Why Cliché? escrita por Jess Gomes


Capítulo 5
Capitulo IV




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Eu não conseguia dormir. Já devia ter passado mais meia hora desde que eu desisti de contar carneirinhos, quando cheguei a 204. Lisa roncava do meu lado, dormindo pesado. Eu acendi o celular novamente. 04h30min. Peter ainda não tinha voltado. Eu me sentei na cama, olhando pela janela. A rua estava deserta e não havia nenhum sinal de carro.

Calçando minhas pantufas, sai do quarto, seguindo até as escadas. Meu coração estava apertado e eu comecei a ficar realmente preocupada. Imaginando batidas de carro, assaltos, sequestros e homens numa van atirando em Peter, deitei-me no sofá, adormecendo logo depois.

Acordei com o barulho de chave na porta. Sentei-me, esticando o pescoço. Minha cabeça latejava. Já estava mais tarde, e os raios de sol já iluminavam certos cantos da sala.

A porta abriu, e Peter apareceu logo atrás dela, com a mesma roupa de ontem. Ele parou quando me viu.

– Bom dia. – Falei bocejando.

– Dia. – Respondeu com um sorriso amarelo. – O que você está fazendo acordada há essa hora?

– Eu não conseguia dormir. Então vim pra cá. – Levantei indo em direção a ele. – Estava preocupada com você, Peter.

– Bom, não precisava. – Deu de ombros e eu cerrei meus olhos. Ele estava estranhamente sóbrio. Cheirei seu pescoço, procurando por um perfume feminino ou catinga de cigarro. Não havia nada, e eu estava parecendo uma namorada paranoica. – O que foi?

– Você não está bêbado, nem cheirando a mulheres ou cigarro. – Olhei em seus olhos. – Onde você estava? – Vi um relance em suas grandes bolas cor de avelã, e então ele encarou o chão.

– Estava resolvendo coisas, gatinha. – Disse minutos depois. – Você sabe que eu não estaria com nenhuma outra garota. É você que eu quero. – Inclinou-se pra me beijar, mas eu desviei, me afastando. Peter passou as mãos no cabelo, confuso.

– Eu acabei de acordar, Peter. Estou com mau hálito. – Dei a primeira desculpa que me veio, seguindo pra escada. De repente, tudo girou e minhas pernas perderam a força. Segundos antes de eu desabar no chão, os braços fortes de Stevens me seguraram.

– Sara? Você está bem? – Perguntou batendo levemente no meu rosto.

– Só um pouco tonta. – Respondi com a voz fraca. Peter me colocou no seu colo, me levando de volta ao sofá.

– Quer que eu te leve ao hospital? – Acariciou meus cabelos, usando um tom doce em sua fala. Eu neguei com a cabeça.

– Deve ser só ressaca. – Murmurei e ele se levantou do meu lado.

– Ressaca? Você bebeu ontem, Sara? – Sua voz estava mais rígida, e eu abri os olhos confusa com sua reação.

– Qual o problema, Peter?

– Você foi à festa apenas pra beber? – Retrucou com uma nova pergunta.

– Foram apenas uns goles. – Levantei também, a tontura já havia ido pro espaço com a discussão que estava se formando. – Eu não vejo nenhum problema nisso.

– Pois eu vejo. – Declarou. – Você não é assim, gatinha. Você não é esse tipo de garota.

– Que tipo, Peter? O tipo que quer se divertir? Eu não fiz nada de errado! – Minha voz subiu alguns tons. Nós estávamos praticamente gritando, e agradeci mentalmente por Lisa estar apagada lá em cima.

– Foi a minha irmã quem te convenceu a beber, não é? É claro que foi ela. – Peter balançou a cabeça, decepcionado.

– Eu não preciso que ninguém me convença. Eu não sou mais uma criança, Stevens, posso tomar minhas próprias decisões. – Fiquei na ponta dos pés, pra conseguir olhar em seus olhos. – Eu não o entendo. Mesmo. Você pode sair pra “resolver umas coisas” e voltar só no dia seguinte, mas eu não posso beber um pouco? Que porcaria de regras são essas?

– É diferente! – Exclamou.

– Não, não é diferente! – Exclamei de volta. - Você apenas não quer assumir que está errado.

