jardim. Eles resolveram que continuar filmando a decoração e ficar falando sobre a história de Amélie e de Sebastian seria o melhor jeito de enrolar. Eu não estava entendendo o que estava acontecendo. Tudo bem a Amélie demorar, ela era arrogante e pretensiosa, seria a cara dela deixar todos esperando.
Mas e Sebastian? Por que ele não estava ali? Aonde ele estava?
Ele não sabia o quanto aquilo me doía. Ele não entendia que desaparecer assim, se atrasar, só de ele não estar ali, eu já tinha esperanças. E essa esperança me matava. Porque ao mesmo tempo em que ela acendia dentro de mim, louca para estourar para fora, eu sabia, minha cabeça sabia que ela era só isso. Uma esperança. Infundada, já que o final daquele livro já tinha sido escrito e eu não estava nele. Eu tentava me manter focada, tentava controlá-la, mas quanto mais o tempo se passava, quanto mais todos esperavam que ele aparecesse ali, mas eu rezava para ele ter fugido. E fugido para me encontrar.
Quase como se tivesse sido combinado, na hora em que eu pensei na possibilidade de talvez ele ter mesmo fugido, alguém bateu à porta. Eu fiquei tão assustada com a coincidência que nem me movi, só olhei em direção a ela. Meu pai não hesitou de ir abri-la. E enquanto eu segurava a minha respiração, ele falou com quem estava lá fora.
E depois, contando os seus passos, eu o assisti entrar de volta em casa e ir até mim.
"É para você," ele disse, tentando suprimir o maior sorriso do mundo.


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