A Herança de Espinhos escrita por Hime Illana


Capítulo 6
Capítulo 6




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— O que esta acontecendo? - perguntei assustada aos rapazes.

— Estamos sob ataque! - disse Edric abaixado no meio da escadaria do hall, uma grande cadeira de madeira passou perigosamente perto de sua cabeça.

— Precisamos achar um lugar seguro, estamos vulneráveis aqui! - gritou Rick que estava usando o seu grande e musculoso corpo como escudo para me proteger dos quadros que voavam freneticamente pelo ar tentando nos atingir como aves brigando pela refeição.

— Temos que sair da casa! - gritou Henry de volta para ele, se desviando no ultimo minuto do ataque de um conjunto de enciclopédias que deviam ser bem pesadas.

De repente, no meio de toda aquela confusão eu ouvi uma voz me chamando, era tão suave que parecia um sussurro, mas ainda assim eu a ouvia claramente. “Me encontre” dizia a voz, achei que ela vinha da cozinha, à direita da grande escadaria do hall.

— Gente, por aqui! - disse eu para os rapazes enquanto me soltava do abraço de urso de Rick.

Desci correndo pela escada passando por Edric e Henry.

— Elena não! É perigoso sair assim! - gritou Edric tentando me impedir, mas o ignorei e continuei correndo escada abaixo.

Não vão fugir de mim, vocês irão pagar! Vão pagar!

A voz cruel ecoou pelo ar arrepiando minha nuca, mas não me impedindo de continuar descendo. Quando cheguei ao pé da escada os ataques dos móveis ficaram mais intensos, mas estava determinada a continuar, como se estivesse sendo atraída por uma força magnética, mas algo me fez parar a menos de um metro da porta da cozinha, era um som vibrante e agudo que me deu um péssimo pressentimento, quando me virei para ver o que era vi o grande lustre de cristal se mexendo freneticamente como se estivesse num terremoto, vários pingentes de cristal se soltaram do lustre e voaram na minha direção como flechas, eram rápidos demais para eu desviar, eles iam me atingir em cheio. Com um grito de pavor eu fechei os olhos e pus os braços na frente do rosto com uma última tentativa de me proteger do ataque iminente e mortal.

Com um grande estrondo que me assustou eu ouvi o barulho de vidro sendo despedaçado, mas não senti nenhuma dor, espiei por cima do meu braço para ver o que estava acontecendo e vi Henry parado a poucos metros de mim com pistolas prateadas em cada uma das mãos, com movimentos rápidos e tiros precisos ele acertou e destruiu todos os pingentes antes que me atingissem, não sei de onde que ele tirou essas pistolas, mas ele era incrível com elas, parecia um atirador profissional, fiquei tão impressionada com sua performance que tinha me esquecido que tinha acabado de ficar de cara com a morte novamente.

Henry veio andando na minha direção com um olhar firme e sério, fumaça saía do cano das pistolas, ele parecia tão legal, como um personagem de algum anime ou videogame, ele guardou as pistolas nas costas ficando escondidas pelo jaleco de laboratório que usava.

− H-Henry, uau, isso foi... incrível... eu...

Antes que eu pudesse terminar minha frase ele me deu um tapa forte na testa que doeu muito por sinal.

− Ai! Isso doeu, ficou maluco? – perguntei colocando a mão na testa que ardia.

− Maluca é você! Como que alguém sai correndo do nada assim? Quer morrer é? Se você quer tanto morrer é só me falar que eu resolvo isso pra você!

Vendo sua reação percebi o quanto tinha sido imprudente, eu estava tão determinada a seguir a voz que acabei colocando minha vida em risco e causando problemas para os meus colegas, fiquei com tanta vergonha que senti meu rosto ficar quente.

− Me desculpe. – respondi baixinho.

Henry baixou a cabeça, passou a mão pelo rosto e suspirou, não sei se era por alívio ou por que estava cansado. Edric e Rick desceram logo depois.

− Tudo bem aqui? – perguntou Rick.

− Sim. - respondeu Henry meio seco para ele, senti que ele estava com um pouco de raiva na voz.

− Elena, você... – ia dizendo Edric, mas Henry o interrompeu.

− Chega de papo, ainda não estamos seguros aqui. Vamos reagrupar na cozinha e pensar numa estratégia.

Henry foi andando na frente, alguns segundos depois nós o seguimos.