– Tudo bem, Sara, talvez eu esteja errado. Mas eu não gosto de ver você desse jeito. Eu me preocupo com você. – Se aproximou, encaixando meu rosto em suas mãos. Eu segurei a respiração, me ordenando a não dar o braço a torcer. Peter já havia me irritado ao máximo, e eu não iria me derreter só por causa de algumas palavras fofas.

– Então você já pode parar de se preocupar. Você não é meu pai, meu irmão e nem meu namorado. Você não tem nenhum direito sobre mim. – Falei lentamente, quase voltando atrás quando vi seu rosto se contorcer em uma careta de dor. Ele tirou as mãos do meu rosto, se afastando.

– Ok então. – Respondeu indo em direção a porta.

– Vai sair de novo? – As palavras saíram da minha boca antes que eu pudesse segurá-las, e me arrependi assim que se virou pra mim. O rosto irônico.

– Não é da sua conta. – Rolei os olhos, me virando pra voltar a subir as escadas.

– Ótimo! – Gritei pra ele.

– Ótimo! – Gritou de volta, a porta batendo logo depois.

Entrei bufando no quarto, me jogando na cama ao lado de Lisa. Seu cabelo ruivo tapava sua cara, e ela ainda dormia pesadamente. Comecei a pensar que se o mundo acabasse, ela continuaria dormindo tranquilamente.

Sorte a dela. Pensei me virando de lado. Mesmo com a cabeça latejando, foi fácil dormir. Apenas pra voltar novamente, ao meu mundo assustador de neblina, carros, gritos e enfim, uma escuridão solitária e infinita.

– Acorde pequena borboleta... - Ouvi alguém mexer na minha franja. Resmunguei, virando pro outro lado. – Vamos lá, o dia está lindo lá fora. Vai ficar mesmo dormindo o dia todo? – a voz insistiu, mas dessa vez eu não movimentei um músculo. – Acorda sua vaca gorda! Eu quero correr! – A voz soou alta e estridente, e eu a reconheci. Lisa puxou meu edredom, me empurrando da cama. Bati com tudo no chão, acordando na hora.

– Puta que... – Comecei um xingamento, então me levantei a encarando. – Muito obrigada por ter piorado minha dor de cabeça.

– Ressaca? – Perguntou com um sorriso no rosto. Eu assenti.

– Sim, e você também deveria estar. Você bebeu mais do que eu. – Joguei-me de volta na cama, não querendo sair dali nunca mais. Coloquei o travesseiro de Lisa sobre o rosto, pra tapar a claridade que de repente tomou conta do quarto.

– Digamos que eu seja mais bem disposta.

– Oh, você com certeza é. – Concordei, minha voz abafada pelo travesseiro. De repente, senti um puxão em meu calcanhar.

– Você pode me xingar até a minha vigésima geração, mas eu não vou deixar você dormir hoje. – Avisou me puxando pra fora de cama novamente. Deixei-me ser puxada, mas ainda de olhos fechados.

– O que eu fiz pra você? – Choraminguei enquanto ela me levava pro closet.

– Escolha uma roupa esportiva. – Lisa me soltou e eu cai de bunda no chão. – Nós vamos correr.

Eu fiz uma careta. – Correr? Você definitivamente quer me matar. – Levantei-me, passando a mão no meu bumbum agora dolorido. – Você conhece o significado da palavra ressaca? RES-SA-CA! EU ESTOU MORRENDO AQUI, E AINDA QUER QUE EU CORRA? – Gritei, movimentando as mãos enquanto falava. Lis apenas me encarou enquanto eu pirava.

– Vou buscar um remédio pra você. – Disse depois de uma eternidade em silêncio. Quando estava na porta do closet, gritou pra mim. – Não se esqueça da roupa de ginástica! Eu sugiro um short. Porque tá calor.

Mexendo nas gavetas com muita má vontade, escolhi um short preto tactel e uma camisa polo rosa choque. Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo desajeitado, e desci assim que terminei de colocar meu tênis Olímpico.

Encontrei Lisa na cozinha tomando café, e assim que ela me viu se lembrou do remédio pra ressaca. Tomei o comprido e bebi a água por cima, abaixando minha cabeça sobre a mesa.

– Não vai tomar café? – Perguntou, sua voz indiferente enquanto bebia suco de laranja.

– Por que você quer correr em pleno domingo de manhã? – Ignorei sua pergunta. Ela deu de ombros.

