A canção da Lua Vermelha escrita por Samuel Lua Vermelha


Capítulo 5
O Beco


Notas iniciais do capítulo

Olá! Demorou, mas saiu mais um capítulo da história, e este promete fortes emoções (ou não). Boa leitura!

Música recomendada: Eurythmics - Sweet Dreams



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Já passava das cinco horas da tarde quando Victor e Fátima saíram da capela onde ocorria o velório de Christian Cortázar. Seu enterro estava marcado para as dez da manhã do dia seguinte. Aquela atmosfera mórbida da capela sufocara Victor de tal maneira que o rapaz não suportara permanecer ali por muito mais tempo.

Na rua, mãe e filho caminhavam sem rumo, buscando um lampejo de ânimo para ambos os corações. Fátima, em silêncio, contemplava a forma como os últimos raios de sol tocavam os andares mais altos de um grande edifício. O centro da cidade de South Highvile era grande.

Victor mantinha a cabeça baixa, vacilante. No que pensava? Não sabia explicar. Apenas sentia um pesar profundo, como se o mundo inteiro fosse um deserto, quente e árido.

Alguns passos adiante, após cruzarem uma esquina, o rapaz despertou de seu estado de torpor ao notar, entre as várias pessoas na rua, uma figura em especial. Um homem. Diferente dos demais transeuntes, aquele homem trajava roupas invernais tão sinistras a ponto de parecer ter saído de um filme de Tim Burton. Sem dúvida era estrangeiro e vinha de algum país quente, pensou Victor. O Estrangeiro. O livro de Albert Camus. Coincidência? Quem saberia dizer?

Por fim, saturados do clima frio do centro, mãe e filho decidiram tomar o caminho de casa. Pegaram um táxi em frente ao Hospital Lavínia Chagas, seguiram pela avenida principal até o Parque do Tordo, praguejaram presos num congestionamento descomunal.

Ao parar num farol, Fátima leu uma mensagem pichada no muro de algo que deveria ser uma escola malcuidada.

– Ame a Rainha – ela leu – Deus a enviou para nos salvar. Ame nossa heroína. – Percebendo o interesse de Fátima sobre as palavras, o motorista do táxi manifestou-se através de um breve comentário.

– É sobre aquele caso que está dando direto na TV.

– Qual caso? – perguntou Fátima.

– Aquele da pessoa misteriosa que anda prendendo bandidos melhor do que a própria polícia – disse o motorista – Dá direto nos noticiários. Essa pessoa é uma espécie de justiceiro. Tipo um Batman. Já faz um mês que esse cara vem limpando a cidade e acabando com os crimes por conta própria, mas ninguém viu o rosto dele ainda.

– Eu ouvi falar nisso – disse Victor, que estava quieto no banco traseiro do táxi.

– Gosta de quadrinhos, rapaz? – perguntou o motorista.

– Prefiro livros – foi a resposta de Victor.

– Mas o que tem a ver essa rainha? – Fátima questionou intrigada com a frase no muro.

– É que tem gente achando que essa pessoa misteriosa é uma mulher. Andam a chamando de Rainha, porque em todos os casos aparecem cartas de baralho espalhadas pelo local do crime. Todas cartas da rainha de espadas.

– Curioso... – concluiu Fátima após refletir na estranheza do assunto.

O sol não lançava mais sua luz quando o táxi estacionou em frente à residência de Victor e sua mãe. Era quase sete horas. A mãe apressou-se em pagar o motorista e, logo depois, seguiu o filho até a entrada de seu lar. Fátima mal podia esperar para finalmente entrar em casa, tirar aquela roupa desconfortável e afundar no sofá. Porém chegando à frente do portão, a mãe deteve-se junto do filho, que se encontrava perturbado. Victor disse:

– Mãe, veja aquele cara ali do outro lado da rua.

Fátima buscou com o olhar e, ao perceber sobre quem Victor apontava, sentiu-se consternada. O homem. Era o mesmo sujeito sinistro que viram uma hora antes no centro da cidade. O mesmo sobretudo espalhafatoso, o mesmo cachecol vermelho cobrindo o rosto, o mesmo chapéu de três bicos feito em couro. Exatamente a mesma pessoa. “Mas como ele conseguiu cruzar a cidade inteira até aqui?”, pensou Fátima, “Estaria nos seguindo?”.

A estupefação da mulher se tornou ainda mais intensa no momento seguinte. O homem, com ar ameaçador, levantou-se de onde estava e pôs-se a caminhar em direção a ambos. Por sua vez, ainda que estivesse assustada, Fátima se decidiu: falaria com o estranho, caso o mesmo os abordasse.

Victor já era de outra opinião. Quando viu o homem de sobretudo se aproximar, a única coisa que conseguiu pensar foi em agarrar as chaves no bolso da calça social e abrir o portão de casa o mais rápido possível.

– Mãe, entra rápido! – ele disse assim que conseguiu destrancar o cadeado do portão. No entanto, era tarde demais. O homem já estava bem ao lado de Victor, agarrando-lhe com força pelo braço esquerdo. Victor sobressaltou. Qual seria a intenção daquele homem demoníaco? Um assalto? A pressão dos dedos do estranho aumentou, envolvendo o braço do rapaz, tornando-o impotente ante a situação.

– Acompanhe-me, Victor – disse o homem do sobretudo com uma voz grave e vibrante – Nós precisamos conversar.

– O quê?! – o rapaz balbuciou – Me larga! O que você quer de mim?! – Victor se debatia tentando se desvencilhar da mão do opressor, mas todos seus esforços foram em vão. Embora parecesse velho, o homem era muito mais forte que ele.

– Não adianta, criança. Vem comigo agora. Existem coisas importantes que você tem de saber. – A voz do homem ficava abafada pelo cachecol vermelho. Começou a arrastar Victor consigo, para onde não era possível saber.

Sem pensar duas vezes, Fátima se lançou, aos gritos, contra o estranho, na esperança de libertar o filho daquela garra diabólica; contudo a insistência da mãe resultou em um brusco empurrão que fê-la cair ao chão. A calçada, áspera, feriu o braço direito de Fátima na queda, impelindo uma dor ardente.

Enquanto a mãe se levantava frustrada, o homem sinistro arrastou o Victor descendo a rua. O rapaz ainda lutava contra seu impiedoso adversário; e quanto mais puxava, mais o homem apertava. As poucas pessoas que transitavam pela calçada procuravam não se envolver, fingindo que nada acontecia.

– Victor! Não! – Fátima gritou, já em pé, correndo, tentando alcançar o filho. Viu o homem levar o rapaz através de uma esquina, virando em direção a um estreito beco utilizado pelos moradores da rua como depósito. Fátima se esforçou o melhor que pôde. Ao chegar à entrada do beco escuro, caiu novamente ao chão, dessa vez não por ter escorregado, mas por estupefação e desespero. Victor e o homem haviam sumido. O beco estava vazio.


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