A cozinha estava abandonada como o resto da casa, armários vazios e caindo aos pedaços, gavetas abertas e utensílios sujos espalhados pelo chão, procurei por alguma porta de serviço ou algo que pudesse nos levar para fora, mas a única porta era a que dava acesso à dispensa, que estava vazia, ao lado dela tinha uma escada velha de madeira podre que deve ser por onde Edric e Rick chegaram ao segundo andar. Eu me sentei num banco alto de madeira perto do balcão, Edric estava perto de uma grande janela de vidro, com o rosto pensativo, Henry e Rick estavam sentados na grande mesa colonial no meio da cozinha, mas cada um em uma ponta. Incomodada com o silêncio esquisito no ambiente perguntei:

− O que nós vamos fazer? Não tem como sair pela porta da frente e nem tem como sair por aqui.

O silêncio continuou por mais alguns segundos, estava começando a achar que ou os rapazes estavam me ignorando ou simplesmente não sabiam como me responder. Rick foi quem falou primeiro.

− Vocês captaram alguma coisa no radar? – perguntou ele.

− Eu não consegui nada, mesmo no meio daquela confusão o meu relógio não apitou nenhuma vez. - respondeu Edric.

− Isso é muito estranho, obviamente há algum tipo de força sobrenatural aqui, mas os radares não captaram nada! - disse Rick irritado.

− Talvez alguém esteja controlando tudo de longe, desde que chegamos aqui eu tive a sensação de estar sendo observado, talvez seja por isso que não captamos nenhum sinal de atividade aqui, porque o culpado está longe do alcance dos radares. - disse Henry enquanto checava mais uma vez seu gadget.

Eu fiquei pensando no que ele tinha dito, mas algo me dizia que Henry estava errado, seja lá quem for a pessoa por traz disso estava bem perto de nós. Lembrei da voz assustadora que ouvi no hall, parecia ser voz de mulher, ela dizia que nunca iríamos fugir, que iríamos pagar. “Não vai fugir de mim.” Fiquei com essa frase na cabeça, por que a mulher misteriosa disse que não iriamos fugir dela ao invés de dizer que não iriamos fugir da casa? Se quiséssemos realmente fugir era só quebrar uma janela ou derrubar uma porta, certo? Então por que ela não falou que não íamos fugir da casa? A não ser...

− É a própria casa! - disse eu em voz alta, Henry, Edric e Rick me olharam surpresos. − Como foi que eu não pensei nisso antes!

− O que? - perguntou Rick

− É a casa! Não é uma pessoa, é a própria mansão, ela está viva!

− Como assim Elena? - perguntou Edric confuso.

− Eu acho que a pessoa que causou todas essas mortes acabou sendo morta aqui também, mas o espírito dela ficou tão furioso que voltou em busca de vingança, então quando a mansão foi construída, ela se apossou da casa para continuar atraindo mais vítimas.

Os rapazes ficaram em silencio por um momento, pensativos.

− Pode ser possível, uma pessoa que fez sacrifícios humanos só pode ter feito para conseguir poder e um espírito poderoso assim pode facilmente se incorporar numa mansão. Nesse caso nossos radares não captariam um espírito, pois ele está com forma física. – disse Edric.

− Se essa teoria for verdade, então já temos um plano de ação, procurar os restos da mulher e destruí-los antes que ela...

Henry foi interrompido pelo apitar incessante de um alarme, mas antes que pudéssemos fazer alguma coisa a porta da cozinha foi arrancada e despedaçada por uma força invisível. Uma figura negra feita de fumaça apareceu pelo espaço que entes era a porta, a figura humanoide parecia ser uma mulher, seus olhos eram pontos de uma luz fantasmagórica e cruel, sua voz era como o som de unhas arranhando um quadro, sua presença, arrepiante e maligna.

Vão pagar...Vão pagar... Não vão escapar de mim! Vão morrer!

De repente tudo na cozinha começou a flutuar, igual ao que aconteceu no hall.

− Preparem-se para lutar galera! - gritou algum dos rapazes, mas por conta do barulho de panelas, armários, gavetas e todo o tipo de utensílio de cozinha que se pudesse imaginar voando em turbilhão pelo ar, eu não consegui ouvir direito quem era.

Henry sacou novamente suas pistolas prateadas e começou a atirar em tudo o que se movesse com uma precisão inacreditável, inclusive na mulher fantasmagórica, mas as balas passavam por ela como flechas de luz, não causando o menor dano. Uma grande panela de bronze veio voando diretamente para o rosto de Edric, eu nem tive tempo de gritar, ele fez aparecer uma grande espada completamente negra do nada e cortou a panela no meio com uma rapidez impressionante, eu pisquei algumas vezes para me certificar de que não tinha visto errado. Edric parecia um borrão preto cortando tudo que se aproximasse dele. Me virei procurando abrigo debaixo da mesa que ficava no meio da cozinha quando vi Rick quebrar uma cadeira de madeira sólida com um soco e logo depois quebrar uma travessa de vidro daquelas grossas que vão ao forno também com os punhos. Estava apavorada com o tamanho da força de meus companheiros, eles nem pareciam mais humanos lutando daquele jeito, com incrível força e velocidade, parecia que eu estava cercada de monstros. Rapidamente corri para debaixo da mesa quando os cacos da travessa voaram para todo o lado.