– Mania. – Eu rolei os olhos, enfiando um biscoito inteiro na boca. – Você devia correr também, sabe... Está ficando meio cheinha.

– Cala a boca. – Ordenei, dando a língua. – Você sabe que eu odeio exercícios físicos. – Lis deu um sorriso amarelo, olhando no relógio de pulso. Percebi que era a terceira vez que fazia isso.

– Está tudo bem? – Perguntei e ela assentiu.

– Sim... Eu só estou preocupada com Peter. Ele não voltou pra casa.

– Voltou sim, hoje mais cedo. Mas ele foi embora de novo. – Comentei, bebericando um pouco de meu suco. Só percebi que tinha falado demais quando a ruiva me encarou confusa.

– Como você sabe? – Questionou arqueando as sobrancelhas. Engasguei com o suco.

– Hm, eu estava acordada. Aliás, mal consegui dormir essa noite. – Respondi. Lisa se levantou.

– Você por acaso ouviu uma discussão hoje mais cedo? – Virou-se pra mim, e eu tremi. Ela havia escutado. – Parecia que vinha da sala, mas sei lá, talvez eu tenha apenas sonhado.

– Você com certeza sonhou. – Falei um pouco certa demais. – Eu fiquei acordada a noite inteira e não ouvi nada. – Concertei.

– Pode ser. – Deu de ombros e então deu uma espiada na janela. – Estamos atrasadas.

– E você sabe disso olhando pela janela? – Cerrei os olhos. Eu sabia que ela não queria simplesmente “correr”. Minha melhor amiga estava escondendo algo de mim. – Lisa Stevens, o que você está aprontando?

– Nada. – Respondeu rápido demais, quebrando nosso contato visual. – Vamos logo?

– Ok. – Bebi o resto do meu suco em um gole, me levantando.

Phoenix estava incrivelmente quente nesse humilde domingo de um dia de outono, e eu não entendia por que diabos Lis havia decidido correr logo hoje. E o pior, me levar junto. Após correr três quadras, suor já escorria por todo o meu rosto.

Depois de mais algumas quadras, eu desvendei o mistério.

– Eu estou morrendo. – Comentei, falando as palavras de acordo com o ritmo do meu passo. Lisa concordou.

– Vamos parar um pouco. – Decidiu, abrindo a garrafa da água. Eu parei logo atrás dela. Olhei em volta. Estávamos numa pracinha bonitinha do bairro de Lisa. Eu me lembrava de brincar com ela aqui lá pelos nove anos.

– Vinte minutos. – Pedi, me sentando no banquinho de madeira perto de nós. Lisa riu, mas sua risada saiu com um barulho afogado por causa da água que ela estava bebendo.

– Dez. – Retrucou e eu fiz uma careta.

– Nós corremos por meia hora! – Exclamei. – Precisamos de um descanso considerável.

– Sara, nós estamos correndo há vinte minutos. – Minha melhor amiga corrigiu, sentando-se ao meu lado. Eu revirei os olhos. – Olha quem está vindo. – Apontou com a cabeça pro lado inverso do que viemos, e eu olhei. Moreno. Lindos olhos esmeraldas. Alto. Corpo Escultural. Definitivamente um...- Nicholas! – A ruiva gritou, se levantando pra cumprimentar seu “amigo”. Eu escancarei a boca.

– Oi, Lisa. – Ele respondeu, dando um sorriso de lado. Uma covinha ficou à amostra. Ai. Meu. Deus.

– Nick, essa é a minha melhor amiga, Sara. – Apontou pra mim. Nicholas se virou pra me olhar, e eu corei. Fazendo o melhor pra limpar o suor do meu rosto, levantei-me sorrindo pra ele.

– Olá. – Disse tentando fazer a minha voz não sair esganada. Um brilho passou pelos olhos verdes do garoto, e eu corei ferozmente.

– Sara. – Respondeu com uma voz de... Eu não sabia definir. – Lisa me falou muito sobre você.

– Sério? – Arregalei os olhos. – Engraçado. Lisa não me falou nada sobre você. – Encarei minha amiga, lançando-lhe um olhar significativo. Ela apenas sorriu.

– Outch. – Nick falou, imitando uma cara de dor. – Acho que isso foi um fora.

