Contos Fragmentados escrita por Maria Antônia Freitas


Capítulo 17
Rotina Vazia.


Notas iniciais do capítulo

Mais um dia se começa.
Levanta-se.
Caminha até o chuveiro.
Volta para sua cama.
Deita-se e pensa.
Fecha os olhos e sente.

O velho refrão lhe invade.
Como uma bala de chumbo,
Acertando em cheio seu tórax.
O relógio marca 6 horas e 28 minutos.
Chegará cedo ao trabalho.
Ou irá se atrasar por cochilar.

Ou talvez por viajar demais,
Em suas memórias boas.
E em suas ruins também.
Mais uma bala atravessa a pele.
Dessa vez são apenas desejos.
Consumindo-lhe a cada trago.

Pensa no futuro e questiona:
Quantos obstáculos terei que enfrentar,
Para que no fim,
Eu consiga me libertar,
Dessa rotina vazia?



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No vagão vazio, seus olhos se perdem na pureza de uma simples mulher sentada à sua frente, imaginando no que tal pensava. No que tal carregava em seus olhos escuros como o céu que cobria as noites de inverno. Uma beleza tão simples e admirável.

Seus cabelos castanhos caíam sobre sua pele parda. A tal veste uma simples camiseta Dudalina azul royal, jeans escuro e sapatilhas em tom vermelho sangue.

Ele hesita em se aproximar dela, mas a voz do alto-falante alerta a próxima estação, a qual faz ela colocar-se de pé.

Ele se levanta ao mesmo tempo, agindo pelo impulso de descobrir mais sobre tal e a segue vagão a fora.

Em uma cidade grande, ser perseguida não era um bom sinal, mas ela tinha medo de tentar se proteger, então apenas caminhou pelas ruas movimentadas, enquanto ele a observava atentamente, totalmente dominado pelo impulso.

Logo ela avista um bar e no mesmo entra rapidamente na esperança de que a perseguição se encerrasse. Mas ele a segue e se senta ao lado dela.

–Por quê? –ela pergunta com medo em sua voz.

–Vejo em seus olhos a dor que carregas. –ele respondeu.

–Não tenho dor alguma, senhor. Deixe-me ir.

–Só quando tu deixar-me te descobrir.

Ela hesitou antes de responder, era verídico o fato de que carregava dores passadas em seus ombros, mas não era da conta de ninguém. Nem mesmo daquele rapaz.

–Não. Não comigo. Se me perseguir novamente, chamarei a polícia. Tenha uma boa noite, senhor. –disse se levantando.

Em sua lenta caminhada de volta percebeu o quanto estava assustado.

‘Que diabo estava pensando quando fui atrás dela?’, dizia para si mesmo enquanto entrava no seu velho apartamento. Esquentou o café e se aconchegou perto da mulher com quem dormia há 1 ano.

Ela sorria para ele, mas não como quando a conhecera.

Ela o beijava, mas não era como quando ele a amou.

Algo nela estava diferente, o cinzeiro estava sempre cheio. A geladeira tão vazia quanto a garrafa de whisky. Seus olhos sempre tão cansados... Mas ao mesmo tempo tentava trazer a sua antiga áurea de volta, e a cada tentativa, cada dor escondida por trás de seu imenso sorriso, mais distante ficava do seu antigo eu.

Ele percebia isso, e sentia muito pelo amor perdido.

***

Ela se sentou em seu sofá em tom rosa pastel, tirou sua blusa azul e a jogou perto do banheiro. Seus fartos seios exaltavam-se atrás de seu sutiã de renda preta. Amarrou seus cabelos encaracolados em um coque e engoliu o vinho tinto que seu pai havia lhe deixado no último feriado.

Abriu sua bolsa escolar, tirou seus livros de cálculo e começou a resolvê-los enquanto bebia todo líquido que estava na garrafa.

Assim que os terminou, olhou para o relógio e ainda eram apenas 21h19min. A garrafa estava pela metade, mas ela continuava consciente. Ligou seu rádio e colocou sua playlist Rock Indie para tocar.

E cantou, com seus olhos fechados, Mr. Brightside do The Killers:

“I'm coming out of my cage

And I've been doing just fine

Gotta gotta be down

Because I want it all”

Mais uma vez tentou. Falhou.

Elas não vinham.

Tentava todos os dias cansativos, mas nenhuma piedosa lágrima vinha para descarregar seus ombros.

Pensou em suas perdas recentes, pensou no homem que a assustou, e pensou na solidão. Mas continuava em sua pose firme. Suas bochechas continuavam secas.

Sentia-se tão patética naquela situação, e repentinamente, trocou sua playlist e colocou ***Flawess de Beyoncé.

Aumentou o volume e foi até a cozinha em busca de salgados.

Voltou-se para sua garrafa de vinho e seguiu o ritmo da batida enquanto se embriagava com outra garrafa de vinho.

Sentia-se bem novamente, se sentia leve novamente.

Sua nostalgia havia sumido como se nunca tivesse existido.

Dançava sozinha com sua garrafa na mão, com o mundo girando ao seu redor. Fazia pausas para comer um Cheetos que achou em uma das sacolas de compras do dia anterior.

Deixou a batida lhe penetrar e cantou alto até sentir suas cordas vocais doerem.

***

Ela despertou durante a madrugada, caminhou até o banheiro e viu sua figura no espelho sujo. Seus cabelos castanhos avermelhados caíam sobre seu rosto, suas olheiras estavam mais profundas que as da noite anterior. Sentia-se esgotada e pela porta do banheiro avistava o homem que antes fôra seu grande amor, mas que hoje já não é mais nada além de um compromisso vazio.

Caminhou lentamente até a varanda, pegou seu maço e acendeu um cigarro, enquanto se perguntava o que havia lhe desviado para tão longe de seus antigos sonhos.

Recordou-se dos ensinamentos de seu velho pai: ‘A vida mudará, não adianta tentar pará-la. Estamos mudando todos os dias. Então aproveite os motivos que tem para sorrir e seguir alegremente, e se livre daquilo que não és mais amor. Tenha você seus poucos 19 anos, ou seus mais velhos 70. Siga aquilo que lhe faz querer viver, minha querida, pois parar por mais um erro é a maior covardia do ser humano. ’

Ela encarou sua aliança pela última vez.

“Um compromisso vazio.” –disse para si mesma.

“Mais um erro cometido.” –completou.

Por fim, tomou coragem para partir sem dizer ‘Adeus’. Voltou-se para o quarto, onde ele dormia tranquilamente.

Pegou sua mala que havia feito na semana anterior, encarou seu homem, sentiu vontade de lhe acordar, mas apenas seguiu em direção ao seu novo recomeço.

Fechou a porta, e sorriu aliviada pela primeira vez no mês.


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Notas finais do capítulo

E a vida não irá parar.



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