− Opa Elena, me desculpa eu não tinha te visto aí, se machucou? - perguntou Rick que tinha se abaixado para ver como eu estava debaixo da mesa.

− Estou bem, eu acho. – respondi com a voz um pouco trêmula.

− Que bom! Não precisa se preocupar, ok? Eu vou cuidar de você, nada vai te machucar.

− S-Sério? – perguntei

− Claro! Jamais deixaria uma garota bonita se machucar, vou te proteger com a minha vida se for necessário! – respondeu ele com uma piscadinha e um belo sorriso largo.

Olhei atentamente para o rosto de Rick, com sua pele bronzeada, cabelo castanho escuro bem penteado e olhos pretos, ele parecia genuinamente preocupado comigo, pensei melhor e vi que mesmo tenho uma força ridícula para um ser humano ele ainda era o Rick que eu conheci hoje cedo. Me virei e vi Edric e Henry ainda lutando contra os utensílios voadores, olhei para os seus rostos e as expressões que faziam, vi que eles ainda eram os mesmos que conhecia, respirei fundo e percebi que não sentia mais tanto medo deles, percebi que mesmo sendo extraordinários, ainda eram meus companheiros e meus amigos.

Reuni toda a coragem que tinha e saí de debaixo da mesa, decidi que iria lutar também, não só por mim, não só pelas pessoas que sofreram aqui, mas também pelos meus amigos, posso não ter super força, atirar como um profissional ou cortar as coisas com super velocidade como eles, mas iria lutar mesmo assim, do meu próprio jeito.

Corri para a despensa a procura de algo que pudesse usar como arma, mesmo que fosse uma frigideira ou um cabo de vassoura, qualquer coisa serviria, mas infelizmente não encontrei nada. Frustrada passei a mão direita pelo meu rosto e quando fui dar um passo me desequilibrei quando pisei no cadarço desamarrado do meu coturno, antes que caísse, me encostei na parede de pedra oposta á porta pois era a única que não tinha armários, de repente senti a parede se mexer e do nada caí no chão. Parece que eu tenho o dom de achar passagens secretas e de me machucar no processo, com as costas doendo me levantei com um pouco de dificuldade. Atrás da parede falsa tinha o que parecia ser um quartinho de criança escuro e úmido e tinha o mesmo cheiro da caverna secreta que achamos debaixo da biblioteca. Deitado cuidadosamente na cama no canto do quarto estava um esqueleto pequeno vestindo um vestido branco surrado, com flores secas ao redor e com uma velha e mofada boneca de pano nos braços. Vendo aquele esqueleto de criança daquele jeito meus olhos se encheram de lágrimas que desciam sem parar.

− Eu te achei. – disse eu entre soluços.

Senti uma presença atrás de mim. Era a mesma garotinha que eu tinha visto antes, que agora olhando de perto eu tinha confirmado que se tratava mesmo de um fantasma.

Obrigada por me encontrar senhorita. disse a garotinha com a voz suave que mais parecia um sussurro.

− O que aconteceu com você minha criança? O que eu posso fazer pra te ajudar?

A garotinha fantasma se aproximou de mim e num piscar de olhos ela entrou no meu corpo, senti uma onda gelada me atravessar de cima a baixo e sem forças caí de joelhos no chão. Imagens começaram a aparecer na minha mente, visões de um tempo distante, as memórias daquela pobre alma angustiada passavam diante dos meus olhos. Eu vi uma vila, vi seus moradores felizes, vi uma pequena cabana, um quartinho de menina arrumado, vi uma mulher de costas cozinhando no fogão a lenha. Vi também a floresta escura durante a noite, vi um homem estranho se aproximar de mim, vi uma faca brilhando contra a luz da lua, me vi correndo pela floresta, por entre os galhos, minha respiração formando uma fumaça branca pelo ar, senti meu pé se enroscar numa raiz de arvore, vi um barranco a minha frente, rolei por ele, senti uma dor forte no pescoço, e vi meu ultimo suspiro se elevar ao céu. Ouvi vozes chamar um nome, Lila, vi pessoas se aproximarem, vi um corpo pequeno e pálido de criança nos braços de uma mulher aos prantos. Vi essa mulher me levar para casa e colocar meu corpo sobre uma mesa de pedra, vi pessoas uma a uma sendo levadas até a caverna e nunca mais saírem, vi sangue e ouvi gritos de dor e pavor, vi velas e um grande pentagrama no chão, vi pessoas com tochas invadirem a casa, vi a mulher apanhar, se chutada e levar socos por várias pessoas, a vi ser arrastada para fora, vi a casa ser destruída e vi a mulher sendo queimada numa fogueira no meio da praça, a vi amaldiçoar a vila e cada um de seus moradores e a vi jurar vingança. Vi a vila pegando fogo e pessoas sendo queimadas vivas, mulheres gritando, crianças correndo e chorando e no meio de toda aquela desgraça eu a vi, a mulher que um dia cuidou de mim, a mulher que derramou sangue por mim e que jurou que iria voltar para se vingar, eu vi minha mãe.