– O quê? Não, não. Eu estava apenas... Eu não qui... Eu não quis dizer isso que você acha que eu quis dizer. – Me enrolei. De cara pro rosto divertido de Nicholas, eu quis me chutar. “Qual o seu problema? Se não tem nada útil pra falar, não fale, lesma!” Briguei comigo mesma.

– Hm, acho que entendi o que você quis dizer. – Ele sorriu novamente e eu suspirei aliviada. – Bom, eu tenho que voltar a correr agora, meninas. – Apontou pra direção que estava indo, e então olhou pra mim novamente. – Foi um prazer te conhecer, Sara.

– Igualmente. – Respondi.

– Bom te ver de novo. – Acenou pra Lisa e ela acenou de volta. Quando Nicholas se virou de costas pra correr, eu dei um tapa leve na minha melhor amiga.

– Que diabos foi isso? – Perguntei e ela riu.

– Nada ué, apenas duas amigas correndo por ai em um domingo quando casualmente encontraram um cara super gato. - Respondeu voltando a correr. Eu fui atrás dela.

– Você não provocou esse encontro não é? Não foi de propósito, certo? – Lisa sorriu de lado. – Oh, não. – Choraminguei. – Diga que você não fez, Lisa.

– Ok! Talvez eu tenha ocasionado esse encontro. – Levantou as mãos pro alto, se rendendo. – E eu não fiz nada de errado.

– Cala a boca. – Ordenei.

– O quê? Você está com raiva de mim agora? – Parou pra me encarar. Lisa era alguns centímetros mais alta que eu, portanto inclinei minha cabeça pra ficar na altura de seus olhos. – Você gostou dele, Sara, e ele também gostou de você. Eu lhe fiz um favor.

– Não te pedi pra fazer nada por mim. – Retruquei e Lis rolou os olhos.

– Nós duas sabemos que você estava precisando. Você tem dezesseis anos e nunca teve um namorado, e não está nem perto de ter.

– Desculpe se eu gastei o tempo que eu usaria pra agir como uma adolescente americana fútil cuidando da minha mãe depois que Suze morreu! – Exclamei.

– Pare de usar essa desculpa, George. Ok, sua irmã morreu, sua mãe entrou em depressão e seu pai teve que ir trabalhar em outra cidade, isso é realmente triste, mas já faz um ano! Milhares de pessoas do mundo inteiro perdem seus entes queridos todos os anos, Sara, mas sabe o que elas fazem? Elas seguem em frente, porque elas ainda estão vivas e devem aproveitar isso. Suze morreu, não foi você. Então sim, você precisa arranjar um namorado, sim, você precisa ir a uma festa e ficar com alguém que não sabe o nome, sim você precisa viver uma vida igual as das outras meninas da nossa idade. – Ela parou pra respirar. Eu nem lembrava mais como se fazia isso. – E se eu estou sendo uma péssima melhor amiga tentando fazer você voltar à vida, Sara, me desculpe, mas eu não vou desistir.

Eu não sabia o que responder. Lisa me olhou esperando uma reação, que eu só tive minutos depois. – Você não é uma péssima melhor amiga, Lis. É só que... Eu não estou preparada pra viver uma vida normal. Não rápido assim. Eu fui à festa com você, eu bebi, dancei, eu me diverti. Mas eu não estou interessada em ninguém agora. Eu não sei... Não sei se há espaço na minha vida pra um namorado. – Confessei, e então eu finalmente percebi o que me impedia de jogar tudo pro alto e ficar com Peter. Eu realmente gosto dele, mas, eu tinha medo das coisas darem errado, medo de me machucar de novo, e mesmo que seja de uma forma diferente e menos literal, tinha medo de perder mais alguém que é importante pra mim.

– Tudo bem. – A ruiva assentiu, parecendo compreender. – Então nada de namorados agora. Porém... Isso não significa que você não possa conhecer melhor o Nick.

– Ah. – Choraminguei voltando a correr.

– É sério, Sara, Nicholas é um cara legal.

– Eu não estou dizendo que ele não é. – Dei uma olhadela. – Apenas conhecer?

– Apenas conhecer. – Lisa concordou, balançando a cabeça. – Apenas amigos... Por enquanto.

– Você não desiste. – Ri.

– Não mesmo. O melhor dia da minha vida vai ser quando você perder a virgindade. – Fez uma pausa. – Ok, isso ficou estranho. Mas você entendeu.

– Isso vai demorar muito, querida. Não pretendo perder a virgindade com qualquer um. Como você. – Ela rolou os olhos.

– Uh, não precisa esculachar. – Comentou e então me lembrei do caso anterior.

– Lisa, você se lembra do que aconteceu ontem na festa? – Ela negou com a cabeça. – Nadinha?

– Digamos que a bebida fez a sua parte. – Olhou pra mim. – Por quê?

– Você não se lembra nem se ficou com alguém? – Segurei a risada.

– Eu não preciso lembrar. Lisa Stevens sempre fica com alguém. – Sorriu e eu rolei os olhos. – Ele era muito gato? – Dei uma gargalhada. – Por que você está rindo?

– Eu acho que “gato” não é uma boa maneira de descrevê-lo. Ele tava mais pra bola de pelo.

– O que? – Sua voz subiu uns oitavos. Ela me encarava esperando que eu estivesse brincando. – Você o conhecia?

– Não, e pelo visto você também não. – Pausa. – Quer dizer, espero que você também não. E espero mais ainda que não tenha dado seu número pra ele.

– Eu nunca dou. O meu número. – Riu da própria piadinha sem graça.

– Ah, mas tirando o número, você definitivamente dá. Está tão desesperada que nem a bola de pelo escapou. – Provoquei e ela me deu um tapa no ombro, rindo. Ri também. Era incrível como podíamos começar um diálogo com uma briga feia, mas terminá-lo como amigas normais. Ou quase normais.

O dia passou como um borrão. Após chegar na casa de Lisa e tomar um banho refrescante, liguei pra Lee apenas pra saber como mamãe estava e avisar que voltaria amanhã. Fui pra sala e encontrei Lis devorando uma lasanha que sabe Deus aonde ela encontrou. Mesmo desconfiada, devorei junto com ela. A tarde, minha melhor amiga me convenceu a colocar um biquíni e ir pegar Sol na piscina. Já estava chegando a uma coloração parecida com a do asfalto quando Peter chegou cheirando a bebida e com um corte na cabeça.

– Peter! O que aconteceu com você?

– Oh, eu estava aproveitando o lado bom da vida. Então um cara me deu um soco. Mas só depois de mim, claro. – Riu da piadinha. Então ele me viu. Após engolir em seco, apontou pra mim. – Você, sua va...

– Peter... - Interrompi em tom de aviso. Ele estava definitivamente bêbado. Fiz uma careta de nojo.

– Qual o seu problema, seu imbecil? – Lisa já estava encima dele, batendo no seu peito. Era o lugar mais alto que conseguia alcançar. – Eu fiquei preocupada contigo. Achei que tinha virado filha única. E ai você simplesmente volta fedendo a cerveja e machucado, seu filho da mãe! – Ela gritava, os cabelos ruivos balançando. Eu já havia levantado da minha esteira.

Peter apenas piscou surpreso com a explosão da irmã. – Imagina se o pai e a mãe estivessem aqui? – Lis continuou. – Você era um bad boy mimado morto!

– Lisa, chega! – Ordenei. – Peter, acho melhor você tomar um banho e ir dormir. Você está péssimo.

– Você não manda em mim. – Retrucou, parecendo uma criança de sete anos. Revirei os olhos, pegando minha saída de praia – que consistia numa blusa branca que ia até minha coxa – e a vestindo.

– Chega de sol por hoje. – Virei-me pra minha melhor amiga, ignorando seu irmão. – Eu já estou ficando preta.

– É, até porque eu nem to mais com paciência pra pegar sol. – Fuzilou Peter com os olhos. – Faça o que Sara mandou. Espero que quando você acordar esteja melhor, porque eu não vou te acobertar com os nossos pais. – Stevens jogou as mãos pro alto, se rendendo. Depois, entrou na casa como um furacão.

Lisa olhou pra mim. – Que diabos aconteceu com esse garoto? – Um pouco sem graça, dei de ombros e entramos na casa também. – Tinha pensado em fazermos um jantar pros meus pais, mas Peter conseguiu estragar tudo.

– Deixe Peter pra lá. – Pedi, irritada demais com ele pra falar sobre o tal. – Talvez o jantar não tenha sido totalmente estragado. O que queria fazer?