Senti outra onda gelada estremecer meu corpo, respirei fundo várias vezes, meu coração estava apertado, minha garganta seca, senti que iria chorar outra vez, mas segurei as lágrimas, agora não era hora para isso. Me levantei e fui em direção da cozinha, Henry, Rick e Edric estavam lutando com tudo o que tinham, mas estavam visivelmente cansados e não iriam aguentar muito tempo, fui andando em direção à mulher que era a mãe de Lila.

− Senhora, por favor pare, chega de tanto mal, sua filha não quer que você machuque pessoas inocentes, por favor pare!

O espírito da mulher olhou para mim, mas parecia que ela não tinha me escutado. Uma grande faca de cozinha veio em minha direção, mas Edric a cortou e ela caiu no chão.

− Elena o que você está fazendo? É perigoso, saia daí!

− Eu sei que a senhora só fez tudo aquilo porque queria sua filha de volta, perder sua única filha de uma maneira tão repentina deve ter sido horrível, eu entendo isso, mas precisa nos deixar ajudá-la!

Senti outra onda gelada e vi Lila sair de dentro do meu corpo.

Mamãe, já chega, pare com isso! Por favor olhe para mim, sou eu mãe, Lila, sua filha, por favor eu imploro pare com toda essa maldade!

− Li...la...

A mulher pareceu ter reconhecido a filha, mas um segundo depois ela começou a gritar e se contorcer como se estivesse com dor, eu não sabia o que estava acontecendo, tudo começou a tremer violentamente, as janelas quebraram e parecia que o teto iria cair a qualquer momento.

− Senhora, por favor, pare! Vai nos matar!

Como se fosse um buraco negro o espírito da mulher começou a atrair e sugar o que parecia ser mais fumaça negra do ar, e com isso ficou cada vez mais e mais sombria e monstruosa, parecia uma massa de dor, sofrimento, ódio e morte em forma de pessoa.

Edric tentou ataca-la com a espada e Henry atirava nela sem parar, mas nada fazia efeito.

− Precisamos sair daqui! - gritou Edric, nesse momento a mulher levantou o braço e ia atacar Edric, eu corri e o empurrei.

− Cuidado Edric!

Senti meu corpo ser arremessado longe e bati com força contra uma parede de madeira da cozinha fazendo-a rachar, caí no chão como uma boneca de trapos, a última coisa que vi antes de tudo escurecer foi Edric ao longe gritando meu nome.

Quando abri os olhos me vi num lugar estranho, parecia um espaço vazio, eu não sei como que vim parar aqui, mas eu senti que não estava sozinha, e realmente eu não estava.

− Finalmente nos conhecemos Elena, desculpe por termos que nos conhecer dessa maneira. — disse uma voz feminina, eu não sabia de quem era.

− Quem esta aí? Quem é você? – perguntei olhando ao meu redor, mas sem ver ninguém.

− Infelizmente não há tempo para apresentações, Josephine vai te explicar tudo depois.

− Como você conhece Josephine? Quem é você? Mostre-se!

− Já disse que agora não é hora para apresentações! Você está correndo perigo, não era assim que eu queria que você recebesse sua herança, mas não há outro jeito.

− Que herança? O que está acontecendo?

− Lembre-se que eu sempre vou te ajudar no que for necessário, afinal é a minha função, use-me da maneira que achar melhor.

O que raios está acontecendo? Me responda, quem é você?

Vi uma silhueta feminina ao longe, então fui engolida por uma luz avermelhada. Senti uma onda de poder crescer dentro de mim, senti como se tivesse nascido de novo, eu me senti forte, poderosa e mesmo que ainda estivesse cheia de perguntas sem respostas, instintivamente eu sabia o que devia fazer. Fechei os olhos e me imaginei de volta na mansão, quando acordei eu vi Edric, Henry e Rick, meus amigos, já nas ultimas forças, contra a mãe de Lila. Me levantei, meu corpo doía, senti sangue escorrer pelo meu rosto, mas eu não tinha medo, eu sabia exatamente o que fazer.


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