– Camarão. – Fiz uma careta. – É o prato preferido deles.

– Não sei fazer camarão. – Declarei.

– Peter sabe. – Jogou os cabelos pra trás. – Por isso que ele estragou tudo.

Sem dizer uma palavra, subi para o quarto de Peter. Respirava devagar, tentando ficar calma. Stevens tinha brigado num bar, se enchido de cachaça, preocupado sua irmã e estragado seus planos pra receber seus pais por causa de uma discussão que tivemos mais cedo. Eu queria bater sua cabeça na parede até sangrar.

– Peter? – Chamei, empurrando a porta de seu quarto. Não havia ninguém ali.

– Aqui. – Respondeu meio grogue. A voz vinha do banheiro. Segui até lá apenas pra ver um loiro recém-saído do banho e de toalha presa na cintura. Nada que eu não tivesse visto antes.

– Você está melhor? – Perguntei seca. Ele engoliu sua aspirina e encarou meu reflexo do seu espelho.

– Você se importa? – Arqueou uma sobrancelha.

– Na verdade – Sorri – Não. Mas eu me importo com Lisa. E Lisa ainda quer fazer um jantar de boas vindas decente pros seus pais. Acontece que ela me contou que o prato preferido deles é camarão, e dos três só você sabe fazer camarão.

– Está me pedindo pra ignorar minha dor de cabeça da porra e fazer a droga do camarão apenas porque sua melhor amiga mimadinha pediu? – Peter seguiu pro quarto, e eu fui atrás, fervendo de raiva.

– Estou pedindo pra você parar de ser idiota por um segundo e lembrar que ninguém tem culpa se você bebeu até morrer porque nós tivemos uma discussão que foi demais pro senhor fricote suportar. – Gritei apontando o dedo pra ele, que estava sentado na cama. – E, aliás, o único mimadinho que eu estou vendo aqui é você! – Os olhos de Peter chegaram a uma cor assassina de assustar qualquer um. Eu engoli em seco, mas não parei de apontar pra ele.

Eu pensei que ele fosse me bater. Gritar de volta, no mínimo. Mas tudo o que Peter fez, foi agarrar meus cabelos e me beijar. Ferozmente. Sua língua desafiava a minha, explorando cada canto da minha boca. Esquecendo totalmente da briga e do motivo que me trouxe aqui, segurei sua nuca, me sentando encima dele. Stevens passou uma mão pela minha cintura, enquanto a outra acariciava minhas pernas que estavam ao redor de seu tronco. Com um movimento rápido, Peter me deitou na cama, ficando encima de mim.

– Me desculpa por ter brigado com você mais cedo. – Sussurrou no meu ouvido, beijando meu pescoço logo depois. Segurando cada lado de seu rosto, eu o beijei, fazendo-o se silenciar.

Peter já estava segurando a bainha da minha camisa, e eu já começava a sentir sua animação por baixo da toalha quando um grito nos fez parar.

– Sara? – Ouvi Lisa chamar. Com um pulo, sai debaixo de Peter e parei enfrente ao espelho de corpo, pra me ajeitar. Abaixei minha blusa e penteei meus cabelos com os dedos. Pelo reflexo vi Stevens pegar uma roupa e seguir para o banheiro. – Sara? – Estava mais perto agora.

– Aqui! – Exclamei saindo do quarto. Ela estava no topo da escada olhando confusa pra mim.

– O que foi fazer no quarto do meu irmão? – Perguntou.

– Ela veio pedir pra eu fazer o jantar pra mãe e pro pai. – Peter respondeu antes de mim, aparecendo agora já de camiseta e bermuda.

– E adivinha? – fiz suspense. – Ele aceitou.

– Aceitei? – O louro me encarou.

– Aceitou? – Lisa repetiu e eu assenti com a cabeça. – Mas você não tava caindo de bêbado e tal?

– Eu tomei um banho e peguei um remédio. Estou melhor agora. – Sorriu fraco e fechou a porta de seu quarto atrás de nós. – O que minha irmãzinha não pede sorrindo que eu não faço chorando?

– Ai meu Deus, eu amo você! – Lis gritou abraçando o irmão. Eu sorri pra cena. – Tenho certeza que a mamãe e o papai vão adorar.

Eles adoraram. Com menos de uma hora, Peter fez um camarão perfeito, e ainda teve a coragem de dizer “Ah, é fácil” como se fosse o mesmo que fazer macarrão instantâneo. Ele subiu de volta pro seu quarto, alegando que estava com dor de cabeça. Antes de tomar um banho e colocar uma roupa pra receber os pais dele e de Lisa, passei em seu quarto pra fazer um curativo no seu machucado. Agíamos como se nunca tivesse havido uma briga. Senhor e senhora Stevens chegaram duas horas depois, e comemos todos o camarão de Peter. Após isso, todos seguimos pra sala de estar onde estava passando um programa de televisão típico de domingo.

– Então, Sara – Lauren, mãe de Lisa chamou, balançando seus longos cabelos ruivos. Ela era assustadoramente parecida com a filha. – Como está sua mãe?

– Hm, ela está bem. Na mesma. – Sorri amarelo. Não gostava de falar da minha mãe. Ou da minha irmã ou do meu pai. As perguntas eram sempre as mesmas.

– Não houve nenhum sinal de melhora? – Agora foi a vez de o Senhor Stevens perguntar. Neguei com a cabeça. Tinha perdido as esperanças que houvesse.

– Não acha melhor levá-la num psiquiatra? Talvez um terapeuta?

– Já levamos, senhora Stevens. A vários. Mas nenhum soube como fazer minha mãe sair do mundo em que se fechou. Pra eles, ela só vai sair da depressão quando ela quiser sair. – Expliquei com calma e ela assentiu a cabeça, encerrando o assunto. Agradeci mentalmente por isso.

– Bom mãe, bom pai – Lisa falou de repente, se levantando. – Fico feliz que tenham voltado. Agora Sara e eu vamos subir agora, precisamos dormir. – Franzi a sobrancelha, olhando no relógio. Não eram nem 21h30min. Lis se despediu dos pais e subimos.

– Dormir? Agora? Sério mesmo? – Questionei quando chegamos ao quarto. Ela franziu a testa pra mim, e depois negou com a cabeça.

– Estava apenas te livrando dos meus pais. – Jogou-se na cama. – Já expliquei a eles que você não gosta de tocar nesse assunto, mas eles teimam em...

– Lis. – Interrompi. – Tá tudo bem. Eu já devia ter me acostumado com isso. As pessoas me fazem perguntas sobre minha família o tempo todo.

– É doloroso, Sara. É doloroso falar sobre sua irmã morta e sua mãe que está sempre “na mesma”. Se as pessoas sentissem a angústia que você sente ao falar do acidente, nunca perguntariam. E você poderia esquecer. – Sorriu amigavelmente e eu suspirei. Lisa tinha o dom de dizer exatamente aquilo que as pessoas sentiam.

–Seus pais não fizeram por mal. – Deitei na sua cama gigantesca, ao lado dela.

– Eu sei baby. – Concordou. – Mas eles são meio às vezes. – Deu ênfase a palavra “dã” com uma careta. Eu ri fraco.

– Eu adoro você. – Admiti, sorrindo.

– Querida, todo mundo me adora. – Fez cara de convencida. – Mas eu também adoro você.

– Pena que amanhã eu tenho que voltar pra casa.

– Você sabe que pode ficar aqui o tempo que quiser. – Garantiu. Eu balancei a cabeça.

– Minha mãe precisa de mim, Lis. Lee não vai cuidar dela pra sempre. – Falei e ela concordou.

– Eu acho você tão nova pra carregar um mundo inteiro nas costas. – Ela suspirou, me encarando. – Eu admiro muito você, sabia? Você tem a minha idade e eu nunca aguentaria a pressão de cuidar de uma mãe totalmente dependente, agir como a adulta da família.

– A vida me deu um tapa na cara. Um tapa repleto de força. E foi essa força que me manteve em pé quando tudo o que eu tinha, todo o mundo com o qual eu estava acostumada, simplesmente despencou. – Refleti.

– Ui, filósofa. – Lisa brincou, quebrando o clima tenso que começava a se manifestar no quarto.

Depois de rimos e falarmos bastante besteira, Lisa aos poucos foi ficando quieta e eu também. Um pouco sonolenta, levantei e pus um pijama, deitando novamente. E pela primeira vez em um ano, dormi uma noite sem pesadelos